Language of document : ECLI:EU:T:2000:168

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

27 de Junho de 2000 (1)

«Recurso de anulação - Directiva 98/43/CE - Proibição de publicidade e patrocínio dos produtos do tabaco - Admissibilidade»

Nos processos apensos T-172/98, T-175/98 e T-177/98,

Salamander AG, com sede em Kornwestheim (Alemanha), representada por O. W. Brouwer, advogado nos foros de Amsterdão e Bruxelas, e F. P. Louis, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado M. Loesch, 11, rue Goethe,

Una Film «City Revue» GmbH, com sede em Viena (Áustria), representada por R. Borgelt, advogado em Dusseldorf, assistido por M. Dauses, professor na Universidade de Bamberg, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Reding e Felten, 2, rue Jean-Pierre Brasseur,

Alma Media Group Advertising SA & Co. Partnership,

Panel Two and Four Advertising SA,

Rythmos Outdoor Advertising SA,

Media Center Advertising SA,

com sede em Atenas (Grécia), representadas por H. Papaconstantinou, advogado no foro de Atenas, É. Morgan de Rivery, advogado no foro de Paris, e J. Derenne, advogado nos foros de Paris e Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado A. Schmitt, 7, Val Sainte-Croix,

Zino Davidoff SA, com sede em Friburgo (Suíça),

e

Davidoff & Cie SA, com sede em Genebra (Suíça),

representadas por R. Wägenbaur, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Arendt e Medernach, 8-10, rue Mathias Hardt,

recorrentes,

apoiadas por

Markenverband eV, com sede em Wiesbaden (Alemanha), representados por K. Bauer, advogado em Colónia, assistido por M. Dauses, professor na Universidade de Bamberg, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado M. Loesch, 11, rue Goethe,

e por

Manifattura Lane Gaetano Marzotto & Figli SpA, com sede em Valdagno (Itália), representada por L. Magrone Furlotti, advogado no foro de Roma, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado A. Schmitt, 7, Val Sainte-Croix,

intervenientes no processo T-172/98,

e por

Lancaster BV, com sede em Amsterdão (Países Baixos), representada por R. Wägenbaur, advogado no foro de Bruxelas, com domicílio escolhido noLuxemburgo no escritório dos advogados Arendt e Medernach, 8-10, rue Mathias Hardt,

interveniente no processo T-177/98,

contra

Parlamento Europeu, representado por C. Pennera, chefe de divisão do Serviço Jurídico, e, nos processos T-172/98 e T-176/98, por M. Moore, e, nos processos T-175/98 e T-177/98, por M. Berger, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo, na sede do Secretariado-Geral do Parlamento Europeu, Kirchberg,

e

Conselho da União Europeia, representado por R. Gosalbo Bono, director do Serviço Jurídico, e, no processo T-172/98, por A. P. Feeney, e, nos processos T-175/98, T-176/98 e T-177/98, por S. Marquardt e A. P. Feeney, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de A. Morbilli, director-geral da Direcção dos Assuntos Jurídicos do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer,

recorridos,

apoiados por

República da Finlândia, representada por T. Pynnä, consultora jurídica no Ministério dos Negócios Estrangeiros, e por H. Rotkirch, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada da Finlândia, 2, rue Heinrich Heine,

por

Comissão das Comunidades Europeias, representada, nos processos T-175/98 e T-177/98, por U. Wölker e I. Martinez del Peral, e, nos processos T-172/98 e T-176/98, por I. Martinez del Peral e M. Schotter, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

por

Reino Unido de Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte, representado por M. Ewing, na qualidade de agente, com domicílio escolhido na sede da Embaixada do Reino Unido, 14, boulevard Roosevelt,

e por

República Francesa, representada por K. Rispal-Bellanger, subdirectora do Direito Económico Internacional e Direito Comunitário na Direcção dos Assuntos Jurídicos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, e R. Losli-Surrans, encarregada de missão, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo na sede da Embaixada de França, 8 B, boulevard Joseph II,

intervenientes,

que tem por objecto o pedido de anulação da Directiva 98/43/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Julho de 1998 relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de publicidade e de patrocínio dos produtos do tabaco (JO L 213, p. 9),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, J. Azizi e M. Jaeger, juízes,

secretário: H. Jung,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Novembro de 1999,

profere o presente

Acórdão

1.
    A Directiva 98/43/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 6 de Julho de 1998 relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de publicidade e de patrocínio dos produtos do tabaco (JO L 213, p. 9, a seguir «directiva 98/43» ou «directiva controvertida»), dispõe designadamente:

«Artigo 1.°

A presente directiva tem por objecto a aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros em matéria de publicidade e de patrocínio dos produtos do tabaco.

Artigo 2.°

Para efeitos da presente directiva, entende-se por:

1.    'Produto do tabaco': qualquer produto destinado a ser fumado, inalado, chupado ou mastigado, desde que seja constituído, mesmo parcialmente, por tabaco;

2.    'Publicidade': qualquer forma de comunicação comercial que tenha como objectivo ou efeito directo ou indirecto promover um produto do tabaco, incluindo a publicidade que, sem mencionar directamente o produto do tabaco, tente contornar a proibição de publicidade, utilizando nomes, marcas, símbolos ou outros distintivos de produtos do tabaco;

3.    'Patrocínio': qualquer contributo público ou privado para actividades ou acontecimentos, que tenha por objectivo ou por efeito directo ou indirecto promover um produto do tabaco;

4.    'Ponto de venda de tabaco': qualquer local onde sejam colocados à venda produtos do tabaco.

Artigo 3.°

1. Sem prejuízo da Directiva 89/552/CEE, são proibidas na Comunidade todas as formas de publicidade ou de patrocínio.

2. O n.° 1 não obsta a que um Estado-Membro possa autorizar que um nome já utilizado de boa-fé simultaneamente para produtos do tabaco e outros produtos ou serviços, comercializados ou oferecidos por uma mesma empresa ou empresas distintas antes de 30 de Julho de 1998, seja utilizado para a publicidade a esses outros produtos ou serviços.

Porém, esse nome apenas poderá ser utilizado sob um aspecto claramente distinto do utilizado para o produto do tabaco, com exclusão de qualquer outro sinal distintivo já utilizado para um produto do tabaco.

[...]

Artigo 6.°

1. Os Estados-Membros porão em vigor as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente directiva, o mais tardar, em 30 de Julho de 2001. Do facto informarão imediatamente a Comissão.

[...]

Artigo 8.°

A presente directiva entra em vigor na data da sua publicação no Jornal Oficial das Comunidades Europeias

Factos e tramitação processual

2.
    A Salamander AG, recorrente no processo T-172/98, é uma empresa de direito alemão que se dedica ao fabrico de calçado e botas. É, desde 1978, titular de uma licença concedida pela sociedade R. J. R. Nabisco, proprietário da marca «Camel», que a autoriza a fabricar e comercializar calçado sob a marca «Camel Boots». A parcela desse produto no volume de negócios anual da recorrente é de cerca de 20%, representando cerca de 30% do lucro bruto.

3.
    A Una Film «City Revue» GmbH (a seguir «Una Film»), recorrente no processo T-175/98, é uma empresa de direito austríaco cuja actividade consiste em distribuir filmes publicitários nas salas de cinema. De acordo com os dados fornecidos, é a única co-contraente da empresa de direito austríaco Austria Tabak, a qual goza do exclusivo de direitos sobre as mensagens publicitárias dos produtos do tabaco na Áustria. A recorrente é, pois, a única empresa a assegurar, no referido país, a distribuição nas salas de cinema de filmes publicitários relativos a produtos de tabaco.

4.
    A Alma Media Group Advertising SA & Co. Partnership, a Panel Two and Four Advertising SA, a Rythmos Outdoor Advertising SA e a Media Center Advertising SA (a seguir «sociedades do grupo Alma Media»), recorrentes no processo T-176/98, são empresas de direito grego, todas elas pertencentes ao grupo Alma Media, que se ocupam da venda de espaços publicitários situados em locais públicos de três cidades gregas, a saber, Atenas, Tessalónica e Kalamaria. Tais sociedades celebraram com os municípios das referidas cidades contratos de concessão, em cujos termos se comprometem a instaurar e manter painéis publicitários e mobiliário urbano de utilidade pública que, sob determinadas condições, pode ser utilizado para fins publicitários em favor, designadamente e em parcela significativa, de produtos do tabaco. Tais sociedades referem que, detendo 90% das partes do mercado em causa, são, na Grécia, as mais importantes empresas de colocação à disposição de espaço publicitário em painéis para o efeito previstos e com recurso ao mobiliário urbano, sendo de referir que, no dito país, a publicidade dos produtos do tabaco é principalmente efectuada por esses meios.

5.
    A Zino Davidoff SA e a Davidoff & Cie SA (a seguir «sociedades Davidoff»), recorrentes no processo T-177/98, são sociedades de direito suíço. A Zino Davidoff SA é titular dos direitos relacionados com a marca «Davidoff» fora do sector do tabaco. A esse título, concede a outras empresas licenças que permitem a exploração comercial dos produtos de diversificação com a marca «Davidoff» e marcas associadas, como sejam, produtos cosméticos e artigos de viagem. A Davidoff & Cie SA é titular dos direitos relacionados com a marca «Davidoff» relativos aos produtos do tabaco, incluindo os artigos para fumadores (isqueiros, corta-cigarros e humidificadores).

6.
    Por requerimentos entregues na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 19, 23 e 26 de Outubro de 1998, a Salamander, a Una Film, as sociedades do grupo Alma Media e as sociedades Davidoff interpuseram recursos respectivamente registados sob os números T-172/98, T-175/98, T-176/98 e T-177/98.

7.
    As sociedades Davidoff declaram limitar o respectivo recurso à proibição do patrocínio e da publicidade de marcas utilizadas antes de 30 de Julho de 1998, data de publicação da directiva, relativamente à publicidade de produtos que não os produtos do tabaco.

8.
    Por requerimentos separados, entregues na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 15 de Dezembro de 1998, 21 de Dezembro de 1998, 8 de Janeiro de 1999, 14 de Janeiro de 1999 e 15 de Janeiro de 1999, o Parlamento e o Conselho suscitaram, nos termos do n.° 1 do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, uma questão prévia de inadmissibilidade nos quatro referidos processos.

9.
    Por articulados entregues em 10 de Março de 1999, 6 de Abril de 1999 e 15 de Abril de 1999, a Salamander, a Una Film, as sociedades do grupo Alma Media e as sociedades Davidoff apresentaram as suas observações sobre tais questões prévias.

10.
    Por carta de 16 de Dezembro de 1998, o Tribunal solicitou às partes que apresentassem observações sobre a eventual suspensão dos processos ou a sua remissão para o Tribunal de Justiça, tendo em conta que, em 19 de Outubro de 1998, a República Federal da Alemanha interpusera neste Tribunal um recurso de anulação da Directiva 98/43 (processo C-376/98). A Salamander e as sociedades do grupo Alma Media (por articulados entregues em 7 de Janeiro de 1999), o Parlamento (por articulados entregues, no processo T-172/98, em 5 de Janeiro de 1999, e, no processo T-176/98, em 8 de Janeiro de 1999) e o Conselho (por articulados entregues, nos processos T-172/98 e T-176/98, em 8 de Janeiro de 1999) dão o seu acordo a esse pedido, observando que todas as partes, com excepção das sociedades do grupo Alma Media, haviam já tomado posição sobre esta questão nos articulados anexos às petições ou aos documentos em que era suscitada a questão de inadmissibilidade.

11.
    Em 2 de Março de 1999, a High Court of Justice (Reino Unido) submeteu ao Tribunal de Justiça uma questão prejudicial relativa à apreciação da validade da Directiva 98/43, registada sob o número C-74/99.

12.
    Por requerimentos entregues na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 4, 17, 19, 23 e 25 de Março de 1999, a República da Finlândia, a Comissão, o Reino Unido e a República Francesa solicitaram a sua intervenção, nos processos T-172/98 e T-175/98 a T-177/98, em apoio das conclusões do Parlamento e doConselho. Por despachos de 2, 5 e 7 de Julho de 1999, o presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância deferiu tais pedidos.

13.
    Por requerimentos entregues na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 15 de Abril e 30 de Maio de 1999, a Markenverband eV e a Manifattura Lane Gaetano Marzotto & Figli SpA solicitaram a sua intervenção, no processo T-172/98, em apoio da recorrente. Por despachos de 7 e 21 de Julho de 1999, o presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância deferiu tais pedidos.

14.
    Por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Março de 1999, a associação International Chamber of Commerce solicitou a sua intervenção, no processo T-177/98, em apoio das conclusões das recorrentes. Por despacho de 7 de Julho de 1999, o presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância indeferiu tal pedido.

15.
    Por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 18 de Março de 1999, a Lancaster BV solicitou a sua intervenção, no processo T-177/98, em apoio das conclusões das recorrentes. Por despacho de 2 de Julho de 1999, o presidente da Terceira Secção do Tribunal de Primeira Instância deferiu tal pedido.

16.
    O Tribunal convidou os intervenientes nos processos T-172/98, T-175/98, T-176/98 e T-177/98 a apresentarem articulados restritos à questão da admissibilidade do recurso.

17.
    A República Francesa e o Reino Unido renunciaram a apresentar articulado de intervenção nos quatro referidos processos.

18.
    A Manifattura Lane Gaetano Marzotto & Figli renunciou a entregar articulado de intervenção no processo T-172/98.

19.
    A As partes, com excepção da República da Finlândia, do Reino Unido e da Manifattura Lane Gaetano Marzotto & Figli, apresentaram as suas alegações e respostas às questões orais do Tribunal nas audiências públicas que decorreram separadamente para cada um dos processos em 25 de Novembro de 1998.

20.
    Nos termos do artigo 50.° do Regulamento de Processo, ouvidas as partes, cabe apensar os processos T-172/98, T-175/98, T-176/98 e T-177/98 para efeitos de acórdão.

Pedidos das partes

21.
    As recorrentes, sustentadas pela Markenverband e pela Lancaster, intervenientes, concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    rejeitar a questão prévia de inadmissibilidade;

-    anular a Directiva 98/43;

-    a título subsidiário, nos processos T-172/98 e T-175/98, anular o artigo 3.° da Directiva 98/43;

-    condenar os recorridos nas despesas.

22.
    Convidam, assim, o Tribunal de Primeira Instância a declinar a sua competência em favor do Tribunal de Justiça, ao qual foi submetido o processo C-376/98.

23.
    Os recorridos, sustentados pela República da Finlândia e pela Comissão, intervenientes, concluem pedindo que o tribunal se digne:

-    rejeitar os recursos por inadmissíveis;

-    a título subsidiário, suspender o processo enquanto se aguarda decisão no recuso C-376/98;

-    condenar as recorrentes nas despesas.

Quanto à admissibilidade

24.
    O Parlamento e o Conselho, sustentados pela República da Finlândia, pela República Francesa, pelo Reino Unido e pela Comissão, suscitaram uma questão prévia de inadmissibilidade com base no n.° 1 do artigo 114.° do Regulamento de Processo. Alegam, com efeito, a inadmissibilidade dos recursos em virtude da natureza do acto impugnado e do facto de as recorrentes não serem directa ou individualmente por ele afectadas, na acepção do quarto parágrafo do artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.°, quarto parágrafo, CE).

Quanto ao facto de os recursos terem por objecto uma directiva

25.
    O Conselho sustenta, referindo o despacho do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Outubro de 1994, Asocarne/Conselho (T-99/94, Colect., p. II-871), que foi objecto de recurso rejeitado por despacho do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1995, Asocarne/Conselho (C-10/95 P, Colect., p. I-4149), que o quarto parágrafo do artigo 173.° do Tratado não prevê a possibilidade de os particulares recorrerem directamente das directivas para a jurisdição comunitária. Aquela instituição entende que, ainda que se admita ser possível equiparar, contrariamente à redacção do referido artigo, as directivas aos regulamentos para se admitir recurso de uma decisão «adoptada sob a aparência» de uma directiva, a directiva controvertida não constitui decisão «disfarçada», nem contémdisposições específicas que tenham a natureza de decisão individual relativa às recorrentes.

26.
    As recorrentes alegam, referindo o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Junho de 1998, UEAPME/Conselho (T-135/96, Colect., p. II-2335, n.° 63), que os recursos de anulação interpostos por pessoas singulares ou colectivas não são inadmissíveis pelo mero facto de terem por objecto uma directiva. A Salamander acrescenta ser também necessário atender ao facto de o argumento principal das recorrentes se basear em que os recorridos cometeram um excesso de poder ao adoptar a Directiva 98/43, na medida em que esta rege matéria que não pode ser objecto de uma directiva. É, pois, inaceitável pretender que as recorrentes não têm o direito de impugnar o acto em causa, pelo mero facto de se tratar de uma directiva. A admissibilidade dos recursos depende exclusivamente da questão de saber se se deve considerar que as recorrentes são directa e individualmente afectadas pela Directiva 98/43.

27.
    O Tribunal reconhece que o quarto parágrafo do artigo 173.° do Tratado não concede aos particulares qualquer possibilidade de recurso directo das directivas para a jurisdição comunitária.

28.
    Ainda que se admita a possibilidade de - contrariamente à redacção do quarto parágrafo do artigo 173.° do Tratado - equiparar as directivas aos regulamentos para se admitir recurso de uma decisão «adoptada sob a aparência» de uma directiva, cabe salientar, no caso vertente, que a directiva controvertida não é uma decisão «disfarçada», não contendo disposições específicas susceptíveis de assumir a natureza de decisão individual relativa aos recorrentes. Aliás, estas não pretendem que a Directiva 98/43 não corresponde, enquanto tal, às exigências do artigo 189.° do Tratado CE (actual artigo 249.° CE). Trata-se, na realidade, de um acto normativo, visto que visa, de forma geral e abstracta, todos os operadores económicos dos Estados-Membros que, a partir de 30 de Julho de 2001, preencham as condições nele enunciadas, necessitando ademais, para ser aplicável nos Estados-Membros, da sua transposição para cada ordem jurídica interna através de disposições nacionais de execução.

29.
    Cabe igualmente recordar que as directivas, embora apenas vinculem, em princípio, os seus destinatários, que são os Estados-Membros, constituem normalmente um modo de legislação ou de regulamentação indirecta. Aliás, o Tribunal de Justiça já por diversas vezes qualificou as directivas como um acto de alcance geral (v., nomeadamente, os acórdãos do Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 1984, Kloppenburg, 70/83, Recueil, p. 1075, n.° 11, e de 29 de Junho de 1993, Gibraltar/Conselho, C-298/89, Colect., p. I-3605, n.° 16; e os despachos do Tribunal de Justiça de 13 de Julho de 1988, Fédération européenne de la santé animale e o./Conselho, 160/88 R, Colect., p. 4121, n.° 28, e de 23 de Novembro de 1995, Asocarne/Conselho, já referido, n.° 29).

30.
    Contudo, em determinadas circunstâncias, mesmo um acto normativo aplicável à generalidade dos operadores económicos interessados pode afectar directa e individualmente alguns deles (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki-Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, n.os 11 a 32, de 26 de Junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C-152/88, Colect., p. I-2477, n.os 11 a 13, de 16 de Maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho, C-358/89, Colect., p. I-2501, n.os 13 a 18, e de 18 de Maio de 1994, Codorniu/Conselho, C-309/89, Colect., p. I-1853, n.os 19 a 22).

31.
    Cabe pois verificar se a directiva controvertida afecta directa e individualmente as recorrentes.

Quanto à questão de saber se as recorrentes são directamente afectadas pela Directiva 98/43

Argumentos das partes

32.
    As recorrentes sustentam, no essencial, que a exigência consistente em se ser directamente afectados pelo acto impugnado diz respeito à questão da qualidade desse acto, que deve ser suficientemente claro e incondicional para impor por si próprio obrigações e, assim, afectar os respectivos direitos individuais. As recorrentes entendem que a directiva controvertida se reveste de tal qualidade.

33.
    Em primeiro lugar, a Directiva 98/43, na situação existente, ou seja, antes da sua transposição para as ordens jurídicas internas prevista para o mais tardar 30 de Julho de 2001, afecta a situação jurídica e de facto das recorrentes.

34.
    Por um lado, a directiva produz desde já efeitos jurídicos.

35.
    Em primeiro lugar, como sustenta a Markenverband, decorre de uma jurisprudência recente que, durante o período previsto para a transposição de uma directiva, os Estados-Membros devem abster-se de qualquer acto que possa pôr seriamente em perigo os respectivos objectivos (acórdão do Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 1997, Inter-Environnement Wallonie, C-129/96, Colect., p. I-7411, n.° 45). Esta proibição de qualquer acto contrário aos objectivos de uma directiva deve ser considerada como princípio geral de direito a ser respeitado tanto pelas entidades de direito público dos Estados-Membros como por qualquer sujeito de direito privado, como sejam as recorrentes.

36.
    Em segundo lugar, a Una Film considera encontrar-se numa situação jurídica especial que a obriga a respeitar a Directiva 98/43 mesmo antes da sua transposição. Recorda, a este respeito, que, embora as directivas não sejam susceptíveis de acarretar obrigações para os particulares e, em consequência, de por eles serem invocadas (acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 1986, Marshall, 152/84, Colect., p. 723, n.° 48, e de 14 de Julho de 1994, FacciniDori, C-91/92, Colect., p. I-3325, n.° 24), o mesmo não sucede quando o sujeito de direito contra o qual uma directiva é invocada deve ser considerado, independentemente da sua forma jurídica, como integrando a esfera estatal. Esta solução foi recentemente aplicada a empresas privadas sujeitas à autoridade ou ao controlo do Estado ou que dispõem de poderes exorbitantes relativamente aos decorrentes das normas aplicáveis nas relações entre particulares (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1990, Foster e o., C-188/89, Colect., p. I-3313, n.os 18 e 20). Além disso, o Estado e as entidades que a ele devem ser equiparadas com base na referida jurisprudência devem abster-se, durante o prazo previsto para a transposição de uma directiva, de adoptar disposições susceptíveis de comprometer seriamente o resultado nela prescrito (acórdão Inter-Environnement Wallonie, já referido, n.° 45).

37.
    A Una Film sustenta preencher as condições estabelecidas pelo referido acórdão Foster e o., observando que, embora não sendo uma empresa pública, é a única co-contraente da empresa Austria Tabak, da qual obteve o monopólio de facto do mercado da publicidade dos produtos do tabaco nos cinemas austríacos. Ora, esta empresa teve, na Áustria, o monopólio legal da cultura, importação e venda de tabaco até à adesão deste país à Comunidade em 1995, na sequência da qual foi autorizado o estabelecimento de outros negociantes por grosso de produtos do tabaco. Em 1997, a empresa foi parcialmente privatizada, conservando o Estado austríaco 50,5% do capital. Apesar da abolição do monopólio legal e da sua parcial privatização, a Austria Tabak manteve a sua posição dominante no mercado em causa, permanecendo uma empresa pública na acepção do artigo 90.° do Tratado CE (actual artigo 86.° CE). A Una Filma conclui que, em virtude desta situação de facto especial, está obrigada, da mesma forma que as autoridades estatais, a respeitar desde já a Directiva 98/43, mesmo na ausência de medidas nacionais de transposição.

38.
    A Una Filma acrescenta que esta conclusão não é posta em causa pelo facto de o seu monopólio decorrer das relações contratuais com a Austria Tabak, empresa de direito privado, contudo sujeita ao controlo do Estado. Assim, no acórdão de 24 de Novembro de 1982, Comissão/Irlanda (249/81, Recueil, p. 4005, n.os 10 e 15), o Tribunal de Justiça considerou a organização de uma campanha de publicidade em favor de produtos irlandeses por uma sociedade de direito privado para esse efeito constituída pelo Governo irlandês como uma violação da proibição de medidas de efeito equivalente imputável à Irlanda, rejeitando o argumento do referido país baseado no facto de tal actividade publicitária ter sido conduzida por uma pessoa colectiva distinta do Estado pela sua forma jurídica.

39.
    Por outro lado, a directiva produz desde já efeitos de facto.

40.
    Assim, a Una Film sustenta sofrer actualmente, ou seja, mesmo antes da transposição da directiva, perdas devidas à diminuição das encomendas. A Salamander e as sociedades Davidoff referem que a directiva controvertida, instituindo o princípio da proibição, com efeito o mais tardar em 30 de Julho de2001, da publicidade relativa a artigos comercializados com designações de produtos do tabaco, sob reserva de uma derrogação sujeita a condições muito restritivas, cria, desde já, uma incerteza muito significativa sobre as condições de comercialização de tais artigos num futuro imediato. Efectuando-se essa comercialização em mercados particularmente concorrenciais, os retalhistas são desde já obrigados a decidir ou pelo prosseguimento da distribuição desses artigos com riscos de perda a partir da entrada em vigor da proibição da publicidade ou pelo aprovisionamento junto de empresas concorrentes que comercializem produtos não susceptíveis de serem sujeitos à referida proibição. Para a Salamander e as sociedades Davidoff, tal situação é susceptível de gerar diminuição do volume de vendas e, em consequência, uma diminuição particularmente significativa do respectivo volume de negócios.

41.
    A Lancaster recorda que a derrogação prevista no n.° 2 do artigo 3.° da Directiva 98/43 apenas pode ser concedida por um Estado-Membro se o nome do produto de diversificação for «utilizado... sob um aspecto claramente distinto do utilizado para o produto do tabaco, com a exclusão de qualquer outro sinal distintivo já utilizado para um produto do tabaco». Sendo esta derrogação da proibição da publicidade em favor dos produtos do tabaco deixada, em parte, à apreciação dos Estados-Membros quanto à definição das condições de concessão, é impossível saber actualmente se os referidos Estados exigirão a alteração das marcas actuais. Para além da incerteza gerada por esta situação, a Lancaster sublinha que, muito provavelmente, as condições de concessão da derrogação não serão uniformes, o que constituirá obstáculo à publicidade e, em consequência, à livre circulação de serviços e bens. Para obviar a tais dificuldades, seria necessário prever uma cláusula de reciprocidade que garantisse que uma marca considerada por um Estado-Membro conforme com a Directiva 98/43 o fosse também nos demais Estados-Membros. Ora, para a recorrente, tal cláusula não se encontra expressamente prevista no n.° 2 do artigo 3.° da referida directiva, não podendo ser deduzida dos respectivos termos. Esta insegurança jurídica torna provável a ocorrência de conflitos jurídicos e a aplicação de multas, pelo que os operadores de comércio grossista ameaçam desde já anular as encomendas dos produtos de diversificação contestados.

42.
    As recorrentes concluem, quanto a este ponto, que o facto de se entender que a Directiva 98/43 apenas produz efeitos a partir da sua transposição para o direito nacional resulta de uma perspectiva meramente teórica, que de forma alguma atende à realidade.

43.
    Em segundo lugar, depois da transposição, a directiva controvertida afecta as recorrentes directamente, ou seja, independentemente das medidas nacionais de transposição.

44.
    Assim sucede, por um lado, com a Una Film e as sociedades do grupo Alma Media, em virtude da publicidade que realizam para os produtos do tabaco. Comefeito, a Directiva 98/43 proíbe tal publicidade, sem deixar aos Estados-Membros qualquer poder de apreciação quanto às formas de publicidade proibidas e à data de entrada em vigor de tal proibição.

45.
    O mesmo sucede, por outro lado, com a Salamander, as sociedades Davidoff e ainda a Una Film quanto à publicidade realizada em favor de produtos que não os produtos do tabaco comercializados com o nome de um produto do tabaco. Tal conclusão não é posta em causa pela possibilidade de os Estados-Membros concederem uma derrogação com fundamento no n.° 2 do artigo 3.° da Directiva 98/43.

46.
    Com efeito, com excepção da referida derrogação, a publicidade relativa a produtos que não o tabaco, comercializados com um nome autorizado para produtos do tabaco, é proibida de forma total e incondicional, por força do n.° 1 do artigo 3.° da Directiva 98/43. A aplicação de tal proibição não pressupõe, assim, uma decisão específica do Estado-Membro em causa.

47.
    Além disso, a concessão de uma derrogação está sujeita a condições rigorosas, definidas na directiva controvertida, que limitam a margem de apreciação dos Estados-Membros. Com efeito, em primeiro lugar, a proibição de publicidade de tais produtos é absoluta se o fabricante de produtos do tabaco não tiver procedido à comercialização de produtos de diversificação antes de 30 de Julho de 1998. Em segundo lugar, os Estados-Membros apenas podem decidir a isenção da proibição de publicidade relativamente a produtos de diversificação se tal diversificação tiver ocorrido de boa fé antes de 30 de Julho de 1998. Em terceiro lugar, os Estados-Membros, caso tenham recorrido a tal faculdade, estão obrigados, nos termos do segundo parágrafo do n.° 2 do artigo 3.° da Directiva 98/43, a exigir que o nome do produto de diversificação apenas possa ser utilizado «sob um aspecto claramente distinto do utilizado para o produto do tabaco, com a exclusão de qualquer outro sinal distintivo já utilizado para um produto do tabaco».

48.
    A Salamander e as sociedades Davidoff referem que, ainda que os Estados-Membros se socorram da faculdade de derrogação, serão de qualquer forma obrigadas a alterar graficamente as marcas que exploram sob licença ou de que são titulares e que servem para comercializar produtos que não produtos do tabaco. Tais marcas perderão, em consequência, o respectivo valor e as recorrentes serão praticamente delas expropriados. Esta exigência de alteração das marcas actualmente utilizadas para comercializar produtos de diversificação constitui violação grave e injustificada do direito das marcas, do direito de propriedade e do direito do livre exercício da actividade económica.

49.
    A Lancaster acrescenta, em apoio das sociedades Davidoff, que, apesar de terem efectivamente diversificado a marca «Davidoff» antes de 30 de Julho de 1998 tais sociedades são abrangidas pela proibição de toda e qualquer nova diversificação contida na directiva controvertida. A respectiva política comercial consistiu, com efeito, desde há quinze anos, em comercializar cada três anos um novo produto dediversificação. Para a Lancaster, o prosseguimento de tal política é actualmente posto em causa, sabendo-se que nenhum contraente potencial das recorrentes aceitará celebrar um contrato de licença sem estar seguro de poder beneficiar do renome da marca «Davidoff».

50.
    Por último, a Markenverband salienta que o Tribunal de Justiça decidiu recentemente que o efeito directo de uma directiva adoptada com base no artigo 100.°-A do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 95.° CE) não é contraditado pelo facto de os Estados-Membros terem, atendendo à base jurídica da directiva, a faculdade de solicitarem uma derrogação à sua execução (acórdão do Tribunal de Justiça de 1 de Junho de 1999, Kortas, C-319/97, ainda não publicado na Colectânea, n.os 22 e 23).

51.
    Os recorridos e os intervenientes em seu apoio consideram que as recorrentes não são directamente afectadas pela directiva controvertida.

Apreciação do Tribunal

52.
    A condição de que o particular seja directamente afectado pela medida comunitária impugnada exige que esta produza efeitos directos na situação jurídica do particular e que não deixe qualquer poder de apreciação aos destinatários dessa medida encarregados da sua implementação, já que esta é de carácter puramente automático e decorre apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermédias (acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão, C-386/96 P, Colect., p. I-2309, n.° 43).

53.
    Incumbe, pois, ao Tribunal verificar se a directiva controvertida produz, por si, efeitos sobre a situação jurídica das recorrentes.

54.
    Recorde-se, a este respeito, que uma directiva não pode, por si só, criar obrigações na esfera jurídica de um particular e não poder ser, portanto, invocada, enquanto tal, contra tal pessoa (acórdãos do Tribunal de Justiça Marshall, já referido, n.° 48, de 8 de Outubro de 1987, Kolpinghuis Nijmegen, 80/86, Colect., p. 3969, n.° 9, Faccini Dori, já referido, n.° 25, e de 7 de Março de 1996, El Corte Inglés, C-192/94, Colect., p. I-1281, n.° 15). Daqui decorre que uma directiva que, como no caso vertente, vincule os Estados-Membros a impor obrigações a operadores económicos não é, por si só, antes da adopção das medidas estatais de transposição e independentemente delas, susceptível de afectar directamente a situação jurídica de tais operadores económicos, na acepção do quarto parágrafo do artigo 173.° do Tratado.

55.
    As recorrentes sustentam, contudo, que a directiva controvertida as afecta directamente mesmo antes da transposição.

56.
    Invocam, em primeiro lugar, com base no acórdão Inter-Environnement Wallonie, já referido, existir um princípio geral de direito segundo o qual tanto as entidades de direito público dos Estados-Membros como todos os sujeitos de direito privado estão obrigados a abster-se, durante o período previsto para a transposição de uma directiva, de adoptar disposições susceptíveis de comprometer seriamente o resultado prescrito por tal directiva.

57.
    Basta salientar a este respeito que tal obrigação, que vincula os Estados-Membros de acordo com o acórdão do Tribunal de Justiça Inter-Environnement, já referido, não pode ser aplicado aos particulares. Tal obrigação tem com efeito fundamento no segundo parágrafo do artigo 5.° do Tratado CE (actual artigo 10.°, segundo parágrafo, CE), o qual determina que os Estados-Membros «abster-se-ão de tomar quaisquer medidas susceptíveis de pôr em perigo a realização dos objectivos» do Tratado, e no terceiro parágrafo do artigo 189.° do Tratado CE (actual artigo 249.°, terceiro parágrafo, CE), que dispõe que «a directiva vincula o Estado-Membro destinatário quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à forma e aos meios» (acórdão Inter-Environnement Wallonie, já referido, n.° 45), ou seja, em disposições cujos destinatários são exclusivamente os Estados-Membros, com exclusão dos particulares. Aplicar aos particulares a solução decorrente do referido acórdão significaria reconhecer à Comunidade o poder de estabelecer com efeito imediato obrigações a cargo dos particulares, sendo que só detém tal competência quando lhe é atribuído o poder de adoptar regulamentos (acórdão Faccini Dori, já referido, n.° 24). Como se recordou supra no n.° 54, uma directiva não pode, por si só, criar obrigações a cargo dos particulares.

58.
    Este argumento deve, pois, ser rejeitado.

59.
    Em segundo lugar, a Una Film considera, apesar do seu estatuto de empresa privada, estar integrada na esfera estatal austríaca e, em tais circunstâncias e de acordo com a solução acolhida no acórdão Inter-Environnement Wallonie, já referido, obrigada a respeitar a Directiva 98/43 durante o prazo previsto para a sua transposição. Em apoio de tal argumentação, cita o já referido acórdão Foster e o..

60.
    Saliente-se, contudo, que a Una Film não pode invocar utilmente este último acórdão, em que o Tribunal de Justiça precisou que as disposições de uma directiva que sejam susceptíveis de produzir efeitos directos podem ser invocados contra «um organismo que, seja qual for a sua natureza jurídica, foi encarregado, por um acto de uma autoridade pública, de prestar, sob controlo desta, um serviço de interesse público e que disponha, para esse efeito, de poderes especiais que exorbitem das normas aplicáveis às relações entre particulares» (acórdão Foster e o., já referido, n.° 20 e dispositivo). Com efeito, ainda que se admita, apesar da abolição do monopólio legal de venda dos produtos do tabaco na Áustria e da privatização da empresa Austria Tabak, que esta sociedade pode, eventualmente com base no acórdão Comissão/Irlanda, já referido, invocado pela Una Film, ser considerada autoridade pública na acepção do referido acórdão Foster e o., a UnaFilm não provou, nem aliás pretende, que o objecto da sua actividade comercial em causa, a saber, a distribuição nas salas de cinema de filmes publicitários de produtos do tabaco, de que a Austria Tabak a encarrega, constitui um serviço de interesse público, que tal actividade é exercida em função, não de contratos de direito privado, mas de actos de autoridade pública, e que dispõe, para esse efeito, de poderes exorbitantes relativamente às normas aplicáveis às relações entre particulares.

61.
    Este argumento deve, pois, ser também rejeitado.

62.
    Em terceiro lugar, as recorrentes invocam as repercussões económicas que sofrem ou correm o risco de sofrer em virtude da iminência da transposição da directiva controvertida. Contudo, tais efeitos, ainda que se admita serem consequência directa da própria directiva e não antecipação pelos operadores económicos da sua transposição pelos Estados-Membros, não se repercutem, seja como for, sobre a respectiva situação jurídica, mas exclusivamente sobre a situação de facto das recorrentes.

63.
    Este argumento deve, pois, ser igualmente rejeitado.

64.
    As recorrentes sustentam, em seguida, que a directiva controvertida as afectará directamente após a sua transposição, ou seja, independentemente das medidas nacionais de transposição. Com efeito, a Directiva 98/43 proibirá a publicidade dos produtos do tabaco sem deixar aos Estados-Membros qualquer poder de apreciação. Proibirá também a publicidade de produtos que não do tabaco comercializados com o nome de um produto do tabaco, conferindo embora, é certo, a possibilidade aos Estados-Membros de derrogarem a proibição. A proibição será, pois, o princípio, sendo que a derrogação será uma mera faculdade, pressupondo uma decisão específica dos Estados-Membros e a reunião de rigorosas condições. Assim, a derrogação não é aplicável a um produto comercializado pela primeira vez sob o nome de um produto do tabaco depois de 30 de Julho de 1998, data de entrada em vigor da Directiva 98/43. Em caso de derrogação, os Estados-Membros devem, em qualquer caso, impor a alteração gráfica das marcas sob que são comercializados os produtos de diversificação.

65.
    O Tribunal começa por recordar que, de acordo com a jurisprudência supra referida no n.° 54, a directiva controvertida não pode criar, por si própria, uma obrigação a cargo das recorrentes de se absterem de qualquer publicidade aos produtos do tabaco ou aos produtos de diversificação. Tal obrigação apenas pode decorrer dos actos de transposição adoptados pelos Estados-Membros.

66.
    A este respeito, não procede o argumento retirado do referido acórdão Kortas. De acordo com este acórdão, o efeito directo de uma directiva adoptada, como no caso vertente, com base no artigo 100.°-A do Tratado, não é contraditado pelo facto de os Estados-Membros disporem, tendo em conta a base jurídica dadirectiva, da faculdade de solicitarem uma derrogação, tal como, no presente caso, gozam da faculdade de, sob determinadas condições, concederem uma derrogação à proibição de publicidade aos produtos de diversificação. Ora, a solução acolhida no referido acórdão limita-se exclusivamente à faculdade de os particulares invocarem uma directiva contra um Estado-Membro, tendo sido já acima reconhecido que uma directiva não pode, por si própria, criar obrigações a cargo dos particulares, não sendo em consequência susceptível de ser quanto a eles invocada enquanto tal.

67.
    Saliente-se em seguida, a título subsidiário, que os Estados-Membros têm a liberdade de autorizar a publicidade dos produtos que não os do tabaco comercializados de boa fé, antes de 30 de Julho de 1998, com o nome de um produto do tabaco, o que interessa à Salamander, às sociedades Davidoff e, em parte, à Una Film.

68.
    Relativamente a tais produtos, a eventual proibição de publicidade num Estado-Membro seria, pois, em qualquer caso, consequência, não da directiva controvertida, mas da decisão discricionária desse Estado-Membro de não aplicar a faculdade de derrogação conferida pela dita directiva.

69.
    Relativamente a esses mesmos produtos, a concessão por um Estado-Membro de uma derrogação à proibição de publicidade decorre igualmente, em qualquer caso, da decisão discricionária desse Estado-Membro de aplicar tal faculdade de derrogação. É certo que, nesse caso, o Estado-Membro está obrigado a impor, nos termos do segundo parágrafo do n.° 2 do artigo 3.° da directiva controvertida, que o nome de tais produtos seja utilizado «sob um aspecto claramente distinto do utilizado para o produto do tabaco». Ora, tal obrigação do Estado-Membro é mero corolário da acima referida decisão discricionária e a sua execução efectua-se, tendo em conta a formulação muito genérica do referido artigo, no âmbito do amplo poder de apreciação do Estado-Membro.

70.
    Decorre do que precede que a Directiva 98/43, que vincula os Estados-Membros a imporem obrigações aos operadores económicos, não pode, por si só, criar obrigações a cargo das recorrentes, não sendo, em consequência, susceptível de as afectar directamente. Subsidiariamente, a directiva confere aos Estados-Membros um poder de apreciação de natureza tal que exclui que as recorrentes sejam por ela directamente afectadas. Daqui decorre que a directiva não produz, enquanto tal, efeitos sobre a situação jurídica das recorrentes, contrariamente ao critério definido no acórdão Dreyfus/Comissão, já referido.

71.
    Em consequência, os recursos são inadmissíveis, devendo, em consequência, ser rejeitados, sem que seja necessário examinar se as recorrentes são individualmente afectadas pela directiva controvertida.

Quanto à suficiência da protecção jurisdicional

72.
    As recorrentes sustentam que, caso os seus recursos sejam declarados inadmissíveis, não lhes pode ser assegurada protecção jurisdicional suficiente no âmbito dos recursos das leis ou medidas administrativas nacionais de transposição.

73.
    Por um lado, as recorrentes contestam a existência e, em qualquer caso, eficácia, na maioria dos sistemas jurisdicionais nacionais, dos recursos dos actos de transposição de uma directiva e dos efeitos por ela produzidos antes da sua transposição. Por outro lado, consideram que o processo de reenvio prejudicial, a que podem dar lugar os recursos interpostos nos órgãos jurisdicionais nacionais, não constituem alternativa satisfatória à acção directa de anulação de uma directiva, que é uma via jurídica mais rápida e eficaz para a protecção dos direitos. A Salamander e as sociedades do grupo Alma Media acrescentam que tal situação as impede de obter dentro de prazo razoável uma decisão sobre a questão da validade da Directiva 98/43 e as priva de recurso efectivo, pelo que existe violação dos artigos 6.° e 13.° da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais.

74.
    No que se refere ao argumento baseado na inexistência de vias de recurso internas que permitam, sendo caso disso, o controlo da validade da directiva impugnada através de reenvio prejudicial com base no artigo 177.° do Tratado CE (actual artigo 234.° CE), o Tribunal sublinha que o princípio da igualdade de todos os sujeitos de direito quanto às condições de acesso à jurisdição comunitária através do recurso de anulação exige que tais condições não sejam função de circunstâncias específicas do sistema jurisdicional de cada Estado-Membro. A este respeito, saliente-se aliás que, em aplicação do princípio de leal cooperação enunciado no artigo 5.° do Tratado, os Estados-Membros estão obrigados a contribuir para a natureza do global do sistema de vias de recurso e de procedimentos instituído pelo Tratado CE e destinado a confiar à jurisdição comunitária a fiscalização da legalidade dos actos das instituições comunitárias (acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1986, Os Verdes/Parlamento, 294/83, Colect., p. 1339, n.° 23, e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Novembro de 1999, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho, T-173/98, ainda não publicado na Colectânea, n.° 62). Tais elementos não são contudo susceptíveis de justificar que o Tribunal se afaste do sistema de vias de recurso instituído pelo quarto parágrafo do artigo 173.° do Tratado, tal como foi desenvolvido pela jurisprudência, e ultrapasse os limites da sua competência instituídos por tal disposição.

75.
    No que se refere ao argumento baseado na ineficácia relativa do reenvio prejudicial relativamente ao recurso directo de anulação, sublinhe-se que tal facto, ainda que se admita esteja provado, não é susceptível de autorizar o Tribunal a substituir-se ao poder constituinte comunitário para proceder à alteração do sistema de vias de recurso e de procedimentos estabelecido pelos artigos 173.° e 177.° do Tratado, bem como pelo artigo 178.° do Tratado CE (actual artigo 235.° CE), destinado a confiar ao Tribunal de Justiça e ao Tribunal de Primeira Instância o controlo da legalidade dos actos das instituições. Em caso algum tal circunstânciapermite declarar admissível um recurso de anulação interposto por uma pessoa singular ou colectiva que não satisfaça as condições impostas pelo artigo 173.°, quarto parágrafo, do Tratado (despachos do Tribunal de Justiça, Asocarne/Conselho, já referido, n.° 26, e de 24 de Abril de 1996, CNPAAP/Conselho, C-87/95 P, Colect., p. I-2003, n.° 38).

76.
    Cabe acrescentar que foi já submetido ao Tribunal de Justiça, ou seja, antes de decorrido o período previsto para a transposição da directiva controvertida, um pedido prejudicial tendo por objecto a respectiva validade, apresentado em 2 de Março de 1999 pela High Court of Justice (Reino Unido) (processo C-74/99).

77.
    Ademais, não é certo que as recorrentes estejam privadas de qualquer direito de recurso das eventuais consequências da Directiva 98/43. Com efeito, as interessadas podem, em qualquer caso, na medida em que se considerem vítimas de prejuízo directamente decorrente de tal acto, impugná-lo no âmbito do processo por responsabilidade extra-contratual previsto nos artigos 178.° do Tratado e 215.° do Tratado CE (actual artigo 288.° CE) (despacho do Tribunal de Justiça de 18 de Dezembro de 1997, Sveriges Betodlares Centralförening e Henrikson/Comissão, C-409/96 P, Colect., p. I-7531, n.° 52).

78.
    O princípio geral de direito comunitário de que qualquer pessoa cujos direitos e liberdades tenham sido violados tem direito a um recurso efectivo, o qual se inspira no artigo 13.° da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, é, em consequência, respeitado no caso vertente.

79.
    Daqui decorre que os recursos interpostos pela Salamander, Una Film, sociedades do grupo Alma Media e sociedades Davidoff devem ser rejeitados por inadmissíveis.

80.
    À luz desta conclusão, ficam sem objecto os pedidos apresentados pelas recorrentes no sentido de convidar o Tribunal de Primeira Instância a declinar a sua competência nos processos T-172/98 e T-175/98 a T-177/98 a fim de o Tribunal de Justiça poder decidir sobre os pedidos de anulação.

Quanto às despesas

81.
    Por força do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo as recorrentes sido vencidas, cabe condená-las a suportar as despesas em que incorreram o Parlamento e o Conselho, nos termos do que por estes foi requerido.

82.
    Por força do primeiro parágrafo do n.° 4 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, os Estados-Membros e as instituições que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas. Assim, a República da Finlândia, aRepública Francesa, o Reino Unido e a Comissão suportarão as respectivas despesas.

83.
    A Markenverband, a Manifattura Lane Gaetano Marzotto & Figli e a Lancaster, que não requereram a condenação das recorrentes nas despesas decorrentes da sua intervenção, suportarão as respectivas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção),

decide:

1)    Os processos T-172/98 e T-175/98 a T-177/98 são apensos para efeitos de acórdão.

2)    Os recursos são rejeitados por inadmissíveis.

3)    As recorrentes suportarão as respectivas despesas e, solidariamente, as despesas do Parlamento e do Conselho.

4)    A República da Finlândia, a República Francesa, o Reino Unido e a Comissão suportarão as respectivas despesas.

5)    A Markenverband eV, a Manifattura Lane Gaetano Marzotto & Figli SpA e a Lancaster BV suportarão as respectivas despesas.

Lenaerts
Azizi
Jaeger

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 27 de Junho de 2000.

O secretário

O presidente

H. Jung

K. Lenaerts


1: Língua do processo: inglês.