Language of document : ECLI:EU:T:2000:175

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada)

29 de Junho de 2000 (1)

«Dumping - Regulamento que põe termo a um reexame intercalar - Retroactividade - Reembolso dos direitos pagos - Recurso de anulação - Admissibilidade»

No processo T-7/99,

Medici Grimm KG, com sede em Rodgau Hainhausen (Alemanha), representada por R. MacLean, solicitor, assistido por P. McGarry, barrister, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório dos advogados Arendt e Medernach, 8-10, rue Mathias Hardt,

recorrente,

contra

Conselho da União Europeia, representado por S. Marquardt, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agente, assistido por G. M. Berrisch, advogado em Hamburgo e Bruxelas, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de A. Morbilli, director-geral da Direcção dos Assuntos Jurídicos do Banco Europeu de Investimento, 100, boulevard Konrad Adenauer,

recorrido,

apoiado pela

Comissão das Comunidades Europeias, representada por V. Kreuschitz, consultor jurídico, e N. Khan, membro do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de C. Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

interveniente,

que tem por objecto um pedido de anulação parcial do Regulamento (CE) n.° 2380/98 do Conselho, de 3 de Novembro de 1998, que altera o Regulamento (CE) n.° 1567/97 que cria um direito anti-dumping definitivo sobre as importações de bolsas de couro originárias da República Popular da China (JO L 296, p. 1),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção Alargada),

composto por: V. Tiili, presidente, P. Lindh e R. M. Moura Ramos, J. D. Cooke e P. Mengozzi, juízes,

secretário: B. Pastor, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 8 de Dezembro de 1999,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

1.
    O Regulamento (CE) n.° 384/96 do Conselho, de 22 de Dezembro de 1995, relativo à defesa contra as importações objectivo de dumping de países não membros da Comunidade Europeia (JO 1996, L 56, p. 1, a seguir «regulamento de base»), alterado pelo Regulamento (CE) n.° 2331/96 do Conselho, de 2 de Dezembro de 1996 (JO L 317, p. 1), e pelo Regulamento (CE) n.° 905/98 do Conselho, de 27 de Abril de 1998 (JO L 128, p. 18), estabelece o quadro jurídico aplicável naComunidade em matéria de dumping à data dos factos em causa no presente processo.

2.
    O artigo 11.°, n.° 3, do regulamento de base dispõe:

«A necessidade de manter em vigor as medidas poderá igualmente ser reexaminada, sempre que tal se justifique, por iniciativa da Comissão, a pedido de um Estado-Membro ou, na condição de ter decorrido um prazo razoável, de pelo menos um ano, desde a instituição das medidas definitivas, a pedido de qualquer exportador ou importador ou dos produtores comunitários que forneçam elementos de prova suficientes que justifiquem a necessidade de um reexame intercalar.

Será iniciado um reexame intercalar sempre que o pedido contenha elementos de prova suficientes de que a aplicação da medida deixou de ser necessária para compensar o dumping e/ou de que é improvável que o prejuízo subsista ou volte a ocorrer caso a medida fosse suprimida ou alterada ou ainda de que a medida existente não é, ou deixou de ser, suficiente para neutralizar o dumping que causa o prejuízo.

Nos inquéritos ao abrigo do presente número, a Comissão pode, nomeadamente, analisar em que medida as circunstâncias relacionadas com o dumping e o prejuízo sofreram ou não alterações significativas ou se as medidas em vigor estão ou não a alcançar os resultados pretendidos na eliminação do prejuízo anteriormente estabelecido, nos termos do artigo 3.° A este respeito, serão tomados em consideração na determinação final todos os elementos de prova documental pertinentes.»

3.
    O n.° 6 do mesmo artigo dispõe:

«Os reexames nos termos do presente artigo serão iniciados pela Comissão após consulta do comité consultivo. Sempre que os reexames o justifiquem, as medidas serão revogadas ou mantidas nos termos do n.° 2 ou serão revogadas, mantidas ou alteradas nos termos dos n.os 3 e 4 pela instituição comunitária responsável pela sua adopção...»

4.
    O n.° 8 do mesmo artigo prevê:

«Sem prejuízo do n.° 2, um importador pode pedir um reembolso dos direitos cobrados sempre que se comprovar que a margem de dumping na base do pagamento de direitos foi eliminada ou reduzida para um nível inferior ao nível do direito em vigor.

A fim de solicitar um reembolso de direitos anti-dumping, o importador apresentará um pedido à Comissão. O pedido será apresentado através do Estado-Membro em cujo território os produtos foram introduzidos em livre prática no prazo de seismeses a contar da data em que o montante dos direitos definitivos a cobrar foi devidamente determinado pelas autoridades competentes ou da data em que foi tomada uma decisão definitiva de cobrança dos montantes garantidos através de direitos provisórios. Os Estados-Membros transmitirão imediatamente o pedido à Comissão.»

Matéria de facto na origem do litígio

5.
    A recorrente Medici Grimm KG (a seguir «Medici»), é uma sociedade que se rege pelo direito alemão. Em 1993, celebrou com a Lucci Creation Ltd (a seguir «Lucci Creation»), sociedade implantada em Hong-Kong que possui estabelecimentos industriais na China, um acordo para produção de bolsas de couro. Estes produtos são fabricados em couro e outros materiais fornecidos pela recorrente.

6.
    Na sequência de uma denúncia apresentada pelo Comité europeu da indústria de malas e artigos de viagem (CEDIM), a Comissão publicou em 4 de Maio de 1996 um aviso de início de um processo anti-dumping relativo às importações de bolsas originárias da República Popular da China (JO C 132, p. 4).

7.
    A recorrente e a Lucci Creation tinham conhecimento da abertura do inquérito inicial, mas não participaram no mesmo.

8.
    Em 4 de Fevereiro de 1997, a Comissão criou um direito anti-dumping provisório de 39,2%, no máximo, sobre as referidas importações [Regulamento (CE) n.° 209/97 da Comissão, de 3 de Fevereiro de 1997, (JO L 33, p. 11)].

9.
    Em 3 de Agosto de 1997, o Conselho criou um direito anti-dumping definitivo de 38%, no máximo [Regulamento (CE) n.° 1567/97 do Conselho, de 1 de Agosto de 1997, que cria um direito anti-dumping definitivo sobre as importações de bolsas de couro originárias da República Popular da China e que encerra o processo relativo às importações de bolsas de folhas de plástico ou de matérias têxteis originárias da República Popular da China (JO L 208, p. 31)], sobre as importações de bolsas de couro originárias da República Popular da China (a seguir, «regulamento inicial»). Não tendo participado no processo, a Lucci Creation não obteve tratamento individual e, consequentemente, as importações dos seus produtos na Comunidade através da recorrente foram sujeitas ao referido direito de 38%, nos termos do artigo 9.°, n.° 5, do regulamento de base, conjugado com o artigo 18.° do mesmo. A recorrente não impugnou o regulamento inicial.

10.
    Em 13 de Dezembro de 1997, ou seja, seis semanas após a publicação do regulamento inicial, a Comissão publicou um aviso convidando os produtores-exportadores a apresentarem elementos de prova que justificassem o início de um reexame intercalar das medidas anti-dumping aplicáveis às importações de bolsas de couro originárias da República Popular da China (JO C 278, p. 4). Este aviso referia: «No decurso do inquérito que conduziu à adopção das medidas em causa, apenas dois exportadores, que representavam uma pequena parte dasexportações totais, apresentaram pedidos de tratamento individual suficientemente fundamentados para que o mesmo lhes fosse concedido. No final do inquérito, porém um elevado número de produtores-exportadores da República Popular da China contactou a Comissão, solicitando tratamento individual. Apesar de esses pedidos não poderem ser tidos em conta, dado que foram apresentados muito depois do prazo para a sua apresentação, emanavam de exportadores que eram provavelmente responsáveis por uma parte significativa das importações para a Comunidade de bolsas de couro originárias da República Popular da China.

À luz das circunstâncias acima mencionadas, a Comissão convida os produtores-exportadores em causa a apresentarem as informações enumeradas no... presente aviso, que a Comissão utilizará para determinar se existem elementos de prova suficientes que justifiquem a realização, a título excepcional, de um reexame intercalar antecipado das medidas em vigor, no que se refere à questão do tratamento individual.»

11.
    A Lucci Creation, na sua qualidade de produtor-exportador, respondeu a este convite fornecendo as informações solicitadas pela Comissão. Em 13 de Dezembro de 1997, a Comissão publicou um aviso (JO C 378, p. 8) que dava formalmente início a um reexame intercalar das medidas anti-dumping instituídas no regulamento inicial, salientando que o alcance do referido reexame era limitado à questão do tratamento individual dos produtores-exportadores.

12.
    A Comissão enviou questionários sobre informações relativas ao mesmo período que o do inquérito inicial, ou seja, de 1 de Abril de 1995 a 31 de Março de 1996 (a seguir, «período de inquérito»).

13.
    Em 15 de Fevereiro de 1998, a recorrente e a Lucci Creation apresentaram conjuntamente à Comissão um questionário destinado aos produtores-exportadores. A recorrente completou o anexo I do questionário na qualidade de importadora ligada ao exportador. Ambas as sociedades, por outro lado, cooperaram nas verificações efectuadas no local das suas instalações, respectivamente em Hong-Kong e em Rogdau, na Alemanha. Os preços de exportação, para determinação da margem de dumping individual, foram calculados a partir dos preços de venda da recorrente a clientes independentes na Comunidade.

14.
    Durante o inquérito para o reexame, a recorrente teve de pagar direitos anti-dumping à taxa de 38% sobre o valor das importações de produtos da Lucci Creation.

15.
    Por carta do seu advogado, de 18 de Junho de 1998, a recorrente solicitou à Comissão o reembolso dos direitos anti-dumping que pagou a partir de 3 de Agosto de 1997. Sugeriu que esse reembolso seria possível atribuindo efeito retroactivo ao regulamento a adoptar no termo do reexame intercalar. Em outra carta, de 1 de Julho de 1998, a recorrente esclareceu as razões pelas quais não tinha dado inícioao procedimento de reembolso. Referiu, designadamente: «Os pedidos [de reembolso] não foram apresentados por que a Medici tinha a expectativa legítima de que a adopção de novas medidas fosse reportada a uma data anterior, dado que a Comissão retomou [o período de inquérito] no presente reexame.»

16.
    O advogado da recorrente, na audição que esta solicitou e que teve lugar em 16 de Julho de 1998 nas instalações da Comissão, requereu aos representantes desta instituição que clarificassem a posição da mesma quanto à aplicação retroactiva da taxa dos direitos a adoptar na sequência das conclusões do reexame. Os representantes da Comissão responderam que, uma vez que esta questão não tinha ainda sido resolvida, não fora adoptada uma decisão definitiva a este respeito.

17.
    Em 17 de Agosto de 1998, a recorrente apresentou um pedido de reembolso às autoridades aduaneiras alemãs no montante de 1 046 675 marcos alemães (DEM), correspondente à totalidade dos direitos anti-dumping que tinha pago até essa data. A título de resposta preliminar, a Comissão, por carta de 14 de Setembro de 1998, informou a recorrente de que se afigurava que 15 pagamentos, correspondentes a um total de 406 755,77 DEM, tinham sido efectuados anteriormente ao período de seis meses que antecedeu à apresentação do pedido de reembolso e não podiam, por isso, ser tidos em conta nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento de base.

18.
    No documento relativo à informação final, de 27 de Agosto de 1998, a Comissão confirmou que a recorrente e a exportadora à qual está ligada beneficiavam de uma margem de dumping de 0% bem como de uma margem de subcotação de 0%. Por outro lado, indeferiu o pedido da recorrente no que respeita à aplicação retroactiva da taxa dos direitos que foram revistos.

19.
    Nesta informação final, a recorrente e a Lucci Creation eram consideradas sociedades ligadas, uma vez que controlavam conjuntamente uma terceira, a Medici Germany (Asia) Ltd. Contudo, em carta de 11 de Dezembro de 1998, a recorrente contestou esta ligação e qualificou a relação que existe entre a mesma e a Lucci Creation como um acordo de compensação nos termos do artigo 2.°, n.° 9, do regulamento de base. Por carta de 15 de Setembro de 1998, a Comissão respondeu:

«Em nosso entender, a Lucci Creation e a Medici são partes ligadas na acepção do regulamento anti-dumping de base, dado que ambas as sociedades controlam em conjunto uma terceira, a Medici Germany (Asia) Ltd.

Quanto ao estabelecimento do preço de exportação, foi afirmado que a Medici Germany (Asia) Ltd. só foi constituída como sociedade após o período de inquérito, e, consequentemente, que a base a ter em conta para determinação do preço de exportação não é verdadeiramente esta relação, mas antes a existência de um acordo de compensação entre a Lucci Creation e a Medici. Contudo, como sabem, esta questão não põe em causa a aplicação do artigo 2.°, n.° 9, do regulamento de base para cálculo do preço de exportação.»

20.
    Em 3 de Novembro de 1998, o Conselho adoptou o Regulamento (CE) n.° 2380/98, que alterou o regulamento inicial (JO L 296, p. 1) e concluiu o processo de reexame (a seguir, «regulamento impugnado»). Resulta do referido regulamento que, durante o período de inquérito, não foi verificado qualquer dumping no que respeita às transacções entre a recorrente e a Lucci Creation e que, consequentemente, esta sociedade podia beneficiar de uma margem individual de dumping de 0% O pedido de efeito retroactivo foi indeferido por duas razões, a primeira das quais relacionada com o carácter de prospecção das medidas adoptadas na sequência dos inquéritos de reexame, e a segunda, «pelo facto de que isso recompensaria injustificadamente, pela sua falta de cooperação no inquérito inicial, os exportadores sujeitos, após o presente inquérito, a um direito inferior ao direito residual».

21.
    Em 8 de Janeiro de 1999, a recorrente apresentou um segundo pedido de reembolso às autoridades aduaneiras alemãs, no montante de 409 777,34 DEM. A Comissão ainda não decidiu relativamente aos pedidos de reembolso da recorrente. Contudo, por carta de 12 de Novembro de 1999, comunicou-lhe as conclusões finais dos seus serviços, favoráveis ao reembolso dos montantes que foram objecto do pedido apresentado dentro do prazo previsto no artigo 11.°, n.° 8, do regulamento de base.

Tramitação processual e pedidos das partes

22.
    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12 de Janeiro de 1999, a recorrente interpôs o presente recurso.

23.
    Por requerimento registado na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 6 de Maio de 1999, a Comissão requereu a sua admissão a intervir no processo em apoio dos pedidos do Conselho. O presidente da Quarta Secção Alargada admitiu o referido pedido de intervenção por despacho de 11 de Junho de 1999. Por carta de 16 de Agosto seguinte, a Comissão informou o Tribunal de que não considerava necessário apoiar por escrito os pedidos do Conselho e que interviria unicamente na fase oral do processo.

24.
    Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal (Quarta Secção Alargada) decidiu iniciar a fase oral do processo. No âmbito das medidas de organização de processo, convidou a recorrente a apresentar determinados documentos e o Conselho a responder por escrito a uma questão.

25.
    Foram ouvidas alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal na audiência de 8 de Dezembro de 1999.

26.
    A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular o regulamento impugnado na medida em que o Conselho não concedeu à recorrente o reembolso dos direitos anti-dumping pagos pela mesma antes da adopção do referido regulamento;

-    condenar o Conselho nas despesas.

27.
    O Conselho, apoiado pela Comissão, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível;

-    subsidiariamente, negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto à admissibilidade

28.
    O Conselho suscita a questão prévia da admissibilidade do recurso invocando para o efeito quatro fundamentos. Alega a imprecisão dos pedidos formulados na petição inicial, o facto de o recurso constituir um desvio de processo, a falta de interesse legítimo da recorrente e, por último, a circunstância de a recorrente não ser individualmente afectada pelo regulamento impugnado.

29.
    Na audiência, a Comissão subscreveu a argumentação desenvolvida pelo Conselho.

Quanto à alegada falta de precisão dos pedidos formulados na petição inicial

Argumentos das partes

30.
    O Conselho afirma que o recurso é inadmissível porque a recorrente não esclarece qual a disposição do regulamento impugnado cuja anulação requer.

31.
    A Comissão acrescenta que, com o presente recurso, a recorrente pretende, efectivamente, a anulação dos fundamentos do regulamento impugnado e não a anulação da parte dispositiva, a qual, em qualquer caso, lhe é favorável. O presente recurso põe unicamente em questão o considerando 19, no qual o Conselho expõe os motivos pelos quais não atribuiu efeito retroactivo às disposições do regulamento impugnado. Ora, o Tribunal já decidiu que, quaisquer que sejam os fundamentos em que um acto se baseia, apenas a parte dispositiva pode ser objecto de recurso de anulação (acórdão de 17 de Dezembro de 1992, NBV e NVB/Comissão, T-138/89, Colect., p. II-2181, n.os 30 a 35).

32.
    A recorrente afirma que os seus pedidos são suficientemente precisos de forma a indicar ao Tribunal quais as disposições abrangidas no pedido de anulação. Nenhuma disposição específica foi identificada, uma vez que é da competência do Tribunal de Primeira Instância determinar, no interesse da segurança jurídica, emque medida o regulamento impugnado deve ser anulado para que seja sanada a sua irregularidade.

Apreciação do Tribunal

33.
    A petição inicial refere que o recurso tem por objecto «a anulação parcial, nos termos do artigo 173.° do Tratado CE, do regulamento [impugnado] na parte em que o Conselho indeferiu o reembolso 'retroactivo‘ dos direitos anti-dumping pagos (pela Medici) até à adopção do referido regulamento».

34.
    Embora a recorrente não tenha indicado qual a disposição do regulamento impugnado que está em causa, resulta da referida indicação bem como do conjunto dos argumentos expostos em apoio do recurso que o mesmo tem em vista a anulação do referido regulamento na medida em que o Conselho não atribuiu efeito retroactivo às conclusões do reexame nos termos das quais a recorrente não praticou dumping durante o período de inquérito.

35.
    Nestas circunstâncias, o pedido da recorrente é suficientemente preciso para indicar ao Tribunal qual a disposição do regulamento impugnado que está em causa no presente recurso (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Justiça de 7 de Fevereiro de 1994, PIA HIFI/Comissão, C-388/93, Colect., p. I-387, n.os 9 a 11).

36.
    Além disso, contrariamente à matéria de facto que deu lugar ao acórdão NBV e NVB/Comissão, já referido, os elementos contestados pela recorrente, ou seja, os efeitos do regulamento impugnado no tempo, fazem parte do dispositivo. Efectivamente, decorrem mais precisamente do artigo 2.°, do qual resulta que as alterações constantes do artigo 1.° entram em vigor no dia seguinte ao da publicação do regulamento impugnado no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. Nestas circunstâncias, a Comissão não pode afirmar, com base no referido acórdão, que o recurso é inadmissível.

37.
    Daqui resulta que o fundamento improcede.

Quanto ao alegado desvio de processo

Argumentos das partes

38.
    O Conselho, apoiado pela Comissão, alega que o objectivo real do presente recurso é obter o reembolso dos direitos anti-dumping pagos pela recorrente nos termos do regulamento inicial. Nestas circunstâncias, o procedimento a seguir seria o de apresentar um pedido de reembolso nos termos do artigo 11.°, n.° 8, do regulamento de base.

39.
    Se esse procedimento administrativo existir e tiverem sido ignorados os prazos no mesmo previstos para apresentar um pedido, o recurso de anulação interposto após o termo dos referidos prazos com o objectivo de obter a satisfação do mesmo pedido constitui um desvio do referido procedimento e deve, assim, ser julgado inadmissível.

40.
    Esta argumentação baseia-se, designadamente, na jurisprudência relativa à relação entre o recurso de anulação e a acção de indemnização. Embora resulte do acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Outubro de 1975, Meyer-Burckardt/Comissão (9/75, Colect., p. 407; Recueil, p. 1171, n.os 10 a 13), e do acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Janeiro de 1991, Latham/Comissão, T-27/90, Colect., p. II-35, n.° 38), que a independência destas duas vias processuais decorre dos seus diferentes objectivos e naturezas, daí resulta igualmente que uma acção de indemnização é inadmissível se tiver o mesmo objecto que um recurso de anulação e tentar contornar as consequências da falta de interposição do referido recurso no prazo previsto.

41.
    A recorrente contesta a argumentação do Conselho e da Comissão.

Apreciação do Tribunal

42.
    Deve desde logo salientar-se que, no presente recurso, a recorrente pede que o Tribunal de Primeira Instância aprecie a legalidade do regulamento impugnado, que pôs termo ao procedimento de reexame previsto no artigo 11.°, n.° 3, do regulamento de base, enquanto, nos seus pedidos de reembolso, solicita à Comissão, com base no artigo 11.°, n.° 8, do mesmo regulamento de base, a isenção da aplicação do regulamento inicial.

43.
    Consequentemente, mesmo pressupondo que o resultado pecuniário do presente recurso seja idêntico ao do dos pedidos de reembolso, ambos os processos em causa têm, contudo, natureza distinta e respeitam a diferentes actos das instituições.

44.
    Quanto à jurisprudência invocada pelo Conselho sobre a relação entre o recurso de anulação e a acção de indemnização, a qual abre uma excepção ao princípio da autonomia das vias processuais, deve recordar-se, como fez o Tribunal de Justiça no acórdão de 14 de Setembro de 1999, Comissão/AssiDomän Kraft Products e o. (C-310/97 P, Colect., p. I-0000, n.° 61), que a referida excepção «baseia-se, nomeadamente, na consideração de que os prazos de recurso visam salvaguardar a segurança jurídica evitando que sejam indefinidamente postos em causa actos comunitários que implicam efeitos de direito, bem como em exigências de boa e sã administração da justiça e de economia processual».

45.
    Esta excepção pressupõe, assim, que o recorrente já teve oportunidade de submeter à apreciação do órgão jurisdicional comunitário o acto ou o comportamento da administração que constitui, no essencial, o objecto de um segundo processo. Consequentemente, não se aplica quando as duas acções têma sua origem em actos ou comportamentos diferentes da administração, mesmo que as duas acções levem ao mesmo resultado pecuniário para a recorrente (v. acórdão Latham/Comissão, já referido, n.° 38).

46.
    Nestas condições, a excepção deduzida pelo Conselho não pode justificar a inadmissibilidade de um recurso como o presente, no qual a recorrente submete pela primeira vez um acto das instituições ao órgão jurisdicional comunitário.

47.
    Acresce que o presente pedido de anulação tem, por outro lado, por objectivo submeter à apreciação do órgão jurisdicional comunitário a existência de uma obrigação de aplicação retroactiva da taxa dos direitos adoptada no termo de um reexame que teve como período de referência o que foi tido em conta no inquérito inicial, caso o Conselho conclua que o recorrente não praticou dumping.

48.
    Daqui resulta que o presente recurso não constitui um desvio de processo e, consequentemente, que o fundamento improcede.

Quanto ao interesse da recorrente em agir

Argumentos das partes

49.
    O Conselho afirma, em primeiro lugar, que a recorrente não tem qualquer interesse em obter a anulação do regulamento impugnado, uma vez que o mesmo lhe não causa prejuízo. Com efeito, a parte dispositiva do regulamento impugnado melhora a situação da recorrente fazendo-a beneficiar de um tratamento individual que lhe aplica um direito à taxa de 0%. Se o regulamento impugnado fosse anulado, as importações de bolsas de couro fabricadas pela Lucci Creation estariam novamente sujeitas ao direito anti-dumping de 38%.

50.
    Em segundo lugar, a recorrente não interesse legítimo para pôr em causa o regulamento impugnado na medida em que o regulamento de base prevê uma via de recurso especial para atingir os objectivos pretendidos. Se alguém procura obter uma decisão em particular para a qual o direito comunitário prevê um procedimento administrativo específico perante a Comissão, não tem interesse legítimo para requerer a mesma decisão através de uma acção no órgão jurisdicional comunitário enquanto o procedimento administrativo estiver pendente, como sucede no presente caso.

51.
    Resulta igualmente do princípio geral do equilíbrio institucional entre o Tribunal de Justiça e as restantes instituições que o Tribunal não está vocacionado para intervir em procedimentos administrativos pendentes. O Conselho baseia a sua tese na aplicação, por analogia, da regra do esgotamento da fase administrativa do processo, expressamente prevista nos artigos 175.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 232.° CE), 169.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 226.° CE) e 90.° e 91.° do Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias.

52.
    O Conselho refere que os procedimentos de reembolso iniciados pela Comissão na sequência dos pedidos da recorrente ainda estão pendentes. Se a Comissão deferir os pedidos em causa, o presente recurso fica sem objecto; caso decida indeferi-los, a recorrente pode sempre interpor recurso de anulação da referida decisão. A recorrente beneficia, por isso, de plena protecção jurídica, o que torna supérfluo o presente recurso.

53.
    A recorrente contesta o argumento de que não tem interesse em agir contra o regulamento impugnado. Por outro lado, não é necessário, para que o presente recurso seja admissível, com base no artigo 173.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 230.° CE), que tenha previamente esgotado todas as restantes vias processuais. Por último, o presente recurso não respeita aos pedidos de reembolso, mas ao procedimento de reexame.

Apreciação do Tribunal

54.
    Deve salientar-se que, embora o regulamento impugnado reduza a 0% a taxa do direito imposto sobre as importações da recorrente, esta alteração só produz efeitos para o futuro. Além disso, é pacífico que o regulamento impugnado indefere tacitamente para pedido da recorrente do que seja aplicada retroactivamente a taxa dos direitos estabelecida no âmbito do inquérito de reexame (v. supra, n.° 20).

55.
    Nestas condições, a recorrente tem interesse na anulação do regulamento impugnado na medida em que o Conselho não deferiu o seu pedido de aplicação retroactiva das disposições que alteraram a taxa do direito aplicável às suas importações. O facto de o regulamento impugnado ser globalmente favorável à recorrente em nada reduz esse interesse na anulação da parte do referido regulamento que lhe é desfavorável, ou seja, da disposição que se refere à entrada em vigor da alteração dos direitos no que respeita à recorrente (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1985, Timex/Conselho e Comissão, 264/82, Recueil, p. 849).

56.
    Dado que o presente recurso tem um objectivo que vai além da restituição dos direitos já pagos pela recorrente (v. supra, n.° 47), o interesse da mesma em agir no presente processo não pode ser confundido com os objectivos pretendidos com os pedidos de reembolso. Nestas circunstâncias, a protecção jurisdicional conferida à recorrente pelo presente recurso não é assegurada pelo direito de contestar uma eventual decisão da Comissão sobre os pedidos de reembolso.

57.
    Do mesmo modo, o argumento assente na aplicação por analogia da regra do esgotamento da fase administrativa do processo prevista para outras vias processuais deve também ser julgado improcedente. Efectivamente, o artigo 173.° do Tratado não prevê este requisito. Por outro lado, a admissibilidade do recurso só poderá ser determinada em função dos objectivos próprios desta disposição e do princípio da protecção jurisdicional dos particulares (acórdão do Tribunal dePrimeira Instância de 15 de Junho de 1999, Regione autonoma Friuli Venezia Giulia, T-288/97, Colect., p. II-0000, n.° 47).

58.
    Daqui resulta que este fundamento improcede.

Quanto à circunstância de a recorrente não ser individualmente afectada pelo regulamento impugnado

Argumentos das partes

59.
    O Conselho afirma que o regulamento impugnado não diz individualmente respeito à recorrente. Em primeiro lugar, a mesma não foi tratada como importadora ligada durante o inquérito de reexame. Embora a recorrente e a Lucci Creation tenham inicialmente sido consideradas pela Comissão como sociedades ligadas, uma vez que controlam em conjunto uma terceira, a «Medici Germany (Asia) Ltd», a própria recorrente contestou a existência dessa ligação em carta de 11 de Setembro de 1998.

60.
    O Conselho não contesta que a margem de dumping foi calculada a partir dos preços de exportação obtidos com base nas vendas efectuadas pela recorrente a clientes independentes. Contudo, os dados fornecidos pela recorrente só serviram de base às conclusões que permitiram determinar um direito individual de 0% relativamente às bolsas fabricadas pela Lucci Creation e não foram tidos em conta na determinação dos efeitos do regulamento impugnado no tempo que são contestados no presente recurso.

61.
    Além disso, o Conselho afirma que a participação no procedimento administrativo não individualiza, só por si, a recorrente perante o regulamento impugnado.

62.
    A recorrente afirma que o regulamento impugnado lhe diz individualmente respeito.

Apreciação do Tribunal

63.
    A título liminar, deve salientar-se, como a Comissão referiu na carta de 15 de Setembro de 1998, que a discussão quanto à natureza da relação existente entre ambas as empresas, a fim de apurar se se trata de empresas ligadas no sentido estrito do termo ou se as mesmas celebraram um acordo de compensação, não é relevante para a aplicação do artigo 2.°, n.° 9, do regulamento de base. Em ambos os casos a Comissão pode determinar o preço de exportação.

64.
    No presente processo, resulta claramente do considerando 15 do regulamento impugnado e do documento relativo à informação final de 27 de Agosto de 1998 que a Comissão utilizou os preços de revenda da recorrente para calcular os preçosde exportação da Lucci Creation e, consequentemente, a taxa do direito a instituir sobre as importações de produtos da referida sociedade.

65.
    Nestas circunstâncias, a jurisprudência reconhece a legitimidade para pedir a anulação de um regulamento que institui direitos anti-dumping aos importadores cujos preços de revenda tenham sido tidos em conta para a determinação dos preços de exportação (v., designadamente, despacho do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1987, Nuova Ceam/Comissão, 205/87, Colect., p. 4427, n.° 13, e acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Março de 1990, Nashua Corporation e o./Comissão e Conselho, C-133/87 e C-150/87, Colect., p. I-719, n.os 12 e 15).

66.
    Daqui resulta que o regulamento impugnado diz individualmente respeito à recorrente.

67.
    Além disso, o Conselho não pode afirmar que apenas o artigo 1.°, que altera a taxa dos direitos previstos no regulamento inicial, diz individualmente respeito à recorrente, e que a não retroactividade desta alteração, resultante do artigo 2.°, que prevê que o regulamento impugnado entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação no Jornal Oficial, afecta todos os importadores.

68.
    Os efeitos decorrentes do regulamento impugnado para a recorrente constituem o resultado da aplicação conjunta destas duas disposições, pelo que a recorrente não pode ser afectada por uma sem o ser pela outra.

69.
    Resulta de tudo o que antecede que devem ser julgados improcedentes no seu conjunto os fundamentos invocados em defesa da inadmissibilidade do recurso.

Quanto ao mérito

70.
    A recorrente invoca, no essencial, três fundamentos em apoio do recurso. O primeiro assenta na violação das regras do Tratado, dos princípios fundamentais, do regulamento de base, bem como das disposições relevantes do Acordo sobre a aplicação do artigo VI do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio de 1994 da Organização Mundial do Comércio (a seguir, «acordo anti-dumping da OMC»). O segundo assenta na violação do princípio da protecção da confiança legítima e o terceiro na violação do princípio da proporcionalidade.

Quanto ao primeiro fundamento, assente na violação das regras do Tratado, dos princípios fundamentais, das disposições do regulamento de base, bem como das disposições relevantes do acordo anti-dumping da OMC

Argumentos das partes

71.
    A recorrente alega que o regulamento de base, nos seus artigos 7.°, n.° 1, e 9.°, n.° 4, retoma um princípio fundamental do direito anti-dumping comunitário nos termos do qual os direitos anti-dumping provisórios ou definitivos só podem serimpostos se estiverem cumulativamente reunidas três condições, que consistem na existência de uma prática de dumping, de um prejuízo causado à indústria comunitária e de um nexo de causalidade entre a referida prática e esse prejuízo.

72.
    Segundo a recorrente, o mesmo princípio está na base dos artigos 7.°, n.° 1, e 9.° do acordo anti-dumping da OMC, o qual vincula as instituições (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1991, Nakajima/Conselho, C-69/89, Colect., p. I-2069, n.° 29).

73.
    A recorrente salienta que o reexame em causa no presente processo demonstrou que a Lucci Creation e ela própria não tinham praticado dumping durante o período do inquérito. Além disso, nada permitia pensar que as duas sociedades recorreram a práticas de dumping em qualquer outro momento. Consequentemente, não estavam reunidas as condições exigidas no momento em que foram instituídos os direitos anti-dumping definitivos através do regulamento inicial. Esta conclusão deveria ter levado o Conselho a conceder o reembolso dos direitos já pagos pela recorrente.

74.
    No que respeita aos argumentos do Conselho segundo os quais a aplicação retroactiva de um regulamento que põe termo a um reexame é incompatível com os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima, a recorrente afirma que a retroactividade pode ser aplicada selectivamente, de modo a não serem violados os referidos princípios fundamentais, desde que essa aplicação seja favorável a determinados exportadores.

75.
    O Conselho afirma, em primeiro lugar, que nem o regulamento de base nem o acordo anti-dumping da OMC contêm uma disposição expressa que lhe imponha a aplicação retroactiva de um regulamento que põe termo ao reexame. Por força do conceito subjacente ao artigo 11.°, n.° 3, do regulamento de base, um regulamento desse tipo só tem efeitos para o futuro. Do mesmo modo, no presente processo, o objectivo do inquérito de reexame não era proporcionar um benefício retroactivo aos exportadores que não participaram no inquérito inicial.

76.
    Em segundo lugar, o Conselho afirma que o regulamento inicial era válido, uma vez que respeitou inteiramente as exigências do regulamento de base e do acordo anti-dumping da OMC. As conclusões do inquérito de reexame não podem prejudicar as do inquérito inicial, e o facto de um e outro incidirem sobre o mesmo período nada aí altera. É claramente errado deduzir do facto de as conclusões referidas no regulamento anti-dumping ou de reexame se basearem em factos do passado que estes regulamentos devam necessariamente ter efeito retroactivo.

77.
    Em terceiro lugar, o Conselho afirma que a única circunstância excepcional que caracteriza o reexame em causa consiste no comportamento excepcionalmente favorável das instituições, que procederam rapidamente ao mesmo. Apesar disso, este aspecto não o torna diferente de qualquer outro reexame realizado emconformidade com o artigo 11.°, n.° 3, do regulamento de base e não pode, assim, justificar que, em contradição com esta disposição, lhe seja conferido efeito retroactivo.

78.
    Em quarto lugar, ao conferir efeito retroactivo a um regulamento que põe termo a um inquérito de reexame, o Conselho colocaria os exportadores que apenas cooperaram no reexame em pé de igualdade com os que participaram no inquérito inicial, o que poderia desacreditar todo o sistema de inquéritos anti-dumping previsto no regulamento de base. O Conselho salienta que o aviso de início do inquérito foi publicado no Jornal Oficial, conforme exige o artigo 5.°, n.° 9, do regulamento de base, e que, nestas condições, a recorrente não pode afirmar que não foi avisada do procedimento.

79.
    Em quinto lugar, a aplicação retroactiva de um regulamento adoptado no termo de um reexame pode ter efeitos incompatíveis com os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima. Segundo a actual jurisprudência, uma medida comunitária só pode ter efeito retroactivo se for devidamente respeitada a confiança legítima de todas as partes em causa. Como o regulamento impugnado prevê um direito individual superior à taxa de 38% aplicável a dois exportadores, a aplicação retroactiva do referido regulamento obrigaria os importadores de bolsas dos referidos exportadores a pagarem a diferença entre a taxa de 38% e o respectivo direito individual.

80.
    Em sexto lugar, no que respeita aos argumentos da recorrente sobre uma aplicação retroactiva selectiva, o Conselho considera que a regra especial do artigo 10.°, n.° 3, do regulamento de base não pode ser aplicada a um regulamento adoptado no termo do reexame, designadamente por resultar da natureza do reexame, na acepção do artigo 11.°, n.° 3, do regulamento de base, que um regulamento deste tipo só terá efeitos para o futuro. A argumentação da recorrente implicaria uma transformação do sistema do regulamento de base num sistema no qual os direitos anti-dumping definitivos perderiam o carácter definitivo e estariam sujeitos a um reexame ulterior.

Apreciação do Tribunal

81.
    Deve, em primeiro lugar, ser determinado o alcance do disposto no artigo 11.°, n.° 3, do regulamento de base, nomeadamente na parte em que dispõe que, num processo de reexame, «a Comissão pode, nomeadamente, analisar em que medida as circunstâncias relacionadas com o dumping e o prejuízo sofreram ou não alterações significativas ou se as medidas em vigor estão ou não a alcançar os resultados pretendidos na eliminação do prejuízo anteriormente estabelecido...»

82.
    Como o Tribunal de Justiça esclareceu no acórdão de 24 de Fevereiro de 1987, Continentale Produkten Gasellschaft/Comissão (312/84, Colect., p. 841, n.° 11), o processo de reexame tem lugar «em caso de evolução dos dados que permitiram o estabelecimento dos valores utilizados no regulamento que instituiu os direitosanti-dumping». Tem, assim, por finalidade adaptar os direitos impostos à evolução dos elementos que estiveram na sua origem e pressupõe, consequentemente, a alteração destes elementos.

83.
    É pacífico que, no presente processo, não ocorreu qualquer alteração de circunstâncias que pudesse motivar o início do reexame pela Comissão. Como resulta, por um lado, do n.° 1 do aviso de 13 de Setembro de 1997 e, por outro, do considerando 3 do regulamento impugnado, a finalidade deste procedimento foi unicamente permitir às empresas que não tinham participado no procedimento inicial obterem um tratamento individual com base nos respectivos preços de exportação.

84.
    Para este efeito, a Comissão, na busca da economia de meios e da celeridade do procedimento, decidiu utilizar o período de inquérito que tinha estado na base da instituição dos direitos definitivos. A este respeito, a Comissão e o Conselho, na audiência, referiram ao Tribunal que esta opção não tinha antecedentes na prática da Comissão em matéria de reexame.

85.
    Na medida em que o inquérito de reexame não teve por finalidade adaptar os direitos anti-dumping impostos à alteração das circunstâncias e que, por outro lado, serviu para reexaminar os elementos que estiveram na origem dos referidos direitos, há que concluir que o Conselho, ao contrário do que afirma, não procedeu a um reexame das medidas em vigor, mas, na realidade, reabriu o procedimento inicial.

86.
    Consequentemente, na medida em que as próprias instituições exorbitaram do quadro previsto no regulamento de base para o procedimento de reexame, não podem as mesmas invocar a economia e as finalidades do referido procedimento para contrariar o pedido da recorrente.

87.
    Por outro lado, quando, no âmbito de um inquérito como o que teve lugar no presente processo (v. supra, n.os 83 a 85), as instituições verificam que não existe um dos elementos com base nos quais os direitos anti-dumping definitivos foram impostos, já não se pode considerar que estavam reunidas as condições previstas no artigo 1.° do regulamento de base quando da adopção do regulamento inicial e, consequentemente, que eram necessárias medidas de defesa comercial contra as exportações da Lucci Creation para a Comunidade. Nestas condições, as instituições são obrigadas a extrair todas as consequências da escolha do período de inquérito para o reexame em causa e, uma vez que verificaram que a Lucci Creation não praticara dumping durante o referido período, devem atribuir efeito retroactivo a essa conclusão.

88.
    No que respeita ao argumento do Conselho de que a aplicação retroactiva do regulamento impugnado constituiria um benefício injustificado, tendo em conta a não cooperação da recorrente no inquérito inicial, deve referir-se que apossibilidade aberta à Comissão pelo artigo 18.° do regulamento de base, conjugado com o artigo 9.°, n.° 5, do mesmo regulamento, de estabelecer, em caso de falta de cooperação no inquérito, direitos anti-dumping com base nos dados disponíveis, tem como objectivo que os referidos direitos sejam instituídos de maneira não discriminatória sobre toda e qualquer importação de um produto proveniente de um certo país. Em contrapartida, não tem por finalidade penalizar os operadores pela sua falta de participação num inquérito anti-dumping.

89.
    Além disso, aceitar a posição do Conselho quando, no caso concreto, foi entendido que o mesmo tinha obrigação de extrair todas as consequências das conclusões do inquérito de reexame, implicaria o enriquecimento indevido da Comunidade à custa da recorrente.

90.
    No que respeita às dificuldades suscitadas pelo Conselho a respeito da possibilidade de aplicar retroactivamente o regulamento impugnado, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, embora, em regra geral, o princípio da segurança jurídica se oponha a que o alcance temporal de um acto comunitário tenha o seu início em data anterior à sua publicação, pode assim não ser, a título excepcional, quando a finalidade a atingir o exija e a confiança legítima dos interessados seja devidamente respeitada (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1991, Crispoltoni, C-368/89, Colect., p. I-3695, n.° 17 e jurisprudência citada).

91.
    Consequentemente, a aplicação retroactiva dos actos das instituições pode ser admitida na medida em que seja susceptível de criar, para o interessado, uma situação jurídica mais favorável e na medida em que a sua confiança legítima seja devidamente respeitada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Abril de 1997, Road Air, C-310/95, Colect., p. I-2229, n.° 47).

92.
    No presente caso, nenhum princípio jurídico impediria o Conselho de limitar a aplicação retroactiva do regulamento impugnado apenas aos exportadores que beneficiaram duma alteração favorável da taxa do direito aplicável aos seus produtos. Quanto aos restantes, o regulamento impugnado apenas alteraria a sua situação jurídica para o futuro, segundo os princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança legítima.

93.
    Resulta de tudo o que antecede que deve ser julgado procedente o primeiro fundamento e anulado o regulamento impugnado na parte em que o Conselho não atribuiu efeito retroactivo à alteração da taxa do direito anti-dumping imposto às importações dos produtos da Lucci Creation pela recorrente, sem que haja que analisar os restantes fundamentos por esta invocados.

94.
    O recurso tem como objectivo, contudo, não a supressão da disposição que altera a taxa do direito aplicável às referidas importações, mas a anulação da disposição que restringe os efeitos no tempo desta alteração. Deve, por isso, o regulamento impugnado ser mantido tal como está até que as instituições competentes adoptemas medidas que o cumprimento do presente acórdão exige, nos termos do artigo 174.°, segundo parágrafo, do Tratado CE (actual artigo 231.°, segundo parágrafo, CE), (v. acórdão Timex/Conselho e Comissão, já referido, n.° 32).

Quanto às despesas

95.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o Conselho sido vencido, deve ser condenado nas suas despesas e nas da recorrente.

96.
    A Comissão, que interveio no processo, suportará as suas despesas nos termos do artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, segundo o qual as instituições que intervenham no processo devem suportar as respectivas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada),

decide:

1)    O artigo 2.° do Regulamento (CE) n.° 2380/98 do Conselho, de 3 de Novembro de 1998, que altera o Regulamento (CE) n.° 1567/97 que cria um direito anti-dumping definitivo sobre as importações de bolsas de couro originárias da República Popular da China, é anulado na medida em que o Conselho não extraiu todas as consequências das conclusões do inquérito de reexame relativo às importações pela recorrente dos produtos da Lucci Creation Ltd.

2)    A alteração da taxa dos direitos é mantida em vigor até que as instituições competentes adoptem as medidas que o cumprimento do presente acórdão exige.

3)    O Conselho suportará as suas despesas e as da recorrente.

4)    A Comissão suportará as suas próprias despesas.

Tiili
Lindh
Moura Ramos

        Cooke                            Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Junho de 2000.

O secretário

O presidente

H. Jung

V. Tiili


1: Língua do processo: inglês.