Language of document : ECLI:EU:C:2017:376

Parecer 2/15

Parecer proferido nos termos do artigo 218.°, n.° 11, TFUE

«Parecer proferido nos termos do artigo 218.°, n.° 11, TFUE — Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura — Acordo “nova geração” negociado após a entrada em vigor dos Tratados UE e FUE — Competência para celebrar o acordo — Artigo 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE — Política comercial comum — Artigo 207.°, n.° 1, TFUE — Comércio de mercadorias e serviços — Investimentos estrangeiros diretos — Contratos públicos — Aspetos comerciais da propriedade intelectual — Concorrência — Comércio com os Estados terceiros e desenvolvimento sustentável — Proteção social dos trabalhadores — Proteção do ambiente — Artigo 207.°, n.° 5, TFUE — Serviços no domínio dos transportes — Artigo 3.°, n.° 2, TFUE — Acordo internacional suscetível de afetar regras comuns ou de alterar o seu alcance — Regras de direito derivado da União em matéria de livre prestação de serviços no domínio dos transportes — Investimentos estrangeiros diferentes de investimentos diretos — Artigo 216.° TFUE — Acordo necessário para alcançar um dos objetivos dos Tratados — Livre circulação de capitais e de pagamentos entre Estados‑Membros e Estados terceiros — Sucessão de tratados em matéria de investimento — Substituição dos acordos de investimento entre os Estados‑Membros e a República de Singapura — Disposições institucionais do acordo — Resolução de litígios entre investidores e o Estado — Resolução de litígios entre as Partes»

Sumário — Parecer do Tribunal de Justiça (Tribunal Pleno) de 16 de maio de 2017

1.        Política comercial comum — Acordos internacionais — Celebração — Competência da União —Competência para celebrar acordos relativos ao comércio de mercadorias e serviços — Alcance — Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura — Disposições que têm por objetivo facilitar o comércio de mercadorias ou autorizar medidas de defesa comercial — Inclusão

[Artigos 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE e 207.°, n.° 1, TFUE]

2.        Política comercial comum — Acordos internacionais — Celebração — Competência da União — Alcance — Sujeição dos acordos no domínio dos transportes ao regime da política comum dos transportes — Objeto

[Artigos 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE e 207.°, n.° 5, TFUE]

3.        Política comercial comum — Acordos internacionais — Celebração — Competência da União — Alcance — Sujeição dos acordos no domínio dos transportes ao regime da política comum dos transportes — Inaplicabilidade no caso de um acordo relativo a serviços que não tenham uma ligação intrínseca com um serviço de transporte — Compromissos relativos a serviços de reparação e manutenção de aeronaves e às modalidades de participação nos contratos públicos de serviços de transporte —Falta de ligação intrínseca com um serviço de transporte — Competência exclusiva da União

[Artigos 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE e 207.°, n.° 5, TFUE; Diretiva 2006/123 do Parlamento Europeu e do Conselho, considerando 33]

4.        Política comercial comum — Acordos internacionais — Celebração — Competência da União — Competência para celebrar acordos relativos a investimentos estrangeiros diretos — Alcance — Limites

[Artigos 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE e 207.°, n.° 1, TFUE]

5.        Política comercial comum — Acordos internacionais — Celebração — Competência da União —Competência para celebrar acordos relativos a investimentos estrangeiros diretos — Alcance — Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura — Normas em matéria de proteção dos investimentos diretos — Inclusão

(Artigo 207.°, n.° 1, TFUE)

6.        União Europeia — Regimes de propriedade — Princípio da neutralidade —Aplicação das regras fundamentais do Tratado — Celebração de um acordo internacional que limita a possibilidade de os EstadosMembros nacionalizarem ou expropriarem os investimentos realizados pelos nacionais de um Estado terceiro — Violação do princípio da neutralidade — Inexistência

(Artigo 345.° TFUE)

7.        Política comercial comum — Acordos internacionais — Celebração — Competência da União — Competência para celebrar acordos relativos aos aspetos comerciais da propriedade intelectual — Alcance — Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura — Disposições que mencionam as obrigações internacionais existentes e garantem um nível de proteção dos direitos de propriedade intelectual — Inclusão

(Artigo 207.°, n.° 1, TFUE)

8.        Política comercial comum — Acordos internacionais — Celebração —Competência da União — Competência para celebrar acordos relativos à uniformização das medidas de liberalização — Alcance — Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura —Disposições relativas à luta contra as atividades anticoncorrenciais e contra as concentrações — Inclusão

(Artigo 207.°, n.° 1, TFUE)

9.        Política comercial comum — Acordos internacionais — Celebração — Competência da União — Obrigação de exercício com respeito dos princípios e objetivos da ação externa da União — Alcance

(Artigos 3.°, n.° 5, TUE e 21.°, n.os 1 a 3, TUE; artigos 9.° TFUE, 11.° TFUE, 205.° TFUE e 207.°, n.° 1, TFUE)

10.      Política comercial comum — Acordos internacionais — Celebração — Competência da União — Obrigação de exercício com respeito dos princípios e objetivos da ação externa da União — Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura — Compromissos tendentes a assegurar o respeito das obrigações internacionais em matéria de proteção social dos trabalhadores e de proteção do ambiente — Existência de uma ligação específica com as trocas comerciais entre as partes

[Artigos 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE e 207.°, n.° 1, TFUE]

11.      Política comercial comum — Acordos internacionais — Celebração —Competência da União — Alcance — Exercício para efeitos de regulamentar os níveis de proteção social e ambiental das partes — Exclusão

[Artigos 3.°, n.° 1, alíneas d) e e), e n.° 2, TFUE, 4.°, n.° 2, alíneas b) e e), TFUE e 207.°, n.° 6, TFUE]

12.      Acordos internacionais — Celebração —Competência da União —Competência exclusiva relativamente a um acordo suscetível de afetar as regras comuns ou de alterar o seu alcance — Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura — Compromissos que visam a prestação de serviços de transporte marítimo, ferroviário e rodoviário — Afetação das regras previstas nos Regulamentos n.° 4055/86, n.° 1071/2009, n.° 1072/2009 e n.° 1073/2009 e na Diretiva 2012/34

(Artigos 3.°, n.° 2, TFUE e 216.° TFUE; Regulamentos do Parlamento Europeu e do Conselho n.° 1071/2009, n.° 1072/2009 e n.° 1073/2009; Regulamento n.° 4055/86 do Conselho; Diretiva 2012/34 do Parlamento Europeu e do Conselho)

13.      Acordos internacionais — Celebração —Competência da União — Competência exclusiva relativamente a um acordo suscetível de afetar as regras comuns ou de alterar o seu alcance — Necessidade de uma contradição entre as regras comuns e o acordo projetado — Inexistência

(Artigos 3.°, n.° 2, TFUE e 216.° TFUE)

14.      Acordos internacionais — Celebração — Competência da União — Competência exclusiva relativamente a um acordo suscetível de afetar as regras comuns ou de alterar o seu alcance — Necessidade de uma verificação do risco de afetação relativamente às disposições de alcance limitado do acordo projetado — Falta

(Artigos 3.°, n.° 2, TFUE e 216.° TFUE)

15.      Acordos internacionais — Celebração — Competência da União — Competência exclusiva relativamente a um acordo suscetível de afetar as regras comuns ou de alterar o seu alcance — Incidência dos Protocolos n.° 21 e n.° 22 relativos à posição do Reino Unido, da Irlanda e da Dinamarca anexos aos Tratados UE e FUE num acordo que não diz respeito a domínios abrangidos pelos referidos protocolos — Falta

(Artigos 3.°, n.° 2, TFUE e 216.° TFUE; Protocolos n.° 21 e n.° 22 anexos aos Tratados UE e FUE)

16.      Acordos internacionais — Celebração —Competência da União — Competência exclusiva relativamente a um acordo suscetível de afetar as regras comuns ou de alterar o seu alcance —Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura —Disposições relativas à condução dos procedimentos de adjudicação dos contratos públicos —Afetação das regras previstas nas Diretivas 2014/24 e 2014/25

(Artigos 3.°, n.° 2, TFUE e 216.° TFUE; Diretivas do Parlamento Europeu e do Conselho 2014/24 e 2014/25)

17.      Acordos internacionais — Celebração —Competência da União —Competência exclusiva relativamente a um acordo suscetível de afetar as regras comuns ou de alterar o seu alcance — Conceito de regras comuns — Regras de direito primário da União — Exclusão — Acordos celebrados pela União — Exclusão

(Artigos 3.°, n.° 2, TFUE e 216.° TFUE)

18.      Acordos internacionais — Celebração —Competência da União — Competência exclusiva relativamente a um acordo suscetível de afetar as regras comuns ou de alterar o seu alcance — Alcance — Acordo em matéria de investimentos estrangeiros diferentes de investimentos diretos — Exclusão

[Artigos 3.°, n.° 2, TFUE, 4.°, n.os 1 e 2, alínea a), TFUE, 63.° TFUE e 216.°, n.° 1, TFUE]

19.      Política comercial comum — Acordos internacionais — Celebração — Competência da União — Competência para celebrar acordos relativos a investimentos estrangeiros diretos — Alcance — Acordo que contém uma disposição que prevê a caducidade dos acordos bilaterais de investimento anteriormente celebrados pelos EstadosMembros com um Estado terceiro — Inclusão

(Artigos 2.°, n.° 1, TFUE e 207.°, n.° 1, TFUE; Regulamento n.° 1219/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho)

20.      Acordos internacionais — Acordos dos EstadosMembros —Acordos anteriores ao Tratado CE ou à adesão de um EstadoMembro — Respeito pelos direitos e obrigações respetivos

(Artigo 351.° TFUE)

21.      Acordos internacionais — Celebração — Competência da União — Competência para prever disposições de caráter institucional num acordo — Alcance — Instauração de um regime de resolução de litígios que permite a um nacional de um Estado terceiro subtrair um litígio à competência dos órgãos jurisdicionais de um EstadoMembro — Exclusão — 90691 / Competência partilhada da União e dos EstadosMembros

22.      Acordos internacionais —Competências da União e dos EstadosMembros — Competências dos EstadosMembros em matéria de processo administrativo e judicial —Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura — Compromissos que obrigam a União e os EstadosMembros a respeitar os princípios da boa administração e da proteção jurisdicional efetiva —Violação das competências nacionais — Inexistência

23.      Acordos internacionais — Celebração — Competência da União — Alcance — Criação de uma jurisdição ou de uma outra entidade competente para se pronunciar sobre as disposições do acordo — Inclusão

1.      Resulta do artigo 207.°, n.° 1, TFUE, em especial do seu segundo período, nos termos do qual a política comercial comum se inscreve no âmbito da ação externa da União, que tal política é relativa às trocas comerciais com os Estados terceiros. Um ato da União insere‑se nesta política quando verse especificamente sobre essas trocas comerciais, na medida em que se destine essencialmente a promovê‑las, a facilitá‑las ou a regulá‑las e tenha efeitos diretos e imediatos nelas. Daqui resulta que só as componentes do acordo projetado que apresentem uma ligação específica com as trocas comerciais entre a União e o Estado terceiro em causa se inserem no domínio da política comercial comum.

Insere‑se nesta política e, por conseguinte, na competência exclusiva da União, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE, o capítulo 2 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura, que prevê que cada Parte deve conceder um tratamento não discriminatório às mercadorias da outra Parte e que reduz ou elimina, segundo os compromissos específicos anexos a este capítulo, os seus direitos de importação ou de exportação. Prevê igualmente que nenhuma das Partes deve adotar ou manter qualquer restrição não pautal à importação ou exportação de mercadorias. Este capítulo é, pois, composto por compromissos pautais e comerciais sobre comércio de mercadorias, na aceção do artigo 207.°, n.° 1, TFUE. O mesmo se verifica com o capítulo 3 do referido acordo que precisa as modalidades em que, estando reunidos os requisitos decorrentes das regras da Organização Mundial do Comércio, cada Parte pode adotar medidas antidumping e de compensação, bem como medidas de salvaguarda relativamente às importações provenientes da outra Parte. Este capítulo versa, assim, sobre medidas de defesa comercial, na aceção do artigo 207.°, n.° 1, TFUE.

No que respeita aos capítulos 4 e 5 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura, resulta dos referidos capítulos, por um lado, que os produtos exportados por uma Parte devem respeitar as normas previstas pela Parte que os importa e, por outro, que os produtos importados por esta última não devem ser sujeitos a normas discriminatórias ou desproporcionadas relativamente às aplicadas aos seus próprios produtos. Estes capítulos têm especificamente por objetivo facilitar o comércio de mercadorias entre a União e a República de Singapura. O capítulo 6 do referido acordo prevê que a legislação de cada Parte em matéria aduaneira deve ser não discriminatória e que as taxas e os encargos impostos aos serviços prestados no contexto da importação ou exportação dessas mercadorias não podem ser superiores ao custo aproximado desses serviços. Este capítulo tem, portanto, por objetivo essencial regular e facilitar o comércio de mercadorias entre as Partes.

Quanto ao capítulo 7 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura, este tem por objetivo regular e facilitar o acesso ao mercado no setor da produção de energia a partir de fontes não fósseis sustentáveis, sem estabelecer nenhuma norma ambiental na matéria. Na medida em que visa abrir o mercado de cada uma das Partes, este capítulo é igualmente suscetível de ter um efeito direto e imediato no comércio de mercadorias e serviços entre a União e a República de Singapura no dito setor. Por conseguinte, é da competência exclusiva da União, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE.

(cf. n.os 35‑37, 40‑47, 72‑74)

2.      A competência da União para aprovar um acordo que versa, entre outros, sobre a prestação de serviços no domínio dos transportes não pode estar abrangida apenas pelo artigo 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE. Com efeito, este domínio está excluído da política comercial comum pelo artigo 207.°, n.° 5, TFUE, nos termos do qual a negociação e a celebração de acordos internacionais no domínio dos transportes estão sujeitas às disposições do título VI da parte III do Tratado FUE. Este título diz respeito à política comum dos transportes.

A este respeito, o artigo 207.°, n.° 5, TFUE, que corresponde, em substância, ao artigo 133.°, n.° 6, terceiro parágrafo, CE, visa manter, no que toca ao comércio internacional dos serviços de transporte, um paralelismo de princípio entre a competência interna da União, exercida pela adoção unilateral de regras da União, e a sua competência externa, exercida mediante a celebração de acordos internacionais, radicando ambas, como anteriormente, no título do Tratado especificamente relativo à política comum de transportes.

(cf. n.os 56‑59)

3.      No contexto da interpretação do artigo 207.°, n.° 5, TFUE, que prevê a exclusão da política comercial comum dos acordos internacionais no domínio dos transportes, importa ter em conta o conceito de serviços no domínio dos transportes, que abrange não só os serviços de transporte, considerados enquanto tais, mas também outros serviços, desde que, contudo, estes últimos estejam intrinsecamente ligados ao ato físico de movimentar pessoas ou mercadorias de um local para outro através de um meio de transporte.

A este respeito, quanto aos compromissos contidos no capítulo 8 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura, nem os serviços de reparação e manutenção de aeronaves durante os quais a aeronave é retirada de serviço nem os serviços de venda, comercialização ou reserva de serviços de transporte aéreo, quer sejam prestados por agências de viagens quer por outros prestadores de serviços comerciais, estão intrinsecamente ligados aos serviços de transporte, no sentido acima precisado. Com efeito, em primeiro lugar, os serviços de reparação e manutenção de aeronaves durante os quais a aeronave é retirada de serviço apresentam, quando muito, uma ligação afastada com o ato de movimentar pessoas ou mercadorias de um local para outro. Em segundo lugar, no que respeita aos serviços de venda, comercialização ou reserva de serviços de transporte aéreo, resulta do considerando 33 da Diretiva 2006/123, relativa aos serviços no mercado interno, que os serviços abrangidos por esta diretiva incluem igualmente as agências de viagens, que são os principais promotores desses serviços. Uma vez que os serviços de reparação e manutenção de aeronaves durante os quais a aeronave é retirada de serviço, a venda e comercialização de serviços de transporte aéreo e os serviços de sistemas informatizados de reserva não estão, consequentemente, abrangidos pelo artigo 207.°, n.° 5, TFUE, fazem parte dos serviços previstos no n.° 1 deste artigo.

Do mesmo modo, no que respeita ao capítulo 10 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura, este tem por objetivo específico determinar as modalidades segundo as quais os operadores económicos de cada Parte podem participar no procedimento de adjudicação de contratos organizado pelos poderes públicos da outra Parte. Uma vez que tais modalidades assentam em considerações de acesso não discriminatório, de transparência e de eficácia, poderão ter efeitos diretos e imediatos no comércio de mercadorias e de serviços entre as Partes. Consequentemente, o capítulo 10 do referido acordo é da competência exclusiva da União, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE, com a reserva, contudo dos contratos públicos de serviços de transporte marítimo internacional, de transporte ferroviário, de transporte rodoviário e de transporte por vias interiores navegáveis, bem como dos contratos públicos de serviços intrinsecamente ligados a estes serviços de transporte, tais como os enumerados nos n.os 11 e 12 dos apêndices 8‑A‑1 e 8‑B‑1, bem como nos n.os 16 e 17 dos apêndices 8‑A‑2 e 8‑A‑3 dos anexos do capítulo 8 do referido acordo.

(cf. n.os 61, 66‑68, 76, 77)

4.      O artigo 207.°, n.° 1, TFUE prevê que os atos da União em matéria de investimento estrangeiro direto se inserem na política comercial comum. Por conseguinte, a União dispõe de competência exclusiva, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE, para aprovar todos os compromissos com um Estado terceiro relativos aos investimentos realizados por pessoas singulares ou coletivas desse Estado terceiro na União e inversamente, que deem a possibilidade de participar efetivamente na gestão ou no controlo de uma sociedade que exerça uma atividade económica.

A utilização, pelos autores do Tratado FUE, dos termos «investimento estrangeiro direto», no artigo 207.°, n.° 1, TFUE, exprime sem ambiguidade a sua vontade de não incluir outros investimentos estrangeiros na política comercial comum. Assim sendo, há que considerar que compromissos com um Estado terceiro relativos a esses outros investimentos não são da competência exclusiva da União a título do artigo 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE.

Esta delimitação do âmbito de aplicação da política comercial comum no que diz respeito aos investimentos estrangeiros traduz o facto de que qualquer ato da União que promova, facilite ou regule a participação, por uma pessoa singular ou coletiva de um Estado terceiro na União e inversamente, na gestão ou no controlo de uma sociedade que exerça uma atividade económica poderá ter efeitos diretos e imediatos nas trocas comerciais entre esse Estado terceiro e a União, ao passo que, no caso de investimentos que não conduzam a essa participação, esta ligação específica com essas trocas comerciais não se verifica.

(cf. n.os 81‑84)

5.      As normas acordadas entre a União e a República de Singapura, no âmbito do capítulo 9 do Acordo de Comércio Livre entre estas últimas, em matéria de proteção dos investimentos diretos se insiram na política comercial comum quando apresentem uma ligação específica com as trocas comerciais entre a União e esse Estado terceiro. Com efeito, o artigo 207.°, n.° 1, TFUE refere‑se de maneira geral aos atos da União em matéria de investimentos estrangeiros diretos, sem distinguir consoante se trate de atos que têm por objeto a admissão ou a proteção dos referidos investimentos.

A este respeito, o conjunto dos compromissos de «tratamento não menos favorável» e das proibições de tratamento arbitrário previstos no referido capítulo 9, relativos nomeadamente à exploração, ao aumento e à venda, pelas pessoas singulares e coletivas de cada uma das Partes, das suas participações em sociedades que exercem atividades económicas situadas no território da outra Parte, contribui para a segurança jurídica dos investidores. A instituição de um quadro legal deste tipo tem por objetivo promover, facilitar e regular as trocas comerciais entre a União e a República de Singapura. Por outro lado, as disposições da secção A do capítulo 9 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura, na parte em que se referem ao investimento direto, são suscetíveis de ter efeitos diretos e imediatos nessas trocas comerciais, dado que dizem respeito ao tratamento das participações dos empresários de uma Parte na gestão ou no controlo de sociedades que exercem atividades económicas no território da outra Parte.

(cf. n.os 87, 94, 95)

6.      O artigo 345.° TFUE consagra a neutralidade da União no que toca ao regime da propriedade nos Estados‑Membros, mas não tem por efeito subtrair esses regimes às regras fundamentais da União. No que respeita ao artigo 9.6 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura, que enuncia que nenhuma das Partes deve nacionalizar, expropriar, ou sujeitar a medidas com efeito equivalente à nacionalização ou expropriação os investimentos abrangidos dos investidores da outra Parte, salvo se essa expropriação for realizada por motivos de interesse público, o mesmo não contém nenhum compromisso relativo ao regime da propriedade nos Estados‑Membros. Aquele artigo traduz, portanto, o simples facto de que, embora os Estados‑Membros permaneçam livres de exercer as suas competências em matéria de direito de propriedade e de alterar, consequentemente, o regime da propriedade no que lhes diz respeito, não estão, contudo, desobrigados do respeito desses princípios e direitos fundamentais.

(cf. n.os 91, 107)

7.      Nos termos do artigo 207.°, n.° 1, TFUE, a política comercial comum inclui os aspetos comerciais da propriedade intelectual. Os compromissos internacionais acordados pela União em matéria de propriedade intelectual inserem‑se nos referidos aspetos comerciais quando apresentem uma ligação específica com as trocas comerciais internacionais, por se destinarem essencialmente a promover, a facilitar ou a regular as trocas comerciais, e têm efeitos diretos e imediatos nestas trocas.

Relativamente aos compromissos em matéria de propriedade intelectual enunciados no capítulo 11 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura, conjunto das disposições relativas aos direitos de autor e direitos conexos, às marcas, às indicações geográficas, aos desenhos ou modelos, às patentes, aos dados de ensaio e às variedades vegetais, que recorda as obrigações internacionais multilaterais existentes, por um lado, e os compromissos bilaterais, por outro, tem por objetivo essencial, conforme enuncia o artigo 11.1, n.° 1, alínea b), desse acordo, assegurar aos empresários da União e de Singapura um nível adequado de proteção dos seus direitos de propriedade intelectual. Tais disposições permitem aos empresários da União e de Singapura beneficiar, no território da outra Parte, de níveis de proteção dos direitos de propriedade intelectual que apresentem uma certa homogeneidade, contribuindo, assim, para a sua participação, em pé de igualdade, no comércio livre de mercadorias e de serviços entre a União e a República de Singapura. O mesmo se aplica aos artigos 11.36 a 11.47 do referido acordo, que obrigam cada Parte a prever determinadas categorias de procedimentos e de medidas judiciais civis que permitam aos interessados invocar e proteger os seus direitos de propriedade intelectual, e aos artigos 11.48 a 11.50, que obrigam cada Parte a instituir métodos de identificação das mercadorias contrafeitas ou pirateadas e a prever a possibilidade de os titulares de direitos de propriedade intelectual obterem, em caso de suspeita de contrafação ou de pirataria, a suspensão da introdução em livre prática dessas mercadorias.

Daqui resulta que as disposições do capítulo 11 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura visam efetivamente, como enuncia o artigo 11.°, n.° 1, deste acordo, facilitar a produção e a comercialização de produtos inovadores e criativos e a prestação de serviços entre as Partes e aumentar os benefícios decorrentes do comércio e do investimento. Este capítulo não se inscreve de todo no âmbito da harmonização das legislações dos Estados‑Membros da União, tendo antes por objetivo regular a liberalização das trocas comerciais entre a União e a República de Singapura. Por conseguinte, o capítulo 11 do referido acordo incide sobre aspetos comerciais da propriedade intelectual, na aceção do artigo 207.°, n.° 1, TFUE.

(cf. n.os 111‑113, 121‑126, 128)

8.      Os artigos 12.1 e 12.2 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura inscrevem‑se indubitavelmente no âmbito da liberalização das trocas comerciais entre a União e a República de Singapura. Com efeito, respeitam especificamente à luta contra as atividades anticoncorrenciais e contra as concentrações que têm por objetivo impedir que as trocas comerciais entre a União e este Estado terceiro se desenrolem em condições de concorrência sãs. As referidas disposições inserem‑se, por conseguinte, no domínio da política comercial comum, e não no domínio do mercado interno. O capítulo 12 deste acordo contém igualmente disposições em matéria de subvenções. Estas disposições recordam as obrigações das Partes por força do Acordo sobre as Subvenções e as Medidas de Compensação, que faz parte do anexo 1 A do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio, determinam quais as subvenções ligadas ao comércio de mercadorias e serviços entre a União e a República de Singapura que são proibidas e obrigam cada Parte a envidar todos os esforços para neutralizar ou eliminar os efeitos das subvenções não proibidas no comércio com a outra Parte.

(cf. n.os 134, 135, 137)

9.      O Tratado FUE difere sensivelmente do Tratado CE anteriormente em vigor, na medida em que incluiu na referida política novos aspetos do comércio internacional contemporâneo. A extensão do domínio da política comercial comum pelo Tratado FUE constitui uma evolução significativa do direito primário da União. Esta evolução caracteriza‑se, nomeadamente, pela regra enunciada no artigo 207.°, n.° 1, segundo período, TFUE, segundo qual a política comercial comum é conduzida de acordo com os princípios e objetivos da ação externa da União. Esses princípios e esses objetivos são concretizados no artigo 21.°, n.os 1 e 2, TUE e incidem, nomeadamente, conforme indicado no n.° 2, alínea f), deste artigo 21.°, no desenvolvimento sustentável associado à preservação e à melhoria da qualidade do ambiente e na gestão sustentável dos recursos naturais mundiais.

A obrigação de a União integrar os referidos objetivos e princípios na condução da sua política comercial comum resulta de uma leitura conjugada do artigo 207.°, n.° 1, segundo período, TFUE, do artigo 21.°, n.° 3, TUE e do artigo 205.° TFUE. Por outro lado, há que atender aos artigos 9.° e 11.° TFUE. Além disso, o artigo 3.°, n.° 5, TUE obriga a União a contribuir, nas suas relações com o resto do mundo, para o comércio livre e equitativo. Por conseguinte, o objetivo do desenvolvimento sustentável faz agora parte integrante da política comercial comum.

(cf. n.os 141‑143, 146, 147)

10.    Insere‑se na política comercial comum e, por conseguinte, na competência exclusiva da União prevista no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE o capítulo 13 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura. Com efeito, através das disposições do referido capítulo, a União e a República de Singapura comprometem‑se, no essencial, a assegurar que as trocas comerciais entre elas se realizem no respeito das obrigações que decorrem das convenções internacionais em matéria de proteção social dos trabalhadores e de proteção do ambiente de que são partes. Este capítulo 13 não diz respeito ao alcance das convenções internacionais às quais se refere nem às competências da União ou dos Estados‑Membros relativas a essas convenções. Em contrapartida, este capítulo apresenta uma ligação específica com o comércio entre a União e a República de Singapura. De facto, o referido capítulo 13 regula esse comércio, assegurando que o mesmo se realizará no respeito das referidas convenções e que nenhuma medida adotada ao abrigo delas será aplicada de modo a criar uma discriminação arbitrária ou injustificada, ou uma restrição dissimulada ao referido comércio.

Este mesmo capítulo é igualmente suscetível de ter efeitos diretos e imediatos nesse comércio. Neste contexto, no que respeita em particular aos compromissos que têm por objetivo combater o comércio de madeira abatida ilegalmente e de produtos conexos e lutar contra a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada, previstos nos artigos 13.7, alínea b), e 13.8, alínea b), do referido acordo, as Partes obrigam‑se, no acordo projetado, a aplicar ou a privilegiar sistemas de documentação, de verificação e de certificação. Tais sistemas são suscetíveis de influenciar diretamente o comércio dos produtos em causa. Além disso, a especificidade da ligação apresentada pelas disposições do capítulo 13 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura decorre igualmente do facto de que uma violação das disposições em matéria de proteção social dos trabalhadores e de proteção do ambiente, que constam deste capítulo, autoriza a outra Parte, nos termos da norma consuetudinária de direito internacional codificada no artigo 60.°, n.° 1, da Convenção sobre o Direito dos Tratados, que se aplica às relações entre a União e os Estados terceiros, a pôr fim à liberalização desse comércio prevista nas outras disposições deste acordo ou a suspendê‑la.

(cf. n.os 152, 155‑157, 160, 161, 167)

11.    A competência exclusiva da União prevista no artigo 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE não pode ser exercida para regulamentar os níveis de proteção social e ambiental no território respetivo das Partes num acordo internacional celebrado entre a União e um Estado terceiro. A adoção de tais regras enquadra‑se na repartição de competências entre a União e os Estados‑Membros, prevista, nomeadamente, no artigo 3.°, n.° 1, alínea d), e no artigo 3.°, n.° 2, bem como no artigo 4.°, n.° 2, alíneas b) e e), TFUE. Com efeito, o artigo 3.°, n.° 1, alínea e), TFUE não tem prevalência sobre essas outras disposições do Tratado FUE, enunciando, aliás, o artigo 207.°, n.° 6, TFUE que o exercício das competências atribuídas no domínio da política comercial comum não afeta a delimitação de competências entre a União e os Estados‑Membros.

(cf. n.° 164)

12.    O artigo 216.° TFUE atribui à União competência para celebrar, nomeadamente, qualquer acordo internacional que seja suscetível de afetar normas comuns ou alterar o seu alcance. O risco de afetação ou de alteração das regras comuns existe quando os compromissos contidos num acordo internacional se enquadrem no âmbito de aplicação das referidas regras. A constatação desse risco não pressupõe uma concordância total entre o domínio abrangido pelos compromissos internacionais e o domínio abrangido pela regulamentação da União. O alcance das regras comuns da União também é suscetível de ser afetado ou alterado por esses compromissos quando estes se integrem num domínio já em grande parte coberto por essas regras.

No que toca aos compromissos relativos à prestação de serviços de transporte marítimo internacional contidos no capítulo 8 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura, o domínio onde se integram esses compromissos está em grande parte coberto pelas regras comuns enunciadas no Regulamento n.° 4055/86, que aplica o princípio da livre prestação de serviços aos transportes marítimos entre Estados‑Membros e entre Estados‑Membros e países terceiros. Os compromissos contidos no referido acordo afetam, e até alteram, consideravelmente, quanto aos serviços de transporte marítimo entre a União e a República de Singapura, o alcance destas regras comuns estabelecidas pelo Regulamento n.° 4055/86. Com efeito, decorre do artigo 8.56, n.° 3, deste acordo que os prestadores de serviços de transporte marítimo da União e os nacionais de um Estado‑Membro que controlam uma companhia marítima estabelecida em Singapura terão livre acesso ao comércio para esse e a partir desse Estado terceiro, e isto sem que se exija destes últimos que os seus navios arvorem o pavilhão de um Estado‑Membro. Este regime difere consideravelmente do estabelecido pelo Regulamento n.° 4055/86. A competência da União para aprovar estes compromissos é, por conseguinte, exclusiva, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, TFUE.

O mesmo se aplica aos compromissos relativos aos serviços de transporte ferroviário entre a União e a República de Singapura. Com efeito, as condições não menos favoráveis de que os prestadores de serviços de Singapura beneficiarão, em conformidade com estes compromissos, para aceder às redes e às atividades de transporte ferroviário na União e para aí se estabelecerem correspondem aos elementos regulados pelas regras do espaço ferroviário europeu único, previstos na Diretiva 2012/34, que estabelece um espaço ferroviário europeu único. No que respeita aos compromissos relativos aos serviços de transporte rodoviário, estes integram‑se num domínio já em grande parte coberto pelas suas regras comuns. Com efeito, as condições não menos favoráveis de que os prestadores de serviços de Singapura beneficiarão, em conformidade com estes compromissos, para prestar serviços de transporte rodoviário na União correspondem, em grande medida, aos elementos regulados pelas regras comuns enunciadas nos Regulamentos n.° 1071/2009, que estabelece regras comuns no que se refere aos requisitos para o exercício da atividade de transportador rodoviário, n.° 1072/2009, que estabelece regras comuns para o acesso ao mercado do transporte internacional rodoviário de mercadorias, e n.° 1073/2009, que estabelece regras comuns para o acesso ao mercado internacional dos serviços de transporte em autocarro.

(cf. n.os 171, 180‑182, 189, 190, 193, 195, 198, 206, 207)

13.    Quando um acordo entre a União e um Estado terceiro prevê a aplicação, às relações internacionais visadas nesse acordo, de regras que se sobrepõem em grande medida a regras comuns da União aplicáveis às situações intracomunitárias, esse acordo deve ser considerado suscetível de afetar ou alterar o alcance dessas regras comuns. Com efeito, não obstante a ausência de contradição com as referidas regras comuns, o sentido, o alcance e a eficácia destas são suscetíveis de ser influenciados.

(cf. n.° 201)

14.    No exame da natureza da competência para celebrar um acordo internacional, não há que ter em conta as disposições desse acordo que têm um alcance extremamente limitado.

(cf. n.° 217)

15.    No âmbito do exame da competência da União no que respeita aos compromissos contidos num acordo internacional projetado no domínio dos transportes, uma vez que o acordo projetado não incide sobre os aspetos regulados pela parte III do título V do Tratado FUE, o Protocolo n.° 21 relativo à posição do Reino Unido e da Irlanda em relação ao espaço de liberdade, segurança e justiça, anexo aos Tratados UE e FUE, é desprovido de pertinência. O mesmo se verifica quanto ao Protocolo n.° 22 relativo à posição da Dinamarca, anexo aos Tratados UE e FUE. Com efeito, por um lado, a política comercial comum e a política comum dos transportes não estão abrangidas pelo Protocolo n.° 21. Por outro lado, é a finalidade e o conteúdo do ato em causa que determinam os protocolos eventualmente aplicáveis, e não o inverso.

(cf. n.° 218)

16.    O capítulo 10 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura contém um conjunto de regras destinadas a enquadrar a adjudicação de contratos públicos na União e em Singapura, de forma a assegurar que os procedimentos de adjudicação desses contratos serão realizados no respeito dos princípios da não discriminação e da transparência. A Diretiva 2014/24, relativa aos contratos públicos, e a Diretiva 2014/25, relativa aos contratos públicos celebrados pelas entidades que operam nos setores da água, da energia, dos transportes e dos serviços postais, instituem um conjunto de regras comuns que visam, em substância, garantir que a adjudicação de contratos públicos, entre outros, no setor dos transportes, respeita esses mesmos princípios, dentro da União, conforme é precisado no considerando 1 e no artigo 18.° da Diretiva 2014/24 assim como no considerando 2 e no artigo 36.° da Diretiva 2014/25.

A partir da entrada em vigor do referido acordo, o acesso dos prestadores de serviços de Singapura aos contratos públicos da União no domínio dos transportes estará, portanto, abrangido por compromissos que cobrem os mesmos elementos que os regulados pelas Diretivas 2014/24 e 2014/25. Por conseguinte, a União tem competência externa exclusiva, nos termos do artigo 3.°, n.° 2, TFUE, para os compromissos internacionais contidos no capítulo 10 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura em matéria de contratos públicos de serviços no domínio dos transportes, uma vez que esses compromissos se integram num domínio já em grande parte coberto por regras comuns da União e são suscetíveis de afetar ou alterar o alcance das mesmas.

(cf. n.os 221‑224)

17.    Constituem regras comuns cujo alcance pode ser afetado ou alterado pelos compromissos contidos num acordo internacional celebrado pela União as disposições de direito derivado que a União instituiu progressivamente. A União, quando exerceu assim a sua competência interna, deve, paralelamente, gozar de competência externa exclusiva, a fim de evitar que os Estados‑Membros assumam compromissos internacionais suscetíveis de afetar essas regras comuns ou de alterar o alcance das mesmas. Seria ignorar a motivação inerente à regra da competência externa exclusiva estender o alcance desta regra, atualmente inscrita no artigo 3.°, n.° 2, último período, TFUE, a um caso que, como o presente, não diz respeito a regras de direito derivado instituídas pela União no âmbito do exercício de uma competência interna que lhe foi conferida pelos Tratados, mas a uma regra de direito primário da União adotada pelos autores destes Tratados.

(cf. n.os 233, 234)

18.    A celebração de um acordo internacional em matéria de investimentos estrangeiros diferentes de investimentos diretos também não está, no estado atual do direito da União, prevista num ato legislativo da União, na aceção deste artigo 3.°, n.° 2, TFUE. Do mesmo modo, a celebração de um acordo deste tipo não é necessária para dar à União a possibilidade de exercer a sua competência interna, na aceção da referida disposição. Por conseguinte, a União não dispõe de competência exclusiva para celebrar um acordo internacional na parte em que este respeita à proteção de investimentos estrangeiros diferentes de investimentos diretos.

Em contrapartida, a celebração, pela União, de um acordo internacional relativo a esses investimentos pode revelar‑se necessária para alcançar, no âmbito das políticas da União, um dos objetivos estabelecidos pelos Tratados, na aceção do artigo 216.°, n.° 1, TFUE. Em especial, tendo em conta que a livre circulação de capitais e de pagamentos entre os Estados‑Membros e os Estados terceiros, prevista no artigo 63.° TFUE, não é formalmente oponível aos Estados terceiros, a celebração de acordos internacionais que contribuam para a instauração dessa livre circulação numa base recíproca pode ser qualificada de necessária para realizar plenamente essa livre circulação, que é um dos objetivos do título IV (A livre circulação de pessoas, de serviços e de capitais) da parte III (As políticas e ações internas da União) do Tratado FUE. Este título IV insere‑se na competência partilhada entre a União e os Estados‑Membros, nos termos do artigo 4.°, n.° 2, alínea a), TFUE, relativa ao mercado interno. A competência atribuída à União pelo artigo 216.°, n.° 1, TFUE é igualmente de natureza partilhada, uma vez que o artigo 4.°, n.° 1, TFUE prevê que a União dispõe de competência partilhada com os Estados‑Membros quando os Tratados lhe atribuam competência em domínios não contemplados nos artigos 3.° e 6.°

(cf. n.os 236‑242)

19.    A circunstância de a União e um Estado terceiro terem introduzido num acordo internacional uma disposição da qual resulta expressamente que os acordos bilaterais de investimento entre os Estados‑Membros da União e este Estado terceiro são anulados e deixam de gerar direitos e obrigações ao nível da União a partir da entrada em vigor deste acordo celebrado com o referido Estado terceiro não pode ser encarada como uma interferência na competência dos Estados‑Membros, na medida em que esta disposição diz respeito a um domínio relativamente ao qual a União detém competência exclusiva. De facto, quando a União negoceia e celebra com um Estado terceiro um acordo num domínio onde adquiriu competência exclusiva, substitui‑se a esses Estados‑Membros. A este respeito, a União pode suceder aos Estados‑Membros nos seus compromissos internacionais, quando os Estados‑Membros tenham transferido para a União, através de um dos Tratados fundadores, as suas competências relativas a esses compromissos e esta última exerça essas competências.

Por conseguinte, no que respeita à competência exclusiva da União em matéria de investimentos estrangeiros diretos, a partir de 1 de dezembro de 2009, data da entrada em vigor do Tratado FUE, que atribui esta competência à União, esta última tem competência para aprovar sozinha uma disposição de um acordo por ela celebrado com um Estado terceiro, que estipule que os compromissos em matéria de investimento direto contidos em acordos bilaterais anteriormente celebrados entre Estados‑Membros da União e esse Estado terceiro devem ser considerados substituídos por ele. Neste contexto, nos termos do artigo 2.°, n.° 1, TFUE, os Estados‑Membros estão proibidos, salvo habilitação pela União, de adotar atos juridicamente vinculativos nos domínios da competência exclusiva da União. Ora, o Regulamento (UE) n.° 1219/2012, que estabelece disposições transitórias para os acordos bilaterais de investimento entre os Estados‑Membros e os países terceiros, habilita, é certo, os Estados‑Membros, em condições rigorosas, a manterem em vigor, ou até a celebrarem, acordos bilaterais em matéria de investimento direto com um Estado terceiro, enquanto não existir um acordo em matéria de investimento direto entre a União e esse Estado terceiro. Em contrapartida, a partir do momento em que um acordo desse tipo entre a União e o referido Estado terceiro entre em vigor, essa habilitação deixa de existir.

Consequentemente, não procede a argumentação segundo a qual, após a entrada em vigor de compromissos em matéria de investimento estrangeiro direto contidos num acordo celebrado pela União, os Estados‑Membros deveriam ter a possibilidade de adotar atos que determinam o destino dos compromissos na matéria contidos nos acordos bilaterais que celebraram anteriormente com o mesmo Estado terceiro.

(cf. n.os 247‑251)

20.    O artigo 351.° TFUE visa permitir aos Estados‑Membros respeitar os direitos que os Estados terceiros retiram, em conformidade com o direito internacional, das convenções anteriores celebradas antes de 1 de janeiro de 1958 ou, para os Estados aderentes, antes da data da sua adesão.

(cf. n.° 254)

21.    A competência da União para assumir compromissos internacionais inclui a competência de lhes associar disposições institucionais. A sua presença no acordo não tem incidência na natureza da competência para o celebrar. Com efeito, essas disposições têm caráter auxiliar e inserem‑se, portanto, na mesma competência das disposições substantivas que acompanham.

No entanto, a situação é diferente no que respeita a disposições que instituem um regime de resolução dos litígios que oponham um nacional de uma Parte no acordo à outra Parte no acordo, devido a um tratamento que o demandante considere contrário ao acordo e que lhe tenha alegadamente provocado prejuízos ou danos ou à respetiva empresa estabelecida localmente. De facto, na medida em que um investidor demandante pode decidir submeter o dito litígio a um processo de arbitragem, sem que o referido Estado‑Membro se possa opor, esse regime, que subtrai litígios à competência jurisdicional dos Estados‑Membros, não pode revestir caráter meramente auxiliar e não pode, por conseguinte, ser instituído sem o consentimento destes. A aprovação de um regime desse tipo não é da competência exclusiva da União, mas sim da competência partilhada entre a União e os Estados‑Membros.

(cf. n.os 276, 285, 291‑293)

22.    Os compromissos contidos no capítulo 14 do Acordo de Comércio Livre entre a União Europeia e a República de Singapura, que obrigam as autoridades na União, incluindo as dos Estados‑Membros, a respeitar os princípios da boa administração e da proteção jurisdicional efetiva não interferem nas competências que cabem exclusivamente aos Estados‑Membros. Com efeito, as regras contidas no referido capítulo não contêm nenhum compromisso relativo à organização administrativa ou judicial dos Estados‑Membros, refletindo antes o facto de quer a União quer os Estados‑Membros deverem, quando da aplicação desse acordo, respeitar os princípios gerais e os direitos fundamentais da União, como os princípios da boa administração e da proteção jurisdicional efetiva.

(cf. n.° 284)

23.    A competência da União em matéria de relações internacionais e a sua capacidade para celebrar acordos internacionais comportam necessariamente a faculdade de se submeter às decisões de uma jurisdição criada ou designada em virtude de tais acordos, no que diz respeito à interpretação e à aplicação das suas disposições. Do mesmo modo, a competência da União para celebrar acordos internacionais comporta necessariamente a faculdade de se submeter às decisões de um órgão que, embora não seja formalmente um órgão jurisdicional, desempenha, em substância, funções jurisdicionais, como o órgão de resolução de litígios criado no âmbito do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio.

(cf. n.os 298, 299)