Language of document : ECLI:EU:C:2016:553

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 13 de julho de 2016 (1)

Processo C188/15

Asma Bougnaoui

Association de défense des droits de l’homme (ADDH)

contra

Micropole SA

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França)]

«Política social — Igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional — Diretiva 2000/78/CE — Discriminação em razão da religião ou das convicções — Requisito essencial e determinante para o exercício de uma atividade profissional — Significado — Discriminação direta e indireta — Uso do lenço de cabeça islâmico»





1.        Em que medida a proibição de discriminação em razão da religião ou das convicções ao abrigo do direito da União, em especial da Diretiva 2000/78 (2), pode tornar ilegal o despedimento de uma trabalhadora que é muçulmana praticante, pelo facto de esta se recusar a cumprir a instrução do seu empregador (uma empresa do setor privado) de não utilizar um véu ou lenço (de cabeça) quando em contacto com os clientes da empresa? O Tribunal de Justiça é chamado a responder a uma questão sobre o artigo 4.°, n.° 1, da referida diretiva. Como explicarei adiante, as questões decorrentes da distinção prevista no artigo 2.°, n.° 2, alíneas a) e b), entre discriminação direta e indireta também são pertinentes neste contexto (3).

 Quadro jurídico

 Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais

2.        O artigo 9.° da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH») (4) dispõe:

«1.      Qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de crença, assim como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua crença, individual ou coletivamente, em público e em privado, por meio do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.

2.      A liberdade de manifestar a sua religião ou convicções, individual ou coletivamente, não pode ser objeto de outras restrições senão as que, previstas na lei, constituírem disposições necessárias, numa sociedade democrática, à segurança pública, à proteção da ordem, da saúde e moral públicas, ou à proteção dos direitos e liberdades de outrem.»

3.        Nos termos do artigo 14.° da CEDH:

«O gozo dos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção deve ser assegurado sem quaisquer distinções, tais como as fundadas no sexo, raça, cor, língua, religião, opiniões políticas ou outras, a origem nacional ou social, a pertença a uma minoria nacional, a riqueza, o nascimento ou qualquer outra situação.»

4.        O artigo 1.° do Protocolo n.° 12 da CEDH intitula‑se «Interdição geral de discriminação» (5). O n.° 1 dispõe o seguinte:

«O gozo de todo e qualquer direito previsto na lei deve ser garantido sem discriminação alguma em razão, nomeadamente, do sexo, raça, cor, língua, religião, convicções políticas ou outras, origem nacional ou social, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento ou outra situação.»

 Tratado da União Europeia

5.        O artigo 3.°, n.° 3, TUE dispõe:

«A União estabelece um mercado interno. Empenha‑se no desenvolvimento sustentável da Europa, assente num crescimento económico equilibrado e na estabilidade dos preços, numa economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social, e num elevado nível de proteção e de melhoramento da qualidade do ambiente. A União fomenta o progresso científico e tecnológico.

A União combate a exclusão social e as discriminações e promove a justiça e a proteção sociais […]»

6.        O artigo 4.°, n.° 2, TUE estabelece:

«A União respeita a igualdade dos Estados‑Membros perante os Tratados, bem como a respetiva identidade nacional, refletida nas estruturas políticas e constitucionais fundamentais de cada um deles, incluindo no que se refere à autonomia local e regional. A União respeita as funções essenciais do Estado, nomeadamente as que se destinam a garantir a integridade territorial, a manter a ordem pública e a salvaguardar a segurança nacional. Em especial, a segurança nacional continua a ser da exclusiva responsabilidade de cada Estado‑Membro.»

 Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia

7.        O artigo 10.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «a Carta») (6), sob a epígrafe «Liberdade de pensamento, de consciência e de religião», prevê, no seu n.° 1, o seguinte:

«Todas as pessoas têm direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião. Este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, bem como a liberdade de manifestar a sua religião ou a sua convicção, individual ou coletivamente, em público ou em privado, através do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos.»

8.        O artigo 16.° da Carta, intitulado «Liberdade de empresa», estabelece:

«É reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito da União e as legislações e práticas nacionais.»

9.        O artigo 21.° da Carta, sob a epígrafe «Não discriminação», dispõe o seguinte no seu n.° 1:

«É proibida a discriminação em razão, designadamente, do sexo, raça, cor ou origem étnica ou social, características genéticas, língua, religião ou convicções, opiniões políticas ou outras, pertença a uma minoria nacional, riqueza, nascimento, deficiência, idade ou orientação sexual.»

 Diretiva 2000/78

10.      O preâmbulo da Diretiva 2000/78 prevê, em especial:

«(1)      Nos termos do artigo 6.° do Tratado da União Europeia, a União Europeia assenta nos princípios da liberdade, da democracia, do respeito pelos direitos do Homem e pelas liberdades fundamentais, bem como do Estado de direito, princípios estes que são comuns aos Estados‑Membros; a União respeita os direitos fundamentais tal como os garante a [CEDH] e como resultam das tradições constitucionais comuns aos Estados‑Membros, enquanto princípios gerais do direito [da União].

[…]

(9)      O emprego e a atividade profissional são elementos importantes para garantir a igualdade de oportunidades para todos e muito contribuem para promover a plena participação dos cidadãos na vida económica, cultural e social, bem como o seu desenvolvimento pessoal.

[…]

(11)      A discriminação baseada na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual pode comprometer a realização dos objetivos do Tratado CE, nomeadamente a promoção de um elevado nível de emprego e de proteção social, o aumento do nível e da qualidade de vida, a coesão económica e social, a solidariedade e a livre circulação das pessoas.

(12)      Para o efeito, devem ser proibidas em toda a [União Europeia] quaisquer formas de discriminação direta ou indireta baseadas na religião ou nas convicções, numa deficiência, na idade ou na orientação sexual, nos domínios abrangidos pela presente diretiva. […].

[…]

(15)      A apreciação dos factos dos quais se pode presumir que houve discriminação direta ou indireta é da competência dos órgãos judiciais ou de outros órgãos competentes, a nível nacional, de acordo com as normas ou as práticas nacionais […]

[…]

(23)      Em circunstâncias muito limitadas, podem justificar‑se diferenças de tratamento sempre que uma característica relacionada com a religião ou as convicções, com uma deficiência, com a idade ou com a orientação sexual constitua um requisito genuíno e determinante para o exercício da atividade profissional, desde que o objetivo seja legítimo e o requisito proporcional. Essas circunstâncias devem ser mencionadas nas informações fornecidas pelos Estados‑Membros à Comissão.

[…]»

11.      O artigo 1.° da diretiva prevê que esta tem por objeto «estabelecer um quadro geral para lutar contra a discriminação em razão da religião ou das convicções, de uma deficiência, da idade ou da orientação sexual, no que se refere ao emprego e à atividade profissional, com vista a pôr em prática nos Estados‑Membros o princípio da igualdade de tratamento».

12.      O artigo 2.° da diretiva intitula‑se «Conceito de discriminação». Prevê, em especial:

«1.      Para efeitos da presente diretiva, entende se por ‘princípio da igualdade de tratamento’ a ausência de qualquer discriminação, direta ou indireta, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°

2.      Para efeitos do n.° 1:

a)      Considera‑se que existe discriminação direta sempre que, por qualquer dos motivos referidos no artigo 1.°, uma pessoa seja objeto de um tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável;

b)      Considera‑se que existe discriminação indireta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutra seja suscetível de colocar numa situação de desvantagem pessoas com uma determinada religião ou convicções, com uma determinada deficiência, pessoas de uma determinada classe etária ou pessoas com uma determinada orientação sexual, comparativamente com outras pessoas, a não ser que:

i)      essa disposição, critério ou prática sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários, […]

[…]

5.      A presente diretiva não afeta as medidas previstas na legislação nacional que, numa sociedade democrática, sejam necessárias para efeitos de segurança pública, defesa da ordem e prevenção das infrações penais, proteção da saúde e proteção dos direitos e liberdades de terceiros.»

13.      Nos termos do artigo 3.° da diretiva, intitulado;

[…]»

14.      O artigo 4.° da Diretiva 2000/78 intitula‑se «Requisitos para o exercício de uma atividade profissional». O n.° 1 prevê:

«Sem prejuízo do disposto nos n.os 1 e 2 do artigo 2.°, os Estados‑Membros podem prever que uma diferença de tratamento baseada numa característica relacionada com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.° não constituirá discriminação sempre que, em virtude da natureza da atividade profissional em causa ou do contexto da sua execução, essa característica constitua um requisito essencial e determinante para o exercício dessa atividade, na condição de o objetivo ser legítimo e o requisito proporcional.»

15.      O artigo 4.°, n.° 2, aborda as diferenças de tratamento baseadas na religião ou nas convicções de uma pessoa no contexto específicodas atividades profissionais de igrejas e de «outras organizações públicas ou privadas cuja ética seja baseada na religião ou em convicções».

16.      O artigo 6.° da Diretiva 2000/78 estabelece determinadas derrogações às disposições da diretiva no que diz respeito à discriminação com base na idade.

17.      O artigo 7.°, n.° 1, da diretiva prevê que, a fim de assegurar a plena igualdade na vida ativa, o princípio da igualdade de tratamento não obsta a que os Estados‑Membros mantenham ou adotem medidas específicas destinadas a prevenir ou compensar desvantagens relacionadas com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.°

 Direito francês

18.      O artigo L. 1121‑1 do Code du travail (Código do Trabalho) dispõe:

«Os direitos das pessoas ou as liberdades individuais ou coletivas não podem ser sujeitos a nenhuma restrição que não seja justificada pela natureza da tarefa a desempenhar ou que não seja proporcionada ao objetivo a alcançar.»

19.      Nos termos do artigo L. 1321‑3 do referido código, na versão em vigor à data dos factos:

«O regulamento interno não pode conter:

1°      Disposições contrárias às leis e regulamentos, bem como às cláusulas previstas nas convenções e acordos coletivos de trabalho sobre as práticas de trabalho aplicáveis na empresa ou estabelecimento;

2°      Disposições que imponham restrições aos direitos pessoais e às liberdades individuais e coletivas que não seriam justificadas pela natureza da tarefa a realizar, nem proporcionadas ao fim prosseguido;

3°      Disposições que discriminassem os trabalhadores no seu emprego ou no seu trabalho, com a mesma capacidade profissional, em razão da sua origem, do seu sexo, dos seus costumes, da sua orientação sexual, da sua idade […] das suas opiniões políticas, das suas atividades sindicais ou mutualistas, das suas convicções religiosas, da sua aparência física, do seu apelido ou em razão do seu estado de saúde ou da sua deficiência.»

20.      O artigo L. 1132‑1 do Código do Trabalho dispõe:

«Ninguém pode ser excluído de um processo de recrutamento ou do acesso a um estágio ou período de formação numa empresa, nenhum trabalhador pode ser punido, despedido ou sujeito a tratamento discriminatório, direto ou indireto, […] em especial no que diz respeito à remuneração, […] sistemas de incentivos ou de participação dos trabalhadores no capital, formação, reclassificação, afetação, habilitação, classificação, promoção profissional, alteração ou renovação do contrato em razão da sua origem, do seu sexo, dos seus costumes, da sua orientação sexual, da sua idade, […] das suas opiniões políticas, das suas atividades sindicais ou mutualistas, das suas convicções religiosas, da sua aparência física, do seu apelido […] ou em razão do seu estado de saúde ou da sua deficiência.»

21.      Nos termos do artigo L. 1133‑1 do Código do Trabalho:

«O artigo L. 1132‑1 não obsta às diferenças de tratamento que resultem de uma exigência profissional essencial e determinante, desde que o objetivo seja legítimo e a exigência proporcionada.»

 Matéria de facto, tramitação processual e questão prejudicial

22.      A. Bougnaoui foi contratada como engenheira de projeto pela Micropole SA, uma empresa descrita na decisão de reenvio como umaempresa de aconselhamento, engenharia e formação especializada no desenvolvimento e na integração de soluções para a tomada de decisões. Antes de ser admitida como funcionária, realizou na empresa um estágio de fim de curso. O seu contrato de trabalho com a Micropole teve início em 15 de julho de 2008.

23.      Em 15 de junho de 2009, foi convocada para uma entrevista prévia a um eventual despedimento e foi subsequentemente despedida por carta de 22 de junho de 2009 (a seguir «carta de despedimento»), com a seguinte redação:

«Tendo efetuado o seu estágio de fim de curso a partir de 4 de fevereiro de 2008, foi contratada pela nossa empresa, em 1 de agosto de 2008 (7) na qualidade de Engenheira de projetos. No âmbito das suas funções, teve de efetuar deslocações profissionais aos nossos clientes.

Pedimos‑lhe que interviesse junto do cliente Groupama, no dia 15 de maio, deslocando‑se ao estabelecimento de Toulouse. Na sequência desta intervenção, o cliente informou‑nos de que o uso do véu, que efetivamente utiliza todos os dias, incomodou alguns dos seus colaboradores. O cliente pediu igualmente que ‘não houvesse véu da próxima vez’.

Quando a nossa empresa a contratou e por ocasião das suas entrevistas com o nosso gerente operacional, […], e com a responsável pelo recrutamento, […], o assunto do uso do véu foi abordado de forma muito clara. Foi por nós precisado que respeitamos totalmente o princípio da liberdade de opinião e as convicções religiosas de cada um, mas que, uma vez que estaria em contacto, interna ou externamente, com os clientes da empresa, nem sempre poderia usar o véu. Com efeito, no interesse da empresa e para o desenvolvimento das suas atividades, somos obrigados, face aos nossos clientes, a agir de modo a que a discrição impere quanto à expressão das opções pessoais dos nossos trabalhadores.

Na nossa reunião de 17 de junho [(8)], reafirmámos este princípio de necessária neutralidade e pedimos‑lhe que o observasse em relação aos nossos clientes. Perguntámos‑lhe novamente se poderia acatar estas exigências profissionais, e aceitar não envergar o véu, e respondeu‑nos pela negativa.

Consideramos que estes factos justificam, pelas razões acima mencionadas, a resolução do seu contrato de trabalho. Na medida em que a sua posição torna impossível a continuação da sua atividade ao serviço da empresa, uma vez que não poderemos considerar, dada a sua atitude, a prossecução das prestações aos nossos clientes, não poderá efetuar o seu pré‑aviso. Sendo‑lhe este não cumprimento do pré‑aviso imputável, o período respetivo não lhe será remunerado.

Lamentamos esta situação na medida em que as suas competências profissionais e o seu potencial deixavam augurar uma colaboração duradoura.»

24.      Em novembro de 2009, A. Bougnaoui impugnou a decisão de despedimento no Conseil de Prud’hommes de Paris, alegando que constituía uma medida discriminatória em razão das suas convicções religiosas. A Association de défense des droits de l’homme (Associação de Defesa dos Direitos do Homem; a seguir «ADDH») interveio voluntariamente na instância. Por decisão de 4 de maio de 2011, este órgão jurisdicional declarou o despedimento justificado por uma causa real e grave, condenou a Micropole a pagar a A. Bougnaoui o montante de 8 378,78 euros a título de indemnização compensatória pelo período do pré‑aviso e negou provimento aos restantes pedidos.

25.      Em sede de recurso interposto por A. Bougnaoui e de recurso subordinado interposto pela Micropole, a Cour d’appel de Paris [Tribunal de Recurso de Paris], por acórdão de 18 de abril de 2013, confirmou a decisão.

26.      A. Bougnaoui interpôs recurso desse acórdão para o órgão jurisdicional de reenvio. Uma vez que esse tribunal tem dúvidas quanto à interpretação correta do direito da União nas circunstâncias do processo, submeteu a seguinte questão ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 267.° TFUE:

«Devem as disposições do artigo 4.°, n.° 1, da [Diretiva 78/2000/CE] ser interpretadas no sentido de que constitui um requisito profissional essencial e determinante, em razão da natureza da atividade profissional em causa ou das condições da sua execução, o desejo de um cliente de uma empresa de aconselhamento informático de que as prestações de serviços informáticos deixem de ser asseguradas por uma assalariada daquela empresa, engenheira de projetos, que usa o [lenço de cabeça] islâmico?»

27.      A. Bougnaoui e a ADDH, a Micropole, os Governos francês e sueco e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas ao Tribunal de Justiça. Na audiência de 15 de março de 2016, as mesmas partes — a que se juntou o Governo do Reino Unido — apresentaram alegações orais.

 Observações preliminares

 Introdução

28.      Em termos genéricos, a questão sobre a qual o Tribunal de Justiça é chamado a pronunciar‑se tem por objeto o impacto das regras antidiscriminação do direito da União sobre o uso de vestuário religioso. É‑lhe pedido que responda à questão considerando em especial o uso desse vestuário no contexto de uma relação de trabalho de direito privado, por uma mulher que é praticante da religião muçulmana. Nas últimas décadas, os costumes sociais sofreram grandes mudanças em termos gerais e, em especial, no mercado laboral. Enquanto, no passado, as pessoas de diferentes religiões e antecedentes étnicos esperavam viver e trabalhar separadamente, hoje isso já não acontece. Questões que, até tempos relativamente recentes, eram vistas como não tendo qualquer importância ou, quando muito, uma importância mínima, passaram a ter um forte destaque, de uma maneira por vezes desconfortável. Visto desta perspetiva, o contexto pode ser encarado como sendo relativamente «moderno» e, em certos círculos, suscitar emoções. É também um contexto que envolve opiniões e práticas extremamente divergentes na União Europeia.

29.      Acontece com frequência (e provavelmente é generalizado) que os seguidores de uma determinada religião nem sempre encarem cada uma das práticas ligadas a essa religião como absolutamente «essencial» para a sua própria prática religiosa. A prática religiosa assume diversas formas e diversas intensidades. O que uma determinada pessoa considera essencial para a sua prática religiosa também pode variar ao longo do tempo. Com efeito, é relativamente habitual que os níveis de convicção pessoal e, portanto, de prática pessoal associada a essa convicção evoluam ao longo da vida de uma pessoa. Alguns tornam‑se menos praticantes com o passar do tempo; outros, mais. Entre os que aderem a uma determinada confissão, o nível de prática religiosa pode igualmente flutuar ao longo do ano religioso. Um nível reforçado de prática — que o praticante pode considerar apropriado manifestar numa diversidade de formas — pode, assim, ser associado a determinados momentos do ano religioso (9), embora uma «menor» prática possa parecer adequada para a mesma pessoa noutras ocasiões (10).

30.      As questões suscitadas nas presentes conclusões não se referem à fé islâmica ou apenas aos membros do sexo feminino. O uso de vestuário religioso não está limitado a uma religião ou a um sexo específicos. Em alguns casos, existem o que se poderia chamar «regras absolutas», embora estas não se apliquem necessariamente a todos os seguidores da religião em questão ou em todas as circunstâncias. Noutros casos, pode haver um ou mais estilos de vestuário disponíveis para os adeptos, que podem optar por usá‑los de modo permanente (pelo menos quando em público) ou apenas nos momentos e/ou locais que considerem apropriados. Assim, e apenas a título de exemplo, as freiras das confissões católica e anglicana eram tradicionalmente obrigadas a usar uma forma de hábito que também integrava uma cobertura para a cabeça ou véu. Nalgumas ordens, esse vestuário distintivo pode agora ser substituído por uma cruz discreta presa por um alfinete numa peça comum de vestuário normal. Do mesmo modo, é bem conhecido o uso da quipá (11) por seguidores da religião judaica. Embora exista um grande debate quanto à obrigação de cobrir a cabeça permanentemente (e não apenas durante a oração), muitos fiéis ortodoxos fazem isso na prática (12). Os adeptos masculinos da confissão Sikh são, regra geral, obrigados a usar um dastar (ou turbante) em todas as ocasiões e não podem retirá‑lo em público (13).

31.      Pode haver, além disso, diversos tipos de vestuário religioso para os seguidores de uma determinada confissão. A. Bougnaoui parece ter usado o chamado «hijab», ou seja, um tipo de lenço que cobre a cabeça e o pescoço, mas que deixa descoberto o rosto. Outro vestuário usado pelas mulheres muçulmanas inclui o niqab, um véu que cobre completamente o rosto deixando apenas uma abertura para os olhos, a burqa, uma cobertura integral do corpo incluindo uma rede sobre o rosto, e o «chadar» ou «chador» ou «abaya», um véu negro que cobre completamente o corpo da cabeça aos pés deixando o rosto descoberto (14).

32.      Por último, no que respeita ao vestuário para a cabeça ou para o corpo que as seguidoras femininas da religião muçulmana podem optar por usar, refira‑se que, como praticamente todas as outras religiões, existem diferentes escolas de pensamento dentro da religião islâmica quanto às regras específicas que devem ser observadas pelos fiéis. Nem todas estas escolas impõem obrigações a esse respeito. Algumas consideram que as mulheres podem usar livremente qualquer forma de vestuário para a cabeça ou para o corpo. Outras escolas de pensamento estabelecem que este deve ser usado pelas mulheres de forma permanente quando em público. Algumas mulheres muçulmanas adotam uma abordagem opcional, usando ou não vestuário religioso em função do contexto (15).

33.      As questões também não se limitam exclusivamente ao uso de vestuário religioso. O uso de símbolos religiosos também já suscitou controvérsia e é óbvio que estes podem variam em tamanho e propósito. Por exemplo, o Tribunal de Estrasburgo fundamentou parte do raciocínio que exprimiu no acórdão Eweida no facto de a cruz usada por N. Eweida ser «discreta» (16). Parece que a cruz em questão era muito pequena e usada pendurada numa corrente à volta do pescoço. Podia, portanto, em certa medida, embora como é óbvio não totalmente, passar despercebida. Outros seguidores da fé cristã podem optar por usar cruzes consideravelmente maiores, com vários centímetros de comprimento. Por vezes, no entanto, pode ser pouco razoável esperar que as pessoas em questão façam uma escolha «discreta». Assim, é difícil conceber de que modo um homem Sikh poderia ser discreto ou passar despercebido na sua observância da obrigação de usar um dastar (17). Ou usa o turbante imposto pela sua religião ou não o usa.

 EstadosMembros

34.      No seu acórdão Leyla Şahin c. Turquia, o Tribunal de Estrasburgoobservou que «não é possível discernir em toda a Europa uma conceção uniforme do significado da religião na sociedade […] e que o significado ou impacto da expressão pública de uma convicção religiosa é diferente em função do tempo e do contexto» (18).Não há nada que sugira que a situação se tenha alterado ao longo dos mais de 10 anos desde que o acórdão foi proferido.

35.      No que diz respeito à difusão das convicções religiosas nos Estados‑Membros, os relatórios de um inquérito encomendado pela Comissão Europeia em 2012 (19) registam uma percentagem média dos que afirmam ter convicções cristãs em toda a União Europeia de 74%. Mas os números variam consideravelmente em função dos diferentes Estados‑Membros. No caso de Chipre, a percentagem é de 99%, seguida de perto pela Roménia, com 98%, pela Grécia com 97%, por Malta com 96%, por Portugal com 93% e pela Polónia e a Irlanda com 92%. Em contrapartida, as percentagens mais baixas foram registadas na Estónia, com 45% e na República Checa, com 34%. Dos registados como seguidores da religião muçulmana, a percentagem mais elevada foi registada na Bulgária, com 11%, seguida pela Bélgica com 5%. Em 16 Estados‑Membros, este valor foi de 0%. Dos que afirmam ser ateus ou agnósticos, o nível mais elevado foi encontrado na República Checa, com 20 e 39%, respetivamente, embora 41% da população dos Países Baixos se considere agnóstica. Em relação a Chipre e à Roménia, esse valor fixou‑se nos 0% em ambos os casos. No que respeita à perceção da discriminação em razão da religião ou das convicções nos Estados‑Membros, o relatório refere que 51% dos europeus pensavam que, em termos gerais, esta era rara ou inexistente, enquanto 39% a considerava generalizada. A discriminação por estes motivos foi vista como quase generalizada em França (66%) e na Bélgica (60%), enquanto os valores correspondentes para a República Checa e a Letónia foram de 10%.

36.      A legislação e a jurisprudência dos Estados‑Membros relativas ao uso de vestuário religioso num contexto laboral também apresentam uma grande variedade (20).

37.      Num extremo do espetro, alguns Estados‑Membros adotaram legislação que impõe proibições gerais relativas ao uso em público de certos tipos de vestuário. Assim, tanto a França (21) como a Bélgica (22) adotaram leis que proíbem o uso de vestuário concebido para ocultar o rosto em zonas públicas. Embora essas leis não se dirijam especificamente ao setor laboral, o seu âmbito é tão vasto que podem inevitavelmente restringir a capacidade de certas pessoas (incluindo as mulheres muçulmanas que decidem usar a burqa ou o niqab) de terem acesso ao mercado de emprego.

38.      Também relevantes nesse contexto são os princípios da laicidade e da neutralidade (23), que são, mais uma vez, especialmente relevantes em França e na Bélgica. Foi com base nestes princípios que os trabalhadores do setor público francês foram proibidos de usas símbolos ou vestuário religioso no local de trabalho (24). Na Bélgica, os funcionários públicos também estão estritamente obrigados a observar o princípio da neutralidade (25).

39.      Outros Estados‑Membros permitem aos seus funcionários públicos uma maior liberdade. Assim, na Alemanha, o Bundesverfassungsgericht (Tribunal Constitucional Federal) decidiu recentemente que a proibição de uso de símbolos religiosos no local de trabalho com base no risco, em abstrato, de enfraquecimento da neutralidade do Estado no setor da educação pública é contrária à liberdade de culto e que dar primazia aos valores judaico‑cristãos se traduz numa discriminação direta injustificada. Só quando a aparência externa dos professores possa criar ou contribuir para um risco suficientemente específico de um enfraquecimento da neutralidade do Estado ou da coexistência pacífica dentro do sistema escolar é que tal proibição pode ser justificada (26). Noutros Estados‑Membros, não existem, em princípio, restrições ao uso de símbolos ou vestuário religioso pelos funcionários públicos. É o caso, por exemplo, da Dinamarca, dos Países Baixos e do Reino Unido (27). Devo acrescentar que em cada um desses Estados‑Membros a lei não faz qualquer distinção formal entre as regras jurídicas que se aplicam aos trabalhadores do setor público e do setor privado.

40.      Relativamente ao emprego no setor privado, há, mais uma vez, grandes variações entre os Estados‑Membros. Saliento que parece haver uma inexistência total de restrições importantes nesta área. Por conseguinte, as que refiro a seguir representam a exceção e não a regra.

41.      Em França, a sessão plenária (assemblée plénière) da Cour de cassation (Tribunal de Cassação) foi chamada a examinar, num caso recente que envolvia uma creche privada numa zona desfavorecida do departamento de Yvelines, o código de vestuário de um empregador que proibia os trabalhadores de usar símbolos religiosos como parte do respetivo vestuário. A diretora‑adjunta tinha infringido esse código ao recusar‑se a retirar o lenço de cabeça islâmico e foi despedida. O órgão jurisdicional nacional decidiu, tendo em conta, em especial, os artigos L. 1121‑1 e L. 1321‑3 do Code du travail, que as restrições à liberdade dos trabalhadores de manifestarem as suas convicções religiosas devem ser justificadas pela natureza do trabalho realizado e proporcionadas ao objeto que se pretende alcançar. Por esse motivo, as empresas privadas não podem estabelecer restrições gerais e imprecisas a uma liberdade fundamental nas suas condições de trabalho. No entanto, as restrições que sejam suficientemente precisas, justificadas pela natureza do trabalho realizado e proporcionadas ao objetivo que se procura alcançar podem ser lícitas. A esse respeito, o Tribunal de Cassação observou que a empresa em questão apenas tinha 18 trabalhadores e que estes estavam ou podiam estar em contacto com crianças. Neste contexto, confirmou a restrição, observando simultaneamente que não resultava do seu acórdão que o princípio da laicidade, na aceção do artigo 1.° da Constituição, se aplicasse ao trabalho no setor privado que não envolvesse a gestão de um serviço público (28).

42.      Embora o princípio de laicidade não se aplique, em geral, às relações de trabalho no setor privado em França, podem ser aplicadas restrições ao uso de vestuário religioso, em primeiro lugar por motivos de saúde, de segurança ou de higiene para proteger as pessoas (29). Em segundo lugar, pode haver uma justificação sempre que o funcionamento adequado da empresa assim o exija. Assim i) um trabalhador não pode recusar‑se a executar tarefas claramente descritas no seu contrato de trabalho e conhecidas desde o início da relação (30) ii) é necessário evitar um desequilíbrio inaceitável entre os direitos dos trabalhadores de exercerem a sua liberdade religiosa e os interesses empresariais do empregador bem como entre os trabalhadores em geral em termos, por exemplo, de licenças concedidas para feriados religiosos (31) e iii) as relações com os clientes podem justificar uma restrição, mas só quando o dano produzido à empresa possa ser demonstrado; o mero receio de que isso possa ocorrer não é suficiente (32).

43.      Na Alemanha, um trabalhador do setor privado pode, em princípio, ser proibido de usar símbolos religiosos no local de trabalho, quer por força de uma convenção coletiva de trabalho, quer por força do poder de direção do empregador. Não obstante, isso só pode ser feito de forma excecional (33). Em contrapartida, nos Países Baixos, o College voor de Rechten van de Mens (Instituto para os Direitos Humanos) já decidiu que uma regra ou uma instrução que proíba expressamente o uso de um símbolo religioso deve ser considerada uma discriminação direta (34).

44.      Noutros Estados‑Membros, foram aceites certas restrições ao uso de símbolos e vestuário religioso por trabalhadores do setor privado por razões de i) saúde e segurança (35) e de ii) interesses empresariais do empregador (36).

 Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem

45.      O Tribunal de Estrasburgo já decidiu que a liberdade de pensamento, de consciência e de religião, tal como consagrada no artigo 9.° da CEDH, representa um dos «fundamentos da sociedade democrática» na aceção da CEDH (37) e que a liberdade religiosa implica, designadamente, a liberdade de manifestar a sua religião, sozinho e em privado, ou em comunidade com outras pessoas, e em público (38). Decidiu igualmente que quando a medida em questão consiste numa proibição do uso do lenço de cabeça islâmico constitui uma ingerência nesse direito (39).

46.      Especialmente importantes na sua jurisprudência pertinente para as presentes Conclusões são i) a derrogação ao direito geral à liberdade de religião prevista no artigo 9.°, n.° 2, da CEDH e ii) o artigo 14.° da CEDH, que proíbe a discriminação por vários motivos, incluindo a religião.

47.      Uma parte importante dessa jurisprudência tem tido por objeto a aplicação de regras nacionais relativas ao uso de vestuário islâmico. Nesses casos, depois de constatar uma ingerência no direito geral previsto no artigo 9.°, n.° 1, o Tribunal de Estrasburgo prossegue analisando se a medida é «necessária numa sociedade democrática» para efeitos do artigo 9.°, n.° 2. Ao fazê‑lo, determina se as medidas tomadas a nível nacional foram justificadas por princípio, ou seja, se as razões apresentadas para justificá‑las parecem «pertinentes e suficientes» e se são proporcionadas ao objetivo legítimo prosseguido. Para decidir sobre o último ponto, deve ponderar a proteção dos direitos e liberdades de terceiros face à conduta imputada ao requerente (40). Uma vez que, pelos motivos que destacarei no n.° 81, não tenciono examinar com pormenor medidas adotadas pelo Estado nas presentes conclusões, recordarei aqui jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo de uma forma muito breve. Vale a pena, porém, destacar alguns dos casos nos quais aquele Tribunal concluiu que o critério do que é «proporcionado para que o objetivo legítimo prosseguido» tinha sido satisfeito.

48.      Assim, o Tribunal de Estrasburgo decidiu, designadamente, o seguinte:

–        que a proibição de uso do lenço de cabeça islâmico durante o ato de ensinar, imposto a uma professora de crianças «muito pequenas» no setor da educação do Estado, era justificada, em princípio, e proporcionada ao objetivo de proteger os direitos e liberdades de terceiros, a ordem pública e a segurança pública; era, por conseguinte, «necessária numa sociedade democrática» (41);

–        que princípios semelhantes se aplicavam a uma proibição de coberturas da cabeça (no processo em causa, um lenço de cabeça islâmico) imposta a uma professora universitária associada que era funcionária pública (42) e a uma proibição semelhante imposta a uma professora de religião numa escola secundária pública (43);

–        que uma proibição de uso de vestuário religioso (no processo em causa, um lenço de cabeça islâmico) imposta a uma trabalhadora empregada na unidade de psiquiatria de um hospital público também não violava o artigo 9.° da CEDH (44).

49.      No último destes acórdãos, o Tribunal de Estrasburgopronunciou‑se pela primeira vez sobre a proibição imposta aos trabalhadores do setor público fora do domínio do ensino. Declarou, nesse contexto, que havia uma ligação entre a neutralidade do serviço hospitalar e a atitude dos seus funcionários, exigindo que os doentes não tivessem qualquer dúvida quanto à imparcialidade. O Estado Contratante não tinha excedido a sua margem de apreciação, nos termos do artigo 9.°, n.° 2, da CEDH (45).

50.      Num contexto diferente, o Tribunal de Estrasburgo declarou que a proteção da saúde e da segurança de enfermeiras e doentes num hospital público constituía um objetivo legítimo. A avaliação de tal necessidade de proteção num hospital constituía uma área na qual as autoridades nacionais deviam beneficiar de uma ampla margem de apreciação. Uma restrição do uso do crucifixo (cristão) e da corrente, «ambos visíveis e acessíveis», imposta a uma enfermeira que trabalhava numa unidade de geriatria de um hospital psiquiátrico, não era desproporcionada e era, por conseguinte, necessária numa sociedade democrática (46).

51.      Em contrapartida, no contexto da proibição geral do uso em zonas públicas de vestuário concebido para ocultar o rosto, imposta pela legislação francesa, o Tribunal de Estrasburgo declarou que, relativamente à questão da necessidade por razões de segurança pública na aceção, entre outros, do artigo 9.° da CEDH, que tal proibição só podia ser considerada proporcionada em relação ao objetivo legítimo da segurança pública se houvesse uma ameaça geral a esse objetivo (47).

52.      Na esfera do emprego privado, só existe atualmente um acórdão do Tribunal de Estrasburgo que é diretamente pertinente no contexto do uso de vestuário religioso, isto é, o acórdão Eweida e o. c. Reino Unido (48). A questão suscitada no referido tribunal no processo de N. Eweida dizia respeito ao uso público de um crucifixo, descrito como «discreto», em violação (à data) das suas condições de trabalho, que procuravam projetar uma determinada imagem da empresa. O Tribunal de Estrasburgo declarou que essa restrição constituía uma ingerência nos direitos da requerente na aceção do artigo 9.°, n.° 1, da CEDH (49). Para determinar se a medida em questão era justificada por princípio e proporcionada, devia ser alcançado um justo equilíbrio entre os interessesdo indivíduo e da comunidade no seu todo, sem prejuízo, em todo o caso, da margem de apreciação do Estado (50). O desejo de projetar a imagem empresarial era legítimo mas devia ser ponderado com o desejo de N. Eweida de manifestar a sua convicção religiosa. Visto que o crucifixo era discreto, não podia ter prejudicado a imagem profissional. O seu empregador tinha anteriormente autorizado o uso de outros artigos de vestuário religiosos tais como turbantes e hijabs por outros membros do seu pessoal e a empresa tinha posteriormente alterado o seu código de vestuário para permitir o uso visível de joalharia religiosa simbólica. Não tendo sido demonstrada a existência de uma verdadeira violação dos interesses de terceiros, as autoridades nacionais — naquele caso, os órgãos jurisdicionais nacionais que tinham rejeitado os pedidos de N. Eweida — não tinham protegido o seu direito de manifestar a sua religião, em violação da obrigação que lhes incumbia por força do artigo 9.° da CEDH (51).

53.      Relativamente à função do vestuário islâmico e ao papel que desempenha na vida das mulheres que o usam, gostaria de fazer uma pausa para observar o que parece ser uma alteração na abordagem do Tribunal de Estrasburgo entre a sua jurisprudência anterior e os seus acórdãos mais recentes (52). No acórdão Dahlab c. Suíça (53),por exemplo, aquele Tribunal observou que «o uso de um lenço de cabeça podia ter algum tipo de efeito de proselitismo, uma vez que parece ser imposto às mulheres por um preceito que está previsto no Corão e que […] é difícil de enquadrar com o princípio da igualdade entre os sexos. Parece, portanto, difícil de conciliar o uso de um lenço de cabeça islâmico com a mensagem de tolerância, respeito e, acima de tudo, igualdade e não discriminação que todos os professores numa sociedade democrática devem transmitir aos seus alunos» (54).

54.      Em contrapartida, no seu acórdão S.A.S c. França (55), o Tribunal de Estrasburgo rejeitou argumentos apresentados pelo Governo francês relativamente à igualdade entre os sexos nos seguintes termos:

«119.            […] O Tribunal considera, porém, que um Estado não pode invocar a igualdade entre os sexos para proibir uma prática que é defendida por mulheres — como a requerente — no contexto do exercício de direitos consagrados nos [segundos parágrafos do artigos 8.° e 9.° da CEDH], a não ser que se entendesse que os indivíduos podem ser protegidos dessa forma do exercício dos seus próprios direitos e liberdades fundamentais […]

120.      […] Por muito essencial que possa ser, o respeito pela dignidade da pessoa humana não pode legitimamente justificar uma proibição geral de uso nas zonas públicas de um véu que cobre completamente o rosto. O Tribunal tem consciência de que o vestuário em questão é encarado como estranho por muitos dos que o veem. Gostaria de salientar, porém, que é a expressão de uma identidade cultural que contribui para o pluralismo inerente à democracia. […]»

55.      A outra área em relação à qual observo uma alteração de perspetiva é a liberdade de que dispõem os trabalhadores de abandonarem o seu emprego e, por conseguinte, procurarem outro emprego. Numa decisão anterior da Comissão Europeia dos Direitos do Homem, esta foi considerada «a última garantia do direito [do trabalhador] à liberdade de religião» (56). Mais recentemente, o próprio Tribunal de Estrasburgo adotou uma posição diferente, considerando que «dada a importância da liberdade religiosa numa sociedade democrática, o Tribunal considera que, sempre que um indivíduo se queixe de uma restrição à liberdade religiosa no local de trabalho, em vez de defender que a possibilidade de mudar de emprego anularia qualquer ingerência no direito, a melhor abordagem seria ponderar essa possibilidade no âmbito de uma apreciação geral para determinar se a restrição era ou não proporcionada» (57).

56.      Quanto às supostas violações do artigo 14.° da CEDH, o Tribunal de Estrasburgo já declarou que essa disposição não tem existência autónoma, dado que só produz efeitos em relação aos direitos e liberdades protegidos por outras disposições substantivas da CEDH e dos seus Protocolos (58). No acórdão Eweida e o. c. Reino Unido (59),declarou, em relação a N. Eweida, que, tendo constatado a violação do artigo 9.°, não examinaria separadamente o seu pedido à luz do artigo 14.° (60) Relativamente ao segundo requerente nesse processo, salientou que os fatores a ponderar na apreciação geral da proporcionalidade da medida à luz do artigo 14.° e em conjugação com o artigo 9.° eram semelhantes e que, portanto, não havia motivo para declarar a violação da primeira disposição uma vez que não tinha sido constatada uma violação do artigo 9.° (61)

57.      Embora o objetivo subjacente ao Protocolo n.° 12 da CEDH seja assegurar uma proteção reforçada contra a discriminação, a sua relevância até à data tem sido muito limitada. Em especial, apenas nove Estados‑Membros o ratificaram até agora (62) e a jurisprudência do Tribunal de Estrasburgoa seu respeito é mínima (63).

 Diferenças entre uma abordagem baseada em restrições e uma abordagem baseada na discriminação

58.      Nas suas observações escritas, a Micropole salientou o que considera ser uma diferença fundamental nesta área do direito entre a restrição a um direito e a proibição da discriminação. O respetivo âmbito de aplicação é diferente e a primeira é claramente mais flexível do que a segunda. Em seu entender, devem ser distinguidas.

59.      Esta questão é importante e merece um exame mais atento.

60.      É, de facto, verdade que a abordagem principal do Tribunal de Estrasburgo na aplicação da CEDH tem sido a de adotar o que poderíamos denominar uma abordagem baseada em restrições no que toca ao artigo 9.° Como referi no n.° 56 supra, o papel desempenhado pelo artigo 14.° tem sido secundário. Uma vez que a Carta tem efeitos vinculativos no direito da União desde a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, poder‑se‑ia esperar que o Tribunal de Justiça passasse a adotar a mesma abordagem na aplicação das disposições equivalentes da Carta, ou seja, os artigos 10.° e 21.°

61.      Tal entendimento parece‑me demasiado simplista.

62.      A Diretiva 2000/78 impõe uma série de proibições de discriminação. Ao fazê‑lo, segue a abordagem adotada no que é agora o direito da União desde os seus primórdios (64). No contexto da discriminação em razão da idade, o Tribunal de Justiça já declarou que o princípio da não discriminação deve ser considerado um princípio geral do direito da União e que foi concretizado na Diretiva 2000/78 no domínio do emprego e do trabalho (65). A mesma consideração deveria aplicar‑se no que respeita ao princípio de não discriminação em razão da religião ou das convicções.

63.      Simultaneamente, porém, existe uma diferença fundamental na análise intelectual subjacente às duas abordagens. É verdade que a situação pode ser essencialmente a mesma no contexto da discriminação indireta, na medida em que as derrogações permitidas ao abrigo da legislação da União exigem que haja um objetivo legítimo que seja proporcionado, refletindo assim a mesma posição que a da CEDH. Mas no contexto da discriminação direta, a proteção assegurada pelo direito da União é mais forte. Neste caso, a ingerência num direito concedido ao abrigo da CEDH pode ser justificada com o fundamento de que prossegue um objetivo legítimo e é proporcionada. Em contrapartida, ao abrigo da legislação da União, as derrogações só são permitidas se forem especificamente previstas na medida em questão (66).

64.      Esta diferença de abordagem parece‑me absolutamente legítima: o artigo 52.°, n.° 3, da Carta prevê expressamente que o direito da União pode conferir uma proteção mais ampla do que a CEDH.

65.      Refira‑se, a este propósito, que é evidente que as regras que regulam a discriminação indireta podem ser claramente mais flexíveis do que as relativas à discriminação direta. Poderia contrapor‑se que a aplicação das regras do direito da União a esta última categoria é desnecessariamente rígida e que seria adequado proceder a uma espécie de «mistura» das duas categorias.

66.      Não acredito que seja este o caso.

67.      A distinção entre as duas classes de discriminação é um elemento fundamental desta área da legislação da União. Na minha opinião, não há nenhuma razão para abandoná‑la, com a inevitável perda de segurança jurídica que daí resultaria. Uma vez que a distinção é clara, o empregador é obrigado a considerar cuidadosamente as regras precisas que pretende estabelecer nos seus regulamentos internos. Para fazê‑lo, deve considerar adequadamente os limites que deseja traçar e a sua aplicação ao seu pessoal.

 Proibição da discriminação no direito da União

68.      Quando o Tratado de Roma foi originalmente adotado, a única disposição substantiva contida no seu título sobre Política Social era o artigo 119.°, que estabelecia a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem a igualdade de remuneração sem discriminação em razão do sexo. As restantes disposições desse título tinham um âmbito limitado e conferiam poucos direitos diretos aos cidadãos. Desde então, houve um grande avanço na União Europeia.

69.      No início, a proteção desenvolveu‑se sobretudo em matéria de emprego, com a adoção da Diretiva 75/117 relativa à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos (67), seguida pela Diretiva 76/207, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres em questões de emprego (68) e o acórdão histórico do Tribunal de Justiça Defrenne II (69). Consequentemente, havia uma proibição de discriminação em razão do sexo no âmbito da legislação pertinente, acompanhada (por força do acórdão do Tribunal de Justiça) de uma distinção entre discriminação direta e discriminação indireta.

70.      A adoção do artigo 13.° CE (que passou, após alteração, a artigo 19.° TFUE) na sequência da entrada em vigor do Tratado de Amesterdão, em 1 de maio de 1999, conferiu poderes reforçados para combater a discriminação em razão do sexo, da raça ou da origem étnica, da religião ou de crenças, de deficiências, da idade ou da orientação sexual. A referida disposição do Tratado constituiu a base da Diretiva 2000/43, relativa à discriminação baseada em motivos de origem racial ou étnica (70) e da Diretiva 2000/78 (71). As duas diretivas adotam a mesma estrutura: uma proibição de discriminação direta global, sujeita apenas às derrogações específicas previstas na legislação, acompanhada de uma proibição de discriminação indireta, que pode, no entanto, ser justificada sempre que a medida em questão for objetivamente justificada por um objetivo legítimo e que os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários (72).

71.      Nas suas conclusões apresentadas no processo Coleman (73),o advogado‑geral M. Poiares Maduro observou que a igualdade é um dos princípios fundamentais do direito da União. Em seu entender, os valores inerentes à igualdade são a dignidade da pessoa humana e a autonomia pessoal. Para que o requisito da dignidade da pessoa humana seja satisfeito, deve haver, no mínimo, o reconhecimento da igualdade de valor de todos os indivíduos. Decorre da autonomia pessoal, por sua vez (nas suas palavras), «que os indivíduos devem poder traçar e conduzir o curso das suas vidas através de uma sucessão de escolhas entre diversas opções válidas». Características como as crenças religiosas, a idade, a deficiência e a orientação sexual não devem desempenhar um papel na avaliação da questão de saber se é ou não correto tratar alguém de forma menos favorável (74). Acrescentou ainda:

«11.      Do mesmo modo, um compromisso para com a autonomia significa que as pessoas não devem ser privadas da possibilidade de fazer opções válidas em áreas de importância fundamental para as suas vidas, com base em ‘suspect classifications’. O acesso ao emprego e o desenvolvimento profissional têm um significado fundamental para todos os indivíduos, não apenas como forma de ganhar a vida mas também como meio importante de realização pessoal e de realização do potencial de cada um. Aquele que discrimina um indivíduo abrangido por uma ‘suspect classifications’ impede‑o injustamente de fazer opções válidas. Consequentemente, a capacidade de essa pessoa levar uma vida autónoma é seriamente comprometida, na medida em que um aspeto importante da sua vida é determinado não pelas suas próprias escolhas mas pelo preconceito de outrem. Ao tratar pessoas que pertencem a estes grupos menos bem devido às suas características, aquele que discrimina impede‑as de exercerem a sua autonomia. Nesse ponto, é justo e razoável que a legislação antidiscriminação intervenha. Em substância, ao valorizarmos a igualdade e ao nos comprometermos a realizar a igualdade através da lei, procuramos garantir a qualquer pessoa as condições para uma vida autónoma.»

72.      Concordo totalmente com estas observações, que sublinham que a discriminação tem um impacto financeiro (porque pode afetar a capacidade de uma pessoa ganhar o seu próprio sustento no mercado de trabalho) e um impacto moral (porque pode afetar a autonomia dessa pessoa). Acrescento que a legislação antidiscriminação deve, como qualquer outra legislação, ser aplicada de uma forma que seja efetiva. Também deve ser aplicada em conformidade com os princípios estabelecidos.

 Proselitismo e comportamento no trabalho

73.      Quando o empregador celebra um contrato de trabalho com um trabalhador, não compra a alma dessa pessoa. Compra, porém, o seu tempo. Por esse motivo, faço uma distinção clara entre a liberdade de manifestar a sua religião — cujo âmbito e possível limitação no contexto laboral estão no cerne do processo perante o órgão jurisdicional nacional — e o proselitismo a favor da religião que se professa. A conciliação entre a liberdade de manifestar a sua religião e o direito do empregador à liberdade de empresa exigirá, como demonstrarei, um equilíbrio delicado entre dois direitos concorrentes. Em meu entender, a prática do proselitismo não tem pura e simplesmente lugar no contexto laboral. O empregador pode, por conseguinte, legitimamente impor e aplicar regras que proíbam o proselitismo, tanto para assegurar que o tempo de trabalho que paga é utilizado para efeitos da sua atividade como para criar condições harmoniosas para o seu pessoal (75). Gostaria de deixar bem claro que considero que o uso de vestuário distintivo enquanto parte da prática religiosa de uma pessoa se enquadra precisamente na primeira categoria, e não na segunda.

74.      Gostaria igualmente de fazer uma distinção clara entre as regras legitimamente adotadas por uma empresa que estabelece determinadas formas de conduta que se pretende que o pessoal siga («deve comportar‑se educadamente com os clientes em todas as ocasiões») ou que não são permitidas («quando representar a nossa empresa em reuniões com clientes, não deve fumar, mascar pastilha elástica ou beber álcool»); e as regras que interferem com os direitos pessoais de uma determinada categoria de trabalhadores com base numa característica proibida (seja a religião ou outra das características identificadas pelo legislador como uma base de discriminação não permitida). A natureza perniciosa do argumento «porque o nosso trabalhador X usa um lenço de cabeça islâmico» (ou um kippah, ou um dastar) (ou é preto, homossexual ou uma mulher) «daí decorre que não pode comportar‑se de forma adequada com os nossos clientes» não exige comentários adicionais.

 Igualdade entre os sexos

75.      Há quem veja no uso do lenço de cabeça uma afirmação feminista porque representa o direito de uma mulher afirmar a sua escolha e a sua liberdade religiosa enquanto muçulmana que deseja manifestar a sua fé deste modo. Outros vêm o lenço de cabeça como um símbolo de opressão das mulheres. Os dois entendimentos podem, sem dúvida, encontrar apoio em casos individuais e contextos particulares (76). O que o Tribunal não deve fazer, a meu ver, é adotar o entendimento de que, pelo facto de haver ocasiões em que o uso do lenço deve ou pode ser considerado opressivo, isso é assim em todos os casos. Em vez disso, adotaria a atitude do Tribunal de Estrasburgoreferida no n.° 54 supra; esta questão deve ser vista como uma expressão de liberdade cultural e religiosa.

 Apreciação

 Âmbito da questão prejudicial

76.      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende ser esclarecido no que respeita à aplicação do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78 ao desejo (que terá conduzido, em última análise, ao despedimento da assalariada) expresso por um cliente a um empregador de que as prestações de serviços deixassem de ser asseguradas por uma assalariada daquela empresa que usa o lenço de cabeça islâmico. Pretende saber se, em virtude da natureza da atividade profissional em causa ou do contexto da sua execução, esse desejo pode constituir um «requisito essencial e determinante para o exercício dessa atividade» na aceção da referida disposição.

77.      A formulação da questão prejudicial e os antecedentes do litígio no processo principal suscitam algumas questões.

78.      Em primeiro lugar, embora o órgão jurisdicional de reenvio utilize a palavra «foulard» [lenço] na questão submetida ao Tribunal de Justiça, outras partes da decisão de reenvio fazem referência a «voile» [véu] (77). Em resposta às questões colocadas pelo Tribunal de Justiça na audiência, ficou claro que os dois termos devem ser considerados sinónimos. A peça de vestuário em questão consistia numa cobertura da cabeça que deixava o rosto completamente descoberto. Por uma questão de coerência e clareza, empregarei a seguir o termo «headscarf» (lenço de cabeça).

79.      Em segundo lugar, embora o artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78 deixe bem claro que o âmbito desta abrange tanto o setor público como o setor privado, não há dúvida de que pode haver diferenças, em alguns casos substanciais, no que respeita ao âmbito das regras nacionais relativas a esses setores (78). Nas suas observações escritas e orais, o Governo francês deu uma grande ênfase à rigorosa separação que existe no setor público desse Estado‑Membro em consequência da aplicação do princípio da laicidade. Dado que no presente processo está em causa uma relação de trabalho de direito privado, o Governo francês sugere que o Tribunal de Justiça limite a sua resposta a esse domínio. Por outras palavras, não deve abordar questões relativas ao pessoal do setor público.

80.      Embora o Governo francês tenha aceitado, na audiência, que o âmbito da Diretiva 2000/78 abrange o setor público, manteve‑se inflexível quanto à primazia das regras em matéria de laicidade nesse domínio, opinião que, nas suas observações escritas, baseou essencialmente no artigo 3.°, n.° 1, da diretiva, interpretado à luz do artigo 4.°, n.° 2, TUE.

81.      Reconheço que, neste contexto, pode haver debates complexos quanto à relação precisa entre a diretiva e as disposições nacionais, incluindo as disposições de direito constitucional. Dito isto, gostaria de deixar claro que não aceito nem rejeito a posição do Governo francês sobre a aplicabilidade do princípio da laicidade ao emprego no setor público, no contexto da Diretiva 2000/78. As outras partes que apresentaram observações ao Tribunal no presente processo não abordaram o assunto e, portanto, não houve um debate aprofundado sobre as questões que se levantariam ou poderiam levantar. Limitarei, por conseguinte, as observações subsequentes ao setor privado.

82.      Em terceiro lugar, a decisão de reenvio proporciona informação limitada sobre os antecedentes de facto do processo principal. Torna‑se, assim, difícil averiguar com certeza o contexto preciso em que a questão colocada pelo órgão jurisdicional de reenvio foi suscitada. Voltarei a este aspeto mais adiante (79).

 Houve discriminação ilícita no processo principal?

83.      O ponto de partida para qualquer análise da questão de saber se houve discriminação ilícita no processo principal deve ser a carta de despedimento. Contudo, não resulta de forma clara dessa carta quais foram os termos precisos da proibição imposta a A. Bougnaoui. Tendo‑lhe sido solicitado um comentário a este respeito na audiência, a posição de A. Bougnaoui foi a de que a proibição era relativa ao uso do lenço de cabeça islâmico quando em contacto com clientes da empresa do empregador. A Micropole afirmou que havia uma proibição geral de uso de símbolos religiosos (incluindo, presume‑se, o vestuário) durante as visitas a instalações desses clientes. Essa proibição aplicava‑se a todas as religiões e convicções.

84.      Seja qual for a situação real, parece claro, não obstante, que o despedimento de A. Bougnaoui teve que ver com uma disposição do código de vestuário do seu empregador que impunha a proibição do uso de vestuário religioso.

85.      No entanto, importa também salientar que, de facto, a interessada não foi despedida em razão da sua religião (ou seja, do facto de professar a religião muçulmana), mas da sua manifestação dessa religião (isto é, o facto de usar um lenço de cabeça). A proibição prevista na Diretiva 2000/78 abrange não só a religião ou as convicções de um trabalhador mas também as manifestações dessa religião ou dessas convicções?

86.      Penso que sim.

87.      É verdade que a diretiva não faz referência expressa à questão da manifestação. Porém, uma leitura cuidadosa do artigo 9.° da CEDH e do artigo 10.° da Carta mostra que, em ambos os casos, o direito de manifestar a sua religião ou a sua convicção deve ser entendido como uma parte intrínseca da liberdade que estes artigos consagram. Assim, depois de definir o direito à liberdade de religião, cada uma das disposições prossegue referindo que essa liberdade «inclui» o direito de manifestá‑la. Por conseguinte, não posso tirar qualquer conclusão do silêncio da diretiva a este respeito (80). Dou apenas um exemplo: se a situação fosse outra, um homem Sikh, que está obrigado pela sua religião a usar um turbante, não beneficiaria de quaisquer direitos no que respeita à manifestação concreta das suas convicções e, portanto, correria o risco de ficar privado da proteção que a diretiva pretende precisamente garantir.

88.      Deste modo, parece impossível chegar a outra conclusão que não a de que, em razão da sua religião, A. Bougnaoui foi objeto de tratamento menos favorável do que aquele que seria dado a outra pessoa em situação comparável. Um engenheiro ou uma engenheira de projetos a trabalhar na Micropole que não tivesse optado por manifestar as suas convicções religiosas através do uso de uma determinada peça de vestuário não teria sido despedido(a) (81). Portanto, o despedimento de A. Bougnaoui constituiu uma discriminação direta contra ela em razão da sua religião ou das suas convicções, para efeitos do artigo 2.°, n.° 2, alínea a) da Diretiva 2000/78.

89.      Assim, o despedimento só teria sido lícito se tivesse sido aplicada uma das derrogações previstas nessa diretiva. Dado que o órgão jurisdicional nacional formulou a sua questão por referência ao artigo 4.°, n.° 1, começarei por analisar esta disposição.

 Artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78

90.      O artigo 4.° intitula‑se «Requisitos para o exercício de uma atividade profissional». Se as condições do n.° 1 estiverem preenchidas, a diferença de tratamento que, de outro modo, constituiria discriminação é excluída do âmbito da diretiva. Isso acontece independentemente de a discriminação originada pela diferença de tratamento ser direta ou indireta. Debruçar‑me‑ei agora sobre essas condições.

91.      Em primeiro lugar, o artigo 4.° não se aplica automaticamente. Um Estado‑Membro deve começar por «prever» a sua aplicação (82). O órgão jurisdicional de reenvio menciona o artigo L. 1133‑1 do Code du travail na sua decisão de reenvio sem referir especificamente que é esta a disposição de direito nacional que se destina a dar execução ao artigo 4.°, n.° 1. Presumo, no entanto, que assim seja.

92.      Em segundo lugar, os Estados‑Membros só podem prever que uma diferença de tratamento não constitui discriminação se essa diferença de tratamento for «baseada numa característica» relacionada com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.° O Tribunal de Justiça declarou que «não é o motivo sobre o qual se baseia a diferença de tratamento, mas uma característica relacionada com esse motivo que deve constituir um requisito essencial e determinante para o exercício dessa atividade» (83).

93.      No caso em apreço, n carta que rescindiu o contrato de trabalho de A. Bougnaoui afirma‑se que a interessada foi despedida por causa do seu pretenso incumprimento ou recusa de cumprimento das regras estabelecidas pelo empregador em relação ao uso durante o contacto com clientes de uma peça de vestuário de cariz religioso para cobrir a cabeça. Dado que o uso do lenço islâmico é (ou pelo menos devia ser aceite como sendo) uma manifestação de uma convicção religiosa (84), uma regra que proíbe o uso de uma tal peça de vestuário para cobrir a cabeça pode perfeitamente constituir uma «característica relacionada com» a religião ou com as convicções. Essa exigência também deve ser considerada preenchida.

94.      Em terceiro lugar, a característica em questão deve constituir um «requisito essencial e determinante para o exercício [da] atividade [profissional]» em virtude da natureza da atividade profissional em causa ou do contexto da sua execução. Além disso, o objetivo deve ser legítimo e a exigência proporcionada.

95.      O Tribunal de Justiça já declarou que o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78 deve ser objeto de interpretação estrita (85). Com efeito, tendo em conta a afirmação contida no vigésimo terceiro considerando da diretiva de que a derrogação só deverá aplicar‑se «em circunstâncias muito limitadas», seria extremamente difícil conceber a situação de outro modo. Daqui decorre que o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78 deve ser aplicado de uma forma precisa (86). Não pode ser utilizado para justificar uma exceção geral para todas as atividades que um determinado trabalhador venha potencialmente a exercer.

96.      O âmbito reduzido da derrogação reflete‑se na formulação do artigo 4.°, n.° 1. O requisito para o exercício da atividade profissional deve ser não só «essencial», mas também «determinante». Isso significa, como observa — a meu ver corretamente — o Governo sueco, que a derrogação deve limitar‑se a elementos que sejam absolutamente necessários para poder exercer a atividade profissional em questão.

97.      Aplicando a disposição no contexto da discriminação em razão da idade, o Tribunal de Justiça já reconheceu que uma exigência baseada na idade, relativa à posse de capacidades físicas especialmente importantes, pode satisfazer esse critério quando aplicado a bombeiros, cujas atividades se caracterizam pela sua natureza física e incluem o combate a incêndios e socorrer pessoas (87). Também já declarou que essa exigência era preenchida no caso de uma condição relacionada com a idade para efeitos da reforma dos pilotos de linha, considerando que é inegável que as capacidades físicas diminuem com a idade e que as falhas físicas nesta profissão são suscetíveis de ter consequências importantes (88). De igual modo, reconheceu que a posse de capacidades físicas específicas pode preencher o critério no contexto de um requisito baseado na idade para a admissão a lugares de agentes da polícia, com o fundamento de que as funções de proteção das pessoas e bens, de detenção e custódia dos autores de delitos e de patrulhas de prevenção podem exigir a utilização de força física (89).

98.      O Tribunal de Justiça já teve a oportunidade de analisar uma derrogação análoga ao princípio da igualdade de tratamento em razão do sexo contida no artigo 2.°, n.° 1, de Diretiva (90) no contexto da discriminação direta em razão do sexo e do serviço militar. As diferentes conclusões a que chegou quanto à aplicabilidade da derrogação prevista no artigo 2.°, n.° 2, dessa diretiva (91) no acórdão Sirdar (92) e (menos de três meses mais tarde) no acórdão Kreil (93) confirma a importância de sujeitar a um exame minucioso o argumento de que uma determinada característica é essencial para o desempenho de um determinado trabalho. Também mostram que é necessário ter simultaneamente em conta a atividade e o contexto (e não um ou outro isoladamente) para poder determinar se uma determinada característica é realmente essencial (ou, utilizando a formulação da Diretiva 2000/78, um «requisito essencial e determinante para o exercício [da] atividade [profissional]»).

99.      No que diz respeito à proibição da discriminação em razão da religião ou das convicções, a aplicação óbvia da derrogação seria nos domínios da saúde e da segurança no trabalho. Assim, por exemplo, seria possível excluir, por esses motivos, um trabalhador Sikh que insistisse em usar um turbante, por motivos religiosos, de um posto de trabalho onde fosse obrigatório o uso de uma cobertura de cabeça protetora. O mesmo poderia aplicar‑se no caso de uma mulher muçulmana que trabalhasse com máquinas industrial potencialmente perigosas e que usasse um determinado vestuário que suscitasse problemas de segurança. Embora não pretenda afirmar que não existem outras circunstâncias em que a proibição da discriminação em razão da religião ou das convicções poderia ser abrangida pelo artigo 4.°, n.° 1, tenho dificuldade em imaginá‑las.

100. Mas não consigo ver como é que os fundamentos que a Micropole parece invocar na carta de despedimento de A. Bougnaoui, isto é, o interesse comercial da empresa nas suas relações com os seus clientes, podem justificar a aplicação da derrogação prevista no artigo 4.°, n.° 1. Como a Comissão bem observa, em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça já declarou que a discriminação direta (que, em meu entender, está em causa no presente processo) não pode ser justificada pelo prejuízo financeiro que poderia ser causado ao empregador (94). Em segundo lugar, embora a liberdade de empresa faça parte dos princípios gerais do direito da União (95) e esteja agora consagrada no artigo 16.° da Carta, o Tribunal de Justiça já decidiu que essa liberdade «não constitui uma prerrogativa absoluta, devendo ser tomad[a] em consideração por referência à sua função na sociedade […] Assim, podem ser estabelecidos limites ao exercício dessa liberdade, desde que, em conformidade com o artigo 52.°, n.° 1, da Carta, sejam previstos pela lei e que, na observância do princípio da proporcionalidade, sejam necessários e respondam efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros» (96). O Tribunal, a esse respeito, considerando a salvaguarda da liberdade fundamental de receber informações, a liberdade e o pluralismo dos meios de comunicação social garantidos pelo artigo 11.° da Carta, que o legislador da União podia adotar regras contendo limites à liberdade de empresa, privilegiando ao mesmo tempo, atendendo à necessária ponderação dos direitos e dos interesses em causa, o acesso do público à informação em relação à liberdade contratual intrínseca à liberdade de empresa (97).

101. O mesmo raciocínio deve aplicar‑se neste caso no que respeita ao direito de não ser discriminado. No mínimo, a interpretação do artigo 4.°, n.° 1, proposta pela Micropole acarretaria o risco de «normalizar» a derrogação prevista nessa disposição, o que não seria de todo correto. Como já referi (98), o objetivo é que a derrogação só se aplique em circunstâncias muito limitadas.

102. Assim, não vejo de que modo se poderá afirmar que o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78 é aplicável às atividades exercidas por A. Bougnaoui enquanto trabalhadora da Micropole. Nada na decisão de reenvio, nem noutras informações fornecidas ao Tribunal sugere que, pelo facto de usar o lenço de cabeça islâmico, estivesse de algum modo impossibilitada de desempenhar as suas funções enquanto engenheira de projetos — com efeito, a carta de despedimento refere expressamente a sua competência profissional. Sejam quais forem os termos precisos da proibição que lhe foi aplicada, a exigência de não usar o lenço quando em contacto com clientes do empregador não podia, em meu entender, ser um «requisito essencial e determinante para o exercício [da] atividade [profissional]».

 Restantes derrogações em matéria de discriminação direta

103. Antes de concluir a minha análise sobre a discriminação direta, examinarei as restantes derrogações que poderão aplicar‑se a este tipo de discriminação ao abrigo da Diretiva 2000/78.

104. A primeira é a prevista no artigo 2.°, n.° 5. Esta disposição é invulgar na medida em que não existe uma disposição equivalente noutra legislação antidiscriminação da União (99). O Tribunal declarou que através desta disposição se pretendeu evitar e arbitrar um conflito entre, por um lado, o princípio da igualdade de tratamento e, por outro, a necessidade de garantir a ordem, a segurança e a saúde públicas, a prevenção das infrações e a proteção dos direitos e liberdades individuais, indispensáveis ao funcionamento de uma sociedade democrática. Também declarou que, enquanto derrogação ao princípio da proibição das discriminações, tal disposição deve ser objeto de interpretação estrita (100).

105. A derrogação prevista no artigo 2.°, n.° 5, não pode aplicar‑se à situação do processo principal. Em primeiro lugar, nada indica que o legislador nacional teria adotado uma qualquer medida destinada a pôr em prática essa derrogação. Em segundo lugar, mesmo que fosse esse o caso, não vejo como é que tal medida poderia ser invocada para justificar uma discriminação como a que está em causa. Rejeito a ideia de que proibir os trabalhadores de usarem vestuário religioso quando em contacto com clientes da empresa do empregador possa ser necessário para «a proteção dos direitos e liberdades individuais, indispensáveis ao funcionamento de uma sociedade democrática» (101). Na medida em que tal argumento seja pertinente para efeitos da Diretiva 2000/78, deve ser analisado no contexto da margem de apreciação que as regras que regulam a discriminação indireta (102) podem permitir e não no contexto da derrogação prevista no artigo 2.°, n.° 5.

106. A segunda é a exceção prevista no artigo 4.°, n.° 2, da Diretiva 2000/78. Esta disposição aplica‑se às «atividades profissionais de igrejas e de outras organizações públicas ou privadas cuja ética seja baseada na religião ou em convicções». O considerando 24 da diretiva mostra que a referida disposição se destinou a implementar a Declaração n.° 11 relativa ao estatuto das Igrejas e das organizações não confessionais (103). Dada a natureza das atividades da Micropole, a derrogação não pode aplicar‑se no presente processo.

107. As restantes duas disposições que derrogam o princípio da igualdade de tratamento são os artigos 6.° e 7.° da diretiva. A primeira indica um certo número de justificações para diferenças de tratamento baseadas na idade e a segunda refere‑se à manutenção ou à adoção pelos Estados‑Membros de medidas específicas destinadas a prevenir ou compensar desvantagens relacionadas com qualquer dos motivos de discriminação referidos no artigo 1.° Não são claramente pertinentes para o presente processo.

108. À luz das considerações precedentes, considero que uma regra prevista no regulamento interno de uma empresa que proíbe os trabalhadores da empresa de usarem símbolos ou vestuário religioso quando em contacto com os clientes da empresa constitui uma discriminação direta em razão da religião ou das convicções, à qual não se aplica o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, nem nenhuma das outras derrogações à proibição de discriminação direta em razão da religião ou das convicções previstas nessa diretiva. A fortiori, é esse o caso se a regra em questão se aplicar apenas ao uso do lenço de cabeça islâmico.

 Discriminação indireta

109. As conclusões que acabo de expor poderiam, de algum modo, ser consideradas suficientes para responder à questão do órgão jurisdicional de reenvio. Contudo, é possível que o Tribunal de Justiça possa discordar da análise adotada. Também indiquei as dificuldades que o Tribunal enfrenta ao determinar o âmbito preciso do litígio no processo principal (104). Uma parte nesse processo poderia apresentar elementos adicionais ao órgão jurisdicional nacional que sugerissem que a discriminação em questão é indireta ou que as partes estão numa situação jurídica diferente. Por esse motivo, abordarei a questão da discriminação indireta e analisarei a aplicação do artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78 à situação do processo principal. Fá‑lo‑ei, no entanto, de forma muito sucinta.

110. Na análise da discriminação indireta que se segue partirei do princípio de que existe uma regra da empresa (hipotética) que impõe um código de vestuário totalmente neutro a todos os trabalhadores. Assim, é proibida qualquer peça de vestuário que reflita de algum modo a individualidade daquele que a usa. Ao abrigo de um tal código de vestuário, todos os símbolos e vestuário religioso estão (evidentemente) proibidos — mas o mesmo acontece com uma tshirt de apoiante do FC Barcelona ou com uma gravata que indique que se frequentou uma determinada faculdade de Cambridge ou de Oxford. Aos que violam a regra é recordado o código da empresa e a obrigatoriedade para todos os trabalhadores do cumprimento do código de vestuário. Se persistirem numa conduta que infringe esse código, são despedidos. A regra aqui formulada é aparentemente neutra. Aparentemente não discrimina aqueles cujas convicções religiosas os obrigam a usar determinado vestuário. No entanto, discrimina‑os de forma indireta. Para poderem manter‑se fiéis às suas convicções religiosas, não lhes resta outra opção que não seja infringir a regra e sofrer as consequências.

111. O artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), dispõe que um requisito que seria, de outro modo, discriminatório e, portanto, ilícito, pode, não obstante, ser permitido quando a disposição, o critério ou a prática em causa sejam objetivamente justificados por um objetivo legítimo e os meios utilizados para o alcançar sejam adequados e necessários.

 Objetivo legítimo

112. A Diretiva 2000/78 não define o conceito de «objetivo legítimo» para efeitos do artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i). Contudo, é claro que a legitimidade de um objetivo pode fundar‑se na política social, em especial se essa política tiver um eco específico nas disposições do Tratado. Assim, o artigo 6.°, n.° 1, da diretiva especifica, como objetivos legítimos, os objetivos «de política de emprego, do mercado de trabalho e de formação profissional», que podem todos encontrar a sua fonte no artigo 3.°, n.° 3, TUE (105).

113. Num contexto mais amplo, parece‑me que também constitui um objetivo legítimo a proteção dos direitos e liberdades de terceiros — assim, por exemplo, assegurar a proteção dos que podem ser considerados impressionáveis, como as crianças de tenra idade e as pessoas mais velhas que podem não ter conservado todas as suas faculdades mentais e que podem, assim, ser equiparados aos da primeira categoria (106).

114. Em seguida, parece‑me que sempre que o requisito de um objetivo legítimo previsto no artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78 se encontrar preenchido, por exemplo no caso de uma proibição baseada em questões relacionadas com a saúde e a segurança, o critério do «objetivo legítimo» descrito no artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), também será cumprido (107). Os critérios para esse efeito serão os mesmos.

115. Também considero que o interesse comercial do empregador constitui um objetivo legítimo e que a legislação não tem por objetivo entravar essa liberdade mais do que aquilo que é apropriado e necessário (108).

116. Este aspeto pode, a meu ver, ser particularmente relevante nos seguintes domínios:

–        o empregador pode desejar projetar uma determinada imagem aos seus clientes; assim, parece‑me que uma política que exige que os trabalhadores usem um uniforme ou um determinado estilo de vestuário ou mantenham uma aparência externa «elegante» está abrangida pelo conceito de «objetivo legítimo» (109);

–        o mesmo poderá aplicar‑se às regras em matéria de horário de trabalho; a obrigação de estar disponível para trabalhar em horário flexível, incluindo fora das horas normais, sempre que tal decorra das exigências do trabalho, é, a meu ver, legítima (110);

–        as medidas tomadas por um empregador com vista a manter a harmonia entre o seu pessoal para bem da empresa no seu todo.

117. No entanto, como acima referido, o Tribunal de Justiça já considerou que a liberdade de empresa não constitui uma prerrogativa absoluta mas pode ser sujeita a limites, desde que, designadamente, estes sejam previstos pela lei (111). No caso em apreço, é claro que os limites impostos pelo direito à igualdade de tratamento em termos de não discriminação por razões, designadamente, de religião ou de convicções, são previstos pela lei. São expressamente previstos pela Diretiva 2000/78.

118. A este respeito, devo salientar que, para alguém que é praticante de uma religião, a identidade religiosa constituiparte integrante do seu ser. As exigências da fé de uma pessoa — a sua disciplina e as regras de vida que impõe — não são elementos que se apliquem quando não se está a trabalhar (por exemplo, à noite ou durante os fins de semana para os que trabalham num escritório) mas que se possam educadamente deixar de lado durante as horas de trabalho. Naturalmente, dependendo das regras específicas da religião em questão e do nível de observância de um indivíduo, um ou outro elemento pode não ser obrigatório para esse indivíduo e, portanto, negociável. Contudo, seria totalmente errado pensar que o sexo e a cor da pele nos acompanham para todo o lado, mas que, de alguma maneira, isso não acontece com a religião (112).

119. O presente processo constitui precisamente um exemplo clássico desta situação. Dois direitos protegidos — o direito de ter e de manifestar a sua religião e a liberdade de empresa — estão potencialmente em conflito. É necessário encontrar um compromisso para que os dois possam coexistir de uma forma harmoniosa e equilibrada. Tendo isso em mente, passarei agora à questão da proporcionalidade.

 Proporcionalidade

120. O artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78 dispõe que os meios utilizados para alcançar os objetivos subjacentes à medida também devem ser adequados e necessários. Por outras palavras, esses meios devem ser proporcionados.

121. Na análise da proporcionalidade para efeitos da Diretiva 2000/78 que levou a cabo nas conclusões que apresentou no processo Ingeniørforeningen i Danmark (113),a advogada‑geral J. Kokott observou que o princípio da proporcionalidade exigia que «as medidas, ainda que [fossem] adequadas e necessárias para se atingir objetivos legítimos, não [pudessem] causar inconvenientes desproporcionados relativamente aos objetivos pretendidos». É necessário «achar o justo equilíbrio entre os diferentes interesses em presença». Concordo totalmente.

122. Nesse contexto, parece‑me que o ponto de partida para qualquer análise deve ser o de que um trabalhador tem, em princípio, o direito de usar vestuário religioso ou um símbolo religioso, mas que o empregador também tem, ou pode ter, o direito de impor restrições (114).

123. Assim, parece‑me que quando uma empresa tem uma política que consiste em exigir aos seus trabalhadores o uso de um uniforme, não é despropositado exigir que os trabalhadores façam o possível por cumprir essa política. Um empregador pode, por conseguinte, determinar que as trabalhadoras que usam o lenço de cabeça islâmico adotem a cor do uniforme quando escolherem o lenço (ou até propor uma versão desse lenço para o uniforme) (115).

124. Do mesmo modo, sempre que um trabalhador puder usar o símbolo religioso de forma discreta, como era o caso, por exemplo, de N. Eweida no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Estrasburgo (116), poderá ser proporcionado exigir‑lhe que o faça.

125. O que é proporcionado pode variar em função da dimensão da empresa em causa. Quanto maior for a empresa, maior será a probabilidade de que disponha de recursos que lhe permitam ser flexível em termos de afetação dos seus trabalhadores às tarefas que lhes são exigidas. Assim, será de esperar que um empregador que é uma grande empresa faça mais esforços para obter um compromisso razoável com o seu pessoal do que um empregador que é uma pequena ou média empresa.

126. Caso que uma determinada forma de observância religiosa não seja considerada essencial pelo adepto dessa religião, a probabilidade de um conflito como o que esteve na origem do presente processo será reduzida. O empregador pede ao trabalhador que se abstenha de uma determinada prática. E porque tal prática é de pouca importância (relativa) para o trabalhador, este acede a esse pedido. O potencial conflito deixa de existir.

127. Mas o que acontece quando a prática em questão é considerada essencial pelo trabalhador em questão?

128. Já indiquei que pode haver situações em que um determinado tipo de observância que é considerado pelo trabalhador essencial para a prática da sua religião implica que este não possa fazer um determinado trabalho (117). Parece‑me porém que, na maioria dos casos, empregador e trabalhador devem explorar conjuntamente as opções disponíveis até chegarem a uma solução que concilie o direito do trabalhador de manifestar as suas convicções religiosas com o direito do empregador à liberdade de empresa (118). Embora, em meu entender, o trabalhador não tenha um direito absoluto de exigir fazer um determinado trabalho dentro da empresa nos seus próprios termos, também não lhe deve ser imediatamente dito que deve procurar outro trabalho (119). Uma solução intermédia entre estas duas posições será provavelmente proporcionada. Dependendo daquilo que esteja precisamente em causa, poderá ou não envolver alguma restrição à livre capacidade do trabalhador de manifestar a sua religião; mas não afetará um aspeto da observância religiosa que esse trabalhador considera essencial (120).

129. Há uma observação adicional que gostaria de fazer a respeito da questão que se coloca no presente processo.

130. A sociedade ocidental considera que o contacto visual é fundamental em qualquer relação que envolva a comunicação presencial entre os representantes de uma empresa e os seus clientes (121). Entendo, por conseguinte, que uma regra que impusesse a proibição do uso de vestuário religioso que cobre totalmente os olhos e o rosto, durante o desempenho de funções que impliquem um tal contacto com clientes, seria proporcionada. A ponderação dos interesses seria favorável ao empregador. Ao invés, no caso de o trabalhador em questão ser chamado a desempenhar funções que não envolvem contacto visual com os clientes, por exemplo num centro de atendimento telefónico (call centre), a justificação dessa mesma regra deixaria de existir. A ponderação dos interesses seria favorável ao trabalhador. E se o trabalhador pretender usar alguma forma de cobertura da cabeça que deixe descobertos o rosto e os olhos, não encontro nenhuma justificação para isso seja proibido.

131. Tanto nas suas observações escritas como nas alegações orais, a Micropole deu uma grande ênfase ao facto de a proporção do tempo de trabalho de A. Bouganoui em contacto com os clientes e, portanto, sujeito à proibição de usar um lenço de cabeça islâmico não ultrapassava os 5%. Alegou que, em consequência, a restrição era proporcionada. Este argumento parece‑me inconsequente. A proporção de tempo durante a qual a proibição é aplicável pode não ter nenhuma relação com o motivo pelo qual a trabalhadora tenciona usar a cobertura de cabeça em questão. A convicção religiosa de A. Bougnaoui sobre o vestuário que considera adequado para se vestir enquanto mulher muçulmana praticante é a de que deve usar um lenço de cabeça islâmico (hijab) no trabalho. Se assim é quando se encontra no ambiente quotidiano e familiar da empresa do seu empregador, pode‑se razoavelmente supor que também será assim, por maioria de razão, quando esteja fora desse ambiente e em contacto com pessoas externas à empresa.

132. Embora, em última análise, a questão deva ser decidida pelo órgão jurisdicional nacional a quem cabe proferir a decisão final no processo, e embora possa haver outros aspetos relevantes para uma discussão sobre a proporcionalidade sobre os quais o Tribunal de Justiça não foi informado, considero improvável que um argumento baseado na proporcionalidade da proibição imposta ao abrigo do regulamento interno da Micropole — independentemente de essa proibição envolver o uso genérico de símbolos ou de vestuário religioso ou apenas o lenço de cabeça islâmico — possa proceder no processo principal.

133. A minha observação final é a seguinte. Parece‑me que, na grande maioria dos casos, será possível, com base num diálogo razoável entre o empregador e o trabalhador, chegar a um compromisso que concilie de forma adequada os direitos concorrentes do trabalhador de manifestar a sua religião e do empregador à liberdade de empresa. Nalguns casos, porém, isso poderá não ser possível. Em última análise, o interesse empresarial em gerar o máximo lucro deve, em meu entender, ceder face ao direito do trabalhador individual de manifestar as suas convicções religiosas. A este respeito, chamo a atenção para o caráter insidioso do argumento «temos de fazer X porque caso contrário os nossos clientes não vão gostar». Sempre que a própria atitude do cliente possa ser indicadora de um preconceito com base num dos «fatores proibidos», como a religião, parece‑me especialmente perigoso dispensar o empregador do cumprimento de uma obrigação de igualdade de tratamento para poder ceder a esse preconceito. A Diretiva 2000/78 destina‑se a conferir proteção no emprego contra o tratamento desfavorável (ou seja, a discriminação) com base num dos fatores proibidos. Não se trata de perder o emprego para ajudar o empregador a aumentar os seus lucros.

134. À luz das considerações precedentes, concluo que, em caso de discriminação indireta em razão da religião ou das convicções, o artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado de forma a reconhecer que os interesses empresariais do empregador constituem um objetivo legítimo para efeitos da referida disposição. Contudo, tal discriminação só é justificada se for proporcionada a esse objetivo.

 Conclusão

135. Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida pela Cour de Cassation (França), do seguinte modo:

1)      Uma regra prevista no regulamento interno de uma empresa que proíbe os trabalhadores da empresa de usarem símbolos ou vestuário religioso quando em contacto com os clientes da empresa constitui uma discriminação direta em razão da religião ou das convicções, à qual não se aplica o artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional, nem nenhuma das outras derrogações à proibição de discriminação direta em razão da religião ou das convicções previstas nessa diretiva. A fortiori, é esse o caso se a regra em questão se aplicar apenas ao uso do lenço de cabeça islâmico.

2)      Em caso de discriminação indireta em razão da religião ou das convicções, o artigo 2.°, n.° 2, alínea b), i), da Diretiva 2000/78 deve ser interpretado de forma a reconhecer que os interesses empresariais do empregador constituem um objetivo legítimo para efeitos da referida disposição. Contudo, tal discriminação só é justificada se for proporcionada a esse objetivo.


1      Língua original: inglês.


2      Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional (JO 2000 L 303, p. 16).


3      Foi submetido ao Tribunal de Justiça pela Hof van Cassatie (Tribunal de Cassação da Bélgica) um pedido de decisão prejudicial baseado em factos semelhantes (embora não idênticos) no processo C‑157/15, Achbita (pendente no Tribunal de Justiça). A questão prejudicial submetida por esse tribunal difere porque tem essencialmente por objeto a diferença entre discriminação direta e discriminação indireta para efeitos do artigo 2.°, n.° 2, alíneas a) e b), da Diretiva 2000/78. A minha colega, a advogada‑geral J. Kokott, apresentou as suas conclusões nesse processo em 31 de maio de 2016.


4      Assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950. Todos os Estados‑Membros são signatários da CEDH, mas a União Europeia, enquanto tal, ainda não aderiu a essa Convenção; v. Conclusões 2/13, EU:C:2014:2454.


5      O protocolo foi aberto à assinatura em 4 de novembro de 2000. Dos Estados‑Membros da UE, foi até à data assinado pela Áustria, a Bélgica, a Croácia, Chipre, a República Checa, a Estónia, a Finlândia, a Alemanha, a Grécia, a Hungria, a Irlanda, a Itália, a Letónia, o Luxemburgo, Malta, os Países Baixos, Portugal, a Roménia, a Eslováquia, a Eslovénia e a Espanha. Só a Croácia, Chipre, a Finlândia, o Luxemburgo, Malta, os Países Baixos, a Roménia, a Eslovénia e a Espanha o ratificaram até agora.


6      JO 2010, C 83, p. 389.


7      A razão pela qual a carta de despedimento indica esta data não é clara, dado que parece ser pacífico entre as partes que o emprego de A. Bougnaoui na Micropole teve início em 15 de julho de 2008. Esta questão não se me afigura importante, pelo menos no que respeita às presentes conclusões.


8      A carta de despedimento indica esta data, quando, segundo o despacho de reenvio, teve lugar uma entrevista em 15 de junho de 2009. É evidentemente possível que tenha havido duas entrevistas. Seja como for, considero que este ponto não tem consequências relativamente à questão submetida ao Tribunal.


9      V., por exemplo, acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (a seguir «Tribunal de Estrasburgo») de 1 de julho de 2014 no processo S.A.S. c. França, CE:ECHR:2014:0701JUD004383511, n.° 12.


10      A título de exemplo: é bem sabido que os números da frequência das igrejas atingem o seu expoente máximo no período do Natal (com picos na Missa do Galo e/ou na celebração do Dia de Natal); e muitos Cristão «fazem um esforço» na Quaresma, antes de festejarem a Páscoa.No Judaísmo pode‑se observar um fenómeno semelhante. Assim, as sinagogas podem ser obrigadas a recorrer à emissão de bilhetes para poder gerir a assistência nas celebrações do Rosh Hashanah (o Ano Novo judeu) e do Yom Kippur (o Dia da Reconciliação) — noutras alturas do ano, esse procedimento é desnecessário porque há espaço suficiente para todos os que desejem assistir.


11      Conhecido também com outras designações, como kippa,kipoh, ou yarmulke, ou, mais coloquialmente, como «calota».


12      V., Oxtoby, W.G., A Concise Introduction to World Religions, Oxford University Press, Oxford, 2007.


13      V. Cole, W.O., e Sambhi, P.S., Sikhism and Christianity: A Comparative Study, Macmillan, 1993. Os advogados Sikh homwna, no Reino Unido, conciliaram a sua obrigação religiosa com os requisitos de vestuário da profissão (peruca e toga no tribunal) substituindo o dastar preto normal por um dastar branco distintivo.


14      Para mais informações, v.: Niqab, hijab, burqa: des voiles et beaucoup de confusions, Le Monde, 11 de junho de 2015, disponível na Internet em http://www.lemonde.fr/les‑decodeurs/article/2015/06/11/niqab‑hijab‑burqa‑des‑voiles‑et‑beaucoup‑de‑confusions_4651970_4355770.html#U3778UWCg7HuTisY.99.


15      V., por exemplo, acórdão do Tribunal de Estrasburgo de 1 de julho de 2014, S.A.S. c. França, CE:ECHR:2014:0701JUD004383511. O n.° 12 desse acórdão recorda que a requerente, uma muçulmana praticante, usava o niqab em público e em privado, mas não sistematicamente. Desejava usá‑la quando quisesse, dependendo em especial dos seus sentimentos espirituais. Havia alturas (por exemplo, durante eventos religiosos, como o Ramadão) em que achava que o devia usar em público para expressar a sua fé religiosa, pessoal e cultural. O seu objetivo não era incomodar terceiros, mas sentir‑se em paz interior consigo mesma.


16      Acórdão de 15 de janeiro de 2013 in Eweida e o. c. Reino Unido, CE:ECHR:2013:0115JUD004842010, § 94.


17      V. n.° 30, supra.


18      Acórdão de 10 de novembro de 2005 inLeyla Şahin c. Turkey, CE:ECHR:2005:1110JUD004477498, § 109.


19      V. European Comissão, Special Eurobarometer 393, Report on Discrimination in the EU in 2012, de novembro de 2012. O relatório não inclui a Croácia. Devo acrescentar que os valores citados devem ser lidos com alguma cautela porque não se baseiam em estatísticas oficiais, mas em respostas a um questionário. Não distinguem entre praticantes e não praticantes de uma determinada confissão religiosa, nem distinguem necessariamente entre filiação religiosa e filiação étnica. Incluo‑os aqui para mostrar que não existe qualquer espécie de «norma», neste contexto, nos Estados‑Membros.


20      Gostaria de salientar que a análise que se segue não pretende, de forma alguma, ser exaustiva. Ao referir algumas leis e decisões dos tribunais dos Estados‑Membros, procurei apenas destacar alguns aspetos das regras nesta matéria que me parecem particularmente importantes. Um exercício deste tipo é necessariamente incompleto.


21      Loi n.° 2010‑1192 du 11 octobre 2010 interdisant la dissimulation du visage dans l’espace public (Lei n.° 2010‑1192, de 11 de outubro de 2010, que proíbe cobrir o rosto em locais públicos).


22      Loi du 1er juin 2011 visant à interdire le port de tout vêtement cachant totalement ou de manière principale le visage (Lei de 1 de junho de 2011 que proíbe o uso de qualquer vestuário que cubra total ou principalmente o rosto). A proibição aplica‑se a todos os locais acessíveis ao público.


23      Estes termos podem ser traduzidos para inglês de forma bastante livre como «(State) secularism» e «(State) neutrality».


24      V., no que respeita às escolas do setor público, loi n.° 2004228 du 15 mars 2004 encadrant, en application du principe de laïcité, le port de signes ou de tenues manifestant une appartenance religieuse dans les écoles, collèges et lycées publics (Lei n.° 2004‑228, de 15 de março de 2004, relativa ao uso de símbolos ou de vestuário que manifestem uma filiação religiosa nas escolas públicas primárias e secundárias, em aplicação do princípio da laicidade) e, de uma forma mais genérica, o parecer do Conseil d’État (Conselho de Estado) de 3 de maio de 2000, Mlle Marteaux, n.° 217017.


25      V. Arrêté royal du 14 Juin 2007 modifiant l’arrêté royal du 2 octobre 1937 portant statut des agents de l’État(Decreto Real de 14 de junho de 2007 que altera o Decreto Real de 2 de outubro de 1937 que estabelece o estatuto da função pública), artigo 8.°


26      V. Despacho de 27 de janeiro de 2015, 1 BvR 471/10 e 1 BvR 1181/10.


27      Isso não significa que não possa haver restrições baseadas, por exemplo, em motivos de saúde e de segurança.


28      Acórdão da Cour de cassation, em sessão plenária, de 25 de junho de 2014, n.° 13‑28.845 (‘Baby Loup’).


29      V. deliberação da Haute autorité de la lutte contre les discriminations et pour l’égalité (Alta Autoridade da Luta contra a discriminação e a favor da igualdade, a seguir «HALDE») n.° 2009‑117 de 6 de abril de 2009, n.os 40 e 41.


30      V., a título de exemplo, as decisões da Cour de cassation, chambre sociale [Tribunal de Cassação, secção social], de 12 de julho de 2010, n.° 08‑45.509 e de 24 de março de 1998, n.° 95‑44.738.


31      V. deliberação da HALDE n.° 2007‑301 de 13 de novembro de 2007.


32      Por exemplo, uma vendedora que usava no seu local de trabalho um vestuário religioso que cobria integralmente o corpo foi considerada validamente despedida porque não tinha usado esse vestuário quando foi recrutada (v. acórdão da Cour d’appel [Tribunal de Recurso] de Saint‑Denis‑de‑la‑Réunion, de 9 de setembro de 1997, n.° 97/703.306). Mas o simples facto de um trabalhador estar em contacto com clientes não justifica a imposição de uma restrição à liberdade desse trabalhador de manifestar a sua religião. Consequentemente, o despedimento de uma trabalhadora que se recusou a remover o lenço de cabeça que tinha usado desde o início da sua relação de trabalho e que não tinha causado problemas com os clientes da empresa com quem estava em contacto foi considerado abusivo (acórdão da Cour d’appel [Tribunal de Recurso] de Paris, de 19 de junho de 2003, n.° 03‑30.212).


33      Assim, o Bundesarbeitsgericht (Tribunal do Trabalho Federal) já decidiu que o despedimento de um membro do pessoal de vendas de uma cadeia de lojas com fundamento na sua recusa de remover o lenço de cabeça não podia ser justificado com base nos fundamentos previstos na Kündigungsschutzgesetz(Lei relativa à proteção contra o despedimento ilícito) pelo facto de que não ficava impossibilitada de desempenhar as suas funções de vendedora e de a sua conduta não ser danosa para o empregador. V. acórdão de 10 de outubro de 2002, 2 AZR 472/01.


34      Decisão do College voor de Rechten van de Mens de 18 de dezembro de 2015. Embora as decisões do instituto não sejam juridicamente vinculativas, são extremamente persuasivas e, na maior parte dos casos, são seguidas pelos tribunais nacionais.


35      Incluindo a Bélgica, a Dinamarca, os Países Baixos e o Reino Unido.


36      Assim: i) na Bélgica, por acórdão de 15 de janeiro de 2008 (Journal des tribunaux du travail, n.° 9/2008, p. 140),aCour du Travail de Bruxelles [Tribunal do Trabalho de Bruxelas] decidiu que um empregador podia utilizar considerações objetivas relativas à imagem comercial da empresa para despedir uma empregada de balcão que usava um lenço de cabeça; ii) na Dinamarca, o Højesteret (Tribunal Supremo) já decidiu que um empregador pode impor um código de vestuário destinado a refletir a imagem comercial da empresa e não permitir o uso de um lenço de cabeça desde que as regras em questão se apliquem a todo o pessoal (Ufr. 2005, 1265H); iii) Os tribunais holandeses acolheram os pedidos dos empregadores que invocavam a primazia da imagem profissional e de representação da empresa ao implementarem um código de vestuário [v. a análise da Commissie Gelijke Behandeling (Comissão para a Igualdade de Tratamento) sobre as regras relativas a uniformes de polícia e «life‑style neutrality» (CGB‑Advies/2007/08)]; e iv) parece que, no Reino Unido, um empregador pode impor um código de vestuário aos seus trabalhadores desde que, no caso de as regras desse código afetarem um determinado trabalhador em razão da sua religião, o empregador as justifique (v. Vickers, L., «Migration, Labour Law and Religious Discrimination» [migração, direito do trabalho e discriminação religiosa], in Migrants at Work: Immigration and Vulnerability in Labour Law, Oxford University Press, Oxford, 2014, capítulo 17).


37      V., por exemplo, decisões de 15 de fevereiro de 2001, Dahlab c. Suíça, CE:ECHR:2001:0215DEC004239398 e 24 de janeiro de 2006, Kurtulmuş c. Turquia, CE:ECHR:2006:0124DEC006550001.


38      Acórdão de 10 de novembro de 2005, Leyla Şahin c. Turquia, CE:ECHR:2005:1110JUD004477498, n.° 105.


39      V., por exemplo, decisão de 15 de fevereiro de 2001, Dahlab c. Suíça, CE:ECHR:2001:0215DEC004239398.


40      Para um exemplo de aplicação desse critério, v., por exemplo, decisão de 15 de fevereiro de 2001, Dahlab c. Suíça, CE:ECHR:2001:0215DEC004239398.


41      Decisão de 15 de fevereiro de 2001, Dahlab c. Suíça, CE:ECHR:2001:0215DEC004239398.


42      Decisão de 24 de janeiro de 2006, Kurtulmuş c. Turquia, CE:ECHR:2006:0124DEC006550001.


43      Decisão de 3 de abril de 2007, Kurtulmuş c. Turquia, CE:ECHR:2007:0403DEC004129604.


44      Acórdão de 26 de novembro de 2015, Ebrahimian c. França, CE:ECHR:2015:1126JUD006484611.


45      N.os 63 e 67. Vale a pena salientar, no entanto, que esse acórdão não ficou isento de críticas dentro do próprio Tribunal de Estrasburgo. Na opinião parcialmente concordante e parcialmente dissidente, o Juiz O’Leary observou que a jurisprudência anterior do Tribunal tinha essencialmente por objeto questões estreitamente relacionadas com os valores que os estabelecimentos de ensino devem ensinar e que o acórdão do processo em discussão fazia uma análise limitada da abundante jurisprudência no domínio mais amplo. No que respeita à margem de apreciação que é concedida aos Estados Contratantes relativamente à questão da cobertura de cabeça por razões religiosas, afirmou que tal margem de apreciação requer um controlo europeu nos processos em que a CEDH se aplica e não pode, simplesmente, ser afastada mediante a simples invocação dessa margem de apreciação, por mais ampla que seja. Na sua opinião dissidente, o juiz De Gaetano afirmou, em apoio da sua posição de que tinha havido uma violação do artigo 9.° da CEDH, que o acórdão se baseava no que ele chamava uma «premissa falsa (e muito perigosa) […] de que não pode ser garantido aos utentes dos serviços públicos um serviço público imparcial se o funcionário público que os serve tiver à mais pequena manifestação do seu credo religioso […]. Um princípio de direito constitucional ou uma 'tradição’ constitucional pode facilmente acabar por ser divinizado, prejudicando, deste modo, todos os valores subjacentes à [ECHR][…]».


46      Acórdão de 15 de janeiro de 2013, Eweida e o. c. Reino Unido, CE:ECHR:2013:0115JUD004842010, n.os 99 e 100.


47      Acórdão de 1 de julho de 2014, S.A.S. c. França, CE:ECHR:2014:0701JUD004383511, n.° 139. Uma vez que o Governo francês não conseguiu satisfazer esse critério, perdeu com esse fundamento. Contudo, a medida foi confirmada com base no objetivo separado de «viver juntos» apresentado por esse Governo.


48      Acórdão de 15 de janeiro de 2013, CE:ECHR:2013:0115JUD004842010.


49      § 91.


50      § 84.


51      § 94.


52      Aceito, naturalmente, que os contextos são diferentes, sendo a jurisprudência anterior relativa ao setor do ensino e a jurisprudência mais recente relativa ao domínio público.


53      Decisão de 15 de fevereiro de 2001, CE:ECHR:2001:0215DEC004239398.


54      V. também acórdão de 10 de novembro de 2005, Leyla Şahin c. Turquia, CE:ECHR:2005:1110JUD004477498, n.° 111.


55      Acórdão de 1 de julho de 2014, CE:ECHR:2014:0701JUD004383511.


56      V. decisão de 3 de dezembro de 1996, Konttinen c. Finland, CE:ECHR:1996:1203DEC002494994, aprovada na decisão de 9 de abril de 1997, Stedman c. Reino Unido, CE:ECHR:1997:0409DEC002910795, onde a Comissão observou que o requerente era «livre de demitir‑se».


57      Acórdão de 15 de janeiro de 2013, Eweida e o. c. Reino Unido, CE:ECHR:2013:0115JUD004842010, n.° 83.


58      Acórdão de 15 de janeiro de 2013, Eweida e o. c. Reino Unido, CE:ECHR:2013:0115JUD004842010, n.° 85. Por esse motivo, o artigo 14.° da CEDH já foi descrito por alguns autores como sendo «parasita». V. Haverkort‑Spekenbrink, S., European Non‑discrimination Law, School of Human Rights Research Series, Volume 59, p. 127.


59      Acórdão de 15 de janeiro de 2013, CE:ECHR:2013:0115JUD004842010.


60      N.° 95.


61      N.° 101.


62      V. nota de rodapé 5, supra.


63      V., a título de exemplo, acórdãos de 22 de dezembro de 2009, Sejdić e Fincic. Bosnia e Herzegovina, CE:ECHR:2009:1222JUD002799606 e 15 de julho de 2014, Zornić c. Bosnia e Herzegovina, CE:ECHR:2014:0715JUD000368106. Os processos em questão tinham por objeto o direito dos requerentes de se candidatarem às eleições para a Assembleia dos Povos e para a Presidência da Bósnia e Herzegovina.


64      V., ainda, n.° 68 e seguintes, infra.


65      V. acórdão de 13 de setembro de 2011 (Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.° 38).


66      V., ainda, a respeito da Diretiva 2000/78, o n.° 70, infra.


67      Diretiva 75/117/CEE do Conselho, de 10 de fevereiro de 1975, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros no que se refere à aplicação do princípio da igualdade de remuneração entre os trabalhadores masculinos e femininos (JO 1975, L 45, p. 19; EE 05 F2 p. 52).


68      Diretiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO 1976, L 39, p. 40; EE 05 F2 p. 70).


69      Acórdão de 8 de abril de 1976, Defrenne, 43/75, EU:C:1976:56. Para uma análise mais exaustiva, v. Barnard, C., EU Employment Law, Oxford University Press, Oxford, 2012, capítulo 1.


70      Diretiva 2000/43/CE do Conselho, de 29 de junho de 2000, que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, sem distinção de origem racial ou étnica (JO 2000, L 180, p. 22).


71      Importa referir que o âmbito de proteção das duas diretivas é diferente. Por exemplo, o artigo 3.° da Diretiva 2000/43 dispõe que o seu âmbito de aplicação abrange «e) [a] proteção social, incluindo a segurança social e os cuidados de saúde; f) [os] benefícios sociais; g) [a] educação; [e] h) [o] acesso e fornecimento de bens e prestação de serviços postos à disposição do público, incluindo a habitação». Estes fundamentos não estão enumerados na Diretiva 2000/78. Também parece evidente que uma medida discriminatória em razão da religião ou das convicções também pode, consoante as circunstâncias, ser discriminatória em razão do sexo ou da raça. Embora a Comissão tenha adotado uma Proposta de Diretiva que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual [COM(2008) 426 final], essa proposta, que ampliaria o âmbito de proteção em relação a aspetos incluídos na Diretiva 2000/78, ainda deve ser finalizada.


72      A mesma abordagem é adotada na atual legislação em matéria de discriminação em razão do sexo, a saber, a Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (reformulação) (JO 2006, L 204, p. 23).


73      C‑303/06, EU:C:2008:61.


74      N.os 8 a 10.


75      Por conseguinte, embora uma medida que proíbe o proselitismo possa implicar uma discriminação, poderá, em meu entender, ser eventualmente abrangida pela derrogação do artigo 2.°, n.° 5, da diretiva por ser necessária para a proteção dos direitos e liberdades de terceiros. Teria, porém, de basear‑se em «medidas previstas na legislação nacional»: v. o texto expresso da derrogação.


76      Assim, o contexto específico do caso em apreço é o de uma mulher com estudos que pretende participar no mercado de trabalho de um Estado‑Membro da União. Neste contexto, seria paternalista considerar que o uso que faz do hijab serve apenas para perpetuar as desigualdades e perceções de papéis existentes. O leitor poderá facilmente imaginar outros contextos possíveis e diferentes onde se coloca a questão das mulheres que usam vestuário islâmico, onde poderia ser mais legítimo tirar tal conclusão.


77      Poderia pensar‑se que a palavra «véu» se refere sempre a uma peça de vestuário que cobre o rosto. Não é assim; veja‑se, por exemplo, a definição contida no Shorter Oxford English Dictionary, que se refere a uma peça de tecido usado «sobre a cabeça ou o rosto» (sublinhado nosso).


78      V., em especial, a este respeito, o n.° 38, supra.


79      V. n.° 109, infra.


80      V. também, a esse respeito e num contexto diferente, as conclusões apresentadas pelo advogado‑geral Y. Bot nos processos apensos Y e Z, C71/11 e C99/11, EU:C:2012:224, onde observou que a exigência de que uma pessoa dissimule, modifique ou renuncie à manifestação pública da sua fé privaria o interessado de um direito fundamental que lhe é assegurado pelo artigo 10.° da Carta (n.os 100 e 101).


81      Examinei a distinção que deve ser feita entre discriminação direta e indireta nas conclusões que apresentei no processo Bressol e o., C‑73/08, EU:C:2009:396, n.os 55 e 56. Neste caso, é precisamente a proibição de uso de vestuário que manifeste a filiação religiosa da trabalhadora que conduz ao tratamento desfavorável que consiste no seu despedimento.


82      V. acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.° 46, que deixa claro que a convenção coletiva de trabalho da Lufthansa que previa a cessação automática dos contratos de trabalho numa determinada idade tinha origem e base jurídica o artigo 14.°, n.° 1, da Gesetz über Teilzeitarbeit und befristete Arbeitsverträge (Lei relativa ao trabalho a tempo parcial e aos contratos de trabalho a termo certo). Tratava‑se, portanto, de uma medida «[decorrente] da legislação nacional» (v. n.° 59 do acórdão).


83      Acórdão de 12 de janeiro de 2010, Wolf, C‑229/08, EU:C:2010:3, n.° 35.


84      V., a este respeito, o n.° 75, supra.


85      V. acórdãos de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.° 72, e 13 de novembro de 2014, Vital Pérez, C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.° 47. É possível que o artigo 4.°, n.° 1, se aplique com maior frequência à discriminação direta do que à discriminação indireta (um exemplo óbvio de discriminação em razão do sexo seria uma regra de filiação «só para mulheres» de uma equipa desportiva profissional exclusivamente feminina). Porém, não é inconcebível que tal discriminação possa ser indireta. Assim, por exemplo, embora uma regra de que os candidatos a um emprego como segurança tenham uma altura superior a 1m75 seja aparentemente neutra, tal regra tenderia a excluir mais mulheres do que homens e também poderia afetar uma percentagem relativamente superior de alguns grupos étnicos em relação a outros.


86      Curiosamente, em substância, a formulação do artigo 4.°, n.° 1, da Diretiva 2000/78 difere consoante as versões linguísticas. A versão inglesa utiliza a expressão «by reason of the particular occupational activities concerned», que é, no essencial, seguida pelas versões alemã («aufgrund der Art einer bestimmten beruflichen Tätigkeit»), holandesa («vanwege de aard van de betrokken specifieke beroepsactiviteiten») e espanhola («debido a la naturaleza de la actividad profesional concreta de que se trate»). As versões francesa («en raison de la nature d'une activité professionnelle»), italiana («per la natura di un’attività lavorativa») e portuguesa («em virtude da natureza da atividade profissional em causa») adotam uma abordagem que coloca menos ênfase na natureza específica das atividades em questão. Seja como for, parece claro que a ênfase deve ser colocada nas atividades específicas que o trabalhador deve exercer.


87      V. acórdão de 12 de janeiro de 2010, Wolf, C‑229/08, EU:C:2010:3, n.° 40.


88      V. acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge e o., C‑447/09, EU:C:2011:573, n.° 67.


89      V. acórdão de 13 de novembro de 2014, Vital Pérez, C‑416/13, EU:C:2014:2371, n.° 41.


90      Diretiva 76/207/CEE do Conselho, de 9 de fevereiro de 1976, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho (JO 1976, L 39, p. 40).


91      O artigo 2.°, n.° 2, da Diretiva 76/207 refere que «[a] presente diretiva não constitui obstáculo à faculdade que os Estados‑Membros têm de excluir do seu âmbito de aplicação as atividades profissionais e, eventualmente, as formações que a elas conduzam, e para as quais, em razão da sua natureza ou das condições do seu exercício, o sexo constitua um condição determinante.»


92      Acórdão de 26 de outubro de 1999, C‑273/97, EU:C:1999:523. A. Sirdar tencionava aceitar uma proposta de trabalho (que lhe foi feita por engano) como cozinheira nos Royal Marines, os comandos de elite do Exército Britânico. A lógica subjacente à política de exclusão das mulheres do serviço deste corpo militar resulta dos n.os 6 a 9 do acórdão. A fundamentação minuciosa do Tribunal no sentido de que se aplicava a exclusão consta dos n.os 28 a 32 do acórdão.


93      Acórdão de 11 de janeiro de 2000, C‑285/98, EU:C:2000:2, n.° 29. T. Kreil desejava trabalhar no serviço de manutenção (eletromecânica de armas) da Bundeswehr [Forças Armadas da Alemanha]. O direito nacional só permitia às mulheres alistarem‑se nos serviços de saúde e de música militar. Citando extensivamente o acórdão Sirdar, o Tribunal de Justiça declarou, no entanto, que, «[t]endo em conta o seu alcance, tal exclusão, que se aplica à quase totalidade dos empregos militares da Bundeswehr, não pode ser considerada como uma medida derrogatória justificada pela natureza específica dos empregos em causa ou pelas condições especiais do seu exercício» (n.° 27); e que «a diretiva se opõe à aplicação de disposições nacionais, tais como as do direito alemão, que excluem, de maneira geral, as mulheres dos empregos militares que incluam a utilização de armas e que autorizam o seu acesso somente aos serviços de saúde e às formações de música militar» (n.° 32).


94      V. acórdão de 3 de fevereiro de 2000, Mahlburg, C‑207/98, EU:C:2000:64, n.° 29.


95      Acórdão de 9 de setembro de 2004, Espanha e Finlândia/Parlamento e Conselho, C‑184/02 e C‑223/02, EU:C:2004:497, n.° 51.


96      Acórdão de 14 de outubro de 2014, Giordano/Comissão, C‑611/12 P, EU:C:2014:2282, n.° 49.


97      Acórdão de 22 de janeiro de 2013, Sky Österreich, C‑283/11, EU:C:2013:28, n.° 66.


98      V. n.° 95, supra.


99      Parece que o artigo 2.°, n.° 5, foi inserido na diretiva nas últimas horas de negociação (aparentemente por insistência do Governo do Reino Unido). V. Ellis, E., e Watson, P., EU Anti‑Discrimination Law, Oxford University Press, 2012, p. 403. V. também o Quarto Relatório do Comité Restrito da Câmara dos Lordes sobre a União Europeia, Sessão 2000‑01, The EU Framework Diretiva on Discrimination, n.° 37, que refere: «[…] [O artigo 2.°, n.° 5,] só foi adicionado à Diretiva no dia 17 de outubro, aparentemente por insistência do Reino Unido. O Ministro escreveu, em 25 de outubro, que a disposição se destinou a ‘clarificar que a Diretiva não impede que os Estados‑Membros intervenham para proteger os que correm o risco de ser vítimas, por exemplo, de cultos religiosos perigosos ou de pedófilos’».


100      V. acórdão de 13 de setembro de 2011, Prigge, C‑447/09, EU:C:2011:573, n.os 55 e 56.


101      Itálico nosso. Como já indiquei anteriormente (na nota 75), o artigo 2.°, n.° 5.°, poderia, por exemplo, abranger uma regra que proibisse o proselitismo no local de trabalho.


102      V. n.° 109 e seguintes, infra.


103      A Declaração n.° 11 está anexa ao Tratado de Amesterdão. Prevê que «[a] União Europeia respeita e não afeta o estatuto de que gozam, ao abrigo do direito nacional, as Igrejas e associações ou comunidades religiosas nos Estados‑Membros. A União Europeia respeita igualmente o estatuto das organizações filosóficas e não confessionais».


104      V. n.° 82, supra.


105      V., nesse sentido, o acórdão de 16 de outubro de 2007, Palacios de la Villa, C‑411/05, EU:C:2007:604, n.° 64.


106      V., no que respeita à jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo, a decisão de 15 de fevereiro de 2001, Dahlab v. Suíça,CE:ECHR:2001:0215DEC004239398, referida no n.° 48 supra. Na referida decisão, o Tribunal de Estrasburgo descreveu as crianças ensinadas pelo candidato como sendo «muito pequenas». Parece‑me que as crianças com idades do primeiro ciclo do ensino básico podem ser razoavelmente descritas como «impressionáveis». Depois de atingirem o ensino secundário, podem ser consideradas mais maduras e, portanto, mais capazes de formarem as suas próprias opiniões e/ou de tirarem partido da diversidade cultural.


107      [Nota não pertinente para a versão portuguesa das presentes conclusões.].


108      V. ainda n.° 100, supra.


109      V., a este respeito, acórdão do Tribunal de Estrasburgo de 15 de janeiro de 2013, Eweida e o. v. Reino Unido, CE:ECHR:2013:0115JUD004842010, § 94. Neste caso, a forma óbvia de reconciliar os interesses empresariais legítimos do empregador com a liberdade do trabalhador de manifestar a sua religião é prever a inclusão das necessárias peças de vestuário religiosas no uniforme. V. n.° 123, infra.


110      Um requisito (admissível) de trabalho «fora das horas normais» ou em horário «flexível» não deve, porém, ser confundido com a exigência de que o trabalhador trabalhe, a qualquer preço, num dia que tem um especial significado na religião que professa (por exemplo, exigir que um cristão praticante trabalhe no Dia de Natal, na Sexta‑Feira Santa ou no dia de Páscoa; ou que um Judeu praticante trabalhe nos dias de Rosh Hashanah, Yom Kippur ou Pesach). Esta última forma de requisito não poderia, em minha opinião, ser permitida.


111      V. n.° 100, supra.


112      V., por analogia, acórdão de 5 de setembro de 2012, Y e Z, C‑71/11 e C‑99/11, EU:C:2012:518, n.os 62 e 63.


113      C‑499/08, EU:C:2010:248, n.° 68.


114      Tal como, de facto, o Tribunal de Estrasburgo decidiu efetivamente no seu acórdão de 15 de janeiro de 2013, Eweida e o. c. Reino Unido, CE:ECHR:2013:0115JUD004842010.


115      V., nesse contexto, a página Web http://www.bbc.com/news/uk‑scotland36468441, relativa a uma proposta recente da Police Scotland (a força policial nacional escocesa) para introduzir um hijab como uma peça opcional do seu uniforme a fim de encorajar as mulheres muçulmanas a integrarem a força policial.


116      V. acórdão de 15 de janeiro de 2013, Eweida e o. c. Reino Unido, CE:ECHR:2013:0115JUD004842010, n.° 94.


117      V., a este respeito, n.° 99, supra.


118      Assim, por exemplo, no processo Eweida, era claro que a British Airways tinha realmente conseguido esse compromisso com os seus trabalhadores muçulmanos.


119      V., sobre a evolução das posições do Tribunal de Estrasburgo neste contexto, n.° 55 supra.


120      Imagine‑se, por exemplo, que o trabalhador se considera sujeito à obrigação de rezar três vezes por dia. No contexto de um horário de expediente normal, isso é relativamente fácil de conciliar: os tempos de oração podem ter lugar antes e depois do trabalho, e durante a pausa para o almoço. Este último é o único que se verifica durante a jornada de trabalho efetiva; e é durante o tempo livre oficial (pausa para almoço). Imagine‑se agora que a obrigação é de rezar cinco vezes por dia. O trabalhador alega que necessita que lhe sejam concedidos períodos de oração adicionais durante o dia de trabalho. A primeira questão que se coloca é a de saber se é realmente assim — um ou os dois períodos adicionais de oração não poderiam também ser previstos antes ou depois do trabalho? Mas é possível que os períodos de oração estejam ligados a momentos específicos do dia. Se for o caso, talvez haja, durante a jornada laboral, pausas para tomar café ou para fumar que o trabalhador poderá utilizar para a oração; mas o trabalhador terá, provavelmente, de aceitar trabalhar até mais tarde ou chegar mais cedo para compensar o empregador pela sua ausência temporária do trabalho em cumprimento da obrigação religiosa. Se necessário, o trabalhador terá de aceitar o constrangimento suplementar (uma jornada laboral mais longa); e o empregador terá de permitir que ele o faça, em vez de insistir que nenhuma adaptação é possível e de o despedir.


121      Para uma análise mais aprofundada sobre a importância da comunicação não verbal num contexto empresarial, v. Woollcott, L. A., Mastering Business Communication, Macmillan, 1983.