Language of document : ECLI:EU:T:2005:461

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção alargada)

15 de Dezembro de 2005 (*)

«Radiodifusão televisiva – Directiva 89/552/CEE – Directiva 97/36/CE – Artigo 3.°‑A – Acontecimentos de grande importância para a sociedade – Admissibilidade – Violação de formalidades essenciais»

No processo T‑33/01,

Infront WM AG, anteriormente KirchMedia WM AG, com sede em Zug (Suíça), representada inicialmente por C. Lenz, A. Bardong, advogados, e E. Batchelor, solicitor, e em seguida por Lenz, Batchelor, R. Denton, solicitors, F Carlin, barrister, e M. Clough, QC, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por K. Banks e M. Huttunen, na qualidade de agentes, assistidos por J. Flynn, QC, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

apoiada por

República Francesa, representada por G. de Bergues, na qualidade de agente, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda no Norte, representado inicialmente por J. Collins, em seguida por R. Caudwell, e por último por M. Berthell, na qualidade de agentes, sendo este último assistido por K. Parker, QC, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Parlamento Europeu, representado por C. Pennera e M. Moore, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

Conselho da União Europeia, representado por A. Lopes Sabino e M. Bishop, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão alegadamente adoptada pela Comissão em aplicação do artigo 3.°‑A da Directiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva (JO L 298, p. 23), alterada pela Directiva 97/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 202, p. 60),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção alargada),

composto por: H. Legal, presidente, P. Lindh, P. Mengozzi, I. Wiszniewska‑Białecka e V. Vadapalas, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Julho de 2005,

profere o presente

Acórdão

 Quadro jurídico

1        A Directiva 89/552/CEE do Conselho, de 3 de Outubro de 1989, relativa à coordenação de certas disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados‑Membros relativas ao exercício de actividades de radiodifusão televisiva (JO L 298, p. 23), foi adoptada com base no artigo 57.°, n.° 2, do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia (que passou, após alteração, a artigo 47.°, n.° 2, CE) e do artigo 66.° do Tratado que institui a Comunidade Económica Europeia (actual artigo 55.° CE). Esta directiva foi alterada pela Directiva 97/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 202, p. 60).

2        A Directiva 89/552, alterada, constitui o quadro jurídico da actividade de radiodifusão televisiva no mercado comum. O seu principal objectivo é facilitar a livre circulação das emissões televisivas no interior da Comunidade Europeia ao prever as disposições mínimas cujo respeito os Estados‑Membros têm de impor aos organismos de radiodifusão televisiva abrangidos pela sua jurisdição (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Fevereiro de 1995, Leclerc‑Siplec/TF1 e M6, C‑412/93, Colect., p. I‑179, n.os 28 e 29).

3        Os considerandos 18 a 21 da Directiva 97/36 enunciam:

«(18) Considerando que é essencial que os Estados‑Membros possam adoptar medidas tendentes à protecção do direito à informação e a assegurar o acesso alargado do público à cobertura televisiva de acontecimentos nacionais ou não nacionais de grande importância para a sociedade, tais como os Jogos Olímpicos, os Campeonatos do Mundo e Europeu de Futebol; que, para este efeito, os Estados‑Membros mantêm o direito de adoptar medidas compatíveis com o direito comunitário, tendentes a regular o exercício pelos emissores sob a sua jurisdição dos direitos de exclusividade para a cobertura televisiva dos referidos acontecimentos;

(19)      Considerando que é necessário adoptar disposições no âmbito comunitário que permitam evitar potenciais incertezas jurídicas e distorções de mercado e conciliar a livre circulação dos serviços de televisão com a necessidade de evitar eventuais evasões às medidas nacionais de protecção de um interesse geral legítimo;

(20)      Considerando, em especial, que é conveniente estabelecer na presente directiva disposições relativas ao exercício pelos organismos de radiodifusão televisiva de direitos de exclusividade por eles comprados para acontecimentos considerados de grande importância para a sociedade num Estado‑Membro que não aquele que tem jurisdição sobre esses organismos e que, para evitar a compra especulativa de direitos tendo em vista escapar a medidas nacionais, é necessário aplicar tais disposições aos contratos celebrados após a publicação da presente directiva e relativos a acontecimentos que se realizem após a data da sua aplicação; considerando ainda que será considerado como novo contrato a renovação de qualquer contrato celebrado em data anterior à publicação da presente directiva;

(21)      Considerando que os acontecimentos ‘de grande importância para a sociedade’ deverão, para efeitos da presente directiva, preencher determinados critérios, ou seja, deverá tratar‑se de acontecimentos particularmente relevantes que tenham interesse para o público em geral na União Europeia ou num Estado‑Membro determinado ou em parte importante de determinado Estado‑Membro e que sejam organizados com antecedência por um organizador com a possibilidade jurídica de vender os direitos relativos ao acontecimento em causa».

4        Nos termos do artigo 1.° da Directiva 89/552, alterada (a seguir «directiva»), entende‑se por:

«a)      ‘Radiodifusão televisiva’, a transmissão primária, com ou sem fio, terrestre ou por satélite, codificada ou não, de programas televisivos destinados ao público. A radiodifusão televisiva inclui a comunicação de programas entre empresas com vista à sua difusão ao público. Não inclui no entanto os serviços de comunicações que forneçam, a pedido individual, elementos de informação ou outras mensagens, como os serviços de telecópia, os bancos electrónicos de dados e outros serviços similares;

b)      ‘Organismo de radiodifusão televisiva’, a pessoa singular ou colectiva que assume a responsabilidade editorial pela composição de grelhas de programas de televisão, na acepção da alínea a), e que os transmite ou faz transmitir por terceiros».

5        O artigo 3.°‑A da directiva dispõe:

«1.      Cada Estado‑Membro poderá tomar medidas de acordo com o direito comunitário por forma a garantir que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não transmitam com carácter de exclusividade acontecimentos que esse Estado‑Membro considere de grande importância para a sociedade de forma a privar uma parte considerável do público do Estado‑Membro da possibilidade de acompanhar esses acontecimentos em directo ou em diferido na televisão de acesso não condicionado. Se tomar essas medidas, o Estado‑Membro estabelecerá uma lista de acontecimentos, nacionais ou não nacionais, que considere de grande importância para a sociedade. Fá‑lo‑á de forma clara e transparente, e atempadamente. Ao fazê‑lo, o Estado‑Membro em causa deverá também determinar se esses acontecimentos deverão ter uma cobertura ao vivo total ou parcial, ou, se tal for necessário ou adequado por razões objectivas de interesse público, uma cobertura diferida total ou parcial.

2.      Os Estados‑Membros notificarão imediatamente à Comissão as medidas tomadas ou a tomar ao abrigo do nº 1. No prazo de três meses a contar da notificação, a Comissão verificará se essas medidas são compatíveis com o direito comunitário e comunicá‑las‑á aos outros Estados‑Membros, pedindo o parecer do comité criado pelo artigo 23º‑A. A Comissão publicará de imediato as medidas adoptadas no Jornal Oficial das Comunidades Europeias e, pelo menos uma vez por ano, a lista consolidada das medidas tomadas pelos Estados‑Membros.

3.      Os Estados‑Membros assegurarão, através dos meios adequados, no âmbito da sua legislação, que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição não exerçam os direitos exclusivos comprados após a data de publicação da presente directiva de forma a que uma proporção substancial de público em outro Estado‑Membro seja impedida de seguir acontecimentos considerados nesse outro Estado‑Membro como estando nas condições referidas nos números anteriores através de uma cobertura em directo ou de uma cobertura diferida ou, sempre que necessário ou adequado por razões objectivas de interesse público, uma cobertura diferida total ou parcial na televisão de acesso não condicionado, tal como estabelecido nesse outro Estado‑Membro de acordo com o nº 1.»

6        Nos termos do artigo 23.°‑A, n.° 1, da directiva:

«Será criado um comité de contacto, sob a égide da Comissão. Esse comité será composto por representantes das autoridades dos Estados‑Membros e presidido por um representante da Comissão, reunindo‑se por iniciativa deste ou a pedido de uma delegação de um Estado‑Membro».

 Factos na origem do litígio

7        A Kirch Media GmbH & Co. KGaA, anteriormente denominada TaurusFilm GmbH & Co., e a KirchMedia WM AG, actualmente Infront WM AG, exercem a actividade de aquisição, gestão e comercialização de direitos de transmissão televisiva de acontecimentos desportivos e compram habitualmente esses direitos ao organizador do evento desportivo em causa. Revendem os direitos desta forma adquiridos aos organismos de radiodifusão televisiva.

8        Em 10 de Setembro de 1996, a TaurusFilm GmbH & Co. e a empresa que detém a mesma licença, a Sporis Holding AG, assinaram um contrato com a Federação Internacional de Futebol Amador (FIFA) relativo à cessão de direitos exclusivos de retransmissão à escala mundial – com exclusão dos Estados Unidos da América – dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA para os anos 2002 e 2006. Através de um contrato celebrado em 26 de Maio de 1998 entre a FIFA e a TaurusFilm GmbH & Co., que substituiu o contrato antecedente, a esta última foi conferida, mediante um preço mínimo de 1,4 mil milhões de francos suíços, a exclusividade dos direitos de retransmissão desses acontecimentos para os Estados do continente europeu bem como para a Rússia, as outras antigas repúblicas socialistas soviéticas e a Turquia.

9        Em 14 de Outubro de 1998, a Kirch Media GmbH & Co. KGaA cedeu os seus direitos de transmissão do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA de 2002, com exclusão dos direitos para a Alemanha, à sua filial de direito suíço FWC Medien AG, actualmente KirchMedia WM AG.

10      Em conformidade com o artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte notificou a Comissão, em 25 de Setembro de 1998, das medidas adoptadas em aplicação do n.°1 desse artigo. Essas medidas compreendiam a lista dos acontecimentos de grande importância para a sociedade designados por esse Estado‑Membro.

11      Em conformidade com o artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva, a Comissão comunicou essas medidas aos outros Estados‑Membros em 2 de Novembro de 1998 e recebeu as observações do comité de contacto mencionado no artigo 23.°‑A, n.° 1, da referida directiva (a seguir «comité de contacto») numa reunião em 20 de Novembro de 1998.

12      Por carta de 23 de Dezembro de 1998, a Comissão comunicou ao Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte que certas imprecisões sobre o alcance das medidas notificadas lhe não permitiam apreciar a compatibilidade das mesmas com o direito comunitário.

13      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte notificou à Comissão numa nova versão dessas medidas por carta de 5 de Maio de 2000.

14      Por carta de 14 de Julho de 2000, dirigida à Comissão, a recorrente afirmou que a lista elaborada pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte não podia ser aprovada devido à sua incompatibilidade tanto com o artigo 3.°‑A da directiva como com outras disposições do direito comunitário. Alegava designadamente, nessa carta, que a lista em causa não tinha sido elaborada segundo um procedimento claro e transparente, que a referida lista incluía acontecimentos que não tinham grande importância para a sociedade do Reino Unido, que os processos de consulta nacional e comunitário estavam viciados por deficiências graves e denunciava o carácter retroactivo da regulamentação em causa.

15      Em 28 de Julho de 2000, o director‑geral da «Direcção‑geral (DG) da Educação e Cultura» da Comissão dirigiu uma carta ao Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte referindo o seguinte:

«Por carta de 5 de Maio de 2000, recebida pela Comissão em 11 de Maio de 2000, a representação permanente do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte junto da União Europeia notificou à Comissão um conjunto de medidas nacionais relativas à cobertura televisiva de acontecimentos de interesse nacional no Reino Unido. Essas medidas comportam: as Sections 97, 98, 101, 103, 104 e 105 da Parte IV do Broadcasting Act [1996]; as Sections 1, 3 e 9 da Regulation 3 anexas às Television Broadcasting Regulations 2000; as disposições pertinentes do [Independent Television Commission] Code on Sports and other Listed Events, publicado nos termos da Section 104 do Broadcasting Act 1996; os critérios que definem os acontecimentos desportivos e outros acontecimentos de interesse nacional anunciados pelo Secretário de Estado da Cultura, dos Media e do Desporto em 25 de Novembro de 1997 e o anúncio feito ao Parlamento em 25 de Junho de 1998 pelo Secretário de Estado da Cultura, dos Media e do Desporto no termo da revisão da lista dos acontecimentos desportivos e de outros acontecimentos de interesse nacional efectuada nos termos do artigo 97.°, n.° 3, da lei sobre a radiodifusão de 1996.

Conforme exigido pelo artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva [...], a Comissão comunicou as medidas [notificadas] aos outros Estados‑Membros e solicitou o parecer do [comité de contacto].

Tenho a honra de informar que, na sequência da apreciação da conformidade das medidas adoptadas com a directiva e atendendo aos elementos de facto disponíveis no que diz respeito ao panorama audiovisual do Reino Unido, a Comissão Europeia entende não contestar as medidas notificadas pelas vossas autoridades.

Em conformidade com o previsto no artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva, a Comissão irá proceder à publicação das medidas notificadas no [Jornal Oficial].»

16      Por carta de 7 de Novembro de 2000, a recorrente informou a Comissão de que tinha tido conhecimento da próxima aprovação por esta da lista dos acontecimentos de grande importância para a sociedade, designados pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e denunciou, nomeadamente, a violação do seu direito de propriedade resultante da adopção dessas medidas por este Estado, em aplicação do artigo 3.°‑A, n.° 1, da directiva.

17      Em 18 de Novembro de 2000, a Comissão publicou, em conformidade com o artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva, as medidas adoptadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte nos termos do artigo 3.°‑A, n.° 1, da directiva, notificadas em seguida por este Estado à Comissão, segundo o procedimento previsto no artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva.

18      Essas medidas incluem excertos da Parte IV do Broadcasting Act 1996 (a seguir «lei sobre a radiodifusão de 1996»), excertos da Regulation 3 anexa às Television Broadcasting Regulations 2000 (a seguir «regulamento de 2000 sobre a radiodifusão televisiva»), excertos do Code on Sports and other Listed Events da Independent Television Commission (ITC), alterado em Janeiro de 2000 (a seguir «código da ITC relativo aos acontecimentos desportivos e outros inscritos na lista»), que compreende, em anexo, a lista dos acontecimentos de grande importância para a sociedade designados pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e a lista dos serviços que reúnem as «condições exigidas» enunciadas no regulamento de 2000 sobre a radiodifusão televisiva, bem como as respostas escritas do Secretário de Estado da Cultura, dos Media e do Desporto do Reino Unido a duas perguntas parlamentares, respectivamente de 25 de Novembro de 1997 e de 25 de Junho de 1998, relativas à revisão da lista dos acontecimentos desportivos inscritos prevista na Parte IV da lei sobre a radiodifusão de 1996. Entre esses acontecimentos figura a fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA.

19      Em 7 de Dezembro de 2000, a recorrente enviou uma carta à Comissão, na qual menciona designadamente o seguinte:

«ficar‑lhes‑ia reconhecido se […] confirmassem que a Comissão terminou efectivamente o processo de verificação nos termos do artigo 3.°‑A [da directiva], no que diz respeito à lista elaborada pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e à lei sobre a radiodifusão de 1996 e […] nos informassem do resultado desse processo, bem como das eventuais medidas tomadas pela Comissão nesse contexto. Além disso, gostaríamos de ter acesso a todos os documentos pertinentes.»

20      A recorrente reiterou o seu pedido à Comissão por carta de 22 de Dezembro de 2000.

21      Por carta de 22 de Janeiro de 2001, a Comissão respondeu o seguinte à recorrente:

«No plano jurídico, em aplicação do artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva, a publicação das medidas é a consequência de um processo de verificação (positiva) efectuada pela Comissão. Por conseguinte, será de pressupor, com razão, que o processo de verificação realizado pela Comissão terminou e que a lista do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte foi considerada compatível com a directiva.»

22      A Comissão juntou a esta carta o parecer emitido pelo comité de contacto em 6 de Junho de 2000.

 Tramitação processual

23      Em 12 de Fevereiro de 2001, a Kirch Media GmbH & Co. KGaA e a KirchMedia WM AG interpuseram o presente recurso.

24      Por carta de 5 de Abril de 2001, o Conselho requereu que fosse admitida a sua intervenção em apoio dos pedidos da Comissão.

25      Em requerimento separado, entrado na secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 11 de Junho de 2001, a Comissão suscitou uma questão prévia de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. A recorrente apresentou, em 26 de Julho de 2001, as suas observações sobre essa questão prévia de inadmissibilidade às quais juntou, no anexo 6, versões expurgadas dos contratos celebrados com a FIFA relativos à cessão dos direitos de transmissão dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA para os anos 2002 e 2006 (v. n.° 8 supra).

26      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e o Reino da Dinamarca requereram que fosse admitida a sua intervenção em apoio dos pedidos da Comissão por cartas, respectivamente, de 14 e de 20 de Junho de 2001. Por correspondência de 25 de Junho de 2001, a República francesa, a Comunidade francófona da Bélgica e o Parlamento também requereram a admissão da sua intervenção em apoio dos pedidos da Comissão.

27      Por carta de 2 de Agosto de 2001, as recorrentes apresentaram, para a eventualidade de os pedidos de intervenção serem aceites, um pedido de tratamento confidencial, em relação aos intervenientes, de determinadas partes do anexo 6 das suas observações sobre a questão prévia de inadmissibilidade.

28      Nas suas observações, entradas na secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 31 de Agosto de 2001, as recorrentes pediram ao Tribunal que indeferisse o pedido de intervenção da Comunidade francófona da Bélgica e que a condenasse nas despesas relativas ao seu pedido. As partes principais não levantaram objecções relativamente aos outros pedidos de intervenção.

29      Por carta de 7 de Novembro de 2001, a Comissão pediu para apresentar observações sobre a transmissão de versões expurgadas dos contratos celebrados com a FIFA por parte das recorrentes, no anexo 6 das suas observações sobre a questão prévia de inadmissibilidade, e requereu, por carta de 12 de Abril de 2002, a apresentação das versões integrais desses contratos. O Tribunal de Primeira Instância pediu às recorrentes, por carta de 4 de Julho de 2002, que formulassem observações relativamente à transmissão à Comissão das versões integrais dos contratos de licença celebrados com a FIFA.

30      Por despacho do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 2002, a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão foi remetida para a apreciação de mérito e a decisão relativa às despesas reservada para final.

31      Em 13 de Maio de 2002, o Tribunal de Primeira Instância recebeu as versões integrais dos contratos celebrados com a FIFA em 10 de Setembro de 1996 e em 26 de Maio de 1998.

32      Por carta de 29 de Novembro de 2002, as recorrentes pediram, em aplicação do artigo 64, n.° 4, do Regulamento de Processo, que a Comissão fosse convidada a apresentar documentos. Por carta de 20 de Janeiro de 2003, a Comissão pediu que o anexo 17 da petição fosse retirada dos autos. A recorrente formulou observações a esse respeito por carta de 26 de Março de 2003.

33      Através de carta de 11 de Fevereiro de 2003, o secretário do Tribunal de Primeira Instância informou as partes de que se iria decidir posteriormente sobre a retirada da referida peça dos autos.

34      Com a sua carta de 26 de Março de 2003, a Kirch Media GmbH & Co. KGaA desistiu do seu recurso. Por despacho de 24 de Junho de 2003, o presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância admitiu a desistência.

35      Por despacho de 9 de Julho de 2003, o Tribunal de Primeira Instância admitiu o Reino da Dinamarca, a República Francesa, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, o Parlamento e o Conselho a intervir em apoio dos pedidos da recorrida. Pelo contrário, a Comunidade francófona da Bélgica não foi admitida a intervir. As partes admitidas a intervir apresentaram alegações, com excepção do Reino da Dinamarca e do Conselho. A recorrente apresentou observações sobre essas alegações de intervenção.

36      Por carta de 19 de Agosto de 2003, o secretário do Tribunal de Primeira Instância convidou a recorrente a apresentar versões não confidenciais dos seus articulados.

37      Por carta de 19 de Setembro de 2003, a recorrente apresentou um pedido de confidencialidade de determinados elementos da contestação.

38      Por despacho de 4 de Dezembro de 2003, o presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância decidiu que se transmitisse uma versão não confidencial de todas as peças processuais às partes intervenientes e que se convidassem estas últimas a apresentar as suas observações a esse respeito. As partes intervenientes não apresentaram observações no prazo que lhes foi fixado para esse fim, com excepção do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, que não formulou objecções quanto a esse ponto.

39      Por decisão de 13 de Setembro de 2004, relativa à composição das secções do Tribunal de Primeira Instância, o juiz relator foi afecto à Quarta Secção, à qual este processo foi, consequentemente, distribuído por decisão de 21 de Outubro de 2004.

40      Em aplicação do artigo 14.° do Regulamento de Processo e sob proposta da Quarta Secção, o Tribunal de Primeira Instância decidiu, depois de ouvidas as partes em conformidade com o artigo 51.° do referido regulamento, atribuir o processo a uma formação de julgamento alargada.

41      Por carta apresentada na secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 1 de Julho de 2005, o Reino da Dinamarca informou o Tribunal de Primeira Instância que desistia da sua intervenção. Como a recorrente, a recorrida, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte não levantaram objecções sobre o pedido de desistência apresentado pelo Reino da Dinamarca e como as outras partes intervenientes não apresentaram observações, o presidente da Quarta Secção alargada admitiu, por despacho de 31 de Agosto de 2005, a desistência do Reino da Dinamarca e ordenou que cada uma das partes suportasse as suas próprias despesas relativas a essa intervenção.

42      Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quarta Secção alargada) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64, n.° 3, alíneas c) e d), do Regulamento de Processo, convidou as partes principais e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte a apresentarem determinados documentos e a colocar por escrito questões à recorrente e à Comissão, convidando estas a dar‑lhes resposta até à audiência. A recorrente, a recorrida e o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte aquiesceram a esses pedidos no prazo que lhes tinha sido fixado.

43      As alegações das partes, com excepção da República francesa, e as suas respostas às questões do Tribunal foram ouvidas na audiência de 7 de Julho de 2004.

44      Por carta de 22 de Agosto de 2005, entrada na secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 23 de Agosto de 2005, a recorrente requereu que fosse junto aos autos um documento, que juntou a essa carta, e que só lhe foi apresentado pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte após a audiência.

 Pedidos das partes

45      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular parcial ou integralmente a decisão da Comissão, adoptada ao abrigo do artigo 3.°‑A da directiva, que declara a compatibilidade das medidas notificadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte com o direito comunitário (a seguir «acto impugnado»);

–        declarar que o artigo 3.°‑A da directiva é inaplicável e não pode servir de base jurídica à adopção do acto impugnado;

–        condenar a Comissão no pagamento das despesas;

–        condenar a República Francesa, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e o Parlamento a suportar as suas próprias despesas bem como as por efectuadas com as intervenções.

46      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente no pagamento das despesas.

47      O Parlamento, em apoio da Comissão, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso.

48      O Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, em apoio da Comissão, conclui pedindo que o tribunal se digne negar provimento ao recurso.

49      A República Francesa, em apoio da Comissão, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

A –  Quanto ao pedido de medidas de organização do processo

50      Nos seus articulados, a recorrente pediu que a Comissão fosse convidada a apresentar diversos documentos relativos ao processo de verificação da compatibilidade das medidas adoptadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte com o direito comunitário.

51      No âmbito das medidas de organização do processo, em aplicação do artigo 64.°, n.° 3, alíneas c) e d), do Regulamento de Processo, o Tribunal de Primeira Instância pediu à Comissão e ao Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte que apresentassem esses documentos. Na audiência, a recorrente indicou, na sequência de um pergunta do Tribunal, que se considerava satisfeita quanto ao seu pedido de apresentação de documentos.

52      Nestas circunstâncias, o Tribunal de Primeira Instância considera que já não é necessário decidir a esse respeito.

B –  Quanto ao pedido desentranhamento de um documento

53      A Comissão, por carta de 20 de Janeiro de 2003, pediu ao Tribunal de Primeira Instância que desentranhasse dos autos um documento apresentado pela recorrente no anexo 17 da sua petição por se tratar de um documento redigido pelos seus serviços com vista a uma discussão no seio do comité de contacto, com carácter confidencial. A recorrente opôs‑se ao desentranhamento.

54      O pedido da Comissão visa o desentranhamento dos autos da peça intitulada «Documento de trabalho para o comité de contacto sobre o artigo 3.°‑A da directiva» e que tem a referência DOC CC TVSF (2000) 6. Deve, contudo, notar‑se que a Comissão não referiu expressamente tratar‑se de um documento interno.

55      Além disso, questionada na audiência pelo Tribunal de Primeira Instância sobre a natureza confidencial desse documento, a Comissão indicou que o comité de contacto, destinatário desse documento, já não o considerava um documento dessa natureza e que se podia, assim, presumir que este seria objecto de larga difusão.

56      Nestas circunstâncias, a despeito do facto de a Comissão ter pretendido, na audiência, confirmar o seu pedido de desentranhamento desse documento dos autos, não se pode considerar que este foi, ou, pelo menos, continua a ser um documento interno da instituição que apresente carácter confidencial.

57      Por conseguinte, há que rejeitar o pedido da Comissão de que o documento seja desentranhado dos autos.

C –  Quanto à admissibilidade

1.     Quanto à admissibilidade do primeiro pedido da recorrente

58      A Comissão alega a inadmissibilidade do recurso, devido, em primeiro lugar, ao facto de não ter adoptado qualquer acto impugnável em aplicação do artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva, em segundo lugar, por o acto impugnado não dizer directa e individualmente respeito à recorrente e, em terceiro lugar, porque não tendo a recorrente transmitido, em anexo à sua petição, as cópias dos contratos celebrados com a FIFA em 10 de Setembro de 1996 e em 26 de Maio de 1998, não pode preparar a sua defesa.

59      No que se refere a este terceiro motivo de inadmissibilidade, deve recordar‑se que a recorrente apresentou, no decorrer do processo no Tribunal de Primeira Instância, cópias dos contratos controvertidos (v. n.os 25 e 31 supra), que foram transmitidos à Comissão. Interrogada sobre esta questão na audiência e após um pedido do Tribunal, a Comissão renunciou à invocação desse motivo de inadmissibilidade.

60      Por outro lado, no âmbito da sua defesa e consecutivamente à apresentação dos contratos celebrados com a FIFA em 10 de Setembro de 1996 e em 26 de Maio de 1998 pela recorrente, a Comissão alegou que estes limitam consideravelmente a capacidade de a recorrente explorar os seus direitos ao conceder sub‑licenças, a título exclusivo, a organismos de radiodifusão televisiva. Considerou que, atendendo ao conteúdo de determinadas cláusulas desses contratos, não é certo que o prejuízo que a recorrente pretende ter sofrido resulte do acto impugnado.

61      Deve observar‑se que a Comissão não formulou qualquer pedido na sequência das suas alegações quanto à admissibilidade do presente recurso. De qualquer forma, na medida em que a Comissão pretendeu, com essas alegações, contestar o interesse da recorrente na anulação do acto impugnado, deve observar‑se que aquela não afirmou que o teor dos contratos em causa privava a recorrente desse interesse e que essa circunstância não resulta de forma alguma dos autos, atendendo, de resto, à resposta da recorrente às questões escritas do Tribunal de Primeira Instância que incidiam nomeadamente sobre o alcance das restrições contratuais ao exercício pela recorrente dos seus direitos de difusão dos jogos do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA.

62      Face ao exposto, há que analisar apenas os primeiro e segundo motivos de inadmissibilidade invocados pela Comissão.

a)     Quanto à natureza jurídica do acto impugnado

 Argumentos das partes

63      A Comissão sustenta que, contrariamente ao artigo 2.°‑A, n.° 2, da directiva, o artigo 3.°‑A, n.° 2, da referida directiva não menciona qualquer «decisão» que ela deva adoptar. A República Francesa indica, a esse respeito, que o artigo 3.°‑A não confere competência decisória à Comissão. O papel desta consiste em proceder a uma verificação preliminar da compatibilidade das medidas nacionais notificadas com o direito comunitário.

64      Assim, quando as medidas nacionais notificadas não aparentam violar o direito comunitário, a Comissão informa o Estado‑Membro em causa de que não tem a intenção de se opor a essas medidas e procede à sua publicação no Jornal Oficial para que os outros Estados‑membros se conformem às obrigações que lhes incumbem por força do artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva. A recorrida e a República Francesa indicam que, quando as referidas medidas violam o direito comunitário e o Estado‑Membro não procede às modificações necessárias, a Comissão é obrigada a intentar o processo por incumprimento previsto no artigo 226.° CE.

65      A declaração preliminar de não violação do direito comunitário constitui, desde logo, uma decisão de não dar início, naquele momento, a um processo por incumprimento contra o Estado‑Membro em causa. Ora, os particulares não estão autorizados a contestar a recusa da Comissão de dar início a um procedimento por incumprimento nos termos do artigo 226.° CE, uma vez que a adopção de uma posição sobre essa questão pela Comissão não é um acto que produza efeitos jurídicos definitivos (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Novembro de 1995, Dumez/Comissão, T‑126/95, Colect., p. II‑2836, n.° 37).

66      A República Francesa precisa a esse respeito que, segundo o artigo 226.° CE, a determinação dos direitos e das obrigações que incumbem aos Estados‑Membros e o julgamento dos seus comportamentos só podem resultar de um acórdão do Tribunal de Justiça (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Fevereiro de 2001, Gomes Valente, C‑393/98, Colect., p. I‑1327). A posição adoptada pela Comissão relativamente à compatibilidade com o direito comunitário de uma lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade não modifica, por isso, a situação jurídica do Estado‑membro interessado. Além disso, o carácter juridicamente vinculativo da lista em causa, publicada no Jornal Oficial, não decorre da carta que a Comissão enviou ao Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte de 28 de Julho de 2000, informando‑o de que essas medidas são compatíveis com o direito comunitário, mas sim apenas do direito nacional. A Comissão precisa a esse respeito que, na suposição de que exista uma decisão no presente caso, essa consistirá na carta de 28 de Julho de 2000.

67      Seja qual for a posição da Comissão face às medidas nacionais notificadas, esta não afecta a sua execução no Estado‑Membro de notificação. A Comissão não está, com efeito, habilitada a declarar a legislação de um Estado‑Membro incompatível com o direito comunitário.

68      A Comissão salienta, por outro lado que, na sua carta de 28 de Julho de 2000, enviada ao Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, indicou que não tencionava, «em função dos elementos de que dispõe», opor‑se às medidas notificadas e que essa apreciação não constitui uma decisão. A esse respeito, observa que, na hipótese de dever comprometer‑se juridicamente, a sua decisão deve ser adoptada pelo colégio dos membros da Comissão e deve ser fundamentada. A sua carta de 28 de Julho de 2000 é, consequentemente, equiparável a uma carta de arquivamento (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1980, Giry et Guerlain e o., 253/78 e 1/79 a 3/79, Recueil, p. 2327, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Março de 1994, Air France/Comissão, T‑3/93, Colect., p. II‑121, n.° 50).

69      No que diz respeito à obrigação que lhe incumbe de publicar no Jornal Oficial as medidas nacionais aprovadas, a Comissão considera que esta não modifica de forma alguma a natureza da sua carta de 28 de Julho de 2000. Essa publicação destina‑se a penas a informar os outros Estados‑Membros para que estes cumpram a obrigação que lhes incumbe por força do artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva. Sublinha, contudo, que não é a sua aprovação provisória das medidas notificadas que determina a obrigação de os Estados‑Membros darem cumprimento às obrigações que lhes incumbem por força do referido artigo, mas sim directamente o referido artigo nos termos do qual é feita referência a «acontecimentos considerados nesse outro Estado‑membro como estando nas condições referidas nos números anteriores» e não a «acontecimentos que figurem numa lista publicada pela Comissão». Igualmente, tanto a notificação das medidas em causa aos restantes Estados‑Membros como a publicação dessas medidas no Jornal Oficial têm natureza administrativa e não implicam de forma alguma o exercício de qualquer poder decisório.

70      A esse respeito, relativamente à evocação no artigo 3.°‑A, n.° 3, dos «números anteriores» e não do «n.° 1», afigura‑se que a abordagem da recorrente deve ser considerada no sentido de que a obrigação imposta aos Estados‑Membros está subordinada à designação das medidas previstas no artigo 3.°‑A, n.° 1, da directiva, bem como à sua notificação e à sua aprovação pela Comissão em aplicação do artigo 3.°‑A, n.° 2, da referida directiva. Entretanto, a única exigência necessária é que o Estado‑Membro tenha cumprido as suas obrigações de designação e de notificação das medidas que lhe incumbem por força do artigo 3.°‑A, n.os 1 e 2, da directiva, o que é compatível com a intenção aparente do legislador de instituir um sistema de reconhecimento mútuo das medidas adoptadas pelos Estados‑Membros, embora conferindo à Comissão o papel de mediadora. A interpretação da recorrente confere assim uma força vinculativa a uma simples declaração da Comissão, que não é susceptível de produzir efeitos jurídicos na esfera dos outros Estados‑Membros. A obrigação de reconhecimento mútuo que resulta do artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva não está subordinado à verificação pela Comissão da compatibilidade das medidas notificadas com o direito comunitário.

71      De resto, os outros Estados‑Membros não podem ser obrigados, nos termos do direito comunitário, a aplicar medidas de outro Estado‑Membro incompatíveis com o direito comunitário, apesar da posição adoptada pela Comissão relativamente a essas medidas. Nesse contexto, a Comissão remete para a sua carta enviada ao Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte em 23 de Dezembro de 1998, nos termos da qual levantava dúvidas quanto à compatibilidade das medidas inicialmente notificadas com o direito comunitário. Observa igualmente que as medidas nacionais em causa foram publicadas na série C do Jornal Oficial e não na série  L.

72      A Comissão, apoiada pelo Parlamento, alega, por fim que a recorrente não contesta o facto de que as medidas em causa podiam ter sido contestadas nos tribunais do Reino Unido. O órgão jurisdicional nacional, no processo que deu lugar ao acórdão da House of Lords de 25 de Julho de 2001, R v. ITC, ex parte TV Danmark 1 Ltd, [2001] UKHL 42, invocado pela recorrente, limitou‑se a afirmar que não decidiria sobre a questão do equilíbrio entre os interesses dos organizadores de acontecimentos desportivos e dos organismos de radiodifusão televisiva em manter um mercado livre, por um lado, e o interesse do cidadão em poder ver os acontecimentos desportivos importantes, por outro. Contudo, não afirmou que não reexaminaria a legalidade de medidas adoptadas nos termos do artigo 3.°‑A da directiva. Se tivesse sido interposto um recurso nos órgãos jurisdicionais do Reino Unido e se tivesse havido um reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça em aplicação do artigo 234.° CE, a recorrente não poderia estabelecer qualquer paralelo com o processo que deu lugar ao acórdão do Tribunal de Justiça de Março de 1994, TWD Textilwerke Deggendorf (C‑188/92, Colect., p. I‑833). Com efeito, nesse caso, achava‑se precludido o direito da recorrente de interpor recurso para os órgãos jurisdicionais do Reino Unido. Ora, ao julgar admissível o presente recurso, interposto de uma alegada decisão da Comissão, o Tribunal de Primeira Instância está a aprovar um desvio de processo, como já foi denunciado pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão TWD Textilwerke Deggendorf, já referido.

73      Segundo a Comissão, não compete ao Tribunal de Primeira Instância examinar a legalidade das medidas adoptadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte nem interpretá‑las, De resto, é particularmente difícil para um órgão jurisdicional diferente dos do Reino Unido proceder à interpretação das referidas medidas, entre as quais figuram designadamente disposições do código da ITC relativo aos acontecimentos desportivos e outros inscritos na lista, dada a sua falta de clareza.

74      A esse respeito, o Parlamento sublinha que a recorrente podia defender os seus direitos por via de um reenvio prejudicial da High Court de Londres para o Tribunal de Justiça [acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2002, British American Tobacco (Investments) e Imperial Tobacco, C‑491/01, Colect., p. I‑11453, n.os 32 a 41].

75      Por outro lado, o Parlamento acrescenta que também pode ser estabelecido um paralelo entre o presente processo e o processo que conduziu ao acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Novembro de 2002, Artegodan e o./Comissão (T‑74/00, T‑76/00, T‑83/00 à T‑85/00, T‑132/00, T‑137/00 e T‑141/00, Colect., p. II‑4945, n.° 142, confirmado em sede de recurso) do qual resulta que na falta de transferência expressa de competência para a Comissão, a matéria em causa permanece na competência residual dos Estados‑Membros. Remete, nesse contexto, para o artigo 7.° CE, nos termos do qual cada instituição actua nos limites das atribuições e das competências que lhe são conferidas pelo Tratado. Ora, não resulta da Directiva 89/552 nem da Directiva 97/36 que os Estados‑Membros tivessem implicitamente abdicado da sua competência. Em particular, o artigo 3.°‑A da directiva não confere expressamente competência à Comissão, o que se confirma pela ausência de qualquer procedimento de comitologia. A esse respeito, as tarefas que competem ao comité de contacto não estão relacionadas com as competências de execução do artigo 202.°, terceiro travessão, CE. Além disso, nem a economia geral, o objectivo principal e a redacção do artigo 3.°‑A da directiva, por um lado, nem as intenções do legislador, por outro, vão no sentido de conferir à Comissão uma competência decisória particular.

76      Concluindo, a Comissão considera que, face ao exposto, a sua apreciação da compatibilidade das medidas controvertidas não constitui um acto impugnável. Ao sustentar que a Comissão não devia ter comunicado aos outros Estados‑Membros as medidas notificadas nem tê‑las publicado no Jornal Oficial, a recorrente contesta, na realidade, a validade do artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva.

77      A recorrente opõe‑se à argumentação da Comissão e considera, no essencial, que o acto de aprovação pela Comissão das medidas notificadas produz efeitos jurídicos tanto no Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte como nos outros Estados‑Membros.

78      O acto impugnado é um acto que produz efeitos jurídicos vinculativos na medida em que resulta do exercício de um poder legalmente conferido, no termo de um procedimento administrativo legalmente instituído e com vista a produzir efeitos jurídicos susceptíveis de afectar os interesses da recorrente ao modificar a sua situação jurídica (acórdão do Tribunal de Justiça de 4 de Março de 1982, Gauff/Comissão, 182/80, Recueil, p. 799, n.° 18).

79      A recorrente remete, em primeiro lugar, para a redacção do artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva, nos termos do qual se exige que a Comissão adopte um acto vinculativo, após a verificação da compatibilidade das medidas adoptadas com o direito comunitário.

80      Em segundo lugar, a seu ver, deduz‑se claramente da finalidade e do objectivo do artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva que essa disposição visa produzir efeitos jurídicos. A recorrente remete, nesse contexto, para os considerandos 18 e 19 da Directiva 97/36 e observa que a elaboração das listas nacionais, nas quais os Estados‑Membros tendem a inscrever um grande número de acontecimentos dá a possibilidade a esses Estados‑Membros de favorecerem os organismos de radiodifusão televisiva com sede no seu território.

81      Em terceiro lugar, resulta do procedimento de aplicação do artigo 3.°‑A, n.° 2, da Directiva 89/552 que este conduz à adopção de uma decisão que produz efeitos vinculativos. A recorrente refere‑se, a este respeito, aos prazos que enquadram esse procedimento bem como ao seu desenvolvimento.

82      Por outro lado, a recorrente alega que nem a redacção e a finalidade do artigo 3.°‑A da directiva nem os considerandos pertinentes da Directiva 97/36 permitem sustentar a argumentação da Comissão segundo a qual o acto que esta adoptou é equiparável a uma recusa de intentar um processo por incumprimento ao abrigo do artigo 226.° CE. O presente procedimento impõe, com efeito, à Comissão que aja na qualidade de árbitro e que adopte uma decisão definitiva sobre a legalidade das medidas notificadas. Essa decisão não pode ser revogada sem que a situação jurídica do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte seja afectada e a de todos os particulares que adquiriram direitos em resultado da aprovação pela Comissão das referidas medidas e do seu reconhecimento mútuo. A recorrente acrescenta que a tese da Comissão priva de efeito útil o procedimento prescrito no artigo 3.°‑A da directiva.

83      A recorrente alega igualmente que o acto impugnado produz efeitos jurídicos noutros Estados‑Membros, visto que estes estão obrigados a fazer respeitar as medidas adoptadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte pelos organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição, em conformidade com o artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva. Com efeito, sem uma decisão da Comissão que aprove as medidas notificadas, estas não produzem qualquer efeito nos outros Estados‑Membros. Qualquer interpretação diversa privaria de efeito útil o procedimento previsto no artigo 3.°‑A, n.° 2 e seria contrária à finalidade do artigo 3.°‑A da directiva, que é a de conciliar a livre circulação dos serviços televisivos e a necessidade de impedir que sejam contornadas medidas nacionais destinadas a proteger um interesse geral legítimo.

84      A recorrente alega, por fim, que resulta dos autos que o reconhecimento mútuo é condicionado pelo controlo da compatibilidade das medidas notificadas com o direito comunitário efectuado pela Comissão e não resulta automaticamente da respectiva notificação.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

85      Na sua petição, a recorrente pede a anulação da decisão da Comissão que dispõe, por um lado, que as medidas notificadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte são compatíveis com o direito comunitário e que prevê, por outro, que essas medidas devem ser comunicadas aos outros Estados‑Membros de forma a que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição actuem em conformidade com as mesmas. Precisa, a este respeito, que o único documento acessível ao público é a publicação efectuada pela Comissão, nos termos do artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva, no Jornal Oficial de 18 de Novembro de 2000, das medidas adoptadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte.

86      Em anexo à sua questão prévia de inadmissibilidade, a Comissão apresentou, contudo, uma carta do director‑geral da DG «Educação e Cultura», com data de 28 de Julho de 2000, nos termos da qual este informa o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte que, após o exame da conformidade das medidas notificadas em 5 de Maio de 2000 e tendo em conta os elementos de facto disponíveis no que respeita ao panorama audiovisual do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, a Comissão entende não contestar as referidas medidas e proceder à sua publicação no Jornal Oficial (v. n.° 15 supra). A Comissão referiu a esse respeito que, caso se considere que adoptou uma decisão no presente contexto, quod non, a mesma consiste nessa carta (v. n.° 66 supra).

87      Nestas circunstâncias, há que considerar que a carta de 28 de Julho de 2000 é, no essencial, o acto impugnado no presente processo, visto que se trata do único documento que informa expressamente o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da posição da Comissão quanto à compatibilidade com o direito comunitário das medidas que aquele notificou e da próxima publicação das referidas medidas no Jornal Oficial. Na audiência, a recorrente indicou, de resto, em resposta a uma questão do Tribunal de Primeira Instância, que o seu recurso visava, na realidade, a anulação dessa carta da Comissão enviada ao Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte.

88      Deve, assim, questionar‑se a natureza de acto impugnável da carta da Comissão ao Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte de 28 de Julho de 2000 (a seguir «carta impugnada»).

89      Segundo jurisprudência assente, constituem actos ou decisões susceptíveis de serem objecto de recurso de anulação, na acepção do artigo 230.° CE, as medidas que produzem efeitos jurídicos obrigatórios susceptíveis de afectar os interesses do recorrente, alterando de forma caracterizada a situação jurídica deste. A forma sob a qual os actos ou as decisões são adoptados é, em princípio, indiferente no que respeita à possibilidade de os impugnar por meio de recurso de anulação (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Fevereiro de 2000, Stork Amsterdam/Comissão, T‑241/97, Colect., p. II‑309, n.° 49). Para determinar se um acto impugnado produz tais efeitos, há, por isso, que atender à sua essência (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 2000, Países‑Baixos/Comissão, C‑147/96, Colect., p. I‑4723, n.os 25 a 27).

90      Para apreciar a natureza jurídica da carta impugnada e para determinar se esta produz efeitos jurídicos à luz dos princípios supra mencionados, há que examiná‑la tendo em conta o regime dos acontecimentos de grande importância para a sociedade instituído pelo artigo 3.°‑A da directiva.

91      A esse respeito, afigura‑se necessário recordar que a directiva se destina a facilitar a livre circulação das emissões televisivas no interior da Comunidade Europeia tendo em conta as especificidades, designadamente culturais e sociológicas, dos programas audiovisuais.

92      No que se refere ao regime específico dos direitos audiovisuais dos acontecimentos de grande importância para a sociedade, instituído no artigo 3.°‑A da directiva, resulta do considerando 18 da Directiva 97/36 que é essencial que os Estados‑Membros possam adoptar medidas tendentes à protecção do direito à informação e assegurar um acesso alargado do público à cobertura televisiva de acontecimentos nacionais ou não, de grande importância para a sociedade. Neste contexto está previsto que os Estados‑Membros mantêm o direito de adoptar medidas, compatíveis com o direito comunitário, tendentes a regular o exercício dos direitos exclusivos de retransmissão desses acontecimentos pelos organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição. Com vista ao seu reconhecimento mútuo pelos outros Estados‑Membros em aplicação do artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva, as medidas adoptadas ou projectadas por um Estado‑Membro devem ser notificadas à Comissão.

93      O artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva prevê, a esse respeito, que a Comissão verificará, no prazo de três meses, se essas medidas estatais são compatíveis com o direito comunitário. Quando dessa verificação, a Comissão consulta o comité de contacto, que emite um parecer.

94      No caso em apreço, a carta impugnada que informa, no essencial, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da aprovação pela Comissão das medidas que lhe foram notificadas e da sua publicação subsequente no Jornal Oficial encerra o procedimento de verificação a que a Comissão está obrigada em aplicação do artigo supra mencionado. Como a própria Comissão declara nos seus articulados (v. n.° 69 supra), a publicação no Jornal Oficial das referidas medidas aprovadas pela Comissão permite aos outros Estados‑Membros tomar conhecimentos das mesmas e, consequentemente, que os mesmos possam conformar‑se com as obrigações que lhes incumbem por força do artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva, no âmbito do mecanismo de reconhecimento mútuo dessas medidas instituído por esse artigo.

95      Assim, a carta impugnada produz efeitos jurídicos no território dos Estados‑Membros na medida em que prevê a publicação das medidas estatais em causa no Jornal Oficial, dado que essa publicação tem por efeito desencadear o mecanismo de reconhecimento mútuo previsto no artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva.

96      Em primeiro lugar, essa análise resulta da letra do artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva, que prevê o reconhecimento mútuo das medidas adoptadas pelos Estados‑Membros para assegurar o livre acesso do público aos acontecimentos designados nas «condições referidas nos números anteriores», que é o mesmo que dizer, designadamente, aqueles em relação aos quais as medidas notificadas foram consideradas compatíveis com o direito comunitário pela Comissão e que foram publicadas no Jornal Oficial, em conformidade com o n.° 2 do mesmo artigo.

97      Além disso, o desenrolar do procedimento de verificação conforme descrito no artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva, bem como a intensidade dessa verificação opõe‑se a que a mesma seja considerada uma verificação «preliminar» no termo da qual se emite um «parecer». Com efeito, por um lado, a Comissão é obrigada a proceder a essa verificação num prazo estrito de três meses a partir da notificação das medidas pelo Estado‑Membro em causa e deve, para essa finalidade, consultar o comité de contacto que emite, pelo seu lado, um parecer, em conformidade com as prescrições do artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva. Por outro lado, a Comissão admitiu, na audiência, que tinha de proceder a um exame aprofundado da compatibilidade das referidas medidas com o direito comunitário, com a obrigação de se assegurar, designadamente, do respeito das disposições da directiva bem como das regras relativas à livre circulação dos serviços e ao direito da concorrência.

98      Em segundo lugar, atendendo à economia do regime dos acontecimentos de grande importância para a sociedade instituído pelo artigo 3.°‑A da directiva, não se pode considerar, como a Comissão pretende, que não é a aprovação das medidas referidas nem a sua publicação no Jornal Oficial que dá lugar à obrigação dos outros Estados‑Membros se conformarem com as obrigações que lhes incumbem por força do artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva.

99      Com efeito, por um lado, o procedimento de controlo que compete à Comissão por força do artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva destina‑se a assegurar a compatibilidade dessas medidas com o direito comunitário (considerando 18 da Directiva 97/36).

100    Quanto a esse aspecto, no que se refere ao desenrolar do procedimento de verificação das medidas notificadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, a Comissão indicou, na sua carta de 23 de Dezembro de 1998(v. n.° 12 supra), designadamente o seguinte:

«Queiram verificar em anexo o resultado provisório do exame das medidas notificadas pelos serviços da Comissão [...] a Comissão concluiu que, enquanto aguarda esclarecimentos mais amplos da parte das vossas autoridades sobre várias questões importantes, não pode dar formalmente início ao procedimento de verificação da compatibilidade com o direito comunitário das medidas em relação às quais o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte pede o reconhecimento mútuo pelos outros Estados‑Membros.»

101    Ora, os próprios termos desta carta proveniente da Comissão confirmam a interpretação do artigo 3.°‑A, n.os 2 e 3, da directiva, exposta nos n.os 98 e 99 supra, segundo a qual o reconhecimento mútuo das medidas nacionais notificadas está subordinado à verificação da compatibilidade destas com o direito comunitário.

102    Além disso, a verificação da compatibilidade das medidas notificadas com o direito comunitário, que a Comissão tem de realizar, ficaria desprovida de efeito se a aprovação das referidas medidas não condicionasse o seu reconhecimento mútuo pelos outros Estados‑Membros. Com efeito, se se admitisse que o mecanismo de reconhecimento mútuo pudesse dizer respeito a medidas nacionais consideradas incompatíveis com o direito comunitário pela Comissão, a existência de riscos de insegurança jurídica e de distorção do mercado não poderia ser evitada, quando esses riscos são de evitar segundo o considerando 19 da Directiva 97/36. O reconhecimento mútuo de medidas nacionais incompatíveis com o direito comunitário também não permitiria assegurar a conciliação da livre circulação de serviços de televisão e a necessidade de impedir evasões às medidas nacionais destinadas a proteger um interesse geral legítimo, conforme o considerando 19 da referida directiva prevê.

103    Por outro lado, o facto de só se poder proceder à publicação das medidas nacionais no Jornal Oficial, que permite aos outros Estados‑Membros ter conhecimento das mesmas a fim de observarem as obrigações resultantes do artigo 3.°‑A, n.° 3, depois de a Comissão ter, no fim da sua verificação, concluído pela sua compatibilidade com o direito comunitário, é, de resto, corroborada por diversos elementos do processo.

104    Em primeiro lugar, o desenrolar do procedimento de verificação das medidas notificadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte confirma esta interpretação. Com efeito, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte notificou pela primeira vez as medidas à Comissão em 25 de Setembro de 1998 e, como foi dito, a Comissão comunicou‑lhe que determinados aspectos dessas medidas colocavam problemas de compatibilidade com o direito comunitário por carta de 23 de Dezembro de 1998. Através de carta de 5 de Maio de 2000, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte notificou uma versão corrigida dessas medidas. Ora, essas foram as únicas medidas, que foram consideradas compatíveis com o direito comunitário pela Comissão, que foram objecto de publicação no Jornal Oficial, depois de a Comissão ter informado o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, pela carta impugnada, da compatibilidade das mesmas com o direito comunitário.

105    Na sua carta de 22 de Janeiro de 2001, a Comissão respondeu, de resto, à recorrente que «no plano jurídico, em aplicação do artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva, a publicação das medidas [era] a consequência de uma verificação (positiva) efectuada pela Comissão» (v. n.° 21 supra).

106    Em segundo lugar, a posição da Comissão a esse respeito é comprovada por várias peças anexas ao processo e de que é autora. Assim, na página do seu site da Internet consagrada ao artigo 3.°‑A da directiva, apresentada pela recorrente em anexo às suas observações sobre a questão prévia de inadmissibilidade, a Comissão indica que, «no caso de haver um resultado positivo dessa avaliação [da sua compatibilidade com o direito comunitário], as medidas serão publicadas no Jornal Oficial». A posição da Comissão transparece igualmente do seu documento de trabalho CCTVSF (97) 9/3, apresentado a pedido do Tribunal de Primeira Instância, nos termos do qual se declara que «essa exigência de segurança jurídica implica a necessidade de se apurar a compatibilidade das medidas em causa com o direito comunitário no termo de um procedimento rápido de exame e que – em caso de resultado positivo – as referidas medidas sejam publicadas no Jornal Oficial» ou que «do que antecede decorre que só as medidas nacionais específicas que entram no âmbito de aplicação do artigo 3.°‑A, n.° 1, […] são susceptíveis de ser submetidas ao procedimento de notificação à Comissão com vista ao seu exame e à sua eventual publicação» ou ainda que «em caso de resultado positivo do procedimento de exame, as medidas em causa serão publicadas no [Jornal Oficial]».

107    Resulta de tudo o que antecede que a Comissão dispõe, por força do artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva, de um poder decisório e que a carta impugnada produz efeitos jurídicos definitivos, sem que se possa opor a esta conclusão o facto de o artigo 3.°‑A, da Directiva 89/552 não se referir expressamente à adopção de uma «decisão» pela Comissão.

108    Deve, por isso, afastar‑se o argumento da Comissão e da República Francesa segundo o qual a carta impugnada constitui uma decisão de não dar início de imediato a um processo por incumprimento contra o Estado‑Membro em causa. De qualquer forma, no caso de a Comissão declarar a incompatibilidade das medidas notificadas com o direito comunitário e de o Estado‑Membro notificante não resolver essa incompatibilidade, basta que a Comissão não publique as referidas medidas no Jornal Oficial para que estas fiquem desprovidas de efeito no âmbito do mecanismo de reconhecimento mútuo estabelecido pelo artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva.

109    No que se refere ao argumento segundo o qual a recorrente podia ter impugnado as medidas em causa nos órgãos jurisdicionais do Reino Unido, este não pode ser acolhido pois o controlo que se pede que o Tribunal de Primeira Instância realize no presente processo incide unicamente na legalidade da declaração pela Comissão da compatibilidade das referidas medidas com o direito comunitário com vista à aplicação do mecanismo de reconhecimento mútuo dos acontecimentos de grande importância instituído pelo artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva. A invocação, neste contexto, do acórdão da House of Lords, R v. ITC, ex parte TV Danmark 1 Ltd [2001] UKHL 42 (já referido) não tem relevância, uma vez que o recurso em causa nesse processo foi interposto por um organismo de radiodifusão dinamarquês, sujeito ao direito do Reino Unido, da decisão das autoridades competentes deste Estado‑Membro que lhe recusou a aquisição dos direitos exclusivos de transmissão de cinco jogos de qualificação do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA que figurava na lista dos acontecimentos de grande importância para a sociedade designados pelo Reino da Dinamarca. O objecto desse processo consistia assim em contestar a aplicação das medidas dinamarquesas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, a título do princípio de reconhecimento mútuo e não, como no presente processo, a decisão da Comissão que declara a sua compatibilidade com o direito comunitário.

110    Por fim, o argumento da recorrida segundo o qual o facto de não se ter comprometido juridicamente é confirmado pela natureza da formulação utilizada na carta impugnada, pela não adopção de uma decisão fundamentada pelo colégio de membros da Comissão e pela decisão de proceder à publicação das medidas notificadas consideradas compatíveis com o direito comunitário na série C «Comunicações e Informações» e não na série L «Legislação» do Jornal Oficial deve igualmente ser afastado. Basta, com efeito, recordar que, por força de jurisprudência assente, a forma que revestem os actos e decisões, é, em princípio, irrelevante no que respeita à possibilidade de os impugnar através de recurso de anulação, e que é à sua essência que se deve atender para determinar se constituem actos impugnáveis nos termos do artigo 230.° CE (v. n.° 89 supra).

111    Resulta da totalidade das considerações de direito e de facto acima expostas que a carta impugnada produz efeitos jurídicos obrigatórios e constitui assim uma decisão na acepção do artigo 249.° CE. Por conseguinte, sendo a carta impugnada um acto passível de recurso na acepção do artigo 230.° CE, improcede o primeiro fundamento de inadmissibilidade.

b)     Quanto à legitimidade da recorrente

112    Nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, qualquer pessoa singular ou colectiva pode interpor recurso das decisões que, embora dirigidas a outra pessoa, lhes digam directa e individualmente respeito.

113    No presente caso, há que determinar se a carta impugnada diz directa e individualmente respeito à recorrente, dado que a Comissão alega a inadmissibilidade do recurso por falta de legitimidade da recorrente.

 Quanto à questão de saber se a decisão diz directamente respeito à recorrente

–       Argumentos das partes

114    A Comissão, apoiada pela República Francesa, remete para o acórdão do Tribunal de Justiça de 5 de Maio de 1998, Dreyfus/Comissão (C‑386/96 P, Colect., p. I‑2309), e para o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 2000, DSTV/Comissão (T‑69/99, Colect., p. II‑4039, n.° 24).

115    A Comissão alega que, no presente caso, a situação jurídica da recorrente não é afectada, se se considerar que tanto a directiva como a legislação do Reino Unido apenas dizem respeito aos direitos e obrigações dos organismos de radiodifusão televisiva e que estes só podem transmitir em directo um acontecimento que figure na lista sob determinadas condições. A recorrente sofre apenas consequências económicas indirectas resultantes dessas limitações, que estão ligadas ao risco de os organismos de radiodifusão televisiva se recusarem a pagar um preço tão elevado quanto ela esperou obter ao ceder sub‑licenças dos seus direitos de transmissão dos jogos do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA.

116    Além disso, a Comissão observa que a recorrente foi afectada somente pelas disposições da lei sobre a radiodifusão de 1996, conjugada com o Código da ITC relativo aos acontecimentos desportivos e outros inscritos na lista. A Republica Francesa salienta, a esse respeito, que os efeitos que a recorrente sofreu não decorrem da carta impugnada, mas da legislação em vigor no Reino Unido, entre a qual figura a lista dos acontecimentos de grande importância para a sociedade. Ora, apesar de a sua situação económica ser clara desde a entrada em vigor da lei sobre a radiodifusão de 1996 e de a lista dos acontecimentos já estar fixada com inclusão da fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA, a recorrente nunca contestou a legislação do Reino Unido nem a lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade estabelecida pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte.

117    A esse respeito, ao adoptar as medidas controvertidas, as autoridades do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte exerceram plenamente o seu poder legislativo discricionário. O artigo 3.°‑A, n.° 1, da directiva confere, com efeito, aos Estados‑Membros a possibilidade de adoptarem medidas relativas aos acontecimentos de grande importância para a sociedade. No que se refere à verificação da compatibilidade das medidas notificadas com o direito comunitário, a Comissão e o Parlamento defendem que a mesma é equiparável ao procedimento previsto no artigo 2.°‑A, n.° 2, da directiva, relativamente ao qual o Tribunal de Primeira Instância decidiu que o acto adoptado pela Comissão com este fundamento não afecta directamente um recorrente (acórdão DSTV/Comissão, já referido, n.os 26 e 27).

118    A Comissão salienta que, no presente caso, apreciou a compatibilidade das medidas notificadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte com o direito comunitário depois da sua adopção e que os interesses económicos da recorrente só foram directamente afectados por essas medidas.

119    Aquela instituição opõe‑se à alegação da recorrente segundo a qual a publicação das medidas notificadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte no Jornal Oficial teve como consequência impor obrigações aos outros Estados‑Membros. De qualquer forma, esta circunstância não significa que o acto impugnado diga directamente respeito à recorrente. Com efeito, os outros Estados‑Membros têm de se assegurar de que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição respeitam a lista dos acontecimentos de grande importância para a sociedade estabelecida pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, fazendo‑o, no entanto, em aplicação das suas regras nacionais. Assim, a aplicação da apreciação da Comissão sobre a compatibilidade das medidas notificadas não é «meramente automática» e não resulta unicamente da regulamentação comunitária.

120    Além disso, a Comissão observa que, mesmo se a verificação preliminar das medidas notificadas conduzir a que os outros Estados‑Membros se assegurem de que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição respeitam a lista dos acontecimentos de grande importância para a sociedade, isso não tem relevância no presente caso. Com efeito, não se pode imaginar que a recorrente conceda sub‑licenças de direitos televisivos relativos ao Reino Unido a um organismo de radiodifusão televisiva com sede fora do Reino Unido, dado que esses direitos são cedidos numa base nacional. A nível nacional, as receitas dos organismos de radiodifusão televisiva resultam da publicidade orientada para o público nacional, das taxas de licenças nacionais e das assinaturas nacionais da televisão por assinatura. Uma vez que o interesse desses organismos é de fornecer emissões ao público nacional, só os que atingem uma vasta parte da população nacional aceitariam comprar, a um preço muito elevado, os direitos de transmissão televisiva de que a recorrente é titular. Consequentemente, visto que os potenciais sub‑licenciados desses direitos para o Reino Unido são organismos sob a jurisdição do Reino Unido, a recorrente só é directamente afectada pelas medidas nacionais.

121    A Comissão assinala, neste contexto, que, no Reino Unido, o mercado da difusão televisiva é um dos mais concorrenciais da Europa e que 25 % dos organismos de radiodifusão televisiva que operam no sector detêm uma licença no Reino Unido.

122    Nestas condições, mesmo admitindo que a publicação das medidas notificadas no Jornal Oficial dê lugar ao dever dos outros Estados‑Membros de respeitarem a obrigação que lhes incumbe por força do artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva, esta circunstância não tem relevância no presente caso.

123    Destas considerações a Comissão conclui que a verificação e a publicação no Jornal Oficial das medidas notificadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte não dizem directamente respeito à recorrente.

124    A recorrente contesta a argumentação da Comissão na sua totalidade.

125    Alega, no essencial, que a sua situação jurídica é directamente afectada, atendendo ao facto de as medidas do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte aprovadas pela carta impugnada produzirem efeitos sobre as condições em que a recorrente pode revender os seus direitos de difusão em directo dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA para o Reino Unido. Remete, a este respeito, para as Sections 99 e 101 da lei sobre a radiodifusão de 1996.

126    No que se refere aos efeitos nos outros Estados‑Membros, a recorrente alega que a carta impugnada lhes impõe que façam com o que os seus organismos de radiodifusão televisiva respeitem as medidas em causa. A este respeito, as obrigações impostas aos organismos de radiodifusão televisiva sob a jurisdição dos outros Estados‑Membros são automáticas e resultam apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermédias. Esses Estados não são, com efeito, obrigados a assegurar que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição se conformem com as medidas adoptadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte enquanto a Comissão não tiver adoptado a decisão em que declare a compatibilidade das medidas adoptadas com o direito comunitário. Assim, o artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva foi transposto para o direito interno da maioria dos Estados‑Membros e aplica‑se automaticamente a todas as medidas nacionais notificadas que foram aprovadas e publicadas pela Comissão.

127    Por seu turno, a recorrente está impedida de ceder uma licença exclusiva de exploração dos seus direitos a um organismo de radiodifusão televisiva sediado noutro Estado‑Membro e a Comissão não pode validamente afirmar, nessas condições, que a carta impugnada só produz efeitos jurídicos relativamente a organismos de radiodifusão televisiva.

128    A recorrente defende igualmente que, contrariamente ao que a Comissão alega, o acórdão DSTV/Comissão, já referido (n.° 27), relativo ao artigo 2.°‑A, n.° 2, da directiva, não se aplica ao presente caso, uma vez que as medidas foram notificadas à Comissão de acordo com o artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva, antes da sua entrada em vigor. Assim, é impossível considerar que as medidas notificadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte existiam independentemente da decisão da Comissão, quando a sua existência dependia do resultado da verificação que esta última tinha de realizar.

129    Por último, a recorrente opõe‑se ao argumento da Comissão segundo o qual não é plausível que um organismo de radiodifusão televisiva não estabelecido no Reino Unido queira adquirir direitos de difusão em directo no Reino Unido de encontros da fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

130    Segundo jurisprudência assente, para que um acto diga directamente respeito a uma pessoa singular, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, deve produzir efeitos directos na situação jurídica do interessado e a sua aplicação deve revestir um carácter puramente automático e decorrer apenas da regulamentação comunitária, sem aplicação de outras regras intermédias (v. acórdão Dreyfus/Comissão, já referido, n.° 43, e jurisprudência aí referida).

131    No presente caso, para determinar, à luz dessa jurisprudência, se a carta impugnada diz directamente respeito à recorrente, há que examinar as duas hipóteses consideradas pela recorrente, a saber, a de os direitos de radiodifusão televisiva dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA, que a recorrente detém para os anos 2002 e 2006, serem vendidos, com vista à retransmissão no Reino Unido, a um organismo de radiodifusão televisiva sob jurisdição do Reino Unido e a de esses direitos serem vendidos a um organismo com sede noutro Estado‑Membro.

132    No que se refere à primeira hipótese, a recorrente alega que as medidas notificadas «minam os próprios fundamentos do mercado d[os seus] produtos junto dos seus clientes estabelecidos no Reino Unido». Com efeito, para se conformar com a legislação em vigor no Reino Unido, a recorrente já não pode atribuir a uma cadeia de televisão com sede no Reino Unido uma licença exclusiva.

133    Contudo, pressupondo que o organismo de radiodifusão televisiva em causa tenha sede no Reino Unido, há que notar que as medidas directamente aplicáveis são as medidas adoptadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte propriamente ditas e que a aprovação das mesmas pela Comissão com vista ao seu reconhecimento mútuo não relevam no que respeita à sua aplicabilidade neste Estado‑Membro.

134    Por outro lado, há que recordar que, segundo o artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva, os Estados‑Membros notificam à Comissão toda e qualquer medida adoptada ou projectada. Ora, no presente caso, as medidas adoptadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte entraram em vigor antes da sua notificação à Comissão em 5 de Maio de 2000, como aquele confirmou na audiência, sendo, por isso, susceptíveis de ter já desde então produzido efeitos jurídicos nesse Estado‑Membro no momento da sua notificação.

135    A Comissão, não pôde, nessas condições, através da carta impugnada, conceder ao Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte uma autorização prévia para a adopção dessas medidas. A Comissão também não autorizou a manutenção retroactiva dessas medidas com vista à sua aplicação no Reino Unido (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1971, Bock/Comissão, 62/70, Colect., p. 333), mas permitiu que esse Estado beneficiasse do reconhecimento das referidas medidas pelos outros Estados‑Membros.

136    A esse respeito, o argumento da recorrente relativo ao facto de o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte ter notificado, uma primeira vez, medidas à Comissão por carta de 25 de Setembro de 1998 não tem relevância, pois esta última considerou que estas colocavam problemas de compatibilidade com o direito comunitário, facto este que transmitiu por carta de 23 de Dezembro de 1998, e não as publicou no Jornal Oficial. Além do facto de algumas das medidas inicialmente notificadas terem entrado em vigor na data da sua notificação, é um facto que a totalidade das medidas declaradas compatíveis com o direito comunitário pela Comissão através da carta impugnada estavam, de todo o modo, em vigor no Reino Unido no momento dessa notificação.

137    Consequentemente, no caso de a recorrente ceder os seus direitos de radiodifusão televisiva dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA a um organismo de radiodifusão televisiva estabelecido no Reino Unido, para efeitos da retransmissão desses jogos neste Estado, as medidas adoptadas pelas autoridades do Reino Unido têm existência jurídica autónoma relativamente à carta impugnada (v., neste sentido, acórdão DSTV/Comissão, já referido, n.° 25). Na medida em que as medidas notificadas são aplicáveis aos organismos de radiodifusão televisiva com sede no Reino Unido por força da lei nacional em vigor nesse Estado‑Membro e não por força da decisão da Comissão, a carta impugnada não diz directamente respeito à recorrente, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, e portanto não é admissível que esta peça sua anulação.

138    No que se refere à segunda hipótese, a de recorrente ceder os seus direitos de retransmissão dos jogos da fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA a um organismo de radiodifusão televisiva com sede num Estado‑Membro diverso do Reino Unido, com vista a ser retransmitido neste Estado, deve observar‑se que esse outro Estado‑Membro fica obrigado, em aplicação do artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva, a assegurar‑se de que o referido organismo não deixará de respeitar as medidas aprovadas pela Comissão e publicadas no Jornal Oficial.

139    A esse respeito, deve recordar‑se que a obrigação que incumbe aos outros Estados‑Membros consiste em assegurar, pelos meios adequados, na sua legislação, que os organismos de radiodifusão televisiva sob sua jurisdição exerçam os direitos exclusivos que adquiriram depois da data de publicação da directiva de forma a não privar uma parte importante do público de outro Estado‑membro da possibilidade de seguir, segundo as disposições adoptadas por esse outro Estado‑Membro nos termos do artigo 3.°‑A, n.° 1, os acontecimentos que esse outro Estado‑Membro designou em conformidade com o artigo 3.°‑A, n.os 1 e 2.

140    Os Estados–Membros, destinatários da directiva, ficaram assim obrigados a adoptar, na sua ordem jurídica nacional respectiva, todas as medidas necessárias com vista a assegurar a plena eficácia da referida directiva, em conformidade com o objectivo que esta prossegue e, nesse contexto, a transpor designadamente o artigo 3.°, n.° 3 (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Junho de 2001, Comissão/Itália, C‑207/00, Colect., p. I‑4571, n.° 25).

141    No âmbito desse controlo exercido pelas suas autoridades ao abrigo do mecanismo de reconhecimento mútuo, os outros Estados‑Membros devem assegurar‑se de que as medidas notificadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte não são contornadas pelos organismos de radiodifusão televisiva que estão sob sua jurisdição e que desejem retransmitir um acontecimento designado pelo Reino Unido.

142    Ora, como foi observado anteriormente (v. n.° 94 supra), só a decisão da Comissão que declara a compatibilidade das medidas notificadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte com o direito comunitário e que prevê a publicação subsequente dessas medidas no Jornal Oficial permite tornar o mecanismo de reconhecimento mútuo eficaz ao dar lugar à obrigação dos outros Estados‑Membros cumprirem as obrigações que lhes incumbem a esse respeito por força do artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva.

143    Daqui resulta que, nessa hipótese, a carta impugnada valida, ex nunc, as medidas adoptadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte para o fim exclusivo do reconhecimento mútuo pelos outros Estados‑Membros.

144    Nesse contexto, relativamente à invocação pela Comissão do acórdão DSTV/Comissão, já referido, há que observar que o artigo 2.°‑A, segundo parágrafo, da directiva, que estava em causa no processo que originou esse acórdão, prevê um controlo, a posteriori, da compatibilidade das medidas adoptadas por um Estado‑Membro com o direito comunitário a fim de proibir a difusão no seu território de emissões provenientes de outros Estados‑Membros e não um controlo de compatibilidade com o direito comunitário que permita o reconhecimento mútuo de medidas nacionais.

145    Além disso, diversamente da disposição específica em causa no processo que levou ao acórdão Artegodan e o./Comissão, já referido, invocado pelo Parlamento, o artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva confere à Comissão uma competência decisória que garante o efeito útil do mecanismo de reconhecimento mútuo e não se destina unicamente a instituir um procedimento de natureza consultiva.

146    Por outro lado, dado que o reconhecimento mútuo das medidas adoptadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte está subordinado à sua aprovação pela Comissão e à sua publicação subsequente no Jornal Oficial, há que concluir que a carta impugnada não deixa às autoridades nacionais, a partir dessa publicação, nenhuma margem de apreciação no âmbito do cumprimento das suas obrigações. Com efeito, embora as modalidades do controlo, que as autoridades nacionais têm de realizar no âmbito do mecanismo de reconhecimento mútuo, sejam determinadas por cada Estado‑Membro no quadro da sua legislação que transpõe o artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva, não é menos verdade que essas autoridades devem assegurar‑se que os organismos de radiodifusão televisiva sob a sua jurisdição respeitem as condições de retransmissão dos acontecimentos em causa conforme definidas pelo Estado‑Membro nas suas medidas aprovadas e publicadas no Jornal Oficial pela Comissão.

147    Por fim, no que se refere ao argumento da Comissão segundo o qual os organismos de radiodifusão televisiva com sede no Reino Unido são os únicos interessados em adquirir à recorrente os direitos de difusão da fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA para a retransmitir no Reino Unido, há que observar que esse pressuposto priva o artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva de todo o efeito útil. Com efeito, deve recordar‑se que, segundo os considerandos 18 e 19 da Directiva 97/36, o objectivo desse artigo é garantir ao público que este possa aceder livremente à difusão de acontecimentos considerados de grande importância para a sociedade pelos Estados‑Membros e, com base no princípio de reconhecimento mútuo, exigir dos Estados‑Membros que se certifiquem de que os emissores sob a sua jurisdição respeitam as listas de acontecimentos fixadas por outro Estado‑Membro para não privar uma parte importante do público desse Estado da possibilidade de seguir os acontecimentos designados por este último.

148    O contexto factual do processo que levou ao acórdão da House of Lords, R v. ITC, ex parte TV Danmark 1 Ltd [2001] UKHL 42 (já referido), se bem que relativo aos acontecimentos designados pelo Reino da Dinamarca, confirma, de resto, a existência de situações de aplicação do mecanismo de reconhecimento mútuo instituído pelo artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva. Além disso, a Comissão, no seu 3.° relatório de 2001 ao Conselho, ao Parlamento Europeu e ao Comité Económico e Social, relativo à aplicação da directiva (COM/2001/009 final), indica que os organismos de radiodifusão televisiva sob a jurisdição do Reino Unido transmitiram, por três vezes, acontecimentos inscritos na lista do Reino da Dinamarca de tal forma que uma parte importante da população dinamarquesa ficou privada da possibilidade de seguir os referidos acontecimentos.

149    Nestas circunstâncias, apesar das alegações da Comissão, não comprovadas por factos, relativas à especificidade do mercado da radiodifusão televisivo no Reino Unido (v. n.° 121 supra), não se pode considerar que os direitos de difusão televisiva neste Estado‑Membro da fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA serão necessariamente adquiridos por organismos de radiodifusão televisiva com sede nesse mesmo Estado.

150    Daqui resulta que a carta impugnada diz directamente respeito à recorrente na medida em que permite a aplicação do mecanismo de reconhecimento mútuo pelos outros Estados‑Membros das medidas notificadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e que a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão é improcedente.

 Quanto à questão de saber se a carta diz individualmente respeito à recorrente

–       Argumentos das partes

151    A Comissão contesta o argumento da recorrente segundo o qual a carta lhe diz individualmente respeito por fazer parte de um «círculo fechado» de empresas que, mesmo antes da entrada em vigor do artigo 3.°‑A da directiva, eram detentoras, em exclusividade, de direitos de transmissão de acontecimentos de grande importância para a sociedade designados pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte.

152    Segundo a Comissão, este critério da detenção de direitos exclusivos não é relevante, pois nesse caso teriam de se ter tidas em conta todas as outras organizações e empresas detentoras de direitos de difusão dos acontecimentos que figuram na lista do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte. Ora, esses outros detentores de direitos televisivos teriam talvez sido mais radicalmente afectados pela referida lista do que a recorrente.

153    Além disso, ao contrário dos detentores de direitos televisivos de acontecimentos de grande importância para a sociedade enumerados na lista do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, as empresas ou organizações que celebraram contratos de licença com um desses detentores são potencialmente numerosas e a Comissão está impossibilitada de as identificar. Assim, não se pode admitir que a recorrente faça parte de um círculo fechado de empresas.

154    Mais, uma medida da Comissão não pode dizer individualmente respeito à recorrente nem aos detentores de direitos televisivos relativos a acontecimentos de grande importância para a sociedade designados pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, simplesmente por essa medida afectar a sua actividade económica (v., neste sentido, despacho do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Dezembro de 2000, Galileo e Galileo International/Conselho, T‑113/99, Colect, p. II‑4141). As actividades económicas da recorrente foram afectadas pelas medidas notificadas e, indirectamente, pela aceitação das mesmas pela Comissão. Não está, contudo, em causa qualquer impacto destas na sua situação jurídica.

155    Segundo a Comissão, a recorrente também invoca que a carta diz individualmente respeito a uma empresa que por várias vezes escreveu à Comissão para lhe participar a sua preocupação quanto à aplicação, por parte do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte do artigo 3.°‑A, n.° 1, da directiva. Ora, nesse contexto, só se pode ter em consideração a carta da recorrente de 14 de Julho de 2000, visto que a restante correspondência da mesma foi escrita depois da adopção da posição da Comissão relativamente à compatibilidade das medidas notificadas com o direito comunitário. De qualquer forma, não se pode qualificar nenhuma destas cartas de queixa, uma vez que o seu objecto não consiste em pedir à Comissão que adopte medidas relativamente ao Estado‑Membro em causa, mas unicamente em influenciá‑la no seu exame da compatibilidade das medidas notificadas com o direito comunitário. O envio dessas cartas à Comissão não é, por isso, susceptível de individualizar uma empresa.

156    A República Francesa remete, designadamente, para os acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1963, Plaumann/Comissão (25/62, Colect. 1962‑1964, p. 279), e de 25 de Julho de 2002, Unión de Pequeños Agricultores/Conselho (C‑50/00 P, Colect., p. I‑6677), e recorda que o alcance geral e, logo, a natureza normativa de um acto não são postos em causa pela possibilidade de determinar com maior ou menor precisão o número ou mesmo a identidade dos sujeitos de direito a que o mesmo se aplica num dado momento, enquanto se verificar que tal aplicação é feita por força de uma situação objectiva de direito ou de facto, definida pelo acto em relação com a finalidade deste último (despacho do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Junho de 1995, Cantina cooperativa fra produttori vitivinicoli di Torre di Mosto e o./Comissão, T‑183/94, Colect., p. II‑1941, n.° 48). Ora, se é certo que a recorrente é detentora de direitos de difusão da fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA para os anos 2002 e 2006, esta circunstância não é suficiente para a individualizar, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, relativamente a qualquer outro operador económico susceptível de adquirir ou de deter direitos de difusão televisiva dos acontecimentos que constam dessa lista.

157    A recorrente retorque, no essencial, que a carta lhe diz individualmente respeito, tendo em conta, por um lado, que pertence a um «círculo fechado» de empresas que adquiriram direitos de difusão de um acontecimento que figurava na lista do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte antes da proposta de adopção do artigo 3.°‑A da directiva e antes da entrada em vigor das medidas notificadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte à Comissão. Dentro desse círculo, é afectada de forma específica e distinta dos outros titulares de direitos de difusão. Por outro lado, a decisão diz‑lhe individualmente respeito devido à sua participação no procedimento de verificação pela Comissão da compatibilidade das medidas notificadas com o direito comunitário. Neste contexto, tinha designadamente invocado a violação pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte da obrigação que lhe incumbia de fixar a sua lista de acontecimentos de grande importância para a sociedade segundo um procedimento claro e transparente, conforme prevê o artigo 3.°‑A, n.° 1, da directiva.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

158    No que se refere, em primeiro lugar, às qualidades que lhe são específicas, a recorrente alega que adquiriu direitos de difusão de um acontecimento que figura na lista fixada pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte antes da entrada em vigor da mesma e antes mesmo da proposta de adopção do artigo 3.°‑A da directiva.

159    Segundo jurisprudência assente, os particulares que não sejam destinatários de uma decisão só podem alegar que esta lhes diz individualmente respeito se essa decisão «os afectar devido a certas qualidades que lhes são próprias ou a uma situação de facto que os caracteriza em relação a qualquer outra pessoa e, assim, os individualiza de maneira análoga à do destinatário» (acórdãos do Tribunal de Justiça Plaumann/Comissão, já referido, p. 284, e de 18 de Maio de 1994, Codorníu/Conselho, C‑309/89, Colect., p. I‑1853, n.° 20; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Abril de 1995, ASPEC e o./Comissão, T‑435/93, Colect., p. II‑1281, n.° 62).

160    Ora, no presente caso, há que observar que a recorrente detém, em exclusivo, para os anos 2002 e 2006, os direitos de transmissão televisiva da fase final do Campeonato do Mundo de Futebol da FIFA, que é um dos acontecimentos enumerados na lista dos acontecimentos de grande importância para a sociedade adoptada pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e aprovada pela Comissão na carta impugnada.

161    Os organismos de radiodifusão televisiva sob jurisdição dos Estados‑Membros que não o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte devem assim necessariamente contratar com a recorrente, na sua qualidade de agente dos direitos de difusão desse acontecimento, para obter licenças de transmissão televisiva do mesmo.

162    É verdade que as medidas adoptadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte nos termos do artigo 3.°‑A, n.° 1, da directiva e aprovadas pela carta impugnada, em conformidade com o n.° 2 desse artigo, impõem limites aos organismos de radiodifusão televisiva relativamente à difusão de forma exclusiva dos acontecimentos de grande importância que figuram na lista, com excepção dos que já adquiriram direitos antes da entrada em vigor das medidas consideradas. Contudo, esses limites estão relacionados com as condições nas quais esses organismos de radiodifusão televisiva, considerados de forma geral e abstracta, adquirem esses direitos exclusivos de difusão aos seus detentores.

163    Com efeito, nos termos das Sections 98 e 101 da Parte IV da lei sobre a radiodifusão de 1996, alterada pelo regulamento da radiodifusão televisiva de 2000:

« 98 – 1) Para fins da presente secção, os serviços de programas televisivos e os serviços de difusão por satélite no quadro do [Espaço Económico Europeu (EEE)] são repartidos em duas categorias da seguinte forma:

a)       os serviços de programas televisivos e os serviços de difusão por satélite no quadro do EEE que, até nova indicação, preenchem as condições necessárias, e

b)       todos os outros serviços de programas televisivos e serviços de difusão por satélite no quadro do EEE.

2)      No âmbito do presente artigo, as ‘condições necessárias’ que devem ser preenchidas por um dado serviço são as seguintes:

a)       a recepção do serviço não deve dar lugar a remuneração; e

b)       o serviço deve ser captado por, pelo menos, 95 % da população do Reino Unido.

« 101 – 1) Qualquer fornecedor de programas televisivos que assegure um serviço incluído numa das duas categorias definidas na Section 98, n.° 1, (‘primeiro serviço’) e destinado a ser captado em todo ou em parte do território do Reino Unido não pode transmitir em directo, no âmbito do referido serviço, todo ou parte de um acontecimento inscrito na lista sem ter obtido o consentimento prévio da Comissão (ITC), a menos que:

a)       outro fornecedor de programas televisivos que assegure um serviço incluído noutra categoria definida neste número (‘segundo serviço’) tenha adquirido o direito de incluir neste a transmissão em directo na íntegra do acontecimento ou da referida parte do acontecimento, e

b)       a região na qual o segundo serviço é difundido cubra ou englobe a (quase) totalidade da região na qual o primeiro serviço é captado.

[...]

101 – 4)  A Section 101, n.° 1, não é aplicável se o fornecedor de programas televisivos que assegura o primeiro serviço exercer os seus direitos adquiridos antes da entrada em vigor da presente disposição.»

164    Neste contexto, relativamente ao consentimento que deve ser obtido da ITC, referido na Section 101 da lei sobre a radiodifusão de 1996, alterada, acima reproduzida, resulta da totalidade das medidas aprovadas pela Comissão e, mais particularmente, do Código da ITC relativo aos Acontecimentos Desportivos e Outros Inscritos na Lista, que os factores que condicionam o consentimento da ITC são, no essencial, o facto de a venda dos direitos de difusão televisiva ter sido anunciada publicamente e de os organismos de radiodifusão televisiva terem tido uma real possibilidade de adquirir esses direitos em condições razoáveis e equitativas. A esse respeito, a ITC pode designadamente verificar se a oferta de venda foi comunicada aberta e simultaneamente às duas categorias de radiodifusores definidas na Section 98 da lei sobre a radiodifusão de 1996, se o preço exigido é equitativo e razoável e não implica discriminação entre as duas categorias de radiodifusores e se é concedido aos radiodifusores um prazo razoável que lhes dê uma real possibilidade de adquirir esses direitos.

165    Assim, se bem que a recorrente, na sua qualidade de agente de direitos de transmissão televisiva da fase final do Campeonato do Mundo da FIFA para os anos 2002 e 2006, não seja expressamente visada por essas disposições, o facto é que estas constituem um obstáculo à sua faculdade de dispor livremente desses direitos ao condicionar a sua cessão, a título exclusivo, a um organismo de radiodifusão televisiva com sede num Estado‑Membro diferente do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e que pretenda difundir o referido acontecimento neste último Estado.

166    Além disso, se é certo que a validade jurídica dos contratos que a recorrente celebrou com a FIFA não é afectada pela carta impugnada, dado que a execução desses contratos não pôde, de modo algum, ser impedida pela referida carta na acepção da jurisprudência desenvolvida, nesse sentido, nos acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki‑Patraiki e o./Comissão (11/82, Recueil, p. 207), e de 26 de Junho de 1990, Sofrimport/Comissão (C‑152/88, Colect., p. I‑2477), não é menos verdade que a recorrente adquiriu, em exclusividade, os direitos em causa antes da entrada em vigor do artigo 3.°‑A da directiva e, a fortiori, antes da adopção da carta impugnada.

167    Nestas circunstâncias, deve considerar‑se que a carta impugnada diz respeito à recorrente devido a uma qualidade que lhe é particular, a saber, a sua qualidade de detentora em exclusividade dos direitos de difusão de um dos acontecimentos designados pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte.

168    Daqui resulta que, devido à sua qualidade de detentora de direitos de difusão televisiva de um acontecimento que figura na lista das medidas notificadas pelo Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e tendo adquirido os seus direitos antes da adopção das medidas aplicáveis no Reino Unido e, a fortiori, antes da sua aprovação pela Comissão, deve considerar‑se, para efeitos do exame da admissibilidade do presente recurso, que a carta impugnada diz individualmente respeito à recorrente.

169    Consequentemente, improcede a questão prévia de inadmissibilidade suscitada pela Comissão.

2.     Quanto à admissibilidade do segundo pedido da recorrente

170    No âmbito dos seus pedidos, a recorrente requer que o Tribunal de Primeira Instância declare que o artigo 3.°‑A da directiva não é aplicável e não pode servir de base jurídica à adopção da carta impugnada.

171    A este respeito, basta referir que o contencioso comunitário não prevê qualquer via processual que permita ao tribunal tomar posição através de uma declaração geral ou de princípio (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Fevereiro de 2001, Sodima/Comissão, T‑62/99, Colect., p. II‑655, n.° 28, e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Junho de 2004, Segi e o./Conselho, T‑338/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 48; v., igualmente, por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Outubro de 2004, Meister/IHMI, T‑76/03, ainda não publicado na Colectânea, n.° 38).

172    Este pedido é, portanto, inadmissível.

D –  Quanto ao mérito

173    Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca quatro fundamentos relativos, em primeiro lugar, à violação de princípios gerais de direito comunitário, em segundo, à violação do artigo 3.°‑A, n.° 2, da directiva, em terceiro, à inaplicabilidade do artigo 3.°‑A, n.° 3, da directiva e, em quarto, à violação de formalidades essenciais.

174    Antes de mais, há que examinar o quarto fundamento, relativo à violação de formalidades essenciais.

175    No âmbito deste fundamento, a recorrente invoca a incompetência do autor da carta impugnada, a saber, o director‑geral da DG «Educação e Cultura». Alega, a este respeito, que a carta impugnada não foi adoptada em conformidade com as regras da Comissão em matéria de procedimento colegial, de delegação e de execução de decisões.

176    Para afastar esse argumento, a Comissão limitou‑se, nos seus articulados e em resposta a uma questão do Tribunal de Primeira Instância, a afirmar que a carta impugnada não constitui uma decisão na acepção do artigo 249.° CE e que, por isso, não tinha que observar as regras de procedimento pertinentes.

177    Assim, a Comissão admitiu, em resposta a uma questão escrita do Tribunal de Primeira Instância e na audiência, que o colégio dos membros da Comissão não fora consultado e que o director‑geral que assinou a carta impugnada não recebeu nenhuma habilitação específica da parte daquele.

178    Nestas circunstâncias, a carta impugnada, que, conforme se concluiu no âmbito do exame da admissibilidade, constitui uma decisão na acepção do artigo 249.° CE, está viciada por incompetência e deve, por esse motivo ser anulada, sem que seja necessário apreciar o outro argumento em apoio deste fundamento e os outros três fundamentos do recurso.

179    Neste contexto, o Tribunal de Primeira Instância considera que não há que deferir o pedido formulado pela recorrente na sua carta de 22 de Agosto de 2005 (v. n.° 44 supra), visto ser desprovido de interesse para a resolução do litígio (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Junho de 2002, British American Tobacco (Investments)/Comissão, T‑311/00, Colect., p. II‑2781, n.° 50).

 Quanto às despesas

180    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Nos termos do n.° 4, primeiro parágrafo, do artigo 87.°, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros e as instituições que intervieram no processo devem suportar as respectivas despesas.

181    A República Francesa, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte, o Parlamento e o Conselho suportarão as suas próprias despesas. A República Francesa, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e o Parlamento suportarão igualmente as despesas da recorrente relativas à sua intervenção, em conformidade com o pedido desta última nesse sentido.

182    Tendo a Comissão sido vencida, deve esta ser condenada nas despesas, conforme o requerido pela recorrente, com excepção das despesas da recorrente relativas às intervenções da República Francesa, do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e do Parlamento.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção Alargada)

decide:

1)      A decisão da Comissão contida na sua carta ao Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte de 28 de Julho de 2000 é anulada.

2)      É negado provimento ao recurso quanto ao restante.

3)      A República Francesa, o Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte e o Parlamento suportarão as despesas da recorrente relativas às suas intervenções.

4)      A Comissão suportará as suas próprias despesas bem como as da recorrente, com exclusão das referidas no n.° 3 supra.

5)      As partes intervenientes suportarão as suas próprias despesas.

Legal

Lindh

Mengozzi

Wiszniewska‑Białecka

 

      Vadapalas

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 15 de Dezembro de 2005.

O secretário

 

       O presidente

E. Coulon

 

      H. Legal

Índice

Quadro jurídico

Factos na origem do litígio

Tramitação processual

Pedidos das partes

Questão de direito

A – Quanto ao pedido de medidas de organização do processo

B – Quanto ao pedido desentranhamento de um documento

C – Quanto à admissibilidade

1. Quanto à admissibilidade do primeiro pedido da recorrente

a) Quanto à natureza jurídica do acto impugnado

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

b) Quanto à legitimidade da recorrente

Quanto à questão de saber se a decisão diz directamente respeito à recorrente

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto à questão de saber se a carta diz individualmente respeito à recorrente

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

2. Quanto à admissibilidade do segundo pedido da recorrente

D – Quanto ao mérito

Quanto às despesas


*Língua do processo: inglês.