Language of document : ECLI:EU:C:2019:15

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MACIEJ SZPUNAR

apresentadas em 10 de janeiro de 2019 (1)

Processo C507/17

Google LLC, na qualidade da sucessora da Google Inc.

contra

Commission nationale de l’informatique et des libertés (CNIL),

na presença de

Wikimedia Foundation Inc.,

Fondation pour la liberté de la presse,

Microsoft Corp.,

Reporters Committee for Freedom of the Press e o.,

Article 19 e o.,

Internet Freedom Foundation e o.,

Défenseur des droits

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França)]

«Reenvio prejudicial — Dados pessoais — Âmbito do direito à supressão de referências — Acórdão de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google, C‑131/12 — Supressão de referências na extensão do nome de domínio que corresponde ao Estado‑Membro do pedido ou nas extensões do nome de domínio do motor de busca que corresponde às extensões nacionais deste motor para todos os Estados‑Membros»






I.      Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) surge na sequência do Acórdão Google Spain e Google (2) e conferirá ao Tribunal de Justiça, nomeadamente, a oportunidade de especificar o âmbito de aplicação territorial da Diretiva 95/46/CE (3). É do conhecimento geral que, no processo Google Spain e Google, o Tribunal de Justiça consagrou um «direito a ser esquecido», por meio do qual, quando reunidas condições, uma pessoa pode requerer que o operador de um motor de busca suprima referências a hiperligações da Internet. No presente processo, o Tribunal de Justiça é convidado a especificar o âmbito territorial de uma supressão de referências e a determinar se as disposições da Diretiva 95/46 exigem uma supressão de referências à escala nacional, europeia ou mundial.

2.        No presente processo, irei propor ao Tribunal de Justiça uma supressão de referências europeia: o operador de um motor de busca deve ser obrigado a suprimir as referências a hiperligações de resultados exibidos na sequência de uma pesquisa efetuada a partir de um lugar situado na União Europeia.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito da União

1.      Diretiva 95/46


3.        De acordo com o seu artigo 1.o, a Diretiva 95/46 tem por objeto a proteção das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais, bem como a eliminação de obstáculos à livre circulação de dados.

4.        O artigo 2.o da Diretiva 95/46 dispõe que, «[p]ara efeitos d[esta], [se] entende por:

a)      “Dados pessoais”, qualquer informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável (“pessoa em causa”); é considerado identificável todo aquele que possa ser identificado, direta ou indiretamente, nomeadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social;

b)      “Tratamento de dados pessoais” (tratamento), qualquer operação ou conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais, com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, registo, organização, conservação, adaptação ou alteração, recuperação, consulta, utilização, comunicação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição;

[…]

d)      “Responsável pelo tratamento”, a pessoa singular ou coletiva, a autoridade pública, o serviço ou qualquer outro organismo que, individualmente ou em conjunto com outrem, determine as finalidades e os meios de tratamento dos dados pessoais; sempre que as finalidades e os meios do tratamento sejam determinad[o]s por disposições legislativas ou regulamentares nacionais ou comunitárias, o responsável pelo tratamento ou os critérios específicos para a sua nomeação podem ser indicados pelo direito nacional ou comunitário;

[…]

h)      “Consentimento da pessoa em causa”, qualquer manifestação de vontade, livre específica e informada, pela qual a pessoa em causa aceita que dados pessoais que lhe dizem respeito sejam objeto de tratamento.»

5.        O artigo 3.o desta diretiva, intitulado «Âmbito de aplicação», dispõe no seu n.o 1:

«A presente diretiva aplica‑se ao tratamento de dados pessoais por meios total ou parcialmente automatizados, bem como ao tratamento por meios não automatizados de dados pessoais contidos num ficheiro ou a ele destinados.»

6.        O artigo 4.o da referida diretiva, intitulado «Direito nacional aplicável», prevê:

«1.      Cada Estado‑Membro aplicará as suas disposições nacionais adotadas por força da presente diretiva ao tratamento de dados pessoais quando:

a)      O tratamento for efetuado no contexto das atividades de um estabelecimento do responsável pelo tratamento situado no território desse Estado‑Membro; se o mesmo responsável pelo tratamento estiver estabelecido no território de vários Estados‑Membros, deverá tomar as medidas necessárias para garantir que cada um desses estabelecimentos cumpra as obrigações estabelecidas no direito nacional que lhe for aplicável;

[…]»

7.        No capítulo II, secção I, intitulada «Princípios relativos à qualidade dos dados», da Diretiva 95/46, o artigo 6.o dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem estabelecer que os dados pessoais serão:

a)      Objeto de um tratamento leal e lícito;

b)      Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas, e que não serão posteriormente tratados de forma incompatível com essas finalidades. O tratamento posterior para fins históricos, estatísticos ou científicos não é considerado incompatível desde que os Estados‑Membros estabeleçam garantias adequadas;

c)      Adequados, pertinentes e não excessivos relativamente às finalidades para que são recolhidos e para que são tratados posteriormente;

d)      Exatos e, se necessário, atualizados; devem ser tomadas todas as medidas razoáveis para assegurar que os dados inexatos ou incompletos, tendo em conta as finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente, sejam apagados ou retificados;

e)      Conservados de forma a permitir a identificação das pessoas em causa apenas durante o período necessário para a prossecução das finalidades para que foram recolhidos ou para que são tratados posteriormente. Os Estados‑Membros estabelecerão garantias apropriadas para os dados pessoais conservados durante períodos mais longos do que o referido, para fins históricos, estatísticos e científicos.

2.      Incumbe ao responsável pelo tratamento assegurar a observância do disposto no n.o 1.»

8.        No capítulo II, secção II, intitulada «Princípios relativos à legitimidade do tratamento de dados», da Diretiva 95/46, o artigo 7.o estabelece:

«Os Estados‑Membros estabelecerão que o tratamento de dados pessoais só poderá ser efetuado se:

[…]

f)      O tratamento for necessário para prosseguir interesses legítimos do responsável pelo tratamento ou do terceiro ou terceiros a quem os dados sejam comunicados, desde que não prevaleçam os interesses ou os direitos e liberdades fundamentais da pessoa em causa, protegidos ao abrigo do n.o 1 do artigo 1.o»

9.        O artigo 12.o desta diretiva, intitulado «Direito de acesso», prevê:

«Os Estados‑Membros garantirão às pessoas em causa o direito de obterem do responsável pelo tratamento:

[…]

b)      Consoante o caso, a retificação, o apagamento ou o bloqueio dos dados cujo tratamento não cumpra o disposto na presente diretiva, nomeadamente devido ao caráter incompleto ou inexato desses dados;

[…]»

10.      O artigo 14.o da referida diretiva, intitulado «Direito de oposição da pessoa em causa», dispõe:

«Os Estados‑Membros reconhecerão à pessoa em causa o direito de:

a)      Pelo menos nos casos referidos nas alíneas e) e f) do artigo 7.o, se opor em qualquer altura, por razões preponderantes e legítimas relacionadas com a sua situação particular, a que os dados que lhe digam respeito sejam objeto de tratamento, salvo disposição em contrário do direito nacional. Em caso de oposição justificada, o tratamento efetuado pelo responsável deixa de poder incidir sobre esses dados;

[…]»

11.      O artigo 28.o da Diretiva 95/46, intitulado «Autoridade de controlo», tem a seguinte redação:

«1.      Cada Estado‑Membro estabelecerá que uma ou mais autoridades públicas serão responsáveis pela fiscalização da aplicação no seu território das disposições adotadas pelos Estados‑Membros nos termos da presente diretiva.

[…]

3.      Cada autoridade do controlo disporá, nomeadamente:

–        de poderes de inquérito, tais como o poder de aceder aos dados objeto de tratamento e de recolher todas as informações necessárias ao desempenho das suas funções de controlo,

–        de poderes efetivos de intervenção, tais como, por exemplo, […]o de ordenar o bloqueio, o apagamento ou a destruição de dados, o de proibir temporária ou definitivamente o tratamento […],

[…]

As decisões da autoridade de controlo que lesem interesses são passíveis de recurso jurisdicional.

4.      Qualquer pessoa ou associação que a represente pode apresentar à autoridade de controlo um pedido para proteção dos seus direitos e liberdades no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais. A pessoa em causa será informada do seguimento dado ao seu pedido.

[…]

6.      Cada autoridade de controlo é competente, independentemente do direito nacional aplicável ao tratamento em causa, para o exercício no território do seu Estado‑Membro dos poderes que lhe foram atribuídos em conformidade com o n.o 3. Cada autoridade de controlo pode ser solicitada a exercer os seus poderes por uma autoridade de outro Estado‑Membro.

As autoridades de controlo cooperarão entre si na medida do necessário ao desempenho das suas funções, em especial através do intercâmbio de quaisquer informações úteis.

[…]»

2.      Regulamento (UE) 2016/679

12.      Nos termos do seu artigo 99.o, n.o 2, o Regulamento (UE) 2016/679 (4) é aplicável desde 25 de maio de 2018. O artigo 94.o, n.o 1, deste regulamento dispõe que a Diretiva 95/46 foi revogada com efeitos a partir desta mesma data.

13.      O artigo 17.o deste regulamento, intitulado «Direito ao apagamento dos dados (“direito a ser esquecido”)», tem a seguinte redação:

«1.      O titular tem o direito de obter do responsável pelo tratamento o apagamento dos seus dados pessoais, sem demora injustificada, e este tem a obrigação de apagar os dados pessoais, sem demora injustificada, quando se aplique um dos seguintes motivos:

a)      Os dados pessoais deixaram de ser necessários para a finalidade que motivou a sua recolha ou tratamento;

b)      O titular retira o consentimento em que se baseia o tratamento dos dados nos termos do artigo 6.o, n.o 1, alínea a), ou do artigo 9.o, n.o 2, alínea a) e se não existir outro fundamento jurídico para o referido tratamento;

c)      O titular opõe‑se ao tratamento nos termos do artigo 21.o, n.o 1, e não existem interesses legítimos prevalecentes que justifiquem o tratamento, ou o titular opõe‑se ao tratamento nos termos do artigo 21.o, n.o 2;

d)      Os dados pessoais foram tratados ilicitamente;

e)      Os dados pessoais têm de ser apagados para o cumprimento de uma obrigação jurídica decorrente do direito da União ou de um Estado‑Membro a que o responsável pelo tratamento esteja sujeito;

f)      Os dados pessoais foram recolhidos no contexto da oferta de serviços da sociedade da informação referida no artigo 8.o, n.o 1.

2.      Quando o responsável pelo tratamento tiver tornado públicos os dados pessoais e for obrigado a apagá‑los nos termos do n.o 1, toma as medidas que forem razoáveis, incluindo de caráter técnico, tendo em consideração a tecnologia disponível e os custos da sua aplicação, para informar os responsáveis pelo tratamento efetivo dos dados pessoais de que o titular dos dados lhes solicitou o apagamento das ligações para esses dados pessoais, bem como das cópias ou reproduções dos mesmos.

3.      Os n.os 1 e 2 não se aplicam na medida em que o tratamento se revele necessário:

a)      Ao exercício da liberdade de expressão e de informação;

b)      Ao cumprimento de uma obrigação legal que exija o tratamento prevista pelo direito da União ou de um Estado‑Membro a que o responsável esteja sujeito, ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que esteja investido o responsável pelo tratamento;

c)      Por motivos de interesse público no domínio da saúde pública, nos termos do artigo 9.o, n.o 2, alíneas h) e i), bem como do artigo 9.o, n.o 3;

d)      Para fins de arquivo de interesse público, para fins de investigação científica ou histórica ou para fins estatísticos, nos termos do artigo 89.o, n.o 1, na medida em que o direito referido no n.o 1 seja suscetível de tornar impossível ou prejudicar gravemente a obtenção dos objetivos desse tratamento; ou

e)      Para efeitos de declaração, exercício ou defesa de um direito num processo judicial.»

14.      O artigo 18.o do Regulamento 2016/679, intitulado «Direito à limitação do tratamento», dispõe:

«1.      O titular dos dados tem o direito de obter do responsável pelo tratamento a limitação do tratamento, se se aplicar uma das seguintes situações:

a)      Contestar a exatidão dos dados pessoais, durante um período que permita ao responsável pelo tratamento verificar a sua exatidão;

b)      O tratamento for ilícito e o titular dos dados se opuser ao apagamento dos dados pessoais e solicitar, em contrapartida, a limitação da sua utilização;

[…]

d)      Se tiver oposto ao tratamento nos termos do artigo 21.o, n.o 1, até se verificar que os motivos legítimos do responsável pelo tratamento prevalecem sobre os do titular dos dados.

2.      Quando o tratamento tiver sido limitado nos termos do n.o 1, os dados pessoais só podem, à exceção da conservação, ser objeto de tratamento com o consentimento do titular, ou para efeitos de declaração, exercício ou defesa de um direito num processo judicial, de defesa dos direitos de outra pessoa singular ou coletiva, ou por motivos ponderosos de interesse público da União ou de um Estado‑Membro.

3.      O titular que tiver obtido a limitação do tratamento nos termos do n.o 1 é informado pelo responsável pelo tratamento antes de ser anulada a limitação ao referido tratamento.»

15.      O artigo 21.o deste regulamento, intitulado «Direito de oposição», prevê no seu n.o 1:

«O titular dos dados tem o direito de se opor a qualquer momento, por motivos relacionados com a sua situação particular, ao tratamento dos dados pessoais que lhe digam respeito com base no artigo 6.o, n.o 1, alínea e) ou f), ou no artigo 6.o, n.o 4, incluindo a definição de perfis com base nessas disposições. O responsável pelo tratamento cessa o tratamento dos dados pessoais, a não ser que apresente razões imperiosas e legítimas para esse tratamento que prevaleçam sobre os interesses, direitos e liberdades do titular dos dados, ou para efeitos de declaração, exercício ou defesa de um direito num processo judicial.»

16.      O artigo 85.o do referido regulamento, intitulado «Tratamento e liberdade de expressão e de informação», enuncia:

«1.      Os Estados‑Membros conciliam por lei o direito à proteção de dados pessoais nos termos do presente regulamento com o direito à liberdade de expressão e de informação, incluindo o tratamento para fins jornalísticos e para fins de expressão académica, artística ou literária.

2.      Para o tratamento efetuado para fins jornalísticos ou para fins de expressão académica, artística ou literária, os Estados‑Membros estabelecem isenções ou derrogações do capítulo II (princípios), do capítulo III (direitos do titular dos dados), do capítulo IV (responsável pelo tratamento e subcontratante), do capítulo V (transferência de dados pessoais para países terceiros e organizações internacionais), do capítulo VI (autoridades de controlo independentes), do capítulo VII (cooperação e coerência) e do capítulo IX (situações específicas de tratamento de dados) se tais isenções ou derrogações forem necessárias para conciliar o direito à proteção de dados pessoais com a liberdade de expressão e de informação.

3.      Os Estados‑Membros notificam a Comissão das disposições de direito interno que adotarem nos termos do n.o 2 e, sem demora, de qualquer alteração subsequente das mesmas.»

B.      Direito francês

17.      A Loi no 78‑17 du 6 janvier 1978 relative à l’informatique, aux fichiers et aux libertés (Lei n.o 78‑17 de 6 de janeiro de 1978 Relativa à Informática, aos Registos e às Liberdades; a seguir «Lei de 6 de janeiro de 1978») assegurou a transposição para o direito francês da Diretiva 95/46.

III. Factos e processo principal

18.      Depois de uma pessoa singular ter apresentado um pedido de supressão da lista de resultados, exibida após uma pesquisa efetuada a partir do seu nome, de hiperligações que conduzem a páginas web e de a Google ter dado cumprimento a este pedido, a presidente da Commission nationale de l’informatique et des libertés (Comissão Nacional da Informática e das Liberdades) (CNIL), por Decisão de 21 de maio de 2015, notificou a Google LLC no sentido de aplicar essa supressão a todas as extensões de nome de domínio do seu motor de busca.

19.      A Google recusou dar seguimento a esta notificação, limitando-se a suprimir unicamente as hiperligações em causa dos resultados que são exibidos em resposta a pesquisas efetuadas nas declinações do seu motor cujo nome de domínio corresponde a um Estado‑Membro da União.

20.      Por outro lado, a CNIL julgou insuficiente a proposta complementar dita de «bloqueio geográfico» apresentada pela Google depois de expirado o prazo constante da notificação, que consistia na supressão da possibilidade de aceder, a partir de um endereço IP presumivelmente localizado no Estado de residência da pessoa em causa, aos resultados controvertidos na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do seu nome, independentemente da declinação do motor de busca escolhido pelo internauta.

21.      Depois de ter verificado que a Google não deu cumprimento à notificação dentro do prazo que lhe foi concedido, a CNIL, por deliberação de 10 de março de 2016, aplicou‑lhe uma sanção, tornada pública, de 100 000 euros.

22.      Por petição apresentada no Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), a Google pede a anulação desta deliberação.

23.      No âmbito desse processo, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) julgou admissíveis as intervenções da Wikimedia Foundation Inc., da Fondation pour la liberté de la presse, da Microsoft Corp., do Reporters Committee for Freedom of the Press e o., do Article 19 e o., bem como da Internet Freedom Foundation e o., por estes terem justificado ter um interesse suficiente na anulação da decisão impugnada.

24.      O Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) salienta que o tratamento de dados pessoais efetuado pelo motor de busca explorado pela Google é abrangido, atendendo às atividades de promoção e de venda dos espaços publicitários realizadas em França por meio da sua filial Google France, pelo âmbito de aplicação da Lei de 6 de janeiro de 1978, que assegurou a transposição da Diretiva 95/46 para o direito francês.

25.      O Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) constata, por outro lado, que o motor de busca explorado pela Google se declina em diferentes nomes de domínio por extensões geográficas, para adaptar os resultados exibidos às especificidades, nomeadamente linguísticas, dos diferentes Estados nos quais esta sociedade exerce a sua atividade. Quando a pesquisa é efetuada a partir de «google.com», a Google, em princípio, redireciona automaticamente essa pesquisa para o nome de domínio que corresponde ao Estado a partir do qual, devido à identificação do endereço IP do internauta, se presume que essa pesquisa é efetuada. Contudo, independentemente da sua localização, o internauta continua a poder efetuar as suas pesquisas nos outros nomes de domínio do motor de busca. Por outro lado, embora os resultados possam diferir consoante o nome de domínio a partir do qual a referida pesquisa é efetuada no motor, é facto assente que as hiperligações exibidas na sequência de uma pesquisa provêm de bases de dados e de um trabalho de indexação comuns.

26.      O Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) entende que — atendendo, por um lado, ao facto de todos os nomes de domínio do motor de busca da Google estarem acessíveis no território francês e, por outro, à existência de gateways entre estes diferentes nomes de domínio, ilustrados nomeadamente pela redireção automática, e, além disso, à presença de cookies (ficheiros que comprovam a conexão) noutras extensões do motor diferentes daquelas que foram inicialmente inseridas — se deve considerar que este motor, que, aliás, foi objeto de uma única declaração junto da CNIL, realiza um tratamento de dados pessoais para efeitos da aplicação da Lei de 6 de janeiro de 1978. Daqui resulta que o tratamento de dados pessoais realizado pelo motor de busca explorado pela Google é efetuado no âmbito de uma das suas instalações, a Google France, que tem sede em território francês e que está, a este título, sujeita à Lei de 6 de janeiro de 1978.

27.      No Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), a Google sustenta que a sanção controvertida assenta numa interpretação errada das disposições da Lei de 6 de janeiro de 1978, que transpõem o artigo 12.o, alínea b), e o artigo 14.o, alínea a), da Diretiva 95/46, ao abrigo dos quais o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão Google Spain e Google (5), reconheceu um «direito à supressão de referências». A Google alega que este direito não implica necessariamente que as hiperligações controvertidas sejam suprimidas, sem limitação geográfica, em todos os nomes de domínio do seu motor. Além disso, ao adotar esta interpretação, a CNIL violou os princípios da cortesia e da não ingerência reconhecidos pelo direito internacional público e violou de forma desproporcionada as liberdades de expressão, de informação, de comunicação e de imprensa garantidas, nomeadamente, pelo artigo 11.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

IV.    Questões prejudiciais e processo no Tribunal de Justiça

28.      Tendo constatado que esta argumentação suscita várias dificuldades sérias de interpretação da Diretiva 95/46, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o “direito à [supressão de referências]”, como consagrado pelo [Tribunal de Justiça] no seu Acórdão de 13 de maio de 2014, [Google Spain e Google (6),] com fundamento nas disposições dos artigos 12.o, alínea b), e 14.o, [primeiro parágrafo,] alínea a), da [D]iretiva [95/46], ser interpretado no sentido de que o operador de um motor de busca é obrigado, quando acolhe um pedido de [supressão de referências] de uma hiperligação, a efetuar essa [supressão de referências] em todos os nomes de domínio do seu motor, de forma a que as [hiper]ligações controvertidas deixem de ser exibidas, seja qual for o local a partir do qual é efetuada a pesquisa com base no nome do requerente, incluindo fora do âmbito de aplicação territorial da [D]iretiva [95/46]?

2)      Em caso de resposta negativa a esta primeira questão, deve o “direito à [supressão de referências]”, como consagrado pelo [Tribunal de Justiça] no seu acórdão supra referido, ser interpretado no sentido de que o operador de um motor de busca apenas é obrigado, quando acolhe um pedido de supressão de uma hiperligação, a suprimir as [hiper]ligações controvertidas dos resultados exibidos na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do nome do requerente no nome de domínio correspondente ao Estado onde se considere que o pedido foi efetuado ou, de forma mais genérica, nos nomes de domínio do motor de busca que correspondem às extensões nacionais desse motor para todos os Estados‑Membros […]?

3)      Além disso, em complemento da obrigação invocada na segunda questão, deve o “direito à [supressão de referências]”, como consagrado pelo [Tribunal de Justiça] no seu acórdão supra referido, ser interpretado no sentido de que o operador de um motor de busca, quando acolhe um pedido de [supressão de referências] de uma hiperligação, é obrigado, através da técnica designada “bloqueio geográfico”, a partir de um endereço IP supostamente localizado no Estado de residência do beneficiário do “direito à [supressão de referências]”, a suprimir os resultados controvertidos das pesquisas efetuadas a partir do seu nome, ou mesmo, de forma mais genérica, a partir de um endereço IP supostamente localizado num dos Estados‑Membros aos quais se aplica a [D]iretiva [95/46], independentemente do nome de domínio utilizado pelo internauta que efetue a busca?»

29.      A Google, a CNIL, a Wikimedia Foundation, a Fondation pour la liberté de la presse, o Reporters Committee for Freedom of the Press e o., o Article 19 e o., a Internet Freedom Foundation e o., o Défenseur des droits, os Governos francês, irlandês, grego, italiano, austríaco e polaco e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas.

30.      Todas as partes, com exceção do Défenseur des droits, do Governo italiano e da Microsoft, foram ouvidas na audiência que se realizou em 11 de setembro de 2018.

V.      Análise

31.      As questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio não dizem respeito à interpretação das disposições do Regulamento 2016/679 mas à interpretação das disposições da Diretiva 95/46. Ora, a revogação da diretiva efetuada por este regulamento, o qual é aplicável desde 25 de maio de 2018 (7), produziu efeitos nesta mesma data (8).

32.      Uma vez que, no direito administrativo francês, a lei aplicável a um litígio é a lei que estava em vigor no dia em que foi adotada a decisão que veio a ser impugnada, não há dúvidas de que é a Diretiva 95/46 que se aplica ao litígio no processo principal. Por conseguinte, são as disposições desta diretiva que o Tribunal de Justiça é chamado a interpretar.

A.      Primeira questão prejudicial

33.      Com a sua primeira questão prejudicial, o Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) pergunta ao Tribunal de Justiça, em substância, se um operador de um motor de busca é obrigado, quando dá cumprimento a um pedido de supressão de referências, a efetuar essa supressão de referências em todos os nomes de domínio do seu motor, para que as hiperligações controvertidas deixem de ser exibidas, seja qual for o local a partir do qual é efetuada a pesquisa que é lançada sobre o nome do requerente.

34.      A CNIL, o Défenseur des droits e os Governos francês, italiano e austríaco invocam a necessidade de uma proteção eficaz e completa do direito à proteção dos dados pessoais, garantido no artigo 8.o da Carta, e ao efeito útil do direito à supressão de referências, decorrente do artigo 12.o, alínea b), e do artigo 14.o, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46, alegando que é necessária uma obrigação de supressão de referências mundial para assegurar a efetividade destes direitos. Esta parece ser também a posição expressa pelo «Grupo de Trabalho “Artigo 29.o” sobre a Proteção de Dados» (9) nas suas «Linhas orientadoras relativas à aplicação do Acórdão [Google Spain e Google (10)]» de 26 de novembro de 2014 (11) (a seguir «linhas orientadoras»). Com efeito, este grupo salienta «[que] para dar pleno efeito aos direitos das pessoas em causa, definidas no acórdão do Tribunal de Justiça, as decisões de supressão de referências devem ser executadas de forma a garantir a proteção eficaz e completa dos direitos das pessoas em causa e de forma a que a legislação europeia não possa ser contornada. Neste sentido, a limitação da supressão de referências aos domínios da União Europeia por os utilizadores terem tendência a aceder aos motores de busca por intermédio dos seus domínios nacionais não pode ser considerada um fundamento suficiente para garantir de forma satisfatória os direitos das pessoas em causa, de acordo com o acórdão do Tribunal de Justiça. Na prática, isto significa que qualquer supressão de referências deverá também ser aplicada a todos os domínios em causa, incluindo aos domínios.com» (12).

35.      Em contrapartida, a Google, a Wikimedia Foundation, a Fondation pour la liberté de la presse, o Reporters Committee for Freedom of the Press e o., o Article 19 e o., a Internet Freedom Foundation e o., os Governos irlandês, grego e polaco e a Comissão alegam, em substância, que a previsão de um direito à supressão de referências mundial assente no direito da União não seria compatível com este direito nem com o direito internacional público e constituiria um precedente perigoso que convidaria os regimes autoritários a exigir também a implementação à escala mundial das suas decisões de censura.

36.      A ideia de uma supressão de referências mundial pode parecer sedutora pela sua radicalidade, clareza, simplicidade e eficácia. No entanto, esta solução não me convence, visto que só toma em consideração um lado da moeda, a saber, a proteção de dados de uma pessoa.

1.      Quanto ao Acórdão Google Spain e Google

37.      O Acórdão Google Spain e Google (13) constitui o ponto de partida da minha análise.

38.      Este acórdão não determina o âmbito geográfico da aplicação de um direito à supressão de referências. No entanto, contém uma série de elementos, especialmente no que respeita à questão do âmbito de aplicação territorial da Diretiva 95/46, a qual merece ser aqui recordada.

39.      Uma das questões que estava em causa era a de saber em que condições a Diretiva 95/46 se aplica territorialmente ao tratamento dos dados pessoais efetuado no âmbito da atividade de um motor de busca como a Google Search, que é operada pela Google Inc., sociedade-mãe do grupo Google, cuja sede social se encontra nos Estados Unidos.

40.      A este respeito, o Tribunal de Justiça declarou — ao abrigo do artigo 4.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 95/46, que prevê como critério que o «tratamento [de dados pessoais é] efetuado no contexto das atividades de um estabelecimento do responsável [por esse] tratamento situado no território [de um] Estado‑Membro» — que o âmbito de aplicação territorial da Diretiva 95/46 abrange os casos em que o operador de um motor de busca cria num Estado‑Membro uma sucursal ou uma filial destinada a assegurar a promoção e a venda dos espaços publicitários propostos por esse motor e cuja atividade é dirigida aos habitantes desse Estado‑Membro (como a Google Spain ou, no caso em apreço, a Google France) (14).

41.      Assim, o Tribunal de Justiça rejeitou o argumento avançado pela Google Spain e pela Google Inc., por meio do qual alegaram que o tratamento de dados pessoais em causa não era efetuado «no âmbito das atividades» da Google Spain, mas exclusivamente pela Google Inc., que aparentemente operava a Google Search sem nenhuma intervenção da Google Spain, cuja atividade se limitava a prestar apoio à atividade publicitária do grupo Google e que era distinta do seu serviço de motor de busca.

42.      A este respeito, o Tribunal de Justiça clarificou que a Diretiva 95/46 tinha por objetivo assegurar uma proteção eficaz e completa das liberdades e dos direitos fundamentais das pessoas singulares, nomeadamente do direito à vida privada, no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais, e que a expressão «no contexto das atividades» não pode ser objeto de interpretação restritiva (15). Além disso, resulta do artigo 4.o da Diretiva 95/46 que o legislador da União pretendeu evitar que uma pessoa seja privada da proteção garantida por essa diretiva e que essa proteção seja contornada, estabelecendo um âmbito de aplicação particularmente amplo (16).

2.      Quanto ao local a partir do qual a pesquisa é lançada

43.      À semelhança do que sucede no presente processo, no processo Google Spain e Google (17), o litígio no processo principal opunha a Google (18), enquanto requerente, a uma agência estatal de proteção de dados (19) a respeito de uma decisão dessa agência.

44.      No entanto, a pessoa que está no centro do Acórdão Google Spain e Google (20) é claramente aquela cujos dados pessoais devem ser protegidos. É aos direitos desta pessoa que o Tribunal de Justiça dá prioridade. A perspetiva da pessoa que procura informações só surge neste acórdão de forma incidental (21). Por conseguinte, ao mencionar apenas «a lista dos resultado exibida na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do nome de uma pessoa», o Tribunal de Justiça não precisou o contexto em que a pesquisa foi efetuada, por quem nem a partir de onde.

45.      Embora as disposições da Diretiva 95/46 visem, assim, proteger os direitos fundamentais, ao abrigo dos artigos 7.o e 8.o da Carta, da pessoa «pesquisada» e, de seguida, «referenciada», estas disposições são, no entanto, mudas no que respeita à questão da territorialidade da supressão de referências. A título de exemplo, nem estas disposições nem o Acórdão Google Spain e Google (22) precisam se uma pesquisa efetuada a partir de Singapura deve ser objeto de um tratamento diferente de uma pesquisa efetuada a partir de Paris ou Katowice.

46.      Na minha opinião, impõe‑se uma diferenciação em função do lugar a partir do qual a pesquisa é efetuada. As pesquisas efetuadas fora do território da União não devem ser objeto de uma supressão de referências relativas aos resultados de pesquisa.

a)      Quanto à aplicação territorial da Diretiva 95/46

47.      Nos termos do artigo 52.o, n.o 1, TUE, os Tratados aplicam‑se aos 28 Estados‑Membros (23). O território de um Estado‑Membro é definido pelo direito nacional e pelo direito internacional público (24). O artigo 52.o, n.o 2, TUE acrescenta que o âmbito de aplicação territorial dos Tratados é precisado no artigo 355.o TFUE (25). Fora deste território, o direito da União não se poderá, em princípio, aplicar nem, por conseguinte, criar direitos e obrigações.

48.      Por conseguinte, põe‑se a questão de saber se, por uma razão excecional, o âmbito de aplicação da Diretiva 95/46 excede as fronteiras territoriais acima referidas, ou seja, se as disposições desta diretiva devem ser interpretadas de forma ampla, a ponto de produzir efeitos além destas fronteiras.

49.      Penso que não.

50.      É certo que em algumas situações o direito da União admite efeitos extraterritoriais.

51.      Como sublinha igualmente o Governo francês, de acordo com jurisprudência constante no direito da concorrência, o facto de uma empresa que participa num acordo anticoncorrencial ou que executa uma prática dessa natureza estar situada num Estado terceiro não obsta à aplicação das regras da concorrência da União nos termos dos artigos 101.o e 102.o TFUE, já que esse acordo produz efeitos no território do mercado interno (26).

52.      Em matéria de direito das marcas, o Tribunal de Justiça declarou que a efetividade das regras relativas à proteção dos direitos das marca (27) seria prejudicada caso o uso, numa proposta de venda ou numa publicidade na Internet destinada a consumidores situados na União, de um sinal idêntico ou semelhante a uma marca registada na União escapasse à aplicação daquelas pelo simples facto de o terceiro que apresentou esta proposta de venda ou publicidade se encontrar estabelecido num Estado terceiro, de o servidor do sítio Internet que utiliza se situar neste Estado ou ainda de o produto objeto da referida proposta de venda ou da referida publicidade se situar num Estado terceiro (28).

53.      Estes dois tipos de situação constituem, na minha opinião, situações extremas de natureza excecional. Nestas duas situações, o que é crucial é o efeito produzido no mercado interno (ainda que outros mercados também sejam afetados). O mercado interno é um território claramente delimitado pelos Tratados. Em contrapartida, a Internet é, por natureza, mundial e, de certa forma, está presente em toda a parte. Por conseguinte, é difícil fazer analogias e comparações.

b)      Quanto aos efeitos extraterritoriais dos direitos fundamentais

54.      Na minha opinião, também não se pode invocar, como faz o Défenseur des droits, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem relativa aos efeitos extraterritoriais da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950, no âmbito da extradição de uma pessoa para um país terceiro (29), e isto por duas razões.

55.      Primeira, o âmbito de aplicação da Carta segue o âmbito de aplicação do direito da União e não o contrário, o que está expressamente especificado no artigo 51.o, n.o 2, da Carta (30).

56.      Segunda, esta jurisprudência diz respeito aos casos específicos da pena de morte e de proibição da tortura, direitos do Homem esses que constituem a base do Estado de Direito e que não podem ser objeto de derrogação (31).

57.      Em contrapartida, e este é, de certo modo, o ponto crucial deste processo, deve proceder‑se a uma ponderação entre o «direito a ser esquecido» e outros direitos fundamentais.

c)      Quanto à ponderação dos direitos fundamentais

58.      O argumento principal contra uma obrigação de supressão de referências à escala mundial é o da ponderação dos direitos fundamentais e dos respetivos ensinamentos decorrentes do Acórdão Google Spain e Google (32). Neste processo, o Tribunal de Justiça atribuiu grande importância à ponderação entre, por um lado, o direito à proteção dos dados e à vida privada e, por outro, o interesse legítimo do público em aceder à informação procurada.

59.      É facto assente que o direito à proteção dos dados e o direito à vida privada são direitos que decorrem dos artigos 7.o e 8.o da Carta e que devem apresentar um vínculo com o direito da União e com a sua territorialidade. Sucede o mesmo com o interesse legítimo do público em aceder à informação procurada. No que respeita à União, este direito decorre do artigo 11.o da Carta. O público visado não é um público mundial, mas está abrangido pelo âmbito de aplicação da Carta, e é, por conseguinte, europeu.

60.      Se se viesse a admitir uma supressão de referências mundial, as autoridades da União não teriam condições de definir e de determinar um direito a receber informações, e muito menos de o ponderar com os outros direitos fundamentais da proteção de dados e a vida privada. Tanto mais que esse interesse do público em aceder a uma informação vai forçosamente variar em função da sua localização geográfica, de um Estado terceiro para outro.

61.      Por outro lado, haveria o perigo de a União impedir as pessoas em países terceiros de aceder à informação. Se uma autoridade na União pudesse ordenar uma supressão de referências à escala mundial, estaria a enviar‑se um sinal desastroso aos países terceiros, os quais poderiam também ordenar uma supressão de referências ao abrigo das suas próprias leis. Imaginemos que, por qualquer razão, países terceiros interpretam alguns dos seus direitos num sentido que impede as pessoas situadas num Estado‑Membro da União de aceder a uma informação procurada. Existiria um risco real de nivelamento por baixo, em detrimento da liberdade de expressão, à escala europeia e mundial (33).

62.      Os desafios em causa não exigem, assim, que as disposições da Diretiva 95/46 sejam aplicadas além do território da União. Isto não significa, contudo, que o direito da União nunca se possa aplicar a um operador de um motor de busca como a Google que empreende ações mundialmente. Não excluo que possa haver situações em que o interesse da União exija que disposições da Diretiva 95/46 sejam aplicadas além do território da União. Todavia, numa situação como a do presente processo, não há razões para aplicar as disposições da Diretiva 95/46 dessa forma.

63.      Proponho, por conseguinte, ao Tribunal de Justiça que responda à primeira questão prejudicial que as disposições do artigo 12.o, alínea b), e do artigo 14.o, alínea a), da Diretiva 95/46 devem ser interpretadas no sentido de que o operador de um motor de busca não é obrigado, quando dá cumprimento a um pedido de supressão de referências, a efetuar essa supressão de referências em todos os nomes de domínio do seu motor para que as hiperligações controvertidas deixem de ser exibidas, seja qual for o local a partir do qual é efetuada a pesquisa que é lançada sobre o nome do requerente.

B.      Segunda e terceira questões prejudiciais

64.      Por a proposta de resposta à primeira questão ser negativa, importa prosseguir a análise, tratando de forma conjunta a segunda e a terceira questões.

65.      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o operador de um motor de busca, quando dá cumprimento a um pedido de supressão de referências a uma hiperligação, só é obrigado a suprimir as hiperligações controvertidas dos resultados exibidos na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do nome do requerente no nome de domínio que corresponde ao Estado onde presumivelmente o pedido foi efetuado ou se, de forma mais genérica, tem de proceder a essa supressão de referências nos nomes de domínio do motor de busca que correspondem às extensões nacionais desse motor para todos os Estados‑Membros da União.

66.      A terceira questão, que é submetida «em complemento» à segunda questão, pretende determinar se o operador de um motor de busca que dá cumprimento a um pedido de supressão de referências é obrigado, por meio da técnica designada «bloqueio geográfico», a partir de um endereço IP presumivelmente localizado no Estado de residência do beneficiário do «direito à supressão de referências», a suprimir os resultados controvertidos das pesquisas efetuadas a partir do seu nome, ou inclusivamente, de forma mais genérica, a partir de um endereço IP presumivelmente localizado num dos Estados‑Membros aos quais se aplica a Diretiva 95/46, independentemente do nome de domínio utilizado pelo internauta que efetue a pesquisa.

67.      Nas suas questões prejudiciais, o órgão jurisdicional de reenvio estabelece um vínculo indissociável entre, por um lado, o nome de domínio de um motor de busca (34) e, por outro, o local a partir do qual é efetuada uma pesquisa na Internet sobre o nome de uma pessoa(35).

68.      No que diz respeito à primeira questão prejudicial, esse vínculo é natural: se o operador de um motor de busca tornar inacessíveis os resultados de uma pesquisa em todos os seus nomes de domínio, as hiperligações controvertidas deixarão obviamente de ser visíveis, seja qual for o local a partir do qual é efetuada a pesquisa que é lançada.

69.      Em contrapartida, se se responder de forma negativa à primeira questão, como me proponho fazer, esse vínculo já não se imporá. Com efeito, como o próprio órgão jurisdicional de reenvio salienta, qualquer pessoa continua a poder efetuar as suas pesquisas em qualquer nome de domínio do motor de busca. Por exemplo, a extensão google.fr não está limitada às pesquisas efetuadas a partir de França.

70.      Esta possibilidade pode, contudo, ser limitada pela tecnologia dita de «bloqueio geográfico».

71.      O bloqueio geográfico é uma técnica que limita o acesso ao conteúdo Internet em função da situação geográfica do utilizador. Num sistema de bloqueio geográfico, a localização do utilizador é determinada por meio do recurso a técnicas de geolocalização, tais como a verificação do endereço IP do utilizador. O bloqueio geográfico, que constitui uma forma de censura, é tido por injustificado no direito do mercado interno da União, onde é objeto, nomeadamente, de um regulamento que visa impedir os profissionais que exercem as suas atividades num Estado‑Membro de bloquear ou de limitar o acesso de clientes originários de outros Estados‑Membros interessados em realizar transações transfronteiriças nas suas interfaces em linha (36).

72.      Uma vez que o bloqueio geográfico é aceite, pouco importa o nome de domínio do operador do motor de busca utilizado. Proponho, assim, que se aborde a terceira questão antes da segunda.

73.      No Acórdão Google Spain e Google (37), o Tribunal de Justiça declarou que o operador de um motor de busca deve assegurar, no âmbito das suas responsabilidades, das suas competências e das suas possibilidades, que a atividade do referido motor satisfaça as exigências da Diretiva 95/46, para que as garantias nesta previstas possam produzir pleno efeito e se possa efetivamente realizar uma proteção eficaz e completa das pessoas em causa, designadamente do seu direito ao respeito pela sua vida privada (38).

74.      Tendo sido constatado que existe um direito à supressão de referências, cabe, assim, ao operador de um motor de busca tomar todas as medidas que estejam à sua disposição para assegurar uma supressão de referências eficaz e completa (39). Este operador deve empreender todas as medidas que lhe sejam tecnicamente possíveis. No que diz respeito ao processo principal, tal inclui, nomeadamente, a técnica dita de «bloqueio geográfico», e isto independentemente do nome de domínio utilizado pelo internauta que efetue a pesquisa.

75.      Uma supressão de uma hiperligação não deve ser efetuada no âmbito nacional, como irei explicar nas linhas que se seguem, mas no âmbito da União Europeia.

76.      Tendo o «objetivo de garantir um elevado nível de proteção na [União]» (40), a Diretiva 95/46 visa instaurar um sistema completo de proteção de dados que ultrapasse as fronteiras nacionais. Assente no ex‑artigo 100.oA TCE (41), a Diretiva 95/46 inscreve‑se numa lógica de mercado interno que comporta, é preciso recordar, um espaço sem fronteiras interiores (42). Daqui resulta que uma supressão de referências nacional contrariaria este objetivo de harmonização e de efeito útil das disposições da Diretiva 95/46 (43).

77.      Por outro lado, importa salientar que, sob a égide do Regulamento 2016/679, esta questão nem sequer se põe, uma vez que este regulamento é, enquanto tal, «diretamente aplicável em todos os Estados‑Membros» (44). Assente no artigo 16.o TFUE, o Regulamento 2016/679 transcende a abordagem do mercado interno da Diretiva 95/46 e visa assegurar um sistema completo de proteção de dados pessoais na União (45). Este regulamento refere‑se sistematicamente à União, ao território da União ou aos Estados‑Membros (46).

78.      Proponho, assim, que se responda à segunda e à terceira questões prejudiciais que o operador de um motor de busca é obrigado a suprimir as hiperligações controvertidas dos resultados exibidos na sequência de uma pesquisa a partir do nome do requerente efetuada num local situado na União Europeia. Neste contexto, este operador é obrigado a tomar todas as medidas que estiverem à sua disposição para assegurar uma supressão de referências eficaz e completa. Isto inclui, nomeadamente, a técnica denominada «bloqueio geográfico», a partir de um endereço IP presumivelmente localizado num dos Estados‑Membros sujeitos à Diretiva 95/46, independentemente do nome de domínio utilizado pelo internauta que efetue a pesquisa.

VI.    Conclusão

79.      Atendendo a todas as considerações que precedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda às questões prejudiciais submetidas pelo Conseil d’État (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, França) da seguinte forma:

1)      As disposições do artigo 12.o, alínea b), e do artigo 14.o, alínea a), da Diretiva 95/46/CE do Parlamento e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, devem ser interpretadas no sentido de que o operador de um motor de busca não é obrigado, quando dá cumprimento a um pedido de supressão de referências, a efetuar essa supressão de referências em todos os nomes de domínio do seu motor para que as hiperligações controvertidas deixem de ser exibidas, seja qual for o local a partir do qual é efetuada a pesquisa que é lançada sobre o nome do requerente.

2)      O operador de um motor de busca é obrigado a suprimir as hiperligações controvertidas dos resultados exibidos na sequência de uma pesquisa a partir do nome do requerente efetuada num local situado na União Europeia. Neste contexto, este operador é obrigado a tomar todas as medidas que estiverem à sua disposição para assegurar uma supressão de referências eficaz e completa. Isto inclui, nomeadamente, a técnica denominada «bloqueio geográfico», a partir de um endereço IP presumivelmente localizado num dos Estados‑Membros sujeitos à Diretiva 95/46, independentemente do nome de domínio utilizado pelo internauta que efetue a pesquisa.


1      Língua original: francês.


2      Acórdão de 13 de maio de 2014 (C‑131/12, EU:C:2014:317).


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 24 de outubro de 1995, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados (JO 1995, L 281, p. 31).


4      Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, e que revoga a Diretiva 95/46 (Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados) (JO 2016, L 119, p. 1), e retificativo (JO 2018, L 127, p. 2).


5      Acórdão de 13 de maio de 2014 (C‑131/12, EU:C:2014:317).


6      Acórdão de 13 de maio de 2014 (C‑131/12, EU:C:2014:317).


7      Nos termos do artigo 99.o, n.o 2, do Regulamento 2016/679.


8      V. artigo 94.o, n.o 1, do Regulamento 2016/679.


9      Com a entrada em vigor do Regulamento 2016/679, este grupo de trabalho foi substituído pelo Comité Europeu para a Proteção de Dados (v. artigos 68.o e 94.o, n.o 2, do Regulamento 2016/679).


10      Acórdão de 13 de maio de 2014 (C‑131/12, EU:C:2014:317).


11      Disponível em http://ec.europa.eu/justice/article‑29/documentation/opinion‑recommendation/files/2014/wp225_fr.pdf.


12      V. n.o 7 das linhas orientadoras.


13      Acórdão de 13 de maio de 2014 (C‑131/12, EU:C:2014:317).


14      V. Acórdão de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google (C‑131/12, EU:C:2014:317, n.o 60 e n.o 2 do dispositivo).


15      V. Acórdão de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google (C‑131/12, EU:C:2014:317, n.o 53).


16      V. Acórdão de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google (C‑131/12, EU:C:2014:317, n.o 54).


17      Acórdão de 13 de maio de 2014 (C‑131/12, EU:C:2014:317).


18      Mais concretamente, Google Spain SL e Google Inc.


19      A Agência Espanhola de Proteção de Dados no processo Google Spain e Google e a CNIL no presente processo.


20      Acórdão de 13 de maio de 2014 (C‑131/12, EU:C:2014:317).


21      Bem como aquele que os põe inicialmente em linha. V., também, as minhas Conclusões no processo C‑136/17, G.C. e o. (Supressão de referências a dados sensíveis) lidas no mesmo dia que as presentes conclusões, n.o 67.


22      Acórdão de 13 de maio de 2014 (C‑131/12, EU:C:2014:317).


23      Esta disposição confirma um princípio geral de direito internacional público segundo o qual as organizações internacionais não dispõem de um território próprio, sendo compostas pelos territórios dos seus Estados‑Membros. V. Kokott, J., «Artikel 52 EUV», in Streinz, R. (ed.), EUV/AEUV, Beck, 2.a edição, Munique, 2012, n.o 1.


24      V., também, a este respeito, Acórdão de 29 de março de 2007, Aktiebolaget NN (C‑111/05, EU:C:2007:195, n.o 54), no qual o Tribunal de Justiça declarou, no que diz respeito ao artigo 299.o CE, atual artigo 355.o TFUE, que, «[n]a ausência, no Tratado, de uma definição mais precisa do território abrangido pela soberania de cada Estado‑Membro, cabe a cada um dos Estados‑Membros determinar a extensão e os limites desse território, em conformidade com as regras do direito internacional público».


25      Quanto ao artigo 355.o TFUE, v., também, as minhas Conclusões no processo The Gibraltar Betting and Gaming Association (C‑591/15, EU:C:2017:32, n.os 54 e segs.).


26      V. Acórdão de 6 de setembro de 2017, Intel/Comissão (C‑413/14 P, EU:C:2017:632, n.o 43).


27      Neste caso concreto e à data dos factos, o artigo 5.o, n.o 3, alínea b) e d), da Primeira Diretiva 89/104/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1988, que harmoniza as legislações dos Estados‑Membros em matéria de marcas e o artigo 9.o, n.o 2, alínea b) e d), do Regulamento (CE) n.o 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1).


28      V. Acórdão de 12 de julho de 2011, L’Oréal e o. (C‑324/09, EU:C:2011:474, n.o63).


29      V. TEDH de 7 de julho de 1989, Soering c. Reino Unido, CE:ECHR:1989:0707JUD001403888; TEDH de 11 de julho de 2000, Jabari c. Turquia, CE:ECHR:2000:0711JUD004003598; TEDH de 15 de março de 2001, Ismaili c. Alemanha, n.o 58128/00; e TEDH de 4 de setembro de 2014, Trabelsi c. Bélgica, CE:ECHR:2014:0904JUD000014010.


30      V. também Acórdão de 26 de fevereiro de 2013, Åkerberg Fransson (C‑617/10, EU:C:2013:105, n.o 19).


31      V., no que diz respeito ao artigo 4.o da Carta, Acórdão de 5 de abril de 2016, Aranyosi e Căldăraru (C‑404/15 e C‑659/15 PPU, EU:C:2016:198, n.os 85 e 86 e referências expressas ao artigo 3.o e ao artigo 15.o, n.o 2, da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais).


32      Acórdão de 13 de maio de 2014 (C‑131/12, EU:C:2014:317).


33      V., também, Conclusões no processo Google Spain e Google (C‑131/12, EU:C:2013:424, n.o 121), nas quais o advogado‑geral N. Jääskinen considerou que o direito fundamental à informação merece especial proteção no direito da União, particularmente à luz da crescente tendência de os regimes autoritários limitarem o acesso à Internet ou censurarem os conteúdos que nesta são disponibilizados.


34      Por exemplo, google.fr, google.lu, google.za ou google.com.


35      Por exemplo, França, Luxemburgo, África do Sul ou Estados Unidos.


36      V. Regulamento (UE) 2018/302 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 28 de fevereiro de 2018, que visa prevenir o bloqueio geográfico injustificado e outras formas de discriminação baseadas na nacionalidade, no local de residência ou no local de estabelecimento dos clientes no mercado interno, e que altera os Regulamentos (CE) n.o 2006/2004 e (UE) 2017/2394 e a Diretiva 2009/22/CE (JO 2018, L 601, p. 1).


37      Acórdão de 13 de maio de 2014 (C‑131/12, EU:C:2014:317).


38      V. Acórdão de 13 de maio de 2014, Google Spain e Google (C‑131/12, EU:C:2014:317, n.o 38).


39      No Acórdão de 15 de setembro de 2016, Mc Fadden (C‑484/14, EU:C:2016:689, n.o 96), o Tribunal de Justiça sublinhou, a respeito das violações do direito da propriedade intelectual, que as medidas tomadas pelo destinatário de uma injunção para cumprimento da mesma devem ser suficientemente eficazes para assegurar uma proteção efetiva do direito fundamental em questão, ou seja, devem ter o efeito de impedir ou, pelo menos, de tornar dificilmente realizáveis as consultas não autorizadas de material protegido e de desencorajar seriamente os utilizadores da Internet que recorrem aos serviços do destinatário da injunção de consultar esse material, colocado à sua disposição em violação do referido direito fundamental. V., também, Acórdão de 27 de março de 2014, UPC Telekabel Wien (C‑314/12, EU:C:2014:192, n.o 62). Semelhante raciocínio pode ser transposto para o presente processo.


40      V. considerando 10 da Diretiva 95/46.


41      Atual artigo 114.o TFUE.


42      V. artigo 26.o, n.o 2, TFUE.


43      Em contrapartida, invocar a Carta nesta sede, como fazem algumas partes, parece‑me difícil, uma vez que esta só se aplica no âmbito de aplicação do direito da União. O seu âmbito de aplicação é assim determinado pelo âmbito de aplicação da Diretiva 95/46, e não o contrário.


44      V. artigo 288.o, n.o 2, TFUE e, de forma declaratória, Regulamento 2016/679, in fine.


45      Importa acrescentar, para ser absolutamente justo, que a disposição do artigo 16.o TFUE não existia quando a Diretiva 95/46 foi adotada, razão pela qual esta última encontra o seu fundamento no artigo 114.o TFUE (à época, artigo 110.oA TCE).


46      No plural.