Language of document : ECLI:EU:C:2017:593

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

26 de julho de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial — Redes e serviços de comunicações eletrónicas — Serviços de telecomunicações — Diretivas 2002/20/CE, 2002/21/CE e 2002/77/CE — Atribuição de direitos de utilização de radiofrequências de difusão digital terrestre para rádio e televisão — Anulação de um processo de seleção gratuito (“concurso de beleza”) em curso e sua substituição por um processo de leilão — Intervenção do legislador nacional — Independência das autoridades reguladoras nacionais — Consulta prévia — Critérios de atribuição — Confiança legítima»

No processo C‑560/15,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), por decisão de 11 de junho de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 30 de outubro de 2015, no processo

Europa Way Srl,

Persidera SpA

contra

Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni,

Ministero dello Sviluppo economico.,

Presidenza del Consiglio dei Ministri,

Ministero dell’Economia e delle Finanze,

sendo interveniente:

Elettronica Industriale SpA,

Cairo Network Srl,

Tivuitalia SpA,

Radiotelevisione italiana SpA (RAI),

Sky Italia Srl,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: T. von Danwitz, presidente de secção, E. Juhász, C. Vajda, K. Jürimäe (relatora) e C. Lycourgos, juízes,

advogado‑geral: J. Kokott,

secretário: X. Lopez Bancalari, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 2 de fevereiro de 2017,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Europa Way Srl, por A. Terranova, A. Marcantonio, F. Ferraro e R. Mastroianni, avvocati,

–        em representação da Persidera SpA, por F. Pace, L. Sabelli e B. Caravita di Toritto, avvocati,

–        em representação da Elettronica Industriale SpA, por L. Medugno, G. Rossi e A. Lauteri, avvocati,

–        em representação da Cairo Network Srl, por F. Elefante e D. Ielo, avvocati,

–        em representação da Radiotelevisione italiana SpA (RAI), por G. de Vergottini e P. Cotone, avvocati,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino, avvocato dello Stato,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Nicolae, L. Malferrari e G. Braun, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões da advogada‑geral na audiência de 30 de março de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 56.o e 258.o TFUE, dos artigos 3.o, 5.o e 7.o da Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva autorização) (JO 2002, L 108, p. 21), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009 (JO 2009, L 337, p. 37) (a seguir «diretiva autorização»), dos artigos 3.o, 6.o, 8.o e 9.o da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva‑quadro) (JO 2002, L 108, p. 33), conforme alterada pela Diretiva 2009/140 (a seguir «diretiva‑quadro»), dos artigos 2.o e 4.o da Diretiva 2002/77/CE da Comissão, de 16 de setembro de 2002, relativa à concorrência nos mercados de redes e serviços de comunicações eletrónicas (JO 2002, L 249, p. 21, a seguir «diretiva concorrência»), bem como dos princípios da não discriminação, da transparência, da liberdade de concorrência, da proporcionalidade, da efetividade, do pluralismo de informação e da proteção da confiança legítima.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Europa Way Srl e a Persidera SpA à Autorità per le Garanzie nelle Communicazioni (Autoridade das Comunicações da Itália, a seguir «AGCOM»), ao Ministero dello Sviluppo economico (Ministério do Desenvolvimento Económico, Itália), à Presidenza del Consiglio dei Ministri (Presidência do Conselho de Ministros, Itália) e ao Ministero dell’Economia e delle Finanze (Ministério da Economia e Finanças, Itália), a respeito da legalidade do processo de seleção dos operadores para atribuição de direitos de utilização de frequências de rádio de difusão digital terrestre para rádio e televisão.

 Quadro jurídico

3        O novo quadro regulamentar comum aos serviços de comunicações eletrónicas, às redes de comunicações eletrónicas e aos recursos e serviços conexos (a seguir «NQRC») é composto pela diretiva—quadro e por quatro diretivas específicas, entre as quais a diretiva autorização, que são completadas pela diretiva concorrência.

 Diretivaquadro

4        Os considerandos 11 e 21 da diretiva—quadro têm a seguinte redação:

«(11)      De acordo com o princípio da separação das funções de regulação e operacional, os Estados‑Membros devem garantir a independência da autoridade ou autoridades reguladoras nacionais, com vista a garantir a imparcialidade das suas decisões. Este requisito de independência não prejudica a autonomia institucional e as obrigações constitucionais dos Estados‑Membros, nem o princípio, estabelecido no artigo [345.o TFUE], da neutralidade no que respeita ao regime da propriedade nos Estados‑Membros. […]

[…]

(21)      Os Estados‑Membros poderão usar, nomeadamente, processos de seleção concorrencial ou comparativa para a concessão de radiofrequências e de números com valor económico excecional. Na gestão de tais regimes, as autoridades reguladoras nacionais devem tomar em consideração o disposto no artigo 8.o [da diretiva‑quadro].»

5        O artigo 2.o, alínea g), da diretiva—quadro define «Autoridade reguladora nacional» (ARN) como «o organismo ou organismos encarregados por um Estado‑Membro de desempenhar as funções de regulação previstas na presente diretiva e nas diretivas específicas». Segundo este mesmo artigo 2.o, alínea l), entre as diretivas específicas conta‑se a diretiva autorização.

6        O artigo 3.o, n.o 3 e 3—A, da diretiva—quadro foi alterado pela Diretiva 2009/140. O seu considerando 13 enuncia:

«A independência das autoridades reguladoras nacionais deverá ser reforçada para garantir uma aplicação mais eficaz do quadro regulamentar e aumentar a sua autoridade e a previsibilidade das suas decisões. Para esse efeito, a legislação nacional deverá conter disposições que garantam expressamente que, no exercício das suas funções, a autoridade reguladora nacional competente para a regulação ex ante do mercado ou para a resolução de litígios entre empresas esteja protegida contra intervenções externas ou pressões políticas suscetíveis de pôr em causa a sua independência na avaliação das questões sobre as quais deva pronunciar‑se. Tais interferências externas fazem com que um organismo legislativo nacional seja inapto para agir como autoridade reguladora nacional nos termos do quadro regulamentar. […]»

7        O artigo 3.o da diretiva—quadro dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros deverão assegurar que cada uma das funções atribuídas às [ARN] pela presente diretiva e pelas diretivas específicas seja desempenhada por um organismo competente.

2.      Os Estados‑Membros garantirão a independência das [ARN], providenciando para que sejam juridicamente distintas e funcionalmente independentes de todas as organizações que asseguram a oferta de redes, equipamentos ou serviços de comunicações eletrónicas. Os Estados‑Membros que mantenham a propriedade ou o controlo de empresas que assegurem o fornecimento de redes e/ou serviços de comunicações eletrónicas garantirão uma separação total e efetiva entre a função de regulação, por um lado, e as atividades ligadas à propriedade ou à direção dessas empresas, por outro.

3.      Os Estados‑Membros devem assegurar que as [ARN] exerçam as suas competências com imparcialidade, transparência e tempestividade. Os Estados‑Membros devem assegurar que as [ARN] disponham de recursos financeiros e humanos adequados para desempenhar as funções que lhes foram atribuídas.

3—A.      Sem prejuízo do disposto nos n.os 4 e 5, as [ARN] responsáveis pela regulação ex ante do mercado ou pela resolução de litígios entre empresas nos termos dos artigos 20.o ou 21.o da presente diretiva devem agir com independência e não procurar obter nem aceitar instruções de qualquer outro organismo relativamente ao desempenho quotidiano das funções que lhes estão atribuídas por força do direito nacional que transpõe o direito comunitário. Tal não impede que sejam sujeitas a supervisão nos termos das disposições constitucionais nacionais. Apenas os organismos de recurso estabelecidos nos termos do artigo 4.o são competentes para suspender ou anular as decisões das [ARN].

[…]»

8        O artigo 4.o, n.o 1, primeiro parágrafo, da referida diretiva estabelece:

«Os Estados‑Membros devem garantir a existência de mecanismos eficazes a nível nacional, através dos quais qualquer utilizador ou empresa que ofereça redes e/ou serviços de comunicações eletrónicas que tenha sido afetado/a por uma decisão de uma [ARN] tenha o direito de interpor recurso dessa decisão junto de um órgão de recurso que seja independente das partes envolvidas. Esse órgão, que pode ser um tribunal, deve ter os meios de perícia necessários para poder exercer eficazmente as suas funções. Os Estados‑Membros assegurarão que o mérito da causa seja devidamente apreciado e que exista um mecanismo de recurso eficaz.»

9        Nos termos do artigo 6.o da referida diretiva:

«Salvo nos casos abrangidos pelo n.o 9 do artigo 7.o ou pelos artigos 20.o ou 21.o, os Estados‑Membros devem assegurar que as autoridades reguladoras nacionais, quando tencionem tomar medidas ao abrigo da presente diretiva ou das diretivas específicas, ou quando tencionem estabelecer restrições ao abrigo dos n.os 3 e 4 do artigo 9.o, que tenham um impacto significativo no mercado em causa, deem aos interessados a possibilidade de apresentarem observações sobre os projetos de medida num prazo razoável.

[…]»

10      O artigo 8.o da mesma diretiva prevê:

«1.      Os Estados‑Membros deverão assegurar que, no desempenho das funções de regulação constante da presente diretiva e das diretivas específicas, as autoridades reguladoras nacionais [ARN] tomem todas as medidas razoáveis para realizar os objetivos fixados nos n.os 2, 3 e 4. Tais medidas deverão ser proporcionais a esses objetivos.

[…]

2.      As [ARN] devem promover a concorrência na oferta de redes de comunicações eletrónicas, de serviços de comunicações eletrónicas e de recursos e serviços conexos […]

3.      As [ARN] devem contribuir para o desenvolvimento do mercado interno […]

4.      As [ARN] devem defender os interesses dos cidadãos da União Europeia […]»

11      O artigo 9.o da diretiva—quadro dispõe:

«1.      Tendo devidamente em conta que as radiofrequências são um bem público com um importante valor social, cultural e económico, os Estados‑Membros devem assegurar a gestão eficaz das radiofrequências para serviços de comunicações eletrónicas no seu território nos termos dos artigos 8.o e 8.o‑A. Devem assegurar que a atribuição do espectro utilizado para serviços de comunicações eletrónicas e a emissão de autorizações gerais ou de direitos individuais de utilização dessas radiofrequências pelas autoridades nacionais competentes se baseiem em critérios objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais.

[…]

3.      Salvo disposição em contrário do segundo parágrafo, os Estados‑Membros devem garantir que todos os tipos de tecnologia utilizados para os serviços de comunicações eletrónicas possam ser utilizados nas faixas de radiofrequências declaradas disponíveis para os serviços de comunicações eletrónicas no respetivo plano nacional de atribuição de frequências em conformidade com o direito [da União].

Os Estados‑Membros podem, no entanto, prever restrições proporcionais e não discriminatórias para os tipos de tecnologia utilizados para os serviços de comunicações eletrónicas, sempre que tal seja necessário para:

a)      Evitar interferências prejudiciais;

b)      Proteger a saúde pública contra os campos eletromagnéticos;

c)      Garantir a qualidade técnica do serviço;

d)      Garantir a maximização da partilha das radiofrequências;

e)      Salvaguardar a utilização eficiente do espectro; ou

f)      Assegurar o cumprimento de um objetivo específico de interesse geral em conformidade com o n.o 4.

4.      Salvo disposição em contrário do segundo parágrafo, os Estados‑Membros devem garantir que possam ser prestados todos os tipos de serviços de comunicações eletrónicas nas faixas de radiofrequências declaradas disponíveis para os serviços de comunicações eletrónicas no respetivo plano nacional de atribuição de frequências em conformidade com o direito [da União]. Os Estados‑Membros podem, no entanto, prever restrições proporcionais e não discriminatórias para os tipos de serviços de comunicações eletrónicas a oferecer, nomeadamente tendo em vista, sempre que necessário, o cumprimento de requisitos previstos nos Regulamentos das Radiocomunicações da [União Internacional das Telecomunicações].

[…]

5.      Os Estados‑Membros devem reavaliar periodicamente a necessidade das restrições e das medidas referidas nos n.os 3 e 4 e publicar os resultados dessas reavaliações.

[…]»

 Diretiva autorização

12      Os considerandos 11 e 23 da diretiva autorização têm a seguinte redação:

«(11)      Pode continuar a ser necessário conceder direitos específicos de utilização de radiofrequências […]. Esses direitos de utilização não devem ser restringidos, exceto quando for inevitável face à escassez de radiofrequências e com vista à sua utilização eficaz.

[…]

(23)      Ao estabelecerem os critérios a aplicar nos processos de seleção por concorrência ou comparação, as autoridades reguladoras nacionais devem assegurar que sejam cumpridos os objetivos previstos no artigo 8.o da [diretiva—quadro]. Não seria, portanto, contrário ao disposto nesta diretiva que a aplicação de critérios de seleção objetivos, não discriminatórios e proporcionais para promover o desenvolvimento da concorrência tivesse por efeito a exclusão de determinadas empresas de um processo de seleção concorrencial ou comparativo para uma certa radiofrequência.»

13      Nos termos do artigo 3.o desta diretiva:

«1.      Os Estados‑Membros garantirão a liberdade de oferecer serviços e redes de comunicações eletrónicas, sob reserva das condições fixadas na presente diretiva. Para o efeito, os Estados‑Membros não impedirão que uma empresa ofereça serviços ou redes de comunicações eletrónicas, exceto pelos motivos constantes do n.o 1 do artigo [52.o TFUE].

2.      A oferta de serviços de comunicações eletrónicas ou a oferta de redes de comunicações eletrónicas pode, sem prejuízo das obrigações específicas referidas no n.o 2 do artigo 6.o ou dos direitos de utilização referidos no artigo 5.o, apenas estar sujeita a uma autorização geral. Pode exigir‑se que a empresa em causa apresente uma notificação mas não que obtenha uma decisão expressa ou qualquer outro ato administrativo da autoridade reguladora nacional para poder exercer os direitos decorrentes da autorização. Após a notificação, se exigida, a empresa pode iniciar a sua atividade, sob reserva, se necessário, do disposto nos artigos 5.o, 6.o e 7.o sobre direitos de utilização.

[…]»

14      O artigo 5.o da mesma diretiva dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem facilitar a utilização de radiofrequências no quadro das autorizações gerais. Sempre que necessário, os Estados‑Membros podem conceder direitos individuais de utilização a fim de:

–        evitar interferências prejudiciais,

–        assegurar a qualidade técnica do serviço,

–        salvaguardar a utilização eficiente do espectro, ou

–        realizar outros objetivos de interesse geral, definidos pelos Estados‑Membros em conformidade com o direito [da União].

2.      Se for necessário conceder direitos individuais de utilização de radiofrequências e números, os Estados‑Membros concedem esses direitos, mediante pedido, a qualquer empresa para o fornecimento de redes ou serviços ao abrigo da autorização geral referida no artigo 3.o, sem prejuízo do disposto nos artigos 6.o, 7.o e na alínea c) do n.o 1 do artigo 11.o da presente diretiva e de quaisquer outras regras que garantam a utilização eficiente desses recursos, em conformidade com a [diretiva—quadro].

Sem prejuízo dos critérios e procedimentos específicos aprovados pelos Estados‑Membros para a concessão de direitos de utilização de radiofrequências aos fornecedores de serviços de conteúdos de radiodifusão sonora ou televisiva tendo em vista a realização de objetivos de interesse geral em conformidade com o direito [da União], os direitos de utilização de radiofrequências e números são concedidos por procedimentos abertos, objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais e, no caso das radiofrequências, de acordo com o disposto no artigo 9.o da [diretiva—quadro]. Pode aplicar‑se uma exceção ao requisito de procedimentos abertos nos casos em que se demonstre que a concessão de direitos individuais de utilização das radiofrequências aos fornecedores de serviços de conteúdos de radiodifusão sonora ou televisiva é necessária para realizar um objetivo de interesse geral definido pelos Estados‑Membros em conformidade com o direito [da União].

[…]

4.      […]

Em relação aos procedimentos de seleção concorrenciais ou comparativos para as radiofrequências, é aplicável o artigo 7.o

5.      Os Estados‑Membros não podem limitar o número de direitos de utilização a conceder, exceto quando tal seja necessário para garantir a utilização eficiente das radiofrequências, nos termos do disposto no artigo 7.o

[…]»

15      O artigo 7.o da mesma diretiva, relativo ao procedimento aplicável à limitação do número de direitos de utilização de radiofrequências a conceder, prevê:

«1.      Caso um Estado‑Membro considere a hipótese de limitar o número de direitos de utilização de radiofrequências a conceder ou de prolongar o prazo de validade de direitos existentes em condições distintas das especificadas nesses direitos, deve, designadamente:

a)      Ter em devida conta a necessidade de maximizar os benefícios para os utilizadores e facilitar o desenvolvimento da concorrência;

b)      Dar a todas as partes interessadas, incluindo os utilizadores e consumidores, a oportunidade de exprimirem as suas opiniões sobre uma eventual limitação, nos termos do artigo 6.o da [diretiva—quadro];

c)      Publicar a decisão de limitar a concessão de direitos de utilização ou de renovar esses direitos, expondo as respetivas razões;

d)      Após haver determinado o procedimento, lançar um convite à apresentação de candidaturas a direitos de utilização; e

e)      Rever a limitação com uma periodicidade razoável ou na sequência de um pedido razoável das empresas afetadas.

2.      Se um Estado‑Membro concluir que podem ser concedidos novos direitos de utilização de radiofrequências, tornará pública essa conclusão e lançará um convite à apresentação de candidaturas a esses direitos.

3.      Se a concessão de direitos de utilização de radiofrequências tiver de ser limitada, os Estados‑Membros conferirão esses direitos com base em critérios de seleção objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais. Tais critérios de seleção devem atribuir a devida importância à consecução dos objetivos do artigo 8.o da [diretiva—quadro] e às exigências do artigo 9.o dessa diretiva.

4.      No caso de serem usados procedimentos de seleção concorrenciais ou por comparação, os Estados‑Membros podem alargar o prazo máximo de seis semanas referido no n.o 3 do artigo 5.o pelo prazo que for necessário para garantir que tais procedimentos sejam justos, razoáveis, abertos e transparentes para todas as partes interessadas, mas sem que esse prazo exceda oito meses.

[…]»

 Diretiva concorrência

16      Nos termos do artigo 2.o da diretiva concorrência, intitulado «Direitos especiais e exclusivos relativos às redes de comunicações eletrónicas e aos serviços de comunicações eletrónicas»:

«1.      Os Estados‑Membros não podem conceder ou manter em vigor direitos especiais ou exclusivos para o estabelecimento e/ou oferta de redes de comunicações eletrónicas nem para a prestação de serviços de comunicações eletrónicas publicamente disponíveis.

2.      Os Estados‑Membros tomarão todas as medidas necessárias para garantir que qualquer empresa possa fornecer os serviços de comunicações eletrónicas ou estabelecer, alargar ou oferecer redes de comunicações eletrónicas.

[…]

4.      Os Estados‑Membros garantirão que uma autorização geral concedida a uma empresa para prestar serviços de comunicações eletrónicas ou para estabelecer e/ou oferecer redes de comunicações eletrónicas, bem como as respetivas condições, serão baseadas em critérios objetivos, não discriminatórios, proporcionais e transparentes.

[…]»

17      O artigo 4.o desta diretiva, que se refere aos direitos de utilização das frequências, dispõe:

«Sem prejuízo dos critérios e procedimentos específicos aprovados pelos Estados‑Membros para a concessão de direitos de utilização de radiofrequências aos prestadores de serviços de difusão de conteúdos de rádio e televisão, para alcançar objetivos de interesse geral, em conformidade com o direito [da União]:

1.      Os Estados‑Membros não podem conceder direitos especiais ou exclusivos para a utilização de radiofrequências para a prestação de serviços de comunicações eletrónicas.

2.      A atribuição de radiofrequências para serviços de comunicações eletrónicas deve basear‑se em critérios objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais.»

 Litígio do processo principal e questões prejudiciais

18      O litígio do processo principal refere‑se à atribuição de novas radiofrequências de difusão digital que foram liberadas devido à transição da televisão analógica para a televisão digital (a seguir «transição digital»). A tecnologia digital caracteriza‑se por uma eficácia de transmissão superior à da tecnologia analógica, na medida em que permite, ao contrário desta, a transmissão simultânea de vários programas numa mesma radiofrequência. As radiofrequências liberadas constituem o «dividendo digital».

19      A transição digital teve início em Itália quando estava pendente um processo de declaração de incumprimento contra esse Estado‑Membro desde o ano de 2006, a respeito da compatibilidade da regulamentação italiana sobre radiofrequências de radiodifusão televisiva, transição digital e atribuição de radiofrequências digitais com as disposições da diretiva—quadro e das diretivas autorização e concorrência. No seu parecer fundamentado de 19 de julho de 2007, a Comissão Europeia salientou, em substância, que essa regulamentação, por só permitir aos operadores que já difundiam através de tecnologia analógica o acesso ao mercado da rádio e televisão digitais, subtraía‑os à concorrência nesse mercado. O Governo italiano tomou várias medidas para tornar a referida regulamentação compatível com o direito da União.

20      Foi neste contexto que AGCOM aprovou a Decisão 181/09/CONS, de 7 de abril de 2009, posteriormente convertida em lei pela legge comunitaria 2008 n. 88 (Lei comunitária 2008 n.o 88), de 7 de julho de 2009. Com esta decisão, a AGCOM fixou os critérios da digitalização total das redes terrestres.

21      Essa decisão previa a atribuição de 21 multiplex nacionais que permitem agrupar num fluxo de dados comum diferentes sinais e veicular vários serviços de televisão digital terrestre simultaneamente. Para efeitos da sua repartição entre os novos operadores, os operadores que criaram as redes digitais e os que já geriam redes analógicas, esses multiplex foram divididos em três grupos a atribuir segundo critérios diferentes. Previa‑se ainda que, no termo do processo de seleção, nenhum operador pudesse obter mais de cinco canais multiplex nacionais.

22      Em especial, as radiofrequências disponíveis provenientes do dividendo digital, que são as únicas em causa no processo principal, deviam ser atribuídas gratuitamente aos operadores que reunissem as condições definidas no termo de um processo de seleção organizado segundo o modelo dito do «concurso de beleza».

23      Esse «concurso de beleza» dizia inicialmente respeito a cinco multiplex, ou seja, a sinais capazes de veicular vários serviços de televisão digital terrestre simultaneamente. Estes multiplex estavam agrupados em duas partes. Os três multiplex da parte A eram reservados aos novos operadores e aos pequenos operadores e não podiam ser atribuídos à Radiotelevisione Italiana SpA (RAI), à Mediaset e à Telecom Italia Media Broadcasting, atual Persidera. A parte B correspondia a dois multiplex abertos a todos os proponentes, com o limite de um só multiplex para a RAI e a Mediaset.

24      As regras do «concurso de beleza» foram definitivamente aprovadas pela decisão 497/10/CONS da AGCOM, de 22 de setembro de 2010, após consulta pública e aprovação do plano de atribuição das radiofrequências digitais. Nesta fase, o multiplex C1 foi acrescentado aos cinco multiplex mencionados e que eram objeto do «concurso de beleza».

25      Em 8 de julho de 2011, o aviso de concurso foi publicado pelo Ministro do Desenvolvimento Económico. A Europa Way e a Persidera foram admitidas ao concurso. Cada uma destas sociedades era a única proponente para um multiplex, sendo que a Persidera concorreu a três multiplex.

26      Por decreto de 20 de janeiro de 2012, o Ministério do Desenvolvimento Económico suspendeu o «concurso de beleza». Esse concurso foi finalmente anulado pelo artigo 3.o quinquies do decreto legge n.o 16, Diposizioni urgenti in materia di semplificazioni tributarie, di efficientamento e potenziamento delle procedure di assertamento (Decreto—Lei n.o 16, que aprova disposições urgentes em matéria de simplificação fiscal, de melhoria de eficácia e de reforço dos procedimentos de controlo), de 2 de março de 2012, convertido na Lei n.o 44, de 26 de abril de 2012 (a seguir «Decreto‑Lei n.o 16/2012»). Foi igualmente decidido que o «concurso de beleza» seria substituído por um processo de seleção pública oneroso, baseado num sistema de licitação segundo as prioridades e os critérios definidos pela AGCOM e que os operadores que participassem nesse concurso seriam indemnizados.

27      Após consulta pública, a AGCOM aprovou a decisão 277/13/CONS, de 11 de abril de 2013, com as regras do novo processo de seleção. Nesta decisão, a AGCOM reestruturou o plano de atribuição das radiofrequências, reduzindo o número de radiofrequências destinadas à difusão digital terrestre televisiva de 25 para 22, e fixou em três o número de multiplex a atribuir. Apenas os novos operadores e os pequenos operadores, excluindo os operadores que dispusessem já de pelo menos três multiplex, podiam candidatar‑se a esses multiplex.

28      O aviso de concurso foi publicado em 12 de fevereiro de 2014. Nem a Europa Way nem a Persidera participaram no concurso. Segundo as informações constantes dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça, a Persidera não podia participar no concurso devido ao número de multiplex de que já dispunha. A Cairo Network Srl, única candidata, conseguiu um multiplex.

29      A Europa Way e a Persidera interpuseram recursos para o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional do Lácio, Itália) para impugnarem a anulação do «concurso de beleza» e a sua substituição por um processo oneroso.

30      Após a negação de provimento aos seus recursos por sentenças de 25 de setembro de 2014, a Europa Way e a Persidera recorreram delas para o tribunal de reenvio.

31      Nesse tribunal, a Europa Way sustentou que o «concurso de beleza» tinha o objetivo de responder às preocupações formuladas pela Comissão no processo de incumprimento e de assegurar a reparação aos operadores que tinham ficado impedidos de operar no mercado em razão das irregularidades apontadas pela Comissão. Ora, esse objetivo, e portanto, a abertura desse setor à concorrência não terão sido atingidos. A Europa Way contesta igualmente a atribuição gratuita de radiofrequências aos operadores já presentes no mercado.

32      A Persidera avança argumentos similares. Acrescenta que embora a organização do «concurso de beleza» tenha sido acordada com a Comissão, esta não validou a sua anulação e a sua substituição por um processo de licitação.

33      Nestas condições, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A legislação impugnada e os seus subsequentes atos de execução violam as normas segundo as quais as funções de regulação do mercado televisivo são confiadas a uma autoridade administrativa independente (artigos 3.o e 8.o da Diretiva 2002/21/CE, chamada diretiva‑quadro, conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE)?

2)      A legislação impugnada e os seus subsequentes atos de execução violam as disposições (artigo 7.o da Diretiva 2002/20/CE, chamada diretiva autorização, e o artigo 6.o da Diretiva 2002/21/CE, chamada diretiva‑quadro), que preveem a prévia realização de uma consulta pública por parte da autoridade nacional independente de regulamentação do setor?

3)      Opõe‑se o direito da União Europeia, em especial, o artigo 56.o TFUE, o artigo 9.o da Diretiva 2002/21/CE, chamada diretiva‑quadro, os artigos 3.o, 5.o e 7.o da Diretiva 2002/20/CE, chamada diretiva autorização, e os artigos 2.o e 4.o da Diretiva 2002/77/CE, chamada diretiva concorrência, e os princípios da não discriminação, da transparência, da livre concorrência, da proporcionalidade, da efetividade e do pluralismo informativo, à anulação do procedimento de beauty contest — que tinha sido aberto para sanar, no sistema de atribuição das frequências digitais televisivas, a exclusão ilegal de operadores no mercado e para permitir o acesso aos operadores de menor dimensão ‑ e à sua substituição por outro procedimento de concurso oneroso, em que são impostas aos participantes requisitos e obrigações não exigidos anteriormente aos operadores incumbentes, tornando desequilibrada e antieconómica a concorrência?

4)      Opõe‑se o direito da União Europeia, em especial, o artigo 56.o TFUE, o artigo 9.o da Diretiva 2002/21/CE, chamada diretiva‑quadro, os artigos 3.o, 5.o e 7.o da Diretiva 2002/20/CE, chamada diretiva autorização, os artigos 2.o e 4.o da Diretiva 2002/77/CE, chamada diretiva concorrência, e o artigo 258.o TFUE, e os princípios da não discriminação, da transparência, da livre concorrência, da proporcionalidade, da efetividade e do pluralismo informativo, à nova configuração do Plano de atribuição de frequências, com a redução das redes nacionais de 25 para 22 (e a manutenção pelos operadores incumbentes da mesma disponibilidade de multiplex), a redução dos lotes licitados a 3 multiplex e a atribuição de frequências de banda VHF‑III com risco de fortes interferências?

5)      É compatível a proteção do princípio da confiança legítima, tal como elaborado pelo Tribunal de Justiça, com a anulação do procedimento de beauty contest que não permitiu às recorrentes, já admitidas ao procedimento gratuito, assegurar a adjudicação de alguns dos lotes objeto do concurso?

6)      É compatível a legislação da União em matéria de atribuição de direitos de uso de frequências (artigos 8.o e 9.o da Diretiva 2002/21/CE, chamada diretiva‑quadro, artigos 5.o e 7.o da Diretiva 2002/20/CE, chamada diretiva autorização, artigos 2.o e 4.o da Diretiva 2002/77/CE, chamada diretiva concorrência) com a adoção de uma disposição, como a contida no artigo 3.o quinquies do Decreto‑lei n.o 16, de 2012, que não está em sintonia com as características próprias do mercado radiotelevisivo?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à admissibilidade

34      Em primeiro lugar, como salientam com razão o Governo italiano e a Elettronica Industriale, há que constatar que resulta do teor da primeira, segunda, quinta e sexta questões que o tribunal de reenvio convida o Tribunal de Justiça a pronunciar‑se sobre a conformidade ou sobre a compatibilidade de medidas nacionais com o direito da União.

35      Segundo jurisprudência constante, não compete ao Tribunal de Justiça, no quadro de um processo apresentado ao abrigo do artigo 267.o TFUE, pronunciar‑se sobre a compatibilidade das disposições nacionais com o direito da União. No entanto, o Tribunal de Justiça tem competência para dar ao tribunal de reenvio todos os elementos de interpretação provenientes do direito da União que permitam ao tribunal de reenvio apreciar essa conformidade ou compatibilidade no processo que tem de decidir (v., neste sentido, acórdão de 31 de janeiro de 2008, Centro Europa 7, C‑380/05, EU:C:2008:59, n.os 49 e 50 e jurisprudência referida e despacho de 3 de julho de 2014, Talasca, C‑19/14, EU:C:2014:2049, n.o 16 e jurisprudência referida).

36      Consequentemente, no presente processo, o Tribunal de Justiça tem de limitar a sua apreciação às disposições do direito da União, delas fornecendo uma interpretação que seja útil ao órgão jurisdicional de reenvio, ao qual cabe apreciar a conformidade das disposições legislativas nacionais com o direito da União para efeitos da decisão do litígio nele pendente (v., neste sentido, acórdão de 31 de janeiro de 2008, Centro Europa 7, C‑380/05, EU:C:2008:59, n.o 51).

37      Uma vez que, o teor da primeira, segunda, quinta e sexta questões permite referenciar os elementos atinentes à interpretação do direito da União, essas questões são admissíveis.

38      Em segundo lugar, o Governo italiano e a Elettronica contestam a admissibilidade, respetivamente, da terceira, quarta e sexta questões e da segunda a quarta questões, devido a exposição lacunar do contexto factual e jurídico do processo principal. O governo italiano acrescenta, em substância, que o tribunal de reenvio omitiu as razões que justificam a relevância para o processo principal das disposições cuja interpretação é pedida.

39      A este respeito, há que recordar que, no âmbito da cooperação instaurada no artigo 267.o TFUE, a necessidade de se chegar a uma interpretação do direito da União que seja útil ao juiz nacional exige que este respeite escrupulosamente os requisitos de conteúdo dos pedidos de decisão prejudicial expressamente enunciados no artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, presumindo‑se que o órgão jurisdicional de reenvio deles tem conhecimento (v., neste sentido, acórdão de 5 de julho de 2016, Ognyanov, C‑614/14, EU:C:2016:514, n.os 18 e 19 e jurisprudência referida).

40      Assim, em primeiro lugar, é indispensável, como refere a alínea c) do artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que o pedido de decisão prejudicial exponha as razões que conduziram o órgão jurisdicional de reenvio a interrogar‑se sobre a interpretação ou a validade de certas disposições do direito da União, bem como o nexo que esse órgão jurisdicional estabelece entre essas disposições e a legislação nacional aplicável ao litígio no processo principal.

41      Importa salientar que, neste caso, o pedido de decisão prejudicial não tem qualquer explicação quanto à relevância dos artigos 56.o e 258.o TFUE para a resolução do litígio do processo principal.

42      Por um lado, no tocante ao artigo 56.o TFUE, resulta dos elementos remetidos ao Tribunal de Justiça que o litígio se caracteriza por elementos que se circunscrevem todos ao interior do Estado italiano. Ora, o artigo 56.o TFUE não é aplicável a essa situação (v., neste sentido, acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten, C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 47 e jurisprudência referida).

43      Por outro lado, no que se refere ao artigo 258.o TFUE, é suficiente precisar, como salientou a advogada‑geral no n.o 36 das suas conclusões, que esse artigo é uma mera norma processual aplicável aos processos de incumprimento abertos pela Comissão e levados ao Tribunal de Justiça.

44      A terceira questão e a quarta são por isso inadmissíveis, na parte em que solicitam a interpretação dos artigos 56.o e 258.o TFUE.

45      Em segundo lugar, é igualmente indispensável, como prevê o artigo 94.o, alínea a), do Regulamento de Processo, que a própria decisão de reenvio tenha uma exposição dos elementos de facto em que se baseiam as questões.

46      No caso em apreço, o tribunal de reenvio tem de decidir, no processo principal, sobre a regularidade do processo de seleção para atribuição de radiofrequências digitais, face às normas do NQRC. Na medida em que a decisão de reenvio contém os elementos necessários para apreender as circunstâncias e as condições processuais e substantivas desse processo, o contexto factual geral do litígio do processo principal está exposto de forma suficientemente precisa de modo a permitir ao Tribunal de Justiça decidir sobre o essencial dessas questões.

47      No entanto, como observou a advogada‑geral no n.o 42 das suas conclusões, algumas questões colocadas pelo tribunal de reenvio revelam elementos factuais que não são expostos e explicados no pedido de decisão prejudicial e às quais o Tribunal de Justiça não está por isso em condições de responder. É o caso da referência, na terceira questão, às condições e obrigações a que os operadores já presentes no mercado não estavam sujeitos anteriormente, da menção, na quarta questão, à atribuição de frequências na banda VHF‑III com o risco de fortes interferências, e da situação que é objeto da sexta questão, segundo a qual o artigo 3.o quinquies do Decreto‑Lei n.o 16/2012 não está em sintonia com as características do mercado da rádio e da televisão.

48      Donde se conclui que as questões terceira e quarta são inadmissíveis na medida definida nos n.os 44 e 47 do presente acórdão. A sexta questão é inadmissível na sua totalidade.

 Quanto ao mérito

 Quanto à primeira questão

49      Com a sua primeira questão, o tribunal de reenvio pergunta, em substância, se as disposições da diretiva—quadro devem ser interpretadas no sentido de que se opõem à anulação, pelo legislador nacional, após a suspensão por um ministério nacional, de um processo de seleção para atribuição de radiofrequências organizado pela ARN competente, em circunstâncias como as do processo principal.

50      Em primeiro lugar, importa recordar que, nos termos do artigo 3.o, n.o 1, da diretiva‑quadro, os Estados‑Membros deverão assegurar que cada uma das funções atribuídas às ARN pela diretiva e pelas diretivas específicas seja desempenhada por um organismo competente. Além disso, em conformidade com o artigo 3.o, n.os 2 e 3, da diretiva‑quadro, lido à luz do seu décimo primeiro considerando, os Estados‑Membros devem garantir a independência das ARN a fim de que elas possam exercer os seus poderes com imparcialidade, independência e tempestividade (v., neste sentido, acórdãos de 3 de dezembro de 2009, Comissão/Alemanha, C‑424/07, EU:C:2009:749, n.o 54; de 17 de setembro de 2015, KPN, C‑85/14, EU:C:2015:610, n.o 54; e de 19 de outubro de 2016, Ormaetxea Garai e Lorenzo Almendros, C‑424/15, EU:C:2016:780, n.o 33).

51      Embora o artigo 3.o da diretiva—quadro, na sua versão inicial, visasse, no essencial, em conformidade com o considerando 11 da mesma diretiva, garantir a independência e a imparcialidade das ARN, assegurando a separação das funções de regulamentação e de exploração, o legislador da União, com a Diretiva 2009/140 e como indica o considerando 13 desta última, pretendeu reforçar a independência das ARN a fim de assegurar uma aplicação mais eficaz do quadro regulamentar e aumentar a sua autoridade e a previsibilidade das suas decisões (v., neste sentido, acórdãos de 28 de julho de 2016, Autorità per le Garanzie nelle Comunicazioni, C‑240/15, EU:C:2016:608, n.os 32 e 34, e de 19 de outubro de 2016, Ormaetxea Garai e Lorenzo Almendros, C‑424/15, EU:C:2016:780, n.o 45).

52      O considerando 13 da Diretiva 2009/140 refere que, para esse efeito, a legislação nacional deverá conter disposições que garantam expressamente que, no exercício das suas funções, a autoridade reguladora nacional competente para a regulação ex ante do mercado ou para a resolução de litígios entre empresas esteja protegida contra intervenções externas ou pressões políticas suscetíveis de pôr em causa a sua independência na avaliação das questões sobre as quais deva pronunciar‑se.

53      Este objetivo de reforço da independência e de imparcialidade das ARN tem expressão no artigo 3.o, n.o 3‑A, da diretiva—quadro (acórdão de 19 de outubro de 2016, Ormaetxea Garai et Lorenzo Almendros, C‑424/15, EU:C:2016:780, n.o 47). Por outro lado, nos termos do artigo 3.o, n.o 3‑A, da diretiva—quadro, sem prejuízo dos casos de consulta e de cooperação com outras autoridades nacionais previstos nos n.os 4 e 5 deste artigo, as ARN responsáveis pela regulação ex ante do mercado ou pela resolução de litígios entre empresas devem agir com independência e não procurar obter nem aceitar instruções de qualquer outro organismo relativamente ao desempenho quotidiano das funções que lhes estão atribuídas. Esta norma prevê, no entanto, a possibilidade de supervisão em conformidade com normas do direito constitucional nacional e precisa que apenas os organismos de recurso estabelecidos nos termos do artigo 4.o são competentes para suspender ou anular as decisões das ARN.

54      Em segundo lugar, há que precisar que a diretiva—quadro atribui às ARN funções específicas de regulamentação, definidas nos artigos 8.o a 13.o dessa diretiva. Em conformidade com o artigo 9.o, n.o 1, primeiro parágrafo da referida diretiva, compete a essas autoridades a atribuição do espectro para efeito dos serviços de comunicações eletrónicas e a emissão de autorizações gerais ou de direitos individuais de utilização das radiofrequências.

55      Por conseguinte, a organização de um processo de seleção para efeitos de atribuição de radiofrequências digitais, como o «concurso de beleza» em causa no processo principal, é uma função regulamentar no sentido da diretiva—quadro, que cabe a uma ARN.

56      A independência dessa autoridade ficaria comprometida se fosse permitido a entidades externas, como o Ministro do Desenvolvimento Económico e o legislador italiano no processo principal, suspender, ou até anular, um processo de seleção para atribuição de radiofrequências em curso organizado sob a responsabilidade dessa autoridade, fora dos casos de supervisão e de recurso previstos no artigo 3, n.o 3—A, primeiro parágrafo da diretiva—quadro.

57      Resulta dos elementos constantes dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que, em circunstâncias como as do processo principal, o legislador italiano, na sequência do Ministro do Desenvolvimento Económico, interveio num processo de seleção organizado pela AGCOM pondo‑lhe fim. Ora, é facto assente que, no processo principal, o legislador e o ministro não agiram como organismos de recurso no sentido do artigo 4.o da diretiva—quadro, os únicos que, nos termos do artigo 3.o, n.o 3—A, da referida diretiva, têm competência para suspender ou invalidar as decisões tomadas pelas ARN. Por conseguinte, os requisitos de independência das ARN opõem‑se a essa intervenção.

58      À luz das considerações expostas, há que responder à primeira questão que o artigo 3.o, n.o 3—A, da diretiva—quadro deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, se opõe à anulação, pelo legislador nacional, de um processo de seleção para atribuição de radiofrequências em curso organizado pela ARN competente que tinha sido suspenso por decisão ministerial.

 Quanto à segunda questão

59      Dado que a primeira e a segunda questão têm por objeto os mesmos atos, e atenta a resposta dada à primeira questão, não há que responder à segunda questão.

 Terceira e quarta questões

60      Com as questões terceira e quarta, que há que analisar em conjunto, o tribunal de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 9.o da diretiva—quadro, os artigos 3.o, 5.o e 7.o da diretiva autorização e os artigos 2.o e 4.o da diretiva concorrência devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um processo gratuito de seleção para atribuição de radiofrequências, que tinha sido aberto para encontrar uma solução para a exclusão ilegal de alguns operadores do mercado, seja substituído por um processo oneroso baseado num plano readaptado para atribuição das radiofrequências após uma limitação do seu número.

61      A título liminar, importa lembrar que o artigo 8.o da diretiva—quadro impõe aos Estados‑Membros a obrigação de assegurarem que as ARN tomam todas as medidas razoáveis para promover a concorrência na oferta dos serviços de comunicações eletrónicas, assegurando que a concorrência no setor das comunicações eletrónicas não seja distorcida nem entravada, suprimindo os últimos obstáculos ao fornecimento desses serviços ao nível da União (acórdãos de 31 de janeiro de 2008, Centro Europa 7, C—380/05, EU:C:2008:59, n.o 81; de 3 de dezembro de 2009, Comissão/Alemanha, C‑424/07, EU:C:2009:749, n.o 92; e de 7 de novembro de 2013, UPC Nederland, C‑518/11, EU:C:2013:709, n.o 50).

62      Nos termos do n.o 1 daquele artigo, os Estados‑Membros deverão assegurar que, no desempenho das funções de regulação constantes na diretiva—quadro e também na diretiva autorização, as ARN tomam todas as medidas razoáveis para realizar os objetivos fixados nos n.os 2, 3 e 4 do referido artigo, que consistem em promover a concorrência no fornecimento de redes e de serviços de comunicações eletrónicas, em contribuir para o desenvolvimento do mercado interior e em apoiar os interesses dos cidadãos da União (v., neste sentido, acórdãos de 19 de junho de 2014, TDC, C‑556/12, EU:C:2014:2009, n.o 39, e de 15 de setembro de 2016, Koninklijke KPN e o., C‑28/15, EU:C:2016:692, n.o 46).

63      Nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da diretiva concorrência, do artigo 5.o, n.o 2, segundo parágrafo, e do artigo 7.o, n.o 3, da diretiva autorização, bem como do artigo 9.o, n.o 1, da diretiva—quadro, os direitos de utilização de radiofrequências devem ser atribuídos com base em critérios objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais. O último dos requisitos implica que os critérios sejam aptos a garantir a realização dos objetivos que prosseguem e não vão para além do que é necessário para que sejam atingidos (v., neste sentido, acórdão de 23 de abril de 2015, Comissão/Bulgária, C‑376/13, não publicado, EU:C:2015:266, n.os 65 e 84).

64      Em primeiro lugar, resulta destas disposições que a gratuitidade da atribuição de radiofrequências não consta dos princípios previstos pelo NQRC para organização dos processos de concurso.

65      Pelo contrário, deve notar‑se que resulta do considerando 21 da diretiva—quadro, do artigo 7.o, n.o 4, da diretiva autorização e do seu considerando 23 que os processos de seleção para atribuição de radiofrequências podem ser de natureza concorrencial ou comparativa. Por conseguinte, os Estados‑Membros gozam, no respeito dos objetivos e das obrigações fixadas pela diretiva—quadro e pelas diretivas específicas, da liberdade de escolha entre a instauração de processos concorrenciais ou comparativos, quer sejam gratuitos ou onerosos. Por outro lado, deve considerar‑se que, tendo em conta a necessidade de assegurar a gestão eficaz das radiofrequências e o seu relevante valor social, cultural e económico que os Estados‑Membros devem ter em conta nos termos do artigo 9, n.o 1, da diretiva—quadro, e considerando ainda a escassez do espectro destas radiofrequências, pode‑se considerar justificada a atribuição a título oneroso.

66      Daqui decorre que as normas do NQRC não se opõem à instauração de um processo oneroso de seleção para a atribuição de radiofrequências, na condição de que o referido processo seja baseado em critérios objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionados e que seja conforme com os objetivos definidos no artigo 8.o, n.os 2 a 4, da diretiva—quadro. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se o procedimento de seleção em causa no processo principal satisfaz esses requisitos. O Tribunal de Justiça pode no entanto fornecer‑lhe todos os elementos de interpretação do direito da União que lhe podem ser úteis para esse efeito.

67      Em primeiro lugar, tendo em conta o objetivo de promover a concorrência previsto no artigo 8.o, n.o 2, da diretiva—quadro e nos requisitos do princípio da proporcionalidade, o montante que dá direito à atribuição das radiofrequências deve ser fixado num nível adequado que reflita, entre outros, o valor de utilização das radiofrequências, o que exige a tomada em consideração da situação económica, tecnológica e concorrencial do mercado em causa (v., por analogia, acórdãos de 10 de março de 2011, Telefónica Móviles España, C‑85/10, EU:C:2011:141, n.os 27 e 28, e de 21 de março de 2013, Belgacom e o., C‑375/11, EU:C:2013:185, n.os 50 e 51).

68      A este respeito, embora a organização de um processo de licitação possa constituir um método adequado para determinar o valor das radiofrequências (v., neste sentido, acórdão de 21 de março de 2013, Belgacom e o., C‑375/11, EU:C:2013:185, n.o 52), é preciso assegurar que o preço de base da licitação não seja fixado a um nível tal que tenha o efeito de entravar o acesso de novos operadores ao mercado (v., neste sentido, acórdão de 10 de março de 2011, Telefónica Móviles España, C‑85/10, EU:C:2011:141, n.o 30). Esta última consideração é ainda mais necessária na situação, mencionada pelo tribunal de reenvio, em que a atribuição de novas radiofrequências visava encontrar uma solução para a exclusão ilegal de operadores do mercado.

69      Em segundo lugar, no tocante ao requisito de que o processo de seleção seja baseado em critérios não discriminatórios, há que recordar que o princípio geral de igualdade exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 23 e jurisprudência aí referida). A comparabilidade das situações deve ser determinada e apreciada à luz do objeto e do objetivo do ato comunitário que institui a distinção em causa. Devem, além disso, ser tomados em consideração os princípios e objetivos do domínio a que pertence esse ato (v., neste sentido, acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique et Lorraine e o., C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 26 e jurisprudência referida).

70      No caso em apreço, há que salientar, por um lado, que foi alegado no Tribunal de Justiça que as radiofrequências digitais foram atribuídas gratuitamente a operadores presentes no mercado a fim de, consoante os casos, assegurar a oferta televisiva ou de valorizar os investimentos efetuados por esses operadores na tecnologia digital, ao passo que as radiofrequências do dividendo digital, destinadas especificamente aos novos operadores e aos pequenos operadores, foram submetidas a um processo de seleção oneroso. Todavia, como salientou o advogado‑geral no n.o 87 das suas conclusões, face aos objetivos assim fixados, estas duas categorias de operadores não se encontram, em princípio, numa situação comparável, de forma que uma eventual diferença de tratamento não é contrária ao princípio de igualdade.

71      Por outro lado, há que referir que o princípio da igualdade também não se opõe a que um Estado‑Membro que atribuíra radiofrequências analógicas a título gratuito sujeite a atribuição de novas radiofrequências digitais a um processo de seleção oneroso. Com efeito, devido às diferenças tecnológicas que caracterizam as radiofrequências analógicas e as radiofrequências digitais, o princípio de igualdade não exige um tratamento idêntico na sua atribuição.

72      Em segundo lugar, importa salientar que quando a atribuição de direitos de utilização de radiofrequências tiver de ser limitada, o artigo 7.o, n.o 3, da diretiva autorização prevê que os Estados‑Membros concedem esses direitos com base em critérios de seleção objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais. Tais critérios de seleção devem atribuir a devida importância à consecução dos objetivos do artigo 8.o da diretiva—quadro e aos requisitos do artigo 9.o dessa diretiva. Esses direitos de utilização não devem ser restringidos, exceto quando for inevitável face à escassez de radiofrequências e com vista à sua utilização eficaz.

73      Daqui decorre que as normas do NQRC permitem, em princípio, devido à escassez de radiofrequências e com vista à sua gestão eficaz, limitar o número de direitos de utilização de radiofrequências a atribuir. Estas normas sujeitam, no entanto, essa limitação à condição de que ser necessária e proporcional, e que não seja contrária aos objetivos fixados no artigo 8.o da diretiva—quadro, entre os quais se conta a promoção da concorrência no fornecimento de redes, e que a atribuição dos direitos de utilização se baseie em critérios de seleção objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais.

74      No caso em apreço, sob reserva de verificação pelo tribunal de reenvio, há que salientar que, como resulta dos elementos dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça, a limitação do número de radiofrequências disponíveis do dividendo digital foi decidida na sequência de concertações no quadro da União Internacional das Telecomunicações e devido aos riscos de interferências prejudiciais.

75      Como afirmou a advogada‑geral no n.o 95 das suas conclusões, tais considerações podem, em princípio, justificar uma limitação do número de radiofrequências disponíveis no respeito das condições indicadas no n.o 73 do presente acórdão.

76      Contudo, cabe ao tribunal de reenvio apreciar se, como sustentaram alguns interessados no Tribunal de Justiça, os operadores já presentes no mercado da televisão analógica foram favorecidos no quadro da transição digital devido à atribuição de um número de radiofrequências superior ao necessário para a continuação dos seus programas, ao passo que a limitação do número radiofrequências afetou as radiofrequências disponibilizadas aos novos operadores.

77      À luz das considerações que precedem, há que responder à terceira e à quarta questão que o artigo 9.o da diretiva—quadro, os artigos 3.o, 5.o e 7.o da diretiva autorização e os artigos 2.o e 4.o da diretiva concorrência devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um processo gratuito de seleção para atribuição de radiofrequências, que fora lançado para solucionar a exclusão ilegal de alguns operadores de mercado, seja substituído por um processo oneroso baseado num plano readaptado de atribuição de radiofrequências após limitação do seu número, desde que o novo processo de seleção seja baseado em critérios objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais e seja conforme com os objetivos definidos no artigo 8.o, n.os 2 a 4, da diretiva—quadro. Cabe ao tribunal de reenvio verificar, à luz de todas as circunstâncias pertinentes, se as condições fixadas no processo de seleção oneroso são aptas a permitir a entrada efetiva de novos operadores no mercado da televisão digital sem favorecer indevidamente os operadores já presentes no mercado da televisão analógica ou digital.

 Quanto à quinta questão

78      Com a sua quinta questão, o tribunal de reenvio pretende saber, em substância, se o princípio da proteção da confiança legítima deve ser interpretado no sentido de que se opõe à anulação de um processo de seleção para a atribuição de radiofrequências pela simples razão de que os operadores, como as recorrentes no processo principal, tinham sido admitidos a esse concurso e teriam conseguido, como únicos proponentes, a atribuição de direitos de radiofrequências de difusão digital terrestre para a rádio e a televisão se o processo não tivesse sido anulado.

79      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, o princípio da proteção da confiança legítima conta‑se entre os princípios fundamentais da União (acórdão de 14 de março de 2013, Agrargenossenschaft Neuzelle, C‑545/11, EU:C:2013:169, n.o 23 e jurisprudência referida) e deve ser respeitado pelas instituições da União e também pelos Estados‑Membros no exercício dos poderes que lhes são atribuídos no exercício dos poderes que lhes são conferidos pelas diretivas da União (acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.o 30 e jurisprudência referida).

80      Têm o direito de invocar este princípio todos os particulares a quem uma autoridade administrativa crie expectativas baseadas em garantias precisas por ela fornecidas (v., neste sentido, acórdão de 9 de julho de 2015, Salomie e Oltean, C‑183/14, EU:C:2015:454, n.o 44 e jurisprudência referida). Constituem garantias suscetíveis de fazer surgir tais expectativas, qualquer que seja a forma como são comunicadas, as informações precisas, incondicionais e concordantes que emanam de fontes autorizadas e fiáveis (v. acórdão de 17 de março de 2011, AJD Tuna, C‑221/09, EU:C:2011:153, n.o 72 e jurisprudência referida).

81      No caso em apreço, resulta dos elementos constantes dos autos remetidos ao Tribunal de Justiça que as recorrentes no processo principal participaram no «concurso de beleza». E alegam que, sendo os únicos proponentes para alguns multiplex, deviam obter pelo menos um multiplex cada um. No entanto, é facto assente que, no quadro desse processo, nenhuma radiofrequência lhes foi atribuída. Sob reserva de verificação pelo tribunal de reenvio, importa salientar que não decorre dos autos que lhes tenham sido dadas garantias precisas e incondicionais quanto à futura atribuição dos multiplex em causa.

82      Ora, na falta de garantias precisas de uma entidade autorizada e fiável, o simples facto de um operador ser admitido a um processo de seleção para a atribuição de radiofrequências digitais, como o «concurso de beleza» em causa no processo principal, não é apto a gerar uma confiança legítima. Esta conclusão impõe‑se mesmo no caso de o operador participar no concurso como único proponente para atribuição de um multiplex.

83      À luz das considerações que precedem, há que responder à quinta questão que o princípio da proteção da confiança legítima deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à anulação de um processo de seleção para a atribuição de radiofrequências apenas pelo motivo de os operadores, como as recorrentes no processo principal, terem sido admitidos a esse processo e serem os únicos proponentes, pelo que lhes seriam atribuídos os direitos de utilização de radiofrequências de difusão digital terrestre para rádio e televisão se o processo não tivesse sido anulado.

 Quanto às despesas

84      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) declara:

1)      O artigo 3.o, n.o 3—A, da Diretiva 2002/21/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa a um quadro regulamentar comum para as redes e serviços de comunicações eletrónicas (diretiva—quadro), conforme alterada pela Diretiva 2009/140/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de novembro de 2009, deve ser interpretado no sentido de que, em circunstâncias como as do processo principal, se opõe à anulação, pelo legislador nacional, de um processo de seleção para atribuição de radiofrequências em curso organizado pela autoridade reguladora nacional competente que tinha sido suspenso por decisão ministerial.

2)      O artigo 9.o da Diretiva 2002/21, conforme alterada pela Diretiva 2009/140, os artigos 3.o, 5.o e 7.o da Diretiva 2002/20/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de março de 2002, relativa à autorização de redes e de serviços de comunicações eletrónicas (diretiva autorização), conforme alterada pela Diretiva 2009/140, e os artigos 2.o e 4.o da Diretiva 2002/77/CE da Comissão, de 16 de setembro de 2002, relativa à concorrência nos mercados de redes e serviços de comunicações eletrónicas, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um processo gratuito de seleção para atribuição de radiofrequências, que fora lançado para solucionar a exclusão ilegal de alguns operadores de mercado, seja substituído por um processo oneroso baseado num plano readaptado de atribuição de radiofrequências após limitação do seu número, desde que o novo processo de seleção seja baseado em critérios objetivos, transparentes, não discriminatórios e proporcionais e seja conforme com os objetivos definidos no artigo 8.o, n.os 2 a 4, da Diretiva 2002/21, conforme alterada. Cabe ao tribunal de reenvio verificar, à luz de todas as circunstâncias pertinentes, se as condições fixadas no processo de seleção oneroso são aptas a permitir a entrada efetiva de novos operadores no mercado da televisão digital sem favorecer indevidamente os operadores já presentes no mercado da televisão analógica ou digital.

3)      O princípio da proteção da confiança legítima deve ser interpretado no sentido de que não se opõe à anulação de um processo de seleção para a atribuição de radiofrequências apenas pelo motivo de os operadores, como as recorrentes no processo principal, terem sido admitidos a esse processo e serem os únicos proponentes, pelo que lhes seriam atribuídos os direitos de utilização de radiofrequências de difusão digital terrestre para rádio e televisão se o processo não tivesse sido anulado.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.