Language of document : ECLI:EU:C:2006:480

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 13 de Julho de 2006 1(1)

Processo C‑316/05

Nokia Corp.

contra

Joacim Wärdell






1.        O presente pedido de decisão prejudicial do Högsta domstol (Supremo Tribunal), da Suécia, tem por objecto a interpretação do artigo 98.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 sobre a marca comunitária (2) (a seguir «regulamento»).

 O regulamento

2.        O artigo 1.° do regulamento dispõe:

«1.      São designadas ‘marcas comunitárias’ as marcas de produtos ou serviços registadas nas condições e de acordo com as regras previstas no presente regulamento.

2.      A marca comunitária tem carácter unitário. A marca comunitária produz os mesmos efeitos em toda a Comunidade: só pode ser registada, transferida, ser objecto de renúncia, de decisão de extinção de direitos do titular ou de anulação, e o seu uso só pode ser proibido, para toda a Comunidade. Este princípio é aplicável salvo disposição em contrário do presente regulamento.»

3.        O artigo 9.° do regulamento dispõe, no que ao presente caso importa:

«1.      A marca comunitária confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir um terceiro de utilizar, sem o seu consentimento, na vida comercial:

a)      Um sinal idêntico à marca comunitária para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta foi registada; [...]

[...]

2.      Pode nomeadamente ser proibido, se estiverem preenchidas as condições enunciadas no n.° 1:

a)      Apor o sinal nos produtos [...]»

4.        O artigo 91.°, n.° 1, do regulamento exige que os Estados‑Membros designem no seu território um número limitado de «tribunais de marcas comunitárias» de primeira e segunda instância. O artigo 92.° dispõe que os tribunais de marcas comunitárias têm competência exclusiva para todas as acções de contrafacção de uma marca comunitária.

5.        O artigo 98.°, n.° 1, do regulamento dispõe:

«Sempre que um tribunal da marca comunitária verifique que o réu contrafez ou ameaçou contrafazer uma marca comunitária, proferirá, salvo se tiver razões especiais para não o fazer, uma decisão proibindo‑o de prosseguir os actos de contrafacção ou de ameaça de contrafacção. Tomará igualmente, nos termos da lei nacional, as medidas adequadas para garantir o respeito dessa proibição.»

 O acordo ADPIC

6.        O artigo 41.°, n.° 1, do Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o Comércio (a seguir «acordo ADPIC»(3) dispõe:

«Os membros velarão por que a sua legislação preveja processos de aplicação efectiva conforme especificado na presente parte de modo a permitir uma acção eficaz contra qualquer acto de infracção dos direitos de propriedade intelectual abrangidos pelo presente acordo, incluindo medidas correctivas expeditas destinadas a impedir infracções e medidas correctivas que constituam um dissuasivo de novas infracções. [...]»

7.        O artigo 44.°, n.° 1, do acordo ADPIC dispõe:

«Os órgãos jurisdicionais serão habilitadas a ordenar a uma parte que cesse uma infracção, inter alia para impedir a introdução nos circuitos comerciais sob a sua jurisdição de mercadorias importadas que envolvam uma infracção de um direito de propriedade intelectual, imediatamente após o desalfandegamento dessas mercadorias. Os membros não são obrigados a conferir esses poderes no que diz respeito a objectos protegidos adquiridos ou encomendados por uma pessoa antes de saber ou de ter motivos válidos para saber que uma transacção sobre esse objecto implicaria a infracção de um direito de propriedade intelectual.»

8.        O artigo 61.° do acordo ADPIC dispõe:

«Os membros preverão processos penais e penas aplicáveis pelo menos em casos de contrafacção deliberada de uma marca ou de pirataria em relação ao direito de autor numa escala comercial. As sanções possíveis incluirão a prisão e/ou sanções pecuniárias suficientes para constituir um factor dissuasivo, em conformidade com o nível de penas aplicadas a delitos de gravidade correspondente. Nos casos apropriados, as sanções possíveis incluirão igualmente a apreensão, arresto e destruição das mercadorias em infracção e de quaisquer materiais e instrumentos que tenham sido utilizados predominantemente na prática do delito. Os membros podem prever a aplicação de processos penais e penas correspondentes noutros casos de infracção dos direitos de propriedade intelectual, especialmente quando essas infracções sejam cometidas deliberadamente e numa escala comercial.»

9.        Da jurisprudência do Tribunal de Justiça resulta que, quando são chamados a aplicar normas nacionais com vista a ordenar medidas destinadas à protecção dos direitos, relativos a um domínio ao qual o acordo ADPIC se aplique e no qual a Comunidade já tenha legislado, como é o caso da marca, os órgãos jurisdicionais nacionais estão obrigados, por força do direito comunitário, a fazê‑lo, na medida do possível, à luz da letra e da finalidade das disposições do acordo ADPIC (4).

 Direito nacional aplicável

10.      O § 37 da lei sueca sobre as marcas (5) (a seguir: «varumärkeslag») estabelece que a contrafacção de uma marca, cometida com dolo ou negligência grave, é punível com sanção pecuniária ou pena de prisão.

11.      O § 37‑a da mesma lei prevê que, a pedido do titular de uma marca, o tribunal pode proibir o autor da contrafacção de continuar a cometê‑la, sob cominação de sanção pecuniária.

 O litígio no processo principal e as questões prejudiciais

12.      A Nokia Corporation (a seguir «Nokia») intentou uma acção contra Joacim Wärdell, no Stockholms tingsrätt (tribunal de primeira instância de Estocolmo), alegando contrafacção da sua marca comunitária «Nokia». Alegou ainda que Joacim Wärdell tinha importado para a Suécia «stickers» autocolantes destinados a ser aplicados em telemóveis, que tinham aposta a marca «Nokia» (6).

13.      O Stockholms tingsrätt considerou provado que Joacim Wärdell tinha mandado importar «stickers» para a Suécia e que a sua actividade relativa aos «stickers» constituía uma contrafacção em sentido objectivo; entendeu que havia o risco de vir a cometer novos actos de contrafacção, tendo, pois, proferido uma decisão a proibi‑lo de continuar a infracção sob cominação de sanção.

14.      Joacim Wärdell recorreu da sentença para o Svea hovrätt (tribunal de segunda instância), alegando inter alia que não havia razões para temer novas contrafacções, pois a utilização da marca Nokia não tinha sido intencional nem negligente.

15.      O Svea hovrätt confirmou o entendimento do Stockholms tingsrätt de que Joacim Wärdell tinha objectivamente contrafeito a marca e considerou que havia risco de que pudesse voltar a fazê‑lo. Contudo, uma vez que Joacim Wärdell não tinha anteriormente cometido actos de contrafacção e apenas lhe podia ser imputada negligência, não havia razões, na opinião do Svea hovrätt, para considerar a importação de «stickers» como elemento de contrafacção continuada. A circunstância de não se poder excluir completamente a possibilidade de Joacim Wärdell vir a infringir novamente os direitos de marca da Nokia no futuro não podia, por si só, no entender do Svea hovrätt, justificar uma proibição sob cominação de sanção pecuniária. Por conseguinte, alterou a sentença do Stockholms tingsrätt e negou provimento ao pedido da Nokia Corporation.

16.      A Nokia recorreu da sentença do Svea hovrätt para o tribunal de reenvio. Alega que o simples facto de Joacim Wärdell ter objectivamente contrafeito a marca é suficiente para ser proferida a decisão de proibição, e invoca que, em todo o caso, existe um risco de Joacim Wärdell continuar a contrafacção.

17.      O tribunal de reenvio entende que a controvérsia entre as partes gira em torno da questão de saber se o artigo 98.° do regulamento implica um dever de decretar a proibição e de lhe associar sanções pecuniárias, que tem maior alcance do que aquele que resulta do § 37‑a da varumärkeslag. Por isso, submeteu ao Tribunal de Justiça, para decisão a título prejudicial, as seguintes questões:

«1.      O conceito de ‘razões especiais’ previsto no artigo 98.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária, deve ser entendido no sentido de que, se um tribunal verificar que o réu contrafez uma marca comunitária, pode, em quaisquer circunstâncias, deixar de proferir uma decisão específica proibindo‑o de prosseguir os actos de contrafacção, se o tribunal considerar que o risco de continuação da contrafacção não é manifesto ou é de algum modo reduzido?

2.      O conceito de ‘razões especiais’ previsto no artigo 98.°, n.° 1, primeiro período, do Regulamento sobre a marca comunitária, deve ser entendido no sentido de que, se um tribunal verificar que o réu contrafez uma marca comunitária, e ainda que não tenha fundamento, nos termos do ponto 1 supra, para deixar de proferir uma decisão específica proibindo‑o de prosseguir os actos de contrafacção, pode deixar de proferir tal decisão se for manifesto que a continuação da contrafacção é abrangida por uma proibição genérica da contrafacção prevista pela legislação nacional, e se o réu puder ser sujeito a sanções penais no caso de se verificar a continuação da contrafacção com dolo ou negligência grave?

3.      Em caso de resposta negativa à segunda questão, têm então que ser tomadas medidas específicas para garantir o respeito dessa proibição, associando‑lhe, por exemplo, uma sanção pecuniária, mesmo quando seja manifesto que a continuação da contrafacção é abrangida por uma proibição genérica da contrafacção prevista pela legislação nacional e o réu possa ser sujeito a sanções penais no caso de se verificar a continuação da contrafacção com dolo ou negligência grave?

4.      Em caso de resposta afirmativa à terceira questão, tal interpretação também é válida no caso de se entender que não se verificam os requisitos para adoptar tais medidas específicas no caso de contrafacção equivalente de uma marca nacional?»

18.      Foram apresentadas observações escritas pela Nokia, por Joacim Wärdell, pelo Governo francês e pela Comissão. Não foi requerida nem realizada qualquer audiência.

 Quanto à primeira questão

19.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o conceito de «razões especiais» previsto no artigo 98.°, n.° 1, do regulamento deve ser entendido no sentido de que um tribunal que verifica que o réu contrafez uma marca comunitária pode, em quaisquer circunstâncias, deixar de proferir uma decisão específica, proibindo‑o de prosseguir os actos de contrafacção, se considerar que não é manifesto ou é de algum modo reduzido o risco de continuar a contrafacção.

20.      A Nokia, o Governo francês e a Comissão entendem que esta questão merece resposta negativa. Concordo.

21.      Joacim Wärdell defende a posição contrária e alega que tanto a redacção como a economia do regulamento implicam uma resposta afirmativa à primeira questão. Além disso, o objectivo do regulamento consiste em promover a livre circulação de mercadorias. Portanto, as transacções comerciais não devem ser limitadas desnecessariamente.

22.      Parece‑me, ao invés, que a redacção e a economia do regulamento implicam uma resposta negativa.

23.      Em primeiro lugar, o artigo 98.°, n.° 1, do regulamento está redigido em termos imperativos. Estipula que se o réu contrafez uma marca comunitária, o tribunal proferirá uma decisão, proibindo‑o de prosseguir os actos de contrafacção. Esta formulação reflecte o direito fundamental de um titular, consagrado no artigo 98.°, n.° 1, do regulamento, de proibir a contrafacção. Se um tribunal verificar que o réu contrafez uma marca comunitária deve, pois, como regra geral, proibir o autor da contrafacção de a continuar. Daqui decorre que só a título de excepção a esta regra geral um tribunal pode deixar de proferir uma decisão de proibição, o que equivale a dizer se existirem «razões especiais». Por conseguinte, o conceito de «razões especiais» deve ser interpretado de modo restritivo.

24.      Em segundo lugar, o preâmbulo do regulamento prescreve que «é indispensável que as decisões sobre a validade e a contrafacção das marcas comunitárias produzam efeitos em toda a Comunidade e a ela sejam extensivas, única maneira de evitar decisões contraditórias dos tribunais e do instituto e de respeitar o carácter unitário das marcas comunitárias» (7). Como defendem a Nokia, o Governo francês e a Comissão, só uma interpretação uniforme do artigo 98.°, n.° 1, permite alcançar aqueles fins. Uma avaliação do grau de risco, concluindo que a contrafacção vai continuar, como sugere o Högsta domstol, conduzirá necessariamente a resultados diversos em Estados‑Membros diferentes. Tendo em conta que é fundamental o princípio de que a marca comunitária deve gozar da mesma protecção em toda a Comunidade, jamais poderia uma avaliação do risco, por si só, constituir uma «razão especial» que justifique o facto de um órgão jurisdicional competente não proferir uma decisão de proibição. Acresce que existem dificuldades práticas óbvias em apresentar provas do risco de acções futuras. Se a probabilidade da continuação da contrafacção constituísse requisito prévio para proferir uma decisão de proibição, isso colocaria os titulares de marca em posição desvantajosa e ameaçaria minar o seu direito exclusivo à marca comunitária.

25.      Em situações excepcionais, pode suceder que o grau de risco de continuação da contrafacção seja uma das circunstâncias que, no seu conjunto, possam efectivamente constituir «razões especiais», na acepção do artigo 98.°, n.° 1. Contudo, a questão prejudicial do órgão jurisdicional apenas se refere especificamente ao grau de risco de continuação da contrafacção «em quaisquer circunstâncias» (8).

26.      De facto, é verdade que, como alega Joacim Wärdell, um dos objectivos principais do regulamento consiste em promover a livre circulação de mercadorias (9). Percebe‑se mal, todavia, como é que a livre circulação de mercadorias seria prejudicada pela protecção forte e uniforme de marcas comunitárias contra as contrafacções (10). Pelo contrário, tal protecção exige que a contrafacção, regra geral, seja proibida. Além disso, o regulamento relaciona expressamente o objectivo de promover a livre circulação de mercadorias com o de «marcas comunitárias que gozem de protecção uniforme e produzam efeitos em todo o território da Comunidade» (11).

27.      Finalmente, deve também recordar‑se que a protecção conferida pela marca comunitária é absoluta se, como no caso em apreço, a alegada contrafacção consistir em apor um sinal idêntico à marca comunitária em produtos idênticos àqueles para os quais a marca foi registada (12). Nestas circunstâncias, em princípio, a excepção não deve, de modo algum, aplicar‑se. Quando muito, poderia talvez aplicar‑se aos casos em que seja materialmente impossível ao réu reiterar a contrafacção, por exemplo (para usar as ilustrações dadas pela Nokia) se o réu for uma sociedade que tenha sido dissolvida ou se o registo da marca em questão tiver perdido a validade.

28.      Entendo, por conseguinte, que o conceito de «razões especiais» previsto no artigo 98.°, n.° 1, do regulamento não se encontra preenchido, se um tribunal que verifica que o réu contrafez uma marca comunitária deixar de proferir uma decisão específica proibindo‑o de prosseguir os actos de contrafacção, apenas com fundamento em que, na sua opinião, não é manifesto ou, de algum modo, é reduzido o risco de continuar a contrafacção.

 Quanto à segunda questão

29.      Com a segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se o conceito de «razões especiais» previsto no artigo 98.°, n.° 1, do regulamento deve ser entendido no sentido de que, se um tribunal verificar que o réu contrafez uma marca comunitária, e ainda que não tenha fundamento, nos termos da primeira questão, para deixar de proferir uma decisão específica, proibindo‑o de prosseguir os actos de contrafacção, pode, todavia, deixar de proferir tal decisão, se for manifesto que a continuação da contrafacção é abrangida por uma proibição genérica da contrafacção prevista pela legislação nacional, e se o réu puder ser sujeito a sanções penais no caso de se verificar a continuação da contrafacção com dolo ou negligência grave.

30.      A Nokia, o Governo francês e a Comissão defendem que deve ser dada resposta negativa à segunda questão. Joacim Wärdell defende a posição contrária, embora não tenha apresentado alegações, limitando‑se a remeter para os argumentos já desenvolvidos na primeira questão.

31.      De novo, concordo com a primeira opinião defendida.

32.      Como correctamente alega o Governo francês, uma norma geral da legislação nacional não pode, por definição, ser uma razão «especial». Numa leitura normal, este termo implica que a razão deve ser especial para um caso particular, que, por seu turno, sugere dever normalmente referir‑se mais aos factos do que à lei. Em todo o caso, os artigos 44.°, n.° 1, e 61.° do acordo ADPIC exigem que os Estados‑Membros prevejam sanções civis e criminais, incluindo a proibição, para a infracção dos direitos de propriedade intelectual. Por conseguinte, a existência de sanções na lei nacional não pode constituir uma razão especial para não proferir uma decisão de proibição nos termos do artigo 98.°, n.° 1. A recusa de proferir uma decisão de proibição nos termos do artigo 98.°, n.° 1, com o fundamento de que aquela legislação nacional prevê uma sanção tornaria a aplicação de normas de direito comunitário dependente da legislação nacional. Este entendimento, por sua vez, estaria em conflito com o primado do direito comunitário e o carácter unitário do regulamento e, de facto, esvaziaria o artigo 98.°, n.° 1, de todo o sentido.

33.      Além disso, uma medida que proíba a contrafacção, como exige o artigo 98.°, n.° 1, pode em certas circunstâncias ser mais eficaz para o titular da marca do que uma proibição geral de contrafacção, mesmo sujeita a uma sanção penal. O Governo francês refere, a título de exemplo, que, segundo o direito francês, uma decisão específica a proibir o réu de actos de contrafacção legitima o titular da marca a requerer às autoridades aduaneiras e à polícia que evitem a prática dos actos proibidos sem necessidade de instaurar novo processo (que leva tempo e custa dinheiro) relativamente à nova contrafacção.

34.      Neste contexto, deve salientar‑se que, segundo a Nokia, a sanção penal prevista no § 37‑a da varumärkeslag não é consequência necessária de contrafacção; para além disto, requer que seja formulado separadamente o pedido pelo titular da marca e feita prova de que a contrafacção ocorre com dolo ou é o resultado de negligência grave. Se for realmente este o caso, a protecção conferida por aquela legislação não é manifestamente comparável à protecção prevista pelo artigo 98.°, n.° 1, o qual, repito, exige explicitamente que a decisão judicial normal perante uma contrafacção deve ser uma decisão que proíba o réu de prosseguir a contrafacção.

35.      Pelo exposto, entendo que o conceito de «razões especiais» previsto no artigo 98.°, n.° 1, do regulamento não está preenchido se um tribunal que verifica que o réu contrafez uma marca comunitária deixar de proferir uma decisão a proibir a continuação da contrafacção, só com o fundamento de que a continuação da contrafacção está abrangida por uma proibição genérica de contrafacção nos termos da lei nacional e o réu pode ser sujeito a uma sanção penal, caso prossiga a contrafacção com dolo ou negligência grave.

 Quanto à terceira e à quarta questões

36.      Estas questões devem ser tratadas conjuntamente.

37.      Com a terceira questão, suscitada apenas para o caso de a resposta à segunda questão ser negativa, como proponho, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se devem ser tomadas medidas específicas para garantir o respeito dessa proibição, associando‑lhe, por exemplo, uma sanção pecuniária, mesmo quando seja manifesto que i) a continuação da contrafacção é abrangida por uma proibição genérica da contrafacção prevista pela legislação nacional, e que ii) o réu pode ser sujeito a sanções penais, caso se verifique continuação da contrafacção com dolo ou negligência grave.

38.      Com a quarta questão, colocada para o caso de resposta afirmativa à terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se tal interpretação também é válida mesmo que se entenda que não se verificam os requisitos para adoptar tais medidas específicas em caso de contrafacção equivalente de uma marca nacional.

39.      A Nokia, o Governo francês e a Comissão entendem que deve ser dada resposta afirmativa à terceira e quarta questões. Concordo.

40.      Joacim Wärdell defende a opinião contrária. Remete para o artigo 14.°, n.° 1, do regulamento, que estabelece que «as infracções a marcas comunitárias são reguladas pelo direito nacional em matéria de infracções a marcas nacionais», e alega que existem medidas suficientes para garantir o respeito da proibição de continuar a contrafacção, se o direito nacional prevenir a proibição geral de contrafacção com a possibilidade de uma sanção penal.

41.      O artigo 14.°, n.° 1, contudo, termina com a expressão «nos termos do disposto no título X» e este título X inclui o artigo 98.°, n.° 1. Ora, como já acentuei, essa disposição é imperativa: exige a um tribunal que considere provada uma contrafacção de uma marca comunitária não só que profira uma decisão proibindo o réu de prosseguir a contrafacção mas também que «tom[e,] nos termos da lei nacional, as medidas adequadas para garantir o respeito dessa proibição». Esta formulação impõe manifestamente que o direito nacional tome medidas específicas para corroborar a proibição e, portanto, para garantir o respeito dessa proibição (13). Por conseguinte, uma proibição geral de contrafacção nos termos da lei nacional não é, a meu ver, suficiente. Do mesmo modo, uma sanção penal que só pode ser aplicada: i) por opção do órgão jurisdicional de reenvio; ii) a pedido do titular da marca; e iii) a um réu que cometa mais actos de contrafacção com dolo ou negligência, é insuficiente para satisfazer esta exigência.

42.      Enquanto as medidas em concreto devem ser decididas à luz do direito nacional, estas devem ser não só específicas mas também eficazes para essa finalidade. Isto decorre do princípio de que, na falta de regulamentação comunitária na matéria, compete à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro regular as modalidades processuais das acções judiciais destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos que decorrem para os cidadãos do direito comunitário; essas modalidades não devem ser menos favoráveis do que as das acções análogas de natureza interna (princípio da equivalência), nem tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica comunitária (princípio da efectividade) (14). É manifesto que impor uma proibição sem prever sanção é pouco provável que satisfaça o último princípio. A meu ver, contudo, isso não requer necessariamente que a proibição da contrafacção deva ser imediatamente cominada com qualquer outra sanção. As consequências de violação da proibição devem antes ser estabelecidas ou clara e especificamente pelo órgão jurisdicional nacional ou de um modo geral pela lei nacional.

43.      No que concerne à quarta questão, parece‑me indiferente à análise supra que, num dado caso, os requisitos para adoptar as medidas específicas que prevê o artigo 98.°, n.° 1, não fossem consideradas preenchidas se se tratasse de contrafacção equivalente de uma marca nacional. O artigo 98.°, n.° 1, impõe um requisito específico, cujos pormenores devem ser precisados em concreto pela lei nacional, a aplicar aos casos em que se verifique uma contrafacção de marca comunitária. O princípio da equivalência não exige que, nos casos em que o direito comunitário garante um nível elevado de protecção dum direito conferido pelo direito comunitário, os direitos equivalentes conferidos pela lei nacional (mesmo pelas normas nacionais harmonizadas) gozem necessariamente do mesmo nível de protecção.

 Conclusão

44.      Pelas razões precedentes, entendo que o Tribunal de Justiça deve responder do modo seguinte às questões colocadas pelo Högsta Domstol (Supremo Tribunal), da Suécia:

Quanto à primeira e à segunda questões:

–        o conceito de «razões especiais», previsto no artigo 98.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária, não se encontra preenchido se um tribunal que verifica que o réu contrafez uma marca comunitária deixar de proferir uma decisão específica proibindo‑o de prosseguir os actos de contrafacção: 1) apenas com o fundamento de que não é manifesto ou é de algum modo reduzido o risco de continuar a contrafacção; ou 2) apenas com o fundamento de que a continuação da contrafacção está abrangida por uma proibição genérica de contrafacção nos termos da lei nacional e o réu pode ser sujeito a sanções penais, caso se verifique a continuação de contrafacção com dolo ou negligência grave.

Quanto à terceira e à quarta questões:

–        Cabe ao direito nacional regular em pormenor as medidas específicas exigidas pelo artigo 98.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 a um tribunal que proíbe um réu de prosseguir os actos de contrafacção de uma marca comunitária para garantir o respeito dessa proibição. Essas medidas têm de ser eficazes. O requisito do artigo 98.°, n.° 1, não se encontra preenchido unicamente com fundamento em que i) a continuação da contrafacção está abrangida por uma proibição genérica da contrafacção, nos termos da lei nacional, e que ii) o réu pode ser sujeito a sanções penais, caso se verifique a continuação da contrafacção com dolo ou negligência grave. Devem ser tomadas medidas específicas para garantir o respeito dessa proibição, ainda que os requisitos para adoptar tais medidas não se afigurem preenchidos na hipótese de contrafacção equivalente de uma marca nacional.


1 – Língua original: inglês.


2 – Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), com as alterações posteriores.


3 – Anexo 1 C do Acordo que institui a Organização Mundial do Comércio; aprovado em nome da Comunidade Europeia, em relação às matérias da sua competência, pela Decisão 94/800/CE do Conselho, de 22 de Dezembro de 1994 (JO L 336, p. 1). V. acordo ADPIC no JO L 336, pp. 1, 213.


4 – Acórdão de 16 de Novembro de 2004, Anheuser‑Busch (C‑245/02, Colect., p. I‑10989, n.° 55). É agora requerido aos Estados‑Membros, pelo artigo 11.° da Directiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO L 157, p. 45), que «garant[am] que, nos casos em que tenha sido tomada uma decisão judicial que constate uma violação de um direito de propriedade intelectual, os órgãos jurisdicionais competentes possam impor ao infractor uma medida inibitória da continuação dessa violação». A Directiva n.° 2004/48 previa a sua transposição até 29 de Abril de 2006.


5 – A varumärkeslagen (1960: 644).


6 – Este ponto e os seguintes são extraídos do despacho de reenvio, que não dá mais pormenores com relevância para a situação de facto.


7 – No décimo quinto considerando.


8 – Da mesma forma, visto que o órgão jurisdicional de reenvio não pede exemplos do que possam ser «razões especiais» e dado que essa questão não foi desenvolvida nas alegações apresentadas no Tribunal, entendo não fazer sentido dar esses exemplos no caso em apreço, que é o primeiro em que o Tribunal é chamado a interpretar o artigo 98.°, n.° 1.


9 – Primeiro considerando.


10 – V. artigo 3.°, n.° 2, da Directiva 2004/48, já referida na nota 4, que estabelece que as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual abrangidos por esta directiva «também devem ser eficazes, proporcionados e dissuasivos e aplicados de forma a evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos.» (itálico meu). O artigo 41.°, n.° 1, segunda frase, do acordo ADPIC tem efeito idêntico.


11 – Segundo considerando.


12 – Sétimo considerando e artigo 9.°, n.° 1, alínea a), do regulamento.


13 – O texto francês ainda é mais claro: «Il prend également, conformément à la loi nationale, les mesures propres à garantir le respect de cette interdiction».


14 – V., entre outros, acórdão de 6 de Dezembro de 2001, Clean Car Autoservice (II) (C‑472/99, Colect., p. I‑9687, n.° 28).