Language of document : ECLI:EU:T:2010:505

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção)

9 de Dezembro de 2010 (*)

«Marca comunitária – Processo de declaração de nulidade – Marca figurativa comunitária Golden Elephant Brand – Marca figurativa nacional não registada GOLDEN ELEPHANT – Motivo relativo de recusa – Remissão para o direito nacional que rege a marca anterior – Regime da acção de common law por uso indevido de denominação (action for passing off) – Artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 40/94 [actual artigo 76.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 207/2009] – Artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 75.° do Regulamento n.° 207/2009) – Artigo 8.°, n.° 4, e artigo 52.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 [actuais artigo 8.°, n.° 4, e artigo 53.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009] – Novos fundamentos – Artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo»

No processo T‑303/08,

Tresplain Investments Ltd, com sede em Tsing Yi, Hong Kong (China), representada por D. McFarland, barrister,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por J. Novais Gonçalves, na qualidade de agente,

recorrido,

sendo a outra parte na Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal Geral,

Hoo Hing Holdings Ltd, com sede em Romford, Essex (Reino Unido), representada por M. Edenborough, barrister,

que tem por objecto um recurso interposto da decisão da Primeira Câmara de Recurso do IHMI de 7 de Maio de 2008 (processo R 889/2007‑1), relativa a um processo de declaração de nulidade em que são partes a Hoo Hing Holdings Ltd e a Tresplain Investments Ltd,

O TRIBUNAL GERAL (Oitava Secção),

composto, na deliberação, por M. E. Martins Ribeiro, presidente, S. Papasavvas e A. Dittrich (relator), juízes,

secretário: E. Coulon,

vista a petição, entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 30 de Julho de 2008,

vista a resposta do IHMI, apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de Dezembro de 2008,

vistas as observações da interveniente, apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 1 de Dezembro de 2008,

visto o pedido de apensação do presente processo ao processo T‑300/08 para efeitos da fase oral e do acórdão, apresentado pela interveniente por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de Agosto de 2008,

vistas as observações da recorrente e do IHMI sobre este pedido de apensação, apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral por requerimentos de, respectivamente, 10 de Novembro e 14 de Outubro de 2008,

visto o pedido de reabertura da fase escrita e de apresentação de novos fundamentos, apresentado pela interveniente na Secretaria do Tribunal Geral em 6 de Agosto de 2009,

vistas as observações da recorrente sobre este pedido, apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 22 de Setembro de 2009,

vista a decisão do Tribunal Geral de fixar um prazo para a apresentação destes novos fundamentos,

vistas as alegações da interveniente de apresentação de novos fundamentos, entradas na Secretaria do Tribunal Geral em 17 de Dezembro de 2009,

vistas as observações da recorrente e do IHMI sobre os novos fundamentos apresentados pela interveniente, entregues na Secretaria do Tribunal Geral em, respectivamente, 13 e 18 de Janeiro de 2010,

visto não ter sido apresentado pelas partes um pedido de fixação de uma data para a audiência no prazo de um mês a contar da notificação do encerramento da fase escrita e ter sido então decidido, com base no relatório do juiz relator e em aplicação do artigo 135.°‑A do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, julgar o recurso prescindindo da fase oral,

profere o presente

Acórdão

 Factos

1        Em 29 de Abril de 1996, a recorrente, Tresplain Investments Ltd, apresentou um pedido de marca comunitária no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi pedido é o seguinte sinal figurativo:

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3        O produto para o qual foi pedido o registo pertence à classe 30 na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, revisto e alterado, e corresponde à seguinte descrição: «arroz».

4        Em 4 de Fevereiro de 1999, a recorrente obteve o registo da referida marca comunitária sob o n.° 241810 (a seguir «marca comunitária controvertida»).

5        Em 5 de Agosto de 2005, a interveniente, Hoo Hing Holdings Ltd, apresentou um pedido de declaração da nulidade da marca comunitária controvertida. Em primeiro lugar, invocou o artigo 51.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 [actual artigo 52.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 207/2009], em conjugação com o artigo 5.° do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 5.° do Regulamento n.° 207/2009), com a redacção aplicável antes de 10 de Março de 2004, data da entrada em vigor da nova versão deste artigo, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.° 422/2004 do Conselho, de 19 de Fevereiro de 2004, que altera o Regulamento n.° 40/94 (JO L 70, p. 1). Em segundo lugar, invocou o artigo 51.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 [actual artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009]. Em terceiro lugar, invocou o artigo 52.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 [actual artigo 53.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009], em conjugação com o artigo 8.°, n.° 4, deste mesmo regulamento (actual artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 207/2009). A este respeito, alegou que as regras que regem o uso indevido de denominação (passing off) lhe conferiam o direito, no Reino Unido, de proibir a utilização da marca comunitária controvertida com base na sua marca figurativa não registada, marca que tem utilizado no Reino Unido desde 1988 para designar arroz (a seguir «marca anterior») e que é a seguinte:

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6        Por decisão de 16 de Abril de 2007, a Divisão de Anulação do IHMI indeferiu o pedido de declaração de nulidade. No tocante à causa de nulidade prevista no artigo 52.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, em conjugação com o artigo 8.°, n.° 4, do mesmo regulamento, considerou que a data pertinente para apreciar se a interveniente tinha adquirido um direito anterior na acepção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 era a data do depósito do pedido da marca comunitária controvertida, a saber, 29 de Abril de 1996, e não a data em que esta última tinha, pela primeira vez, sido utilizada no Reino Unido. Entendeu que a interveniente tinha feito prova bastante da sua utilização, nessa data, da marca anterior na vida comercial e que o seu alcance não era meramente local. Todavia, entendeu que, vista a negligenciável quota de mercado do arroz vendido com a marca anterior, a interveniente não tinha provado que o público pertinente tinha atribuído um «goodwill» (a saber, a força de atracção da clientela, v. n.° 101 infra) aos produtos cobertos pela marca anterior. A interveniente não tinha, pois, demonstrado que o regime da acção por uso indevido de denominação lhe permitia proibir a utilização da marca comunitária controvertida.

7        Em 8 de Junho de 2007, a interveniente recorreu para o IHMI da decisão da Divisão de Anulação.

8        Par decisão de 7 de Maio de 2008 (a seguir «decisão impugnada»), a Primeira Câmara de Recurso do IHMI anulou a decisão da Divisão de Anulação, declarou a nulidade da marca comunitária controvertida e condenou a ora recorrente nas despesas.

9        A Câmara de Recurso entendeu que as condições do artigo 52.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, em conjugação com o artigo 8.°, n.° 4, do mesmo regulamento, estavam preenchidas e declarou a nulidade da marca comunitária controvertida com esse fundamento.

10      Realçou que, para que uma acção por uso indevido de denominação seja procedente nos termos da common law, como desenvolvida pela jurisprudência inglesa, o requerente da declaração de nulidade deve provar, em primeiro lugar, que adquiriu no mercado goodwill ou reputação a coberto da marca não registada e que os seus produtos são reconhecidos por um elemento distintivo; em segundo lugar, que há uma apresentação enganosa (intencional ou não) por parte de titular da marca comunitária que conduz, ou é susceptível de conduzir, a que o público creia que os produtos oferecidos para venda pelo titular da marca comunitária são os do requerente da declaração de nulidade; e, em terceiro lugar, que este tenha sofrido ou corra o risco de sofrer um prejuízo devido à confusão produzida pela apresentação enganosa criada pelo titular da marca comunitária.

11      A Câmara de Recurso confirmou a conclusão da Divisão de Anulação segundo a qual a data do depósito do pedido de marca comunitária é a data pertinente em que devem estar adquiridos os direitos do sinal anterior.

12      Salientou que os elementos de prova fornecidos pela interveniente demonstravam uma actividade comercial efectiva e séria que implicava a importação para o Reino Unido e a venda a estabelecimentos de alimentação chinesa e de alimentação tailandesa de tipos especiais de arroz a coberto da marca anterior. O sinal era, pois, utilizado na vida comercial na acepção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

13      A Câmara de Recurso referiu que resultava dos elementos de prova fornecidos pela interveniente que a marca anterior tinha sido utilizada no Reino Unido (em Londres e nos condados vizinhos de Kent e de Bedfordshire). Além disso, uma declaração solene fornecida pela interveniente confirmou a venda de arroz a clientes noutras grandes cidades do Reino Unido, nomeadamente Manchester, Liverpool, Birmingham, Glasgow e Bristol. A interveniente provou, pois, que a utilização da marca anterior tinha excedido um alcance meramente local na acepção do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

14      A interveniente demonstrou que os direitos em questão foram adquiridos antes da data de depósito do pedido de marca comunitária na acepção do artigo 8.°, n.° 4, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 [actual artigo 8.°, n.° 4, alínea a), do Regulamento n.° 207/2009].

15      Quanto à condição prevista pelo artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 [actual artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009], segundo a qual o sinal não registado deve conferir ao seu titular o direito de proibir a utilização de uma marca mais recente, a Câmara de Recurso referiu o seguinte.

16      A interveniente demonstrou a existência de um goodwill bastante, gerado para a sua empresa através da venda de tipos especiais de arroz, à data do depósito do pedido da marca comunitária controvertida. A Divisão de Anulação fixou um limiar mais elevado para a demonstração de um goodwill do que o fixado pelo direito inglês que disciplina a acção por uso indevido de denominação.

17      A Câmara de Recurso considerou ainda que a marca comunitária controvertida constituía uma apresentação enganosa da marca anterior. A este respeito, realçou que os produtos em questão eram idênticos. Tal era igualmente o caso dos elementos nominativos das marcas em causa. Existia uma identidade fonética e uma identidade conceptual entre estas últimas, bem como uma acentuada semelhança visual. Era, pois, inevitável que o público não estivesse em posição de poder distinguir os sinais em causa e que os consumidores que tivessem sido confrontados com a marca anterior identificassem o arroz comercializado pela recorrente a coberto da marca comunitária controvertida como sendo o arroz comercializado pela interveniente.

18      Além disso, entendeu que, tendo a interveniente demonstrado a existência de um goodwill no Reino Unido para a marca anterior, a qual apresentava uma forte semelhança com a marca comunitária controvertida e cobria produtos idênticos, era razoável concluir que a interveniente corria o risco de sofrer um prejuízo.

19      Por outro lado, no que respeita ao pedido de declaração de nulidade que assentava no artigo 51.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94, em conjugação com o artigo 5.° deste regulamento, a Câmara de Recurso considerou, numa «observação preliminar», que era inadmissível. Esclareceu, no n.° 19 da decisão impugnada, que, tendo o pedido de declaração de nulidade sido apresentado em 5 de Agosto de 2005, a versão do Regulamento n.° 40/94 que era aplicável era a que continha as alterações introduzidas às causas de nulidade absoluta pelo Regulamento n.° 422/2004, e que o novo artigo 51.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94, que era aplicável, remetia unicamente para o artigo 7.° do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 7.° do Regulamento n.° 207/2009), relativo aos motivos absolutos de recusa, e já não para o artigo 5.° deste mesmo regulamento, relativo aos titulares de marcas comunitárias.

20      Por último, na decisão impugnada, a Câmara de Recurso não examinou o argumento da interveniente que assenta no artigo 51.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

21      Em 1 de Agosto de 2008, a interveniente interpôs recurso da decisão impugnada para o Tribunal Geral. Com este recurso, pedia a anulação da decisão impugnada na medida em que a Câmara de Recurso tinha concluído pela inadmissibilidade do fundamento relativo à causa de nulidade prevista no artigo 51.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94. Pedia igualmente que a decisão impugnada fosse reformada de modo a que os seus fundamentos relativos às causas de nulidade previstas, respectivamente, nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 51.° do Regulamento n.° 40/94 fossem julgados admissíveis e procedentes, e ainda que a decisão impugnada fosse reformada de modo a que a marca comunitária controvertida fosse declarada nula com base num ou noutro destes fundamentos suplementares, ou mesmo com base em ambos.

22      O Tribunal Geral julgou inadmissível esse recurso [despacho do Tribunal Geral de 14 de Julho de 2009, Hoo Hing/IHMI – Tresplain Investments (Golden Elephant Brand), T‑300/08, não publicado na Colectânea]. Este Tribunal constatou, essencialmente, que, nos termos do artigo 63.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 65.°, n.° 4, do Regulamento n.° 207/2009), a Hoo Hing não tinha legitimidade para interpor tal recurso para o Tribunal Geral, uma vez que a decisão da Câmara de Recurso tinha dado inteira satisfação às suas pretensões (despacho Golden Elephant Brand, já referido, n.° 37).

 Pedidos das partes

23      Na petição, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        Anular a decisão impugnada;

–        Condenar o IHMI nas despesas.

24      Na sua contestação, o IHMI conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        Negar provimento ao recurso;

–        Condenar a recorrente nas despesas.

25      Nas suas alegações de resposta, a interveniente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        Negar provimento ao recurso;

–        Além disso, ou a título subsidiário, anular a decisão impugnada no que respeita à declaração de que a data adequada para decidir da questão do uso indevido de denominação é a data do depósito do pedido de marca comunitária e não a data do primeiro uso da marca comunitária;

–        E também, ou a título subsidiário, reformar a decisão impugnada no sentido de declarar que a data adequada para decidir da questão do uso indevido de denominação é a data do primeiro uso da marca comunitária e não a data do depósito do pedido de marca comunitária;

–        Condenar o IHMI ou a recorrente nas despesas ou, a título subsidiário, condenar solidariamente o IHMI e a recorrente nas despesas.

26      Acresce que, nas suas alegações de apresentação de novos fundamentos, a interveniente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        Anular a decisão impugnada na medida em que concluiu pela inadmissibilidade do fundamento relativo à causa de nulidade prevista no artigo 51.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94;

–        Além disso, ou a título subsidiário, reformar a decisão impugnada de modo a que o fundamento relativo à causa de nulidade prevista no artigo 51.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 seja julgado admissível e procedente;

–        Reformar a decisão impugnada, de modo a que o fundamento relativo à causa de nulidade prevista no artigo 51.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 seja julgado admissível e procedente;

–        Na medida em que a decisão impugnada seja reformada no sentido pedido, reformá‑la ainda de modo a que a marca comunitária controvertida seja declarada nula com base num ou noutro destes fundamentos suplementares, ou mesmo com base em ambos;

–        Condenar o IHMI ou a recorrente nas despesas ou, a título subsidiário, condenar solidariamente o IHMI e a recorrente nas despesas.

27      Nas suas observações escritas sobre os novos fundamentos, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        Rejeitar os novos fundamentos de direito;

–        Condenar a interveniente nas despesas.

28      Nas suas observações escritas sobre os novos fundamentos, o IHMI conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        Julgar inadmissíveis os novos fundamentos de direito;

–        A título subsidiário, julgar improcedentes os novos fundamentos de direito;

–        Condenar a interveniente nas despesas.

 Questão de direito

29      No tocante, a título liminar, ao pedido da interveniente de apensação do presente processo ao processo T‑300/08 para efeitos da fase oral e do acórdão, basta constatar que este pedido se tornou sem objecto devido a o recurso no processo T‑300/08 (despacho Golden Elephant Brand, n.° 22 supra) ter sido julgado inadmissível.

1.     Quanto aos pedidos da recorrente

30      A recorrente invoca dois fundamentos de recurso, relativos, respectivamente, à violação dos artigos 73.° e 74.° do Regulamento n.° 40/94 (actuais artigos 75.° e 76.° do Regulamento n.° 207/2009) e à violação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos artigos 73.° e 74.° do Regulamento n.° 40/94

 Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à violação do artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94

–       Argumentos das partes

31      No quadro da primeira parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que a Câmara de Recurso se recusou a tomar em conta factos, provas e argumentos pertinentes que tinha fornecido em tempo útil. Deste modo, violou o artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94, e nomeadamente o n.° 2 desta disposição (actual artigo 76.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009).

32      Mais especificamente, a Câmara de Recurso recusou‑se a tomar em consideração os argumentos da recorrente a respeito:

–        da contestação das pretensas «provas» fornecidas pela interveniente;

–        do facto de a interveniente não ter fornecido provas referentes ao peso e à pertinência da pretensa reputação ou do goodwill adquiridos pelo uso;

–        da ausência de casos reais de confusão ou de risco de confusão entre as marcas em causa. A Câmara de Recurso não tomou em consideração, nomeadamente, o facto de a interveniente (tal como os seus clientes) nunca ter agido contra a recorrente, apesar de não se contestar a existência, desde o mês de Novembro de 2003, de uma comercialização paralela no mercado do Reino Unido dos produtos das duas partes, a saber, de arroz, o qual era vendido a coberto das marcas em causa.

33      A Câmara de Recurso recusou‑se igualmente a tomar em consideração as provas a respeito da ausência de um risco de confusão fornecidas pela recorrente nas suas observações escritas.

34      Assim, a Câmara de Recurso recusou‑se em larga medida a tomar em consideração as observações da recorrente de 3 de Fevereiro de 2006, de 31 de Outubro de 2007 e de 1 de Abril de 2008.

35      A Câmara de Recurso não avaliou as quotas de mercado e não tomou em consideração os elementos de prova que tinha fornecido e dos quais resulta que, em média, são importadas anualmente no Reino Unido 500 000 toneladas de arroz.

36      O IHMI e a interveniente concluem pela rejeição desta parte do primeiro fundamento. O IHMI alega nomeadamente que este fundamento é inadmissível, uma vez que a recorrente não indica de modo suficientemente claro quais são os argumentos ou provas, entre os que aduziu ou as que forneceu durante o procedimento administrativo, que foram ignorados pela Câmara de Recurso. Em todo o caso, esta parte do primeiro fundamento não é procedente, pois a Câmara de Recurso examinou todas as observações apresentadas pelas partes.

–       Apreciação do Tribunal Geral

37      Cabe recordar que, nos termos do artigo 21.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a petição deve conter, designadamente, «o objecto do litígio» e «a exposição sumária dos fundamentos do pedido». Além disso, segundo o artigo 48.°, n.° 2, do referido regulamento, «[é] proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo». Decorre destas disposições que todo o fundamento que não esteja suficientemente articulado na petição inicial deve ser considerado inadmissível (acórdão do Tribunal Geral de 14 de Dezembro de 2005, Honeywell/Comissão, T‑209/01, Colect., p. II‑5527, n.° 54).

38      Segundo jurisprudência assente, é necessário, para que um recurso seja admissível, que os elementos essenciais de facto e de direito em que se baseia resultem, pelo menos sumariamente, mas de forma coerente e compreensível, do texto da própria petição (v. acórdão Honeywell/Comissão, n.° 37 supra, n.° 56 e jurisprudência aí referida). A este respeito, ainda que o corpo da petição possa ser escorado e completado, em pontos específicos, por remissões para passagens de documentos que a ela foram anexados, uma remissão global para outros documentos, mesmo anexos à petição, não pode suprir a ausência dos elementos essenciais da argumentação jurídica, os quais, por força da disposição atrás recordada, devem constar da petição. Além disso, não compete ao Tribunal procurar e identificar, nos anexos, os fundamentos e argumentos que possa considerar constituírem o fundamento do recurso, uma vez que os anexos têm uma função puramente probatória e instrumental (v. acórdão Honeywell/Comissão, n.° 37 supra, n.° 57 e jurisprudência aí referida).

39      Acresce que o artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 76.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009) dispõe que o IHMI procederá ao exame oficioso dos factos, mas que, contudo, num processo respeitante a motivos relativos de recusa do registo, o exame se limitará às alegações de facto e aos pedidos apresentados pelas partes. Nos termos do n.° 2 deste mesmo artigo, o IHMI pode não tomar em consideração os factos que as partes não tenham alegado ou as provas que não tenham produzido em tempo útil.

40      A recorrente alega, essencialmente, que a Câmara de Recurso violou esta disposição processual quando recusou tomar em consideração certos argumentos ou provas apresentados pela recorrente apesar de as condições mencionadas no n.° 2 deste artigo não estarem satisfeitas, pois esta apresentou o conjunto destes elementos em tempo útil.

41      No caso em apreço, cabe constatar que certos argumentos aduzidos pela recorrente para alicerçar esta parte do primeiro fundamento não foram apresentados de um modo suficientemente preciso na petição. Assim, a recorrente não indicou, na petição, quais eram os argumentos que tinha apresentado no decurso do procedimento administrativo que diziam respeito à contestação dos elementos de prova fornecidos pela interveniente. Tal como também não indicou quais eram os argumentos, nas suas observações de 3 de Fevereiro de 2006, de 31 de Outubro de 2007 e de 1 de Abril de 2008, que a Câmara de Recurso, em seu entender, tinha recusado tomar em consideração.

42      Contudo, uma parte dos argumentos invocados pela recorrente para alicerçar esta parte do primeiro fundamento foi apresentada de modo suficientemente claro na própria petição. Assim, desta resulta que a recorrente critica a Câmara de Recurso por não ter tomado em conta a sua argumentação segundo a qual a interveniente não tinha fornecido provas a respeito do peso e da pertinência da alegada reputação ou do goodwill adquiridos pelo uso. Resulta igualmente da petição que a recorrente entende que a Câmara de Recurso se recusou a tomar em consideração a sua argumentação segundo a qual não existe risco de confusão entre as marcas em causa. Além disso, a recorrente critica expressamente a Câmara de Recurso por não ter tomado em conta o seu argumento segundo o qual são, em média, importadas anualmente no Reino Unido 500 000 toneladas de arroz. No tocante a estes argumentos, o conteúdo da sua argumentação decorre, pelo menos de modo sumário, do corpo da petição.

43      A primeira parte do primeiro fundamento, relativa ao facto de a Câmara de Recurso ter cometido um erro processual por se ter recusado a tomar em conta uma parte dos argumentos da recorrente sem que estivessem preenchidas as condições para tal recusa, não pode, pois, enquanto tal, ser considerada inadmissível. Só alguns argumentos aduzidos para alicerçar esta parte do fundamento são inadmissíveis, por não terem sido apresentados de um modo suficientemente claro no corpo da petição (v. n.° 41 supra).

44      Quanto ao mérito da primeira parte do primeiro fundamento, importa referir o seguinte. Como salienta o IHMI, de modo algum resulta da decisão impugnada ou da correspondência trocada entre este e a recorrente que ele se tenha recusado a tomar em consideração factos, provas e argumentos por esta apresentados.

45      Cabe realçar que a Câmara de Recurso resumiu, nos n.os 3, 5, 14 e 16 da decisão impugnada, a argumentação que a recorrente tinha apresentado, reflectindo a totalidade das observações escritas que esta tinha submetido no decurso do procedimento administrativo.

46      Neste âmbito, importa referir que a Câmara de Recurso não é obrigada a tomar posição sobre todos os argumentos aduzidos pelas partes. Basta‑lhe expor os factos e as considerações jurídicas que assumam uma importância essencial na economia da decisão (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Janeiro de 2007, Technische Glaswerke Ilmenau/Comissão, C‑404/04 P, não publicado na Colectânea, n.° 30). Donde resulta que a circunstância de a Câmara de Recurso não ter reproduzido o conjunto dos argumentos de uma das partes ou não ter respondido a cada um destes argumentos não permite, por si só, que se conclua que a Câmara de Recurso se recusou a tomá‑los em consideração.

47      No caso vertente, a Câmara de Recurso referiu, no n.° 14 da decisão impugnada, que a recorrente tinha alegado que a quota de mercado da interveniente era demasiado pequena para comprovar um goodwill e, no n.° 16 da mesma decisão, que a recorrente tinha sustentado que a interveniente não tinha fornecido a prova da existência de um goodwill. Ao que acresce que resumiu os argumentos da recorrente no tocante à pequena quota de mercado da interveniente nos n.os 3 e 14 da decisão impugnada.

48      Nos n.os 40 a 43 dessa decisão, a Câmara de Recurso examinou a questão de saber se a interveniente tinha suficientemente demonstrado a existência de um goodwill, nada permitindo considerar que a Câmara de Recurso se tenha recusado a tomar em conta a totalidade dos argumentos invocados pela recorrente a esse respeito.

49      No tocante ao argumento da recorrente segundo o qual a Câmara de Recurso não tomou em consideração os argumentos e as provas que tinha fornecido no que respeita à ausência de um risco de confusão entre as marcas em causa, importa referir o seguinte. É certo que, no resumo da argumentação da recorrente que consta da decisão impugnada, não figura qualquer argumento no que se refere à ausência de um risco de confusão. Porém, há que realçar que a recorrente não apresentou, no decurso do procedimento administrativo, uma argumentação elaborada quanto à ausência de um risco de confusão. A recorrente limitou‑se a afirmar, nas suas observações de 31 de Outubro de 2007, após ter realçado a pequena quota de mercado da interveniente, que «não [podia] haver goodwill, apresentação enganosa ou prejuízo», que «não tinha havido apresentação enganosa nem um qualquer prejuízo dela resultante» e, nas suas alegações de 1 de Abril de 2008, que a interveniente «não [tinha podido] demonstrar a apresentação enganosa ou um qualquer prejuízo».

50      A Câmara de Recurso examinou, nos n.os 44 a 47 da decisão impugnada, a questão da existência de uma apresentação enganosa. Uma vez que a recorrente se tinha limitado, no procedimento administrativo, a contestar a referida existência sem desenvolver a sua argumentação, o simples facto de a Câmara de Recurso ter examinado a questão da existência de uma apresentação enganosa significa que tomou em conta a argumentação da recorrente.

51      No que concerne ao argumento segundo o qual a Câmara de Recurso não tomou em consideração, nomeadamente, o facto de a interveniente (tal como os seus clientes) nunca ter agido contra a recorrente, mesmo tendo havido, desde o mês de Novembro de 2003, uma comercialização paralela no mercado, cabe salientar que a recorrente não se apoiou nestas circunstâncias na sua argumentação ao longo do procedimento administrativo. Não se pode, pois, falar de recusa em tomar em consideração argumentos aduzidos pela recorrente durante o procedimento administrativo.

52      No tocante ao argumento segundo o qual as importações de arroz no Reino Unido foram, em média, de 500 000 toneladas anuais, cabe constatar que a Câmara de Recurso mencionou explicitamente este argumento no n.° 3 da decisão impugnada. Todavia, referiu, no n.° 26 da decisão impugnada, que mesmo as pequenas empresas podiam ter um goodwill. Donde resulta que, segundo a Câmara de Recurso, não era necessário estabelecer a exacta quota de mercado que a interveniente detinha. O facto de a Câmara de Recurso não ter calculado a quota de mercado da interveniente com base nos elementos de prova fornecidos pela recorrente a respeito do volume total do mercado não significa, pois, que a Câmara de Recurso se tenha recusado a tomar em consideração uma parte dos argumentos ou dos elementos de prova fornecidos pela recorrente, em violação do artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94. A ausência de determinação da exacta quota de mercado da interveniente explica‑se pelo facto de esta quota não revestir uma importância essencial na economia da decisão impugnada.

53      Resulta das precedentes considerações que a Câmara de Recurso não recusou tomar em consideração os argumentos aduzidos pela recorrente no decurso do procedimento administrativo. A argumentação da recorrente carece, pois, de base factual, pelo que há que julgar improcedente a primeira parte do primeiro fundamento.

 Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à violação do artigo 73.° e do artigo 74.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 40/94

–       Argumentos das partes

54      No quadro da segunda parte do primeiro fundamento, a recorrente alega que, na decisão impugnada, a Câmara de Recurso se fundou em pretensos «factos» e presunções e asserções em matéria de direito que não tinham sido invocados ou alicerçados pelas partes. Assim, violou o artigo 73.° e o artigo 74.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 76.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 207/2009).

55      Em primeiro lugar, foi de modo incorrecto que a Câmara de Recurso definiu ou, a título subsidiário, aplicou ao caso em apreço o direito inglês que rege a acção por uso indevido de denominação.

56      Em segundo lugar, a Câmara de Recurso «inventou conclusões» e fundou‑se em especulações e em hipóteses para sustentar as suas afirmações a respeito do pretenso risco de confusão das marcas em causa.

57      Em terceiro lugar, a Câmara de Recurso concluiu erradamente pela existência de um prejuízo, apesar da ausência de qualquer prova ou afirmação a respeito da existência de tal prejuízo.

58      A interveniente não fez prova de ter adquirido um goodwill. A sua quota no mercado do arroz no Reino Unido era demasiado pequena para a aquisição de um goodwill.

59      Acresce que a Câmara de Recurso cometeu um erro quando omitiu tomar em consideração as diferenças anatómicas, estéticas e artísticas da representação de uma cabeça de elefante nas marcas em causa.

60      A Câmara de Recurso não tomou em conta o facto de a maioria dos elementos de prova fornecidos pela interveniente não demonstrarem o uso da marca anterior para o arroz, na época em causa. Por exemplo, os rolos de caixa registadora fazem unicamente referência a arroz «G/E» ou «GE», e não à marca anterior.

61      A recorrente entende que a argumentação da Câmara de Recurso no n.° 40 da decisão impugnada é ilógica, na medida em que considerou que «a Divisão de Anulação fixou um limiar mais elevado do que o exigido pelo direito inglês que rege o uso indevido de denominação», mas não aderiu à conclusão da Divisão de Anulação segundo a qual o uso indevido de denominação não estava provado.

62      Sustenta que a Câmara de Recurso não tinha qualquer base factual para concluir, no n.° 43 da decisão impugnada, que era «muito pouco provável que a taxa de crescimento das vendas registada após a data do depósito tivesse sido a que se verificou se não tivesse existido o goodwill gerado pela empresa até essa data». Além disso, a Câmara de Recurso revelou ausência de rigor quando empregou a expressão «goodwill gerado pela empresa».

63      O IHMI e a interveniente entendem que esta parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

–       Apreciação do Tribunal Geral

64      Importa começar por examinar a alegada violação do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, para seguidamente examinar a do artigo 73.°, segunda frase, do Regulamento n.° 40/94 (actual artigo 75.°, segunda frase, do Regulamento n.° 207/2009).

65      Cabe recordar que, segundo o artigo 74.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 40/94, nos processos respeitantes a um motivo relativo de recusa de registo, o exame é limitado aos fundamentos invocados e aos pedidos apresentados pelas partes. O artigo 74.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 40/94 aplica‑se igualmente aos processos de anulação com base numa causa de nulidade relativa por força do artigo 52.° do mesmo regulamento [acórdão do Tribunal Geral de 25 de Maio de 2005, TeleTech Holdings/IHMI – Teletech International (TELETECH GLOBAL VENTURES), T‑288/03, Colect., p. II‑1767, n.° 65]. Portanto, nos processos de declaração de nulidade respeitantes a uma causa de nulidade relativa, incumbe à parte que apresenta um pedido de declaração de nulidade baseando‑se numa marca nacional anterior demonstrar a existência desta última e, eventualmente, o âmbito da protecção [v., neste sentido, acórdão do Tribunal Geral de 20 de Abril de 2005, Atomic Austria/IHMI – Fabricas Agrupadas de Muñecas de Onil (ATOMIC BLITZ), T‑318/03, Colect., p. II‑1319, n.° 33].

66      Em contrapartida, incumbe ao IHMI apreciar se, no âmbito de um processo de declaração de nulidade, estão reunidas as condições de aplicação de uma causa de nulidade que tenha sido invocada. Neste contexto, ele está obrigado a apreciar a materialidade dos factos invocados e a força probatória dos elementos apresentados pelas partes (v., neste sentido, acórdão ATOMIC BLITZ, n.° 65 supra, n.° 34).

67      O IHMI pode ser chamado a tomar em consideração, designadamente, o direito nacional do Estado‑Membro onde a marca anterior em que o pedido de declaração de nulidade se baseia goza de protecção. Neste caso, deve informar‑se oficiosamente, através dos meios que entender serem úteis para esse efeito, sobre o direito nacional do Estado‑Membro em causa, se essas informações forem necessárias para apreciar as condições de aplicação da causa de nulidade em questão e, designadamente, a materialidade dos factos alegados ou a força probatória dos documentos produzidos. Com efeito, a limitação da base factual da apreciação feita pelo IHMI não exclui que este tenha em consideração, para além dos factos apresentados expressamente pelas partes no processo de declaração de nulidade, factos notórios, quer dizer, factos que são susceptíveis de serem conhecidos por qualquer pessoa ou que podem ser conhecidos através de fontes geralmente acessíveis (v., neste sentido, acórdão ATOMIC BLITZ, n.° 65 supra, n.° 35).

68      Importa examinar os argumentos da recorrente à luz das precedentes considerações.

69      No tocante, em primeiro lugar, ao argumento segundo o qual a Câmara de Recurso definiu ou, a título subsidiário, aplicou ao caso em apreço, de modo incorrecto, o direito inglês que rege a acção por uso indevido de denominação há que constatar que uma interpretação ou uma aplicação incorrecta do direito nacional de um Estado‑Membro pode constituir um erro de direito, mas não uma violação do artigo 74.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 40/94. Uma vez que o IHMI tem o dever de apreciar oficiosamente se estão preenchidas as condições de aplicação de uma causa de nulidade que tenha sido invocada e de, eventualmente, se informar oficiosamente sobre o direito do Estado‑Membro em questão, um eventual erro na interpretação ou na aplicação do direito nacional não pode ser considerado uma transgressão dos limites do litígio entre as partes.

70      No que respeita, seguidamente, ao argumento da recorrente de que a Câmara de Recurso «inventou conclusões» e se fundou em especulações e em hipóteses para sustentar as suas afirmações a respeito do alegado risco de confusão das marcas em causa, há que referir o seguinte. A Câmara de Recurso examinou, como lhe incumbia, nos n.os 44 a 47 da decisão impugnada, se estava preenchida uma das condições de uma acção por uso indevido de denominação, a saber, a existência de uma apresentação enganosa da marca anterior. A este propósito, começou por expor, no n.° 44 da decisão impugnada, o direito nacional, que aplicou ao caso em apreço nos n.os 45 a 47 da decisão impugnada.

71      Uma vez que lhe incumbia examinar se o sinal anterior invocado pela interveniente permitia proibir a utilização de uma marca mais recente na acepção do artigo 8.°, n.° 4, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, a Câmara de Recurso tinha o dever de examinar a questão de saber se existia uma apresentação enganosa susceptível de levar a que o público pudesse crer que os produtos vendidos pela recorrente eram os da interveniente. O facto de a Câmara de Recurso ter efectuado, no n.° 47 da decisão impugnada, constatações tais como «é inevitável que o público não possa distinguir os arrozes e as suas marcas» ou «há incontestavelmente uma apresentação enganosa» não pode, pois, ser considerado uma transgressão dos limites do litígio entre as partes. A argumentação da recorrente sobre esta matéria refere‑se, na realidade, não a uma violação do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, mas ao erro de direito cometido pela Câmara de Recurso na aplicação do direito nacional, lido em conjugação com o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94.

72      No que concerne ao argumento segundo o qual a Câmara de Recurso concluiu erradamente pela existência de um prejuízo, apesar da ausência de prova ou de afirmação a respeito da existência de tal prejuízo, há igualmente que referir que a Câmara de Recurso tinha o dever de examinar se estavam preenchidas as condições para intentar uma acção por uso indevido de denominação nos termos do direito do Reino Unido. O facto de ter entendido, no n.° 49 da decisão impugnada, que se podia razoavelmente concluir que a interveniente corria o risco de sofrer um prejuízo na forma de uma quebra directa ou indirecta das vendas não constitui, pois, uma violação do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94.

73      Com o seu argumento segundo o qual a interveniente não fez prova de ter adquirido um goodwill e dispunha de uma quota de mercado demasiado pequena, a recorrente alega, na realidade, que a Câmara de Recurso cometeu um erro de direito no âmbito da apreciação da existência do goodwill, e não que cometeu uma violação do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 por ter tido em conta factos ou elementos de prova que não foram apresentados pelas partes.

74      No tocante ao argumento da recorrente de que a Câmara de Recurso cometeu um erro quando omitiu tomar em consideração as diferenças anatómicas, estéticas e artísticas da representação de uma cabeça de elefante nas marcas em causa, importa realçar que este argumento se refere, na realidade, ao erro de direito alegadamente cometido pela Câmara de Recurso no âmbito da apreciação da existência de uma apresentação enganosa, e não à violação do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94.

75      Com o seu argumento segundo o qual a Câmara de Recurso não tomou em conta o facto de a maioria dos elementos de prova fornecidos pela interveniente não demonstrarem o uso da marca anterior para o arroz na época em causa, a recorrente, na realidade, critica a Câmara de Recurso por não ter apreciado as provas fornecidas pela interveniente de um modo correcto. Tal argumentação diz respeito a um erro de apreciação cometido pela Câmara de Recurso e não a uma violação do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94.

76      O argumento da recorrente de que a argumentação da Câmara de Recurso é ilógica (v. n.° 61 supra) refere‑se igualmente a um alegado erro de direito e não a uma violação do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94.

77      No respeitante ao argumento da recorrente segundo o qual a Câmara de Recurso não se fundou em nenhum facto para concluir, no n.° 43 da decisão impugnada, que era «muito pouco provável que a taxa de crescimento das vendas registada após a data do depósito tivesse sido a que se verificou se não existisse o goodwill gerado pela empresa até essa data», importa referir o seguinte. Incumbia à Câmara de Recurso determinar se a interveniente tinha adquirido um goodwill como o exigido nos termos do direito do Reino Unido no âmbito de uma acção por uso indevido de denominação. Caso a Câmara de Recurso tivesse concluído pela existência de um goodwill sem base factual suficiente, tal constituiria um erro de apreciação. A recorrente não alega que a Câmara de Recurso se fundou em factos que não tinham sido apresentados pelas partes, mas sim que esta última retirou conclusões injustificadas dos elementos de facto que lhe tinham sido apresentados.

78      Quanto, por último, ao argumento da recorrente de que a Câmara de Recurso revelou ausência de rigor quando empregou a expressão «goodwill gerado pela empresa», cabe referir que respeita, na realidade, a um erro de direito cometido pela Câmara de Recurso.

79      Resulta das precedentes considerações que os argumentos da recorrente não se referem, na realidade, a uma violação do artigo 74.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94, mas sim a erros de direito cometidos pela Câmara de Recurso na aplicação do direito nacional ou a erros de apreciação. Estes argumentos serão, pois, examinados no quadro do segundo fundamento.

80      Quanto à alegada violação do artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94, cabe lembrar que, nos termos da segunda frase desta disposição, as decisões do IHMI apenas se podem basear em motivos a respeito dos quais as partes tenham podido pronunciar‑se.

81      Neste âmbito, importa esclarecer que a apreciação dos factos deve ser efectuada no acto decisório. Ora, o direito de ser ouvido é extensivo a todos os elementos de facto ou de direito que constituem o fundamento do acto decisório, mas não à posição final que a administração entenda adoptar [v. acórdão do Tribunal Geral de 7 de Junho de 2005, Lidl Stiftung/IHMI – REWE‑Zentral (Salvita), T‑303/03, Colect., p. II‑1917, n.° 62 e jurisprudência aí referida]. A Câmara de Recurso não tinha, pois, o dever de ouvir a recorrente a respeito da apreciação dos elementos de facto e de direito com base na qual optou por fundar a sua decisão. Consequentemente, não cometeu uma violação do artigo 73.° do Regulamento n.° 40/94.

82      Visto o conjunto do precedentemente exposto, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento e, portanto, o primeiro fundamento na sua totalidade.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94

 Argumentos das partes

83      A recorrente alega que foi erradamente que a Câmara de Recurso considerou, no n.° 26 da decisão impugnada, que o nível de goodwill só é julgado pouco importante quando a empresa não é sedentária. Acresce que foi também erradamente que a Câmara considerou que o grau de prova exigido em direito inglês não é idêntico ao aplicável quanto ao carácter distintivo adquirido pelo uso. Entende que o grau de prova exigido em direito inglês é o mesmo para todos os processos cíveis.

84      A Câmara de Recurso ignorou ou interpretou mal o facto de que a interveniente deveria ter provado suficientemente cada elemento das condições exigidas para a procedência de uma acção por uso indevido de denominação. A Câmara de Recurso limitou‑se, nos n.os 47 a 49 da decisão impugnada, a fazer afirmações a respeito da existência de um risco de confusão e de um prejuízo, apesar de não estarem alicerçadas por qualquer elemento de prova.

85      Acresce que a Câmara de Recurso cometeu um erro ou revelou a sua incompreensão no tocante à natureza do produto. A marca comunitária controvertida foi registada para arroz, sem especificar o tipo de arroz. Na decisão impugnada, a Câmara de Recurso refere em várias passagens que a interveniente fornecia tipos especiais de arroz. Todavia, considerou seguidamente que a interveniente era titular de direitos relativamente a arroz e que os produtos protegidos pelas marcas em causa eram idênticos. Assim, concluiu erradamente que a actividade da interveniente era um nicho de actividade referente a tipos especiais de arroz, tendo em conta determinados elementos do processo, ao passo que, noutras partes da decisão impugnada, entendeu que o produto e o mercado em questão eram os do arroz em geral.

86      As marcas em causa apresentam suficientes diferenças visuais e conceptuais no que toca ao desenho do elefante e a Câmara de Recurso deveria tê‑las tomado em consideração.

87      Além disso, as marcas em causa coexistiram pacificamente durante vários anos no mercado sem que qualquer caso de confusão tivesse chamado a atenção das partes.

88      O IHMI e a interveniente concluem pela improcedência do segundo fundamento.

 Apreciação do Tribunal Geral

–       Observações preliminares

89      Nos termos do artigo 52.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, a marca comunitária é declarada nula, na sequência de um pedido apresentado ao IHMI, sempre que exista um direito anterior referido no n.° 4 do artigo 8.° deste regulamento e se encontrem preenchidas as condições enunciadas nesse número. Por força do n.° 4 do artigo 8.° do Regulamento n.° 40/94, após oposição do titular de uma marca não registada ou de outro sinal utilizado na vida comercial cujo alcance não seja apenas local, será recusado o pedido de registo da marca quando e na medida em que, segundo o direito do Estado‑Membro aplicável a esse sinal, tenham sido adquiridos direitos sobre esse sinal antes da data de depósito do pedido de marca comunitária e esse sinal confira ao seu titular o direito de proibir a utilização de uma marca posterior.

90      Resulta da conjugação destas duas disposições que o titular de uma marca não registada cujo alcance não seja apenas local pode obter a anulação de uma marca comunitária mais recente quando e na medida em que, de acordo com o direito do Estado‑Membro aplicável, por um lado, tenham sido adquiridos direitos sobre este sinal antes da data do depósito do pedido de marca comunitária e, por outro, este sinal confira ao seu titular o direito de proibir a utilização de uma marca mais recente.

91      Para efeitos de aplicação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94, incumbe à Câmara de Recurso tomar em consideração quer a legislação nacional aplicável por força do reenvio operado por esta disposição quer as decisões dos tribunais proferidas no Estado‑Membro em causa. Nesta base, o requerente da declaração de nulidade deve demonstrar que o sinal em causa é abrangido pelo âmbito de aplicação do direito do Estado‑Membro invocado e que permite proibir a utilização de uma marca posterior [acórdão do Tribunal Geral de 11 de Junho de 2009, Last Minute Network/IHMI – Last Minute Tour (LAST MINUTE TOUR), T‑114/07 e T‑115/07, Colect., p. II‑1919, n.° 47; v. igualmente, por analogia, acórdão do Tribunal Geral de 12 de Junho de 2007, Budějovický Budvar/IHMI – Anheuser‑Busch (BUDWEISER), T‑53/04 a T‑56/04, T‑58/04 e T‑59/04, não publicado na Colectânea, n.° 74].

92      No caso presente, o direito do Estado‑Membro aplicável à marca nacional não registada é o Trade Marks Act, 1994 (lei do Reino Unido sobre as marcas), cuja Section 5(4) dispõe:

«Uma marca não pode ser registada se e na medida em que o seu uso no Reino Unido for susceptível de ser impedido:

a)      devido a qualquer norma jurídica [designadamente por força do direito relativo ao uso indevido de denominação (law of passing off)] que protege uma marca não registada ou qualquer outro sinal utilizado na vida comercial […]»

93      Resulta deste texto, conforme interpretado pelos órgãos jurisdicionais nacionais [Reckitt & Colman Products Ltd v Borden Inc. & Ors (1990) R.P.C. 341, 406 HL], que, para obter no caso presente a declaração de nulidade da marca comunitária controvertida para efeitos de protecção da sua marca nacional não registada, a recorrente deve demonstrar, em conformidade com o regime jurídico da acção por uso indevido de denominação prevista pelo direito do Reino Unido, que se verificam três condições, que respeitam ao goodwill adquirido, à apresentação enganosa e ao prejuízo causado ao goodwill.

94      A Câmara de Recurso referiu estas três condições no n.° 23 da decisão impugnada (v. n.° 10 supra) e, de resto, a recorrente concede que esta identificou correctamente a abordagem teórica relativa às acções por uso indevido de denominação.

95      Entende porém que, relativamente a cada uma destas condições, a Câmara de Recurso não aplicou correctamente esta abordagem teórica ao caso concreto. Importa pois examinar, relativamente a cada uma das três condições, se a Câmara de Recurso concluiu correctamente que estavam preenchidas no caso em apreço.

–       Quanto ao goodwill

96      A recorrente critica a Câmara de Recurso essencialmente por ter concluído pela existência de um goodwill apesar da fraca presença da interveniente no mercado do arroz do Reino Unido.

97      Convém começar por determinar a data em que a interveniente devia provar ter adquirido um goodwill. A Câmara de Recurso entendeu que a data pertinente era a do depósito do pedido da marca comunitária controvertida, a saber, 29 de Abril de 1996. A interveniente alega que, segundo o direito do Reino Unido, a data pertinente é a da primeira utilização no mercado da marca comunitária controvertida, a saber, no presente caso, o ano de 2003.

98      É verdade que, como realça a interveniente, resulta da jurisprudência nacional que, no regime da acção por uso indevido de denominação, o goodwill deve ser demonstrado na data em que o demandado na acção começou a oferecer os seus produtos ou serviços [Cadbury Schweppes/Pub Squash (1981) R.P.C. 429].

99      O artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 impõe, contudo, que se atenda não a esta data mas à data do depósito do pedido de marca comunitária, uma vez que exige que o requerente da declaração de nulidade desta marca tenha adquirido direitos sobre a sua marca nacional não registada antes da data do referido depósito (acórdão LAST MINUTE TOUR, n.° 91 supra, n.° 51), ou seja, no caso presente, 29 de Abril de 1996. Como salientou a Câmara de Recurso no n.° 27 da decisão impugnada, a letra do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 é clara a este respeito.

100    Foi, pois, de modo juridicamente correcto que a Câmara de Recurso examinou se a interveniente tinha feito prova de ter adquirido um goodwill em 29 de Abril de 1996.

101    Foi também correctamente que a Câmara de Recurso referiu, no n.° 24 da decisão impugnada, que o goodwill foi descrito como constituindo a força de atracção da clientela [IRC v Muller & Co’s Margarine (1901) A.C. 217, 224, H.L.].

102    A Câmara de Recurso considerou ainda que a existência de um goodwill deve em princípio ser demonstrada através da prova de actividades comerciais e publicitárias, de contas de clientes, etc. A prova de actividades comerciais sérias que se tenham traduzido na aquisição de uma reputação e na angariação de uma clientela basta geralmente para estabelecer a existência de um goodwill (decisão impugnada, n.° 25).

103    No tocante aos elementos de prova apresentados pela interveniente, há que referir o seguinte.

104    A interveniente apresentou nomeadamente uma declaração solene do seu director, datada de 13 de Dezembro de 1998, que indica a tonelagem anual de arroz vendido de 1988 a 1997. Segundo esta declaração, a interveniente vendeu 84 toneladas de arroz com a marca anterior no Reino Unido em 1995, 52 toneladas em 1996 e entre 42 e 68 toneladas por ano entre 1988 e 1994.

105    Como a Câmara de Recurso constatou no n.° 31 da decisão impugnada, o conteúdo da declaração solene é corroborado pelas restantes provas apresentadas pela interveniente. Sendo verdade que a maioria dos elementos de prova fornecidos pela interveniente respeitam ao período posterior a 29 de Abril de 1996, é também verdade que uma parte das provas fornecidas se refere a uma data anterior a esta. Por exemplo, como a Câmara de Recurso referiu no n.° 30 da decisão impugnada, a interveniente juntou oito facturas, passadas entre 1992 e 29 de Abril de 1996 e apresentadas a clientes situados em Londres, no Kent e no Middlesex (Reino Unido), que respeitam à venda de arroz com a menção dos termos «Golden Elephant».

106    Além disso, a interveniente apresentou rolos de caixa registadora que se referem a vendas de arroz em diversas datas dos meses de Março e Abril de 1993, de Dezembro de 1994 e de Janeiro, Fevereiro e Março de 1995. A este respeito, a recorrente alega que estes rolos fazem unicamente referência a arroz «G/E» ou «GE» e não à marca anterior. Todavia, importa considerar que este simples facto não basta para lhes retirar toda a força probatória. Com efeito, como realçou a Câmara de Recurso no n.° 32 da decisão impugnada, é habitual que os produtos vendidos sejam descritos numa forma abreviada nos rolos de caixa registadora. Cabe ainda salientar que não se trata das únicas provas fornecidas pela interveniente para demonstrar a venda de arroz a coberto da marca anterior no Reino Unido. Neste quadro, convém realçar que a Câmara de Recurso tem o dever de proceder a uma apreciação global do conjunto dos elementos de prova fornecidos ao IHMI. Com efeito, não se pode excluir que um feixe de elementos de prova permita estabelecer os factos a demonstrar, mesmo quando cada um destes elementos, tomados isoladamente, não tenha força bastante para fazer a prova da exactidão destes factos (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Abril de 2008, Ferrero Deutschland/IHMI e Cornu, C‑108/07 P, não publicado na Colectânea, n.° 36). Foi, pois, correctamente que a Câmara de Recurso tomou em conta os rolos de caixa registadora enquanto elementos que corroboravam o conteúdo da declaração solene.

107    Em todo o caso, há que constatar que, mesmo que os referidos rolos estivessem desprovidos de força probatória, o facto de a interveniente ter vendido arroz a coberto da marca anterior no Reino Unido num período anterior ao depósito do pedido da marca comunitária controvertida estaria provado de modo bastante através da apresentação da declaração solene em conjugação com várias facturas.

108    É verdade que as vendas que são referidas na declaração solene devem ser consideradas pouco importantes relativamente ao mercado total do arroz importado para o Reino Unido. Efectivamente, segundo a declaração do Secretário‑geral da Associação do Arroz (Rice Association), que a recorrente apresentou ao IHMI, o montante total das importações de arroz para o Reino Unido ascendeu, em média, a 500 000 toneladas anuais entre 2000 e 2004, o que leva a pensar que as importações entre 1988 e 1996 eram de ordem semelhante. Supondo que o mercado total tivesse sido de 500 000 toneladas em 1995, a quota de mercado da interveniente teria sido de 0,0168%.

109    Convém, pois, examinar se foi correctamente que a Câmara de Recurso considerou que, não obstante, a actividade comercial da interveniente bastava para a aquisição de um goodwill.

110    A Câmara de Recurso referiu, no n.° 26 da decisão impugnada, que mesmo as pequenas empresas podem ter um goodwill. Esta declaração assenta na jurisprudência nacional, citada com acerto jurídico pela Câmara de Recurso, a saber, o processo Stannard c. Reay, [1967] R.P.C. 589. Nesse processo, foi julgado que uma loja ambulante de fish and chips, com um volume de negócios situado entre 129 e 138 libras esterlinas semanais, tinha adquirido um goodwill após uma actividade de cerca de três semanas.

111    No que concerne ao argumento da recorrente segundo o qual, para estabelecer a existência de um goodwill no âmbito da acção por uso indevido de denominação, deve ser apresentada prova de uma actividade comercial que exceda um limiar mínimo, cabe salientar que o IHMI observou correctamente que a secção da obra jurídica e a jurisprudência citadas a este respeito na petição se referem ao risco de fraude. Contudo, resulta da jurisprudência nacional que as vendas inferiores a um limite de minimis não são suficientes [Anheuser‑Busch Inc v Budejovicky Budvar Narodni Podnik (1984) F.S.R. 413, 457 CA]. Nesse processo, foi julgado que a venda de pequenas quantidades de cerveja que tinham sido importadas para o Reino Unido numa mala de viagem e vendidas num restaurante de estilo americano em Canterbury (Reino Unido) se situava abaixo do limite de minimis.

112    No caso em apreço, importa considerar que as vendas de arroz a coberto da marca anterior realizadas pela interveniente antes da data pertinente se situam acima deste limite de minimis. Efectivamente, não se trata de vendas ocasionais de muito pequenas quantidades. A interveniente tinha vendido constantemente arroz a coberto da marca anterior no Reino Unido desde 1988, ou seja, durante um período de oito anos antes da data do depósito do pedido da marca comunitária controvertida pela recorrente. A quantidade de arroz vendida, situada entre 42 e 84 toneladas anuais de 1988 a 1996, não pode ser considerada absolutamente insignificante.

113    O mero facto de a quota de mercado da interveniente ser muito pequena relativamente ao montante total das importações de arroz para o Reino Unido não basta para se considerar que as vendas de arroz se situavam abaixo do limite de minimis.

114    Por exemplo, no processo Jian Tools for Sales v Roderick Manhattan Group [(1995) F.S.R. 924, 933 (Knox J.)], não se considerou que a venda de 127 programas informáticos por uma empresa americana no mercado do Reino Unido estava situada abaixo do limite de minimis.

115    Neste âmbito, cabe realçar que os órgãos jurisdicionais do Reino Unido são muito reticentes em julgar que uma empresa pode ter clientes e não ter goodwill (Wadlow, C., The law of passing‑off, Sweet and Maxwell, London, 2004, n.° 3.11). Foi, pois, correctamente que a Câmara de Recurso referiu que mesmo as pequenas empresas podiam ter um goodwill.

116    No respeitante ao argumento da recorrente segundo o qual foi erradamente que a Câmara de Recurso considerou, no n.° 26 da decisão impugnada, que o goodwill é julgado pouco importante unicamente quando a empresa não é sedentária, basta constatar que esta afirmação não assume uma relevância essencial no quadro da argumentação da Câmara de Recurso. Foi correctamente que esta concluiu que as actividades comerciais da interveniente, que consistiam na venda de arroz a coberto da marca anterior no Reino Unido, bastavam para a aquisição de um goodwill antes da data do depósito do pedido da marca comunitária controvertida. Mesmo supondo que este goodwill devesse ser considerado pouco importante em razão da quantidade limitada das vendas, em caso algum poderia ser considerado inexistente.

117    Quanto ao argumento da recorrente segundo o qual foi erradamente que a Câmara de Recurso considerou, no n.° 26 da decisão impugnada, que «[o] grau da prova exigido em direito inglês não [era] idêntico ao exigido para, por exemplo, o carácter distintivo adquirido pelo uso» e segundo o qual o grau de prova exigido em direito inglês é idêntico em todos os processos cíveis, fundando‑se numa ponderação das probabilidades, cabe referir o seguinte. A supracitada frase da decisão impugnada não faz referência ao grau de prova no sentido do grau de convicção do juiz que é necessário. Esta facto resulta da frase seguinte da decisão impugnada, segundo a qual «uma empresa pode criar um valor acrescentado e um goodwill sem ter atingido o nível de conhecimento necessário para estabelecer um carácter distintivo adquirido pelo uso ou um prestígio na acepção do artigo 8.°, n.° 5, do [Regulamento n.° 40/94] ». A este respeito, a Câmara de Recurso não cometeu qualquer erro. Efectivamente, a jurisprudência para a qual remeteu para alicerçar a sua posição, a saber, o acórdão Phones4U Ltd v Phone4u.co.uk Internet Ltd [(2007) R.P.C. 5, 83, 96] confirma que o nível exigido no tocante à prova do carácter distintivo para o registo de uma marca é muito mais elevado que o exigido para a prova da existência de um goodwill.

118    Vistas as precedentes considerações, não era necessário que a interveniente fornecesse um estudo do mercado a respeito do grau de conhecimento da marca anterior que o público tinha, contrariamente ao que sustenta a recorrente.

119    Importa igualmente rejeitar o argumento da recorrente segundo o qual a argumentação da Câmara de Recurso que se contém no n.° 40 da decisão impugnada é ilógica, na medida em que considerou que «a Divisão de Anulação [tinha fixado] um limiar mais elevado do que o exigido pelo direito inglês que rege o uso indevido de denominação» mas, apesar disso, não confirmou a conclusão da Divisão de Anulação segundo a qual o uso indevido de denominação não estava provado. Dado que a Câmara de Recurso considerou que a Divisão de Anulação tinha fixado erradamente um limiar demasiado elevado para a prova da existência de um goodwill, é absolutamente lógico que não tenha confirmado a conclusão da Divisão de Anulação.

120    No respeitante à argumentação da recorrente de que foi erradamente que a Câmara de Recurso considerou, no n.° 43 da decisão impugnada, que era muito pouco provável que a taxa do crescimento das vendas de arroz a coberto da marca anterior, após a data do depósito da marca comunitária controvertida, tivesse sido a que se verificou sem a existência do goodwill gerado pela empresa até essa data e de que a Câmara de Recurso revelou ausência de rigor quando empregou a expressão «goodwill gerado pela empresa», há que constatar que o n.° 43 constitui um fundamento superabundante da decisão impugnada. Com efeito, a interveniente tinha provado de modo bastante a existência de um goodwill à data do depósito do pedido da marca comunitária controvertida, mesmo não tomando em consideração a taxa de crescimento das vendas após essa data.

121    No respeitante ao argumento segundo o qual a Câmara de Recurso revelou ausência de rigor quando empregou a expressão «goodwill gerado pela empresa» e segundo o qual a interveniente deveria ter provado o goodwill associado ao nome ou à marca em causa, convém ainda referir que a acção por uso indevido de denominação não protege o goodwill relacionado com uma marca enquanto tal, mas um direito de propriedade ligado à empresa ou ao goodwill em relação com o qual a marca foi utilizada (Wadlow, C., The law of passing‑off, Sweet and Maxwell, London, 2004, n.° 3.4). A terminologia utilizada pela Câmara de Recurso não pode, pois, ser criticada.

122    Em todo o caso, devendo a argumentação da recorrente ser compreendida no sentido de que critica a Câmara de Recurso por ter tomado em conta a totalidade da actividade comercial da interveniente a fim de estabelecer a existência de um goodwill, importa constatar que tal argumento carece de base factual. Efectivamente, a Câmara de Recurso não se referiu à totalidade da actividade comercial da interveniente, mas sim à actividade comercial da interveniente consistente na venda de arroz a coberto da marca anterior no mercado do Reino Unido, o que fez com o fim de determinar o seu goodwill.

–       Quanto à apresentação enganosa

123    A Câmara de Recurso considerou que a marca comunitária controvertida constituía uma apresentação enganosa da marca anterior (v. n.° 17 supra).

124    A este propósito, a recorrente critica à Câmara de Recurso o facto de se ter fundado em hipóteses que não estavam alicerçadas por qualquer prova. Além disso, segundo a recorrente, deveria ter tomado em consideração a coexistência pacífica das marcas em causa no mercado, sem que um qualquer caso de confusão tivesse chamado a atenção das partes. A Câmara de Recurso tinha o dever de tomar em consideração a ausência de confusão e o assentimento da interveniente. Acresce que a Câmara de Recurso se absteve de tomar em consideração as diferenças na representação das cabeças de elefante nas marcas em causa.

125    Convém começar por examinar a admissibilidade da argumentação da recorrente relativa à coexistência pacífica das marcas em causa, não tendo havido qualquer caso de confusão entre estas, e ao assentimento da interveniente.

126    É correctamente que o IHMI realça que esta argumentação foi apresentada pela primeira vez perante o Tribunal Geral. Há que recordar que, segundo o artigo 135.°, n.°4, do Regulamento de Processo, os articulados das partes não podem alterar o objecto do litígio perante a Câmara de Recurso.

127    Cabe também lembrar que, segundo o artigo 74.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 40/94, que é aplicável aos processos de anulação respeitantes a um motivo de nulidade relativa, o exame do IHMI estava no caso em apreço limitado aos fundamentos invocados e às provas produzidas pelas partes (v. n.° 65 supra).

128    O alegado assentimento da interveniente a respeito da utilização da marca comunitária controvertida pela recorrente constitui um meio de defesa que esta última não apresentou perante o IHMI e que o IHMI não tinha o dever de examinar oficiosamente nos termos do artigo 74.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 40/94. Este argumento é, pois, inadmissível, uma vez que visa alterar o objecto do litígio perante a Câmara de Recurso.

129    Todavia, a recorrente também alega que a Câmara de Recurso deveria ter tomado em consideração, no âmbito do exame da existência de uma apresentação enganosa, o facto de a interveniente não ter apresentado a prova de um qualquer caso de confusão. A este propósito, importa lembrar que o IHMI tem o dever de se informar oficiosamente sobre o direito nacional do Estado‑Membro em causa, se tal informação for necessária para apreciar as condições de aplicação de uma causa de nulidade e, designadamente, a materialidade dos factos alegados ou a força probatória dos documentos produzidos (v. n.° 67 supra). Há ainda que referir que a interveniente não contestou durante o procedimento administrativo que a recorrente tinha começado a utilizar a marca comunitária controvertida no Reino Unido em Novembro de 2003.

130    A recorrente entende, essencialmente, que o direito do Reino Unido exige em tal situação que, no quadro de uma acção por uso indevido de denominação, o demandante faça a prova dos casos concretos de confusão que se verificaram, a fim de comprovar a apresentação enganosa. Este argumento deve ser julgado admissível, uma vez que – supondo correcta a interpretação do direito do Reino Unido feita pela recorrente – a Câmara de Recurso deveria ter examinado se a interveniente tinha feito a prova de casos concretos de confusão. A questão de saber se a interpretação do direito do Reino Unido feita pela recorrente é correcta é matéria que respeita ao mérito desse argumento e não à sua admissibilidade.

131    Quanto ao mérito, há que referir que, para apreciar o carácter enganoso da apresentação em causa, cabe examinar se a oferta de arroz no Reino Unido a coberto da marca comunitária controvertida é susceptível de induzir o público a atribuir a origem comercial deste produto à interveniente.

132    Neste quadro, há que examinar se, com base numa ponderação das probabilidades, é provável que um número substancial de membros do grupo de pessoas pertinente seja induzido a comprar por erro o produto da recorrente, presumindo que se trata do produto da interveniente (v., neste sentido, Reckitt & Colman Products Ltd v Borden Inc. & Ors, n.° 93 supra, 407). Resulta ainda da jurisprudência nacional que o carácter enganoso da apresentação dos produtos do demandado na acção por uso indevido de denominação deve ser apreciado tendo em conta os clientes do demandante na acção e não o público em geral (Reckitt & Colman Products Ltd v Borden Inc. & Ors, n.° 93 supra; v. igualmente, neste sentido, acórdão LAST MINUTE TOUR, n.° 91 supra, n.° 60).

133    No caso presente, foi correctamente que a Câmara de Recurso referiu, no n.° 45 da decisão impugnada, que os produtos em causa eram idênticos. Com efeito, a marca comunitária controvertida está registada para o arroz e a marca anterior foi utilizada para este mesmo produto. No tocante ao argumento da recorrente segundo o qual a marca anterior foi utilizada para tipos especiais de arroz, cabe realçar que os tipos especiais de arroz fazem parte do produto «arroz» para o qual foi registada a marca comunitária controvertida. O facto de a interveniente não ter comercializado todos os tipos de arroz não põe em causa a constatação da identidade dos produtos.

134    A Câmara de Recurso também referiu, sem ser contraditada sobre este ponto pela recorrente, que o elemento nominativo dos sinais em causa é idêntico. Como a Câmara de Recurso salientou, a palavra «brand» (marca) na marca comunitária controvertida constitui um acrescento não distintivo. Os dois sinais são compostos, no essencial, pelo elemento «golden elephant», acima do qual figura a sua tradução em chinês, e pela representação de uma cabeça de elefante.

135    É verdade que, como realça a recorrente, existem diferenças consideráveis na representação concreta das cabeças de elefante. Efectivamente, a marca anterior mostra uma cabeça de elefante vista de frente. Há uma coroa na cabeça do elefante, que tem a tromba caída e está rodeado por um disco decorado com um motivo de flâmulas que formam um círculo. Em contrapartida, a marca comunitária controvertida mostra uma cabeça de elefante desenhada de um modo mais estilizado, vista de perfil. O elefante tem na cabeça uma espécie de touca decorativa, em tecido, e a sua tromba está levantada.

136    No caso em apreço, é muito provável que uma parte significativa dos clientes da interveniente venham a presumir, quando confrontados com o arroz designado por uma marca que comporta o elemento nominativo «golden elephant» em inglês e em chinês e a representação de uma cabeça de elefante, que se trata do arroz comercializado pela interveniente. As meras diferenças no desenho das cabeças de elefante não bastam para pôr em causa a constatação da existência de uma apresentação enganosa. Neste âmbito, cabe realçar que um cliente‑tipo não está em posição de se poder lembrar de modo exacto de todos os pormenores de uma marca (Wadlow, C., The law of passing‑off, Sweet and Maxwell, London, 2004, n.° 8.41).

137    Além disso, mesmo supondo que os clientes da interveniente se apercebam da diferença no desenho do elefante, é muito provável que entendam que se trata de uma simples diferença ornamental. Assim, foi julgada procedente uma acção por uso indevido de denominação num processo no qual os demandados tinham utilizado, para fio, uma etiqueta representando dois elefantes portadores de um estandarte, tal como as etiquetas utilizadas pelos demandantes para produtos idênticos. As diferenças no desenho dos elefantes nas duas marcas não foram consideradas decisivas, pois foi julgado que mesmo as pessoas susceptíveis de se aperceberem das diferenças entre as duas etiquetas provavelmente considerariam que se tratava de diferenças de natureza ornamental, que não modificavam de um modo substancial o símbolo distintivo e característico, e que os demandantes da acção tinham eles próprios procedido à modificação da marca [Johnston v Orr‑Ewing (1882) 7 App.Cas. 219, 225, HL]. De igual modo, é muito provável que um cliente da interveniente, caso se aperceba das diferenças no desenho dos elefantes, entenda que a marca comunitária controvertida é uma simples variante ou uma modificação da marca anterior.

138    Há que realçar que o elemento nominativo das marcas em causa é altamente distintivo, pois é fantasista e não é de modo algum descritivo do arroz. Nestas condições, é inevitável o risco de que os clientes da interveniente, confrontados com o arroz designado por uma marca que comporta o mesmo elemento nominativo e o desenho de uma cabeça de elefante, atribuam a origem comercial desse arroz à interveniente, apesar das diferenças no desenho dos elefantes.

139    Contrariamente ao que afirma a recorrente, não resulta da decisão impugnada que a Câmara de Recurso tenha ignorado completamente as diferenças entre os dois desenhos que representam uma cabeça de elefante. Sendo verdade que a Câmara de Recurso não procedeu a uma análise expressa das diferenças entre estes desenhos, cabe salientar que a Câmara de Recurso não considerou que as marcas em causa eram idênticas do ponto de vista visual, mas unicamente que existia uma «pronunciada semelhança visual» (n.° 46 da decisão impugnada). Esta constatação está justificada, vista a presença de um elemento nominativo idêntico em inglês e em chinês e a presença do desenho que representa uma cabeça de elefante.

140    No tocante ao argumento da recorrente segundo o qual a interveniente deveria ter fornecido a prova de casos concretos de confusão, há que referir o seguinte. Nos termos do direito do Reino Unido, incumbe ao juiz determinar se é provável que o público pertinente venha a ser induzido em erro. Podem ser úteis exemplos de casos concretos de confusão, mas a decisão do juiz não depende única ou essencialmente do exame de tais provas [Parker‑Knoll Ltd v Knoll International Ltd (1962) R.P.C. 265, 285, 291 HL].

141    A ausência de prova de casos concretos de confusão pode desempenhar um papel, no sentido em que é possível que esta circunstância jogue em detrimento do demandante numa acção por uso indevido de denominação, se os produtos do demandado nesta acção tiverem visivelmente estado presentes no mercado durante um longo período [Wadlow, C., The law of passing‑off, Sweet and Maxwell, London, 2004, n.° 10‑13]. Contudo, frequentemente, a ausência de prova de casos concretos de confusão pode ser facilmente explicada e raramente se revela um factor determinante [Harrods Ltd v Harrodian School Ltd (1996) R.P.C. 697, 716 CA].

142    É verdade que pode haver processos a tal ponto problemáticos que o juiz não se encontre na posição de chegar a uma conclusão sem uma prova quanto à existência de uma apresentação enganosa [v., neste sentido, AG Spalding & Bros v AW Gamage Ltd (1915) R.P.C. 273, 286].

143    Porém, no caso em apreço, foi correctamente que a Câmara de Recurso considerou, no n.° 47 da decisão impugnada, que era inevitável que os consumidores que tivessem sido confrontados com a marca anterior identificassem o arroz vendido a coberto da marca comunitária controvertida com o arroz distribuído pela interveniente. Vista a identidade do elemento nominativo e o facto de o elemento figurativo das marcas em causa representar uma cabeça de elefante, é possível chegar a esta conclusão unicamente com base na comparação destas últimas. Em tal situação, a ausência de prova de casos concretos de confusão não pode ser considerada um factor determinante.

144    Decorre das precedentes considerações que, nas circunstâncias do presente caso, foi correctamente que a Câmara de Recurso concluiu pela existência de uma apresentação enganosa e não era necessário que a interveniente apresentasse provas de casos concretos de confusão.

–       Quanto ao prejuízo ou risco de prejuízo

145    A Câmara de Recurso constatou no n.° 49 da decisão impugnada que, tendo a interveniente demonstrado a existência de um goodwill no Reino Unido a respeito de uma marca que apresenta uma forte semelhança com a marca comunitária controvertida e que cobre produtos idênticos, era razoável concluir que a interveniente corria o risco de sofrer um prejuízo.

146    A este propósito, a recorrente entende que foi erradamente que a Câmara de Recurso considerou que existia um prejuízo, apesar da ausência de prova ou de uma afirmação a respeito de tal prejuízo. A Câmara de Recurso limitou‑se a formular afirmações sobre esta matéria.

147    Importa realçar que decorre da jurisprudência nacional que, no quadro de uma acção por uso indevido de denominação, o demandante não está obrigado a provar que sofreu um prejuízo. Basta que o prejuízo seja provável.

148    Uma apresentação enganosa, que conduz a que o público pertinente creia que os produtos do demandado na acção por uso indevido de denominação são os do demandante nesta acção, é intrinsecamente susceptível de causar um prejuízo ao demandante nos casos em que os âmbitos das actividades comerciais do demandante e do demandado são razoavelmente próximos (Wadlow, C., The law of passing‑off, Sweet and Maxwell, London, 2004, n.° 4.13).

149    No caso em apreço, constatou‑se que os produtos em causa eram idênticos e que uma parte significativa dos clientes da interveniente iria crer que o arroz vendido pela recorrente a coberto da marca comunitária controvertida provinha da interveniente. Nestas circunstâncias, existe realmente o risco de que a interveniente sofra uma redução das suas vendas, pois os seus clientes, pretendendo comprar o seu arroz, comprarão por erro o da sua concorrente.

150    Foi, pois, com acerto que a Câmara de Recurso considerou que existia um risco de prejuízo.

151    Há, por conseguinte, que julgar o segundo fundamento improcedente e, consequentemente, que negar provimento ao recurso da recorrente na sua totalidade.

2.     Quanto aos segundo e terceiro pedidos da interveniente

152    Com os seus segundo e terceiro pedidos, a interveniente pede também, ou a título subsidiário, por um lado, a anulação da decisão impugnada na medida em que a Câmara de Recurso nela indicou que a data adequada para decidir a questão do uso indevido de denominação é a data do depósito do pedido de marca comunitária e, por outro lado, a reforma da referida decisão, declarando‑se que a data adequada para decidir esta questão é a data da primeira utilização desta marca.

153    A este propósito, basta recordar que resulta das considerações que figuram nos n.os 97 a 100 supra que foi correctamente que a Câmara de Recurso considerou que a data relativamente à qual a interveniente devia provar a aquisição de um goodwill é a data do depósito do pedido de marca comunitária. Com efeito, decorre claramente da letra do artigo 8.°, n.° 4, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 que os direitos sobre o sinal anterior devem ter sido adquiridos antes dessa data.

154    Há, pois, que negar provimento aos segundo e terceiro pedidos da interveniente, sem que seja necessário que o Tribunal se pronuncie sobre a questão de saber se são admissíveis apesar de não visarem uma alteração do dispositivo da decisão impugnada.

3.     Quanto aos pedidos da interveniente que se referem às causas de nulidade previstas, respectivamente, nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 51.° do Regulamento n.° 40/94

155    Cabe lembrar que, nas suas alegações de apresentação de novos fundamentos, a interveniente pede a anulação da decisão impugnada, na medida em que nesta se concluiu pela inadmissibilidade do fundamento relativo à causa de nulidade prevista no artigo 51.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94. Pediu igualmente a reforma da decisão impugnada, de molde a que os seus fundamentos relativos às causas de nulidade previstas, respectivamente, nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 51.° do Regulamento n.° 40/94 sejam julgados admissíveis e procedentes, e por forma a que a marca comunitária controvertida seja declarada nula com base num ou noutro destes fundamentos suplementares, ou mesmo com base em ambos (v. n.° 26 supra).

156    A este respeito, a interveniente alega que foi erradamente que a Câmara de Recurso lhe negou vencimento a respeito destes dois pontos, e que esta deveria ter declarado a nulidade da marca em causa com base nestes dois fundamentos suplementares.

157    Estes fundamentos e pedidos novos foram apresentados pela interveniente na sequência da declaração de inadmissibilidade, pelo despacho Golden Elephant Brand, n.° 22 supra, do recurso autónomo que tinha interposto da decisão impugnada. A interveniente entende que são admissíveis estes novos fundamentos, pois têm por base elementos de direito e de facto que se revelaram durante o processo na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo. Em seu entender, o despacho Golden Elephant Brand, n.° 22 supra, constitui um destes novos elementos de facto e de direito.

158    A recorrente e o IHMI pedem a rejeição destes fundamentos. A recorrente considera nomeadamente que não se trata de «novos fundamentos» na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, pois se trata dos mesmos fundamentos de direito que já tinham sido invocados pela Hoo Hing no âmbito do processo que conduziu ao despacho Golden Elephant Brand, n.° 22 supra, e que foram rejeitados. Segundo a recorrente, este despacho não pode utilmente servir de base ao argumento segundo o qual o despacho criou uma «alteração de direito ou de facto» suficiente e pertinente, que se «revelou» em circunstâncias que podem legitimamente justificar a reabertura do processo. O IHMI alega, em especial, que os novos fundamentos foram apresentados intempestivamente e são, pois, inadmissíveis.

159    Cabe começar por lembrar que, nos termos do artigo 134.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, no âmbito do contencioso relativo aos direitos da propriedade intelectual os intervenientes dispõem dos mesmos direitos processuais que as partes principais e podem, nomeadamente, formular pedidos e fundamentos autónomos relativamente aos das partes principais. Segundo o artigo 134.°, n.° 3, deste regulamento, um interveniente pode, nas suas alegações de resposta, formular pedidos de anulação ou de reforma da decisão impugnada sobre um ponto não suscitado na petição e apresentar fundamentos nela não invocados.

160    No caso em apreço, a interveniente não apresentou os fundamentos em causa nas suas alegações de resposta, como previsto no artigo 134.°, n.° 3, do Regulamento de Processo.

161    Em conformidade com o artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, é proibido deduzir novos fundamentos no decurso da instância, a menos que tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo, estando reservada para a decisão final a apreciação da admissibilidade do fundamento.

162    Há, pois, que examinar se, no presente caso, existe um tal elemento novo de direito ou de facto que permita a dedução pela interveniente de novos fundamentos no decurso da instância.

163    Cabe constatar que, no caso presente, nada havia que objectivamente impedisse a interveniente de apresentar, na fase das suas alegações de resposta, os fundamentos que deduziu nas suas alegações de 17 de Dezembro de 2009. A interveniente absteve‑se de os apresentar devido ao facto de ter invocado os mesmos fundamentos no âmbito do recurso autónomo que tinha interposto da decisão impugnada no processo que conduziu ao despacho Golden Elephant Brand, n.° 22 supra.

164    Todavia, o advogado da interveniente teria podido saber que o recurso que tinha interposto era inadmissível.

165    A este propósito, importa referir que a interveniente invoca, em primeiro lugar, o facto de, no despacho Golden Elephant Brand, n.° 22 supra, o Tribunal ter esclarecido que uma parte que pediu a declaração de nulidade de uma marca comunitária com base em vários fundamentos e que obteve ganho de causa apenas com base num único fundamento não tem legitimidade para interpor recurso para o Tribunal. Cabe, porém, salientar que o raciocínio do Tribunal neste despacho se fundou em jurisprudência assente, a saber, despacho do Tribunal Geral de 11 de Maio de 2006, TeleTech Holdings/IHMI – Teletech International (TELETECH INTERNATIONAL)(T‑194/05, Colect., p. II‑1367), e acórdão do Tribunal Geral de 22 de Março de 2007, Sigla/IHMI – Elleni Holding (VIPS)(T‑215/03, Colect., p. II‑711).

166    Em segundo lugar, a interveniente alega que no n.° 40 do despacho Golden Elephant Brand, n.° 22 supra, o Tribunal constatou que ela tinha a possibilidade de invocar, no âmbito do presente processo, os fundamentos deduzidos no âmbito do processo que conduziu ao referido despacho. A este respeito, é imperativo constatar que no n.° 40 do despacho Golden Elephant Brand, n.° 22 supra, o Tribunal se limitou a esclarecer o conteúdo do artigo 134.° do Regulamento de Processo a fim de responder ao argumento, então avançado pela Hoo Hing, segundo o qual estava constrangida a interpor ela própria recurso da decisão impugnada, pois não existiam disposições que autorizassem que uma parte que obteve ganho de causa interpusesse para o Tribunal Geral um recurso subordinado fora do prazo dentro do qual a parte que foi vencida deve interpor o seu recurso (v. despacho Golden Elephant Brand, n.° 22 supra, n.os 22, 39 e 40).

167    É verdade que, no momento em que a interveniente apresentou as suas alegações de resposta, o Tribunal Geral não tinha ainda julgado inadmissível o recurso autónomo por si interposto. Contudo, mesmo supondo que a interveniente só tenha tomado conhecimento da situação jurídica após a notificação do despacho Golden Elephant Brand, n.° 22 supra, este facto não pode constituir um novo elemento de facto ou de direito. Efectivamente, o facto de uma parte ter tomado conhecimento de um dado factual no decurso do processo no Tribunal não significa que este dado constitua um elemento de facto que se tenha revelado no decurso da instância. É ainda necessário que a parte não tenha podido conhecê‑lo anteriormente (v. acórdão do Tribunal Geral de 6 de Julho de 2000, AICS/Parlamento, T‑139/99, Colect., p. II‑2849, n.° 62). Por maioria de razão, o facto de uma parte só ter tomado conhecimento da situação jurídica no decurso do processo não pode constituir um novo elemento de facto ou de direito na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo.

168    No presente caso, o advogado da interveniente teria podido saber, no momento da redacção das alegações de resposta, que o recurso autónomo que tinha interposto era inadmissível, e também teria podido tomar conhecimento das disposições do artigo 134.° do Regulamento de Processo.

169    Não existe, pois, qualquer novo elemento de direito ou de facto, na acepção do artigo 48.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, que pudesse justificar a apresentação pela interveniente de novos fundamentos.

170    Resulta das precedentes considerações que há que julgar inadmissíveis os novos fundamentos deduzidos pela interveniente, bem como os pedidos que com estes se prendem.

171    Quanto à proposta da interveniente de que sejam suscitados oficiosamente os fundamentos relativos às causas de nulidade previstas, respectivamente, nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 51.° do Regulamento n.° 40/94, basta constatar que a possibilidade de o Tribunal suscitar oficiosamente fundamentos se limita aos fundamentos de ordem pública (acórdão do Tribunal Geral de 8 de Julho de 2004, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, T‑44/00, Colect., p. II‑2223, n.° 126). Os fundamentos em causa no caso em apreço respeitam ao mérito e não constituem fundamentos de ordem pública.

 Quanto às despesas

172    Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Além disso, nos termos do artigo 87.°, n.° 3, deste mesmo regulamento, se cada parte obtiver vencimento parcial, o Tribunal pode determinar que as despesas sejam repartidas entre as partes ou que cada uma das partes suporte as suas próprias despesas.

173    No caso em apreço, a recorrente foi vencida, tendo a interveniente obtido ganho de causa no tocante ao seu primeiro pedido e sido vencida quanto aos seus segundo e terceiro pedidos e aos seus pedidos relacionados com as causas de nulidade previstas, respectivamente, nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 51.° do Regulamento n.° 40/94.

174    Importa referir que os pedidos da interveniente quanto aos quais foi vencida têm importância secundária relativamente ao pedido da recorrente de anulação da decisão impugnada, e ao primeiro pedido da interveniente, destinado a que seja negado provimento ao recurso.

175    Cabe ainda indeferir o pedido da interveniente destinado à condenação do IHMI nas despesas, pois este último obteve ganho de causa.

176    Visto o conjunto destas considerações, o Tribunal entende que é feita uma justa apreciação das circunstâncias da causa decidindo que a recorrente suportará as suas próprias despesas, as efectuadas pelo IHMI e metade das efectuadas pela interveniente, e que a interveniente suportará metade das suas próprias despesas.

177    Por último, no tocante ao pedido da interveniente de que seja reservada para final a decisão quanto às despesas a respeito do processo que conduziu ao despacho Golden Elephant Brand, n.° 22 supra, até à decisão definitiva sobre o processo de declaração de nulidade, tomado no seu conjunto, basta constatar que a decisão sobre as despesas a respeito desse processo foi já tomada no referido despacho e que esta decisão se tornou definitiva, por dela não ter interposto recurso nenhuma das partes. Há, pois, que indeferir este pedido da interveniente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Oitava Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      São indeferidos os pedidos da Hoo Hing Holdings Ltd destinados à anulação parcial e à reforma da decisão da Primeira Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI),de 7 de Maio de 2008 (processo R 889/2007‑1), relativa a um processo de declaração de nulidade em que são partes a Hoo Hing Holdings Ltd e a Tresplain Investments Ltd.

3)      A Tresplain Investments suportará as suas próprias despesas, as efectuadas pelo IHMI e metade das efectuadas pela Hoo Hing Holdings. A Hoo Hing Holdings suportará metade das suas próprias despesas.

Martins Ribeiro

Papasavvas

Dittrich

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Dezembro de 2010.

Assinaturas

Índice


Factos

Pedidos das partes

Questão de direito

1.  Quanto aos pedidos da recorrente

Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos artigos 73.° e 74.° do Regulamento n.° 40/94

Quanto à primeira parte do primeiro fundamento, relativa à violação do artigo 74.° do Regulamento n.° 40/94

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal Geral

Quanto à segunda parte do primeiro fundamento, relativa à violação do artigo 73.° e do artigo 74.°, n.° 1, in fine, do Regulamento n.° 40/94

–  Argumentos das partes

–  Apreciação do Tribunal Geral

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal Geral

–  Observações preliminares

–  Quanto ao goodwill

–  Quanto à apresentação enganosa

–  Quanto ao prejuízo ou risco de prejuízo

2.  Quanto aos segundo e terceiro pedidos da interveniente

3.  Quanto aos pedidos da interveniente que se referem às causas de nulidade previstas, respectivamente, nas alíneas a) e b) do n.° 1 do artigo 51.° do Regulamento n.° 40/94

Quanto às despesas


* Língua do processo: inglês.