Language of document : ECLI:EU:C:2014:2411

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

4 de dezembro de 2014 (*)

«Reenvio prejudicial ‑ Concorrência — Artigo 101.° TFUE — Âmbito de aplicação material — Convenção coletiva de trabalho — Disposição que fixa remunerações mínimas para os prestadores de serviços independentes — Conceito de ‘empresa’ — Conceito de ‘trabalhador’»

No processo C‑413/13,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.° TFUE, pelo Gerechtshof te ʼs‑Gravenhage (Países Baixos), por decisão de 9 de julho de 2013, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 22 de julho de 2013, no processo

FNV Kunsten Informatie en Media

contra

Staat der Nederlanden,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Tizzano (relator), presidente de secção, A. Borg Barthet, E. Levits, M. Berger e S. Rodin, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 18 de junho de 2014,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da FNV Kunsten Informatie en Media, por R. Duk, advocaat,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman e J. Langer, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek, J. Vláčil e T. Müller, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por F. Ronkes Agerbeek e P. J. O. Van Nuffel, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de setembro de 2014,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do âmbito de aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a FNV Kunsten Informatie en Media (a seguir «FNV»), uma federação sindical, ao Staat der Nederlanden, a propósito do mérito de um parecer em que a Nederlandse Mededingingsautoriteit (autoridade neerlandesa da concorrência, a seguir «NMa») salientou que a disposição de uma convenção coletiva de trabalho que fixa remunerações mínimas para prestadores de serviços independentes não está excluída do âmbito de aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

 Quadro jurídico

3        O artigo 1.° da Lei relativa às convenções coletivas de trabalho (Wet op de collectieve arbeidsovereenkomst) prevê:

«1.      Entende‑se por ‘convenção coletiva de trabalho’ o acordo celebrado entre um ou vários empregadores ou uma ou várias associações de empregadores com capacidade jurídica plena e uma ou várias associações de trabalhadores com capacidade jurídica plena, que regula principal ou exclusivamente as condições de trabalho que devem ser respeitadas no âmbito dos contratos de trabalho.

2.      A convenção coletiva de trabalho também pode dizer respeito a contratos de prestação de serviços. As disposições da presente lei relativas aos contratos de trabalho, aos empregadores e aos trabalhadores são aplicáveis, mutatis mutandis, a essas situações.»

4        O artigo 6.°, n.° 1, da Lei da concorrência (Mededingingswet, a seguir «Mw»), cuja redação corresponde à do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, dispõe:

«São proibidos os acordos entre empresas, as decisões de associações de empresas e as práticas concertadas entre empresas que tenham como objetivo ou como efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência no mercado dos Países Baixos ou em parte dele.»

5        Nos termos do artigo 16.°, alínea a), da Mw:

«O artigo 6.°, n.° 1, não se aplica:

a)      a uma convenção coletiva de trabalho tal como visada no artigo 1.°, n.° 1, da Lei relativa às convenções coletivas de trabalho».

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

6        Como resulta dos autos, os prestadores independentes neerlandeses têm o direito de se filiar, nos Países Baixos, em qualquer associação sindical, patronal ou profissional. Por conseguinte, segundo a Lei relativa às convenções coletivas de trabalho, as federações patronais e as organizações de trabalhadores podem celebrar uma convenção coletiva de trabalho em nome e por conta não só dos trabalhadores, mas também dos prestadores de serviços independentes que são membros dessas organizações.

7        Durante os anos de 2006 e 2007, a FNV e a Nederlandse toonkunstenaarsbond (Associação neerlandesa dos músicos), uma associação de trabalhadores, por um lado, e a Vereniging van Stichtingen Remplaçanten Nederlandse Orkesten (Associação das fundações dos músicos substitutos em orquestras neerlandesas), uma associação de empregadores, por outro, celebraram uma convenção coletiva de trabalho relativa aos músicos que substituem os membros de uma orquestra (a seguir «substitutos»).

8        Esta convenção coletiva de trabalho impunha, nomeadamente, remunerações mínimas não só aos substitutos contratados no âmbito de um contrato de trabalho (a seguir «substitutos assalariados»), mas também aos substitutos que exercem a sua atividade por força de um contrato de prestação de serviços e que não são considerados «trabalhadores» na aceção da própria convenção (a seguir «substitutos independentes»).

9        Em especial, o anexo 5 da referida convenção coletiva de trabalho previa que os substitutos independentes deviam receber pelo menos a remuneração de ensaio e de concerto acordada para os substitutos assalariados, acrescida de 16%.

10      Em 5 de dezembro de 2007, a NMa publicou um parecer no qual declarou que uma disposição de uma convenção coletiva de trabalho que fixa remunerações mínimas para os substitutos independentes não estava excluída do âmbito de aplicação do artigo 6.° da Mw e do artigo 81.°, n.° 1, CE, na aceção do acórdão Albany (C‑67/96, EU:C:1999:430). Com efeito, segundo a NMa, uma convenção coletiva de trabalho que regula contratos de prestação de serviços fica alterada na sua natureza jurídica e adquire características de um acordo interprofissional, na medida em que é negociada, de um ponto vista sindical, por uma organização que age, a este respeito, não como associação de trabalhadores, mas como associação de independentes.

11      Na sequência desta tomada de posição, a associação de empregadores Vereniging van Stichtingen Remplaçanten Nederlandse Orkesten e a associação de trabalhadores Nederlandse toonkunstenaarsbond denunciaram a convenção coletiva de trabalho e não quiseram celebrar uma nova convenção que contivesse uma disposição relativa às remunerações mínimas dos substitutos independentes.

12      A FNV propôs uma ação no Rechtbank Den Haag (Tribunal de Haia) destinada, por um lado, a obter a declaração de que o direito da concorrência neerlandês e da União não se opõem a uma disposição de uma convenção coletiva de trabalho que obriga o empregador a respeitar remunerações mínimas não só para os substitutos assalariados, mas também para os substitutos independentes e, por outro, a condenar o Estado neerlandês a retificar a posição adotada pela NMa no seu parecer.

13      Chamado a conhecer dessa ação, o Rechtbank Den Haag salientou que uma disposição dessa natureza não preenchia uma das duas condições cumulativas que permitiam evitar a aplicação do direito da concorrência da União na aceção dos acórdãos Albany (EU:C:1999:430), Brentjens’ (C‑115/97 a C‑117/97, EU:C:1999:434), Drijvende Bokken (C‑219/97, EU:C:1999:437) e van der Woude (C‑222/98, EU:C:2000:475). Segundo o Rechtbank Den Haag, a fixação da remuneração prevista na referida disposição deve, em primeiro lugar, resultar do diálogo social e ter sido celebrada sob a forma de um acordo coletivo entre organizações de empregadores e organizações de trabalhadores e deve, em segundo lugar, contribuir diretamente para a melhoria das condições de trabalho dos trabalhadores. No caso em apreço, a disposição em causa não contribui diretamente para a melhoria das condições de emprego e de trabalho dos trabalhadores. Por esta razão, o Rechtbank Den Haag julgou os pedidos apresentados pela FNV improcedentes, sem sequer verificar se estava cumprida a primeira condição exigida por aquela jurisprudência, relativa à necessidade de, pela sua natureza, a disposição em causa resultar do diálogo social.

14      A FNV interpôs um recurso dessa decisão no Gerechtshof te ʼs‑Gravenhage (Tribunal de Recurso de Haia), invocando um fundamento único, relativo à questão de saber se a proibição dos acordos restritivos da concorrência, prevista no artigo 101.°, n.° 1, TFUE, se aplica a uma disposição de uma convenção coletiva de trabalho que fixa remunerações mínimas para os prestadores de serviços independentes que exercem, a favor de um empregador, a mesma atividade que os trabalhadores assalariados deste empregador.

15      No âmbito desse recurso, embora tenha provisoriamente qualificado os substitutos independentes como «titulares de empresas», com o fundamento de que os seus rendimentos dependem da execução de tarefas obtidas de forma independente no mercado dos substitutos, estão sujeitos à concorrência de outros substitutos e realizam investimentos em instrumentos musicais, o referido órgão jurisdicional salientou, contudo, que a resolução do litígio no processo principal não resultava claramente do Tratado nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça.

16      Nestas condições, o Gerechtshof te ʼs‑Gravenhage decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      [D]evem as regras de concorrência da União Europeia ser interpretadas no sentido de que uma disposição contida numa convenção coletiva de trabalho celebrada entre associações de empregadores e de trabalhadores, segundo a qual os trabalhadores independentes que prestam a um empregador, com base num contrato de prestação de serviços, o mesmo trabalho que os trabalhadores abrangidos por essa convenção, devem receber uma determinada [remuneração] mínima, pelo mero facto de essa disposição constar de uma convenção coletiva de trabalho, não é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 101.° TFUE[?]

2)      [E]m caso de resposta negativa à primeira questão, essa disposição é excluída do âmbito de aplicação do artigo 101.° TFUE caso se destine (também) a melhorar as condições de trabalho dos trabalhadores abrangidos pela convenção e, neste contexto, é relevante saber se aquelas condições de trabalho são direta, ou apenas indiretamente, melhoradas[?]»

 Quanto à competência do Tribunal de Justiça

17      A título preliminar, há que verificar se o Tribunal de Justiça é competente para responder às questões submetidas. Com efeito, como salientou o Gerechtshof te ʼs‑Gravenhage na sua decisão de reenvio, o acordo em causa no processo principal diz respeito a uma situação puramente interna e não afeta o comércio intracomunitário. Por conseguinte, o artigo 101.° TFUE não é aplicável no litígio do processo principal.

18      A este respeito, importa referir que o Tribunal de Justiça se declarou reiteradamente competente para decidir dos pedidos de decisão prejudicial respeitantes a disposições do direito da União em situações nas quais os factos do processo principal saíam do âmbito de aplicação direta desse direito, na medida em que as referidas disposições tinham passado a ser aplicáveis por força da legislação nacional, a qual era conforme, nas soluções dadas a situações puramente internas, às soluções do direito da União. Com efeito, segundo jurisprudência constante, em tais casos, existe um interesse certo da União Europeia em que, para evitar divergências de interpretação futuras, as disposições ou os conceitos procedentes do direito da União sejam interpretados de forma uniforme, quaisquer que sejam as condições em que se devem aplicar (acórdão Allianz Hungária Biztosító e o., C‑32/11, EU:C:2013:160, n.° 20).

19      No que diz respeita ao presente pedido de decisão prejudicial, há que salientar que o artigo 6.°, n.° 1, da Mw reproduz, no essencial, o conteúdo do artigo 101.°, n.° 1, TFUE. Por outro lado, resulta da decisão de reenvio que o legislador neerlandês pretendeu expressamente harmonizar o direito nacional da concorrência com o direito da União, prevendo que o referido artigo 6.°, n.° 1, da Mw receberia uma interpretação estreitamente conforme com a do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

20      Nestas condições, há que concluir que o Tribunal de Justiça é competente para responder às questões submetidas, ainda que o artigo 101.°, n.° 1, TFUE não regule diretamente a situação em causa no processo principal.

 Quanto às questões prejudiciais

21      Com as suas duas questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o direito da União deve ser interpretado no sentido de que a disposição de uma convenção coletiva de trabalho que fixa remunerações mínimas para os prestadores de serviços independentes, filiados numa das organizações de trabalhadores contratantes, que exercem a favor de um empregador, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, a mesma atividade que os trabalhadores assalariados desse empregador, não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

22      A este respeito, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, embora determinados efeitos restritivos da concorrência sejam inerentes aos acordos coletivos celebrados entre organizações representativas dos empregadores e dos trabalhadores, os objetivos de política social prosseguidos por esses acordos ficariam seriamente comprometidos se os parceiros sociais estivessem sujeitos ao artigo 101.°, n.° 1, TFUE na busca em comum de medidas destinadas a melhorar as condições de emprego e de trabalho (v. acórdãos Albany, EU:C:1999:430, n.° 59; International Transport Workers’ Federation e Finnish Seamen’s Union, C‑438/05, EU:C:2007:772, n.° 49; e 3F/Comissão, C‑319/07 P, EU:C:2009:435, n.° 50).

23      Assim, o Tribunal de Justiça declarou que os acordos celebrados no âmbito de negociações coletivas entre parceiros sociais com vista a esses objetivos devem ser considerados, pela sua natureza e pelo seu objeto, como não abrangidos pelo artigo 101.°, n.° 1, TFUE (v. acórdãos Albany, EU:C:1999:430, n.° 60; Brentjens’, EU:C:1999:434, n.° 57; Drijvende Bokken, EU:C:1999:437, n.° 47; Pavlov e o., C‑180/98 a C‑184/98, EU:C:2000:428, n.° 67; van der Woude, EU:C:2000:475, n.° 22; e AG2R Prévoyance, C‑437/09, EU:C:2011:112, n.° 29).

24      No processo principal, o acordo em causa foi celebrado entre uma organização de empregadores e organizações de trabalhadores com composição mista, as quais negociaram, em conformidade com o direito interno, não só para os substitutos assalariados, mas também para os substitutos independentes filiados.

25      Por conseguinte, há que analisar se a natureza e o objeto desse acordo permitem inseri‑lo no âmbito das referidas negociações coletivas entre parceiros sociais e justificam que seja excluído, no que diz respeito às remunerações mínimas para os substitutos independentes, do âmbito de aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

26      No que se refere, em primeiro lugar, à natureza do referido acordo, resulta das declarações do órgão jurisdicional de reenvio que foi celebrado sob a forma de uma convenção coletiva de trabalho. Contudo, este acordo constitui, no que respeita precisamente à disposição do seu anexo 5 sobre as referidas remunerações mínimas, o resultado de negociações entre uma organização de empregadores e organizações de trabalhadores igualmente representativas dos interesses dos substitutos independentes, que prestam serviços às orquestras ao abrigo de um contrato de prestação de serviços.

27      Ora, deve constatar‑se a este respeito que, embora exerçam a mesma atividade que os trabalhadores, os prestadores como os referidos substitutos em causa no processo principal constituem, em princípio, «empresas», na aceção do artigo 101.°, n.° 1, TFUE, na medida em que oferecem os seus serviços em contrapartida de uma remuneração num determinado mercado (acórdão Ordem dos Técnicos Oficiais de Contas, C‑1/12, EU:C:2013:127, n.os 36 e 37) e exercem a sua atividade como operadores económicos independentes relativamente aos seus comitentes (v. acórdão Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio, C‑217/05, EU:C:2006:784, n.° 45).

28      Daqui resulta, como salientaram igualmente o advogado‑geral no n.° 32 das suas conclusões e a NMa no seu parecer, que, na medida em que uma organização representativa dos trabalhadores procede a negociações em nome e por conta desses prestadores de serviços independentes nela filiados, não age na sua qualidade de associação sindical e, portanto, de parceiro social, mas opera, na realidade, como associação de empresas.

29      Cabe igualmente acrescentar que, embora vise um diálogo social, o Tratado não prevê, todavia, nenhuma disposição, à semelhança dos artigos 153.° TFUE e 155.° TFUE, bem como dos artigos 1.° e 4.° do Acordo relativo à Política Social (JO 1992, C 191, p. 91), que encoraje os prestadores independentes a encetar esse diálogo com os empregadores junto dos quais prestam serviços ao abrigo de um contrato de prestação de serviços e, por conseguinte, a celebrar acordos coletivos com esses empregadores a fim de melhorar as suas próprias condições de emprego e de trabalho (v., por analogia, acórdão Pavlov e o., EU:C:2000:428, n.° 69).

30      Nestas condições, decorre daí que a disposição de uma convenção coletiva de trabalho, como a que está em causa no processo principal, na medida em que foi celebrada por uma organização de trabalhadores em nome e por conta dos prestadores de serviços independentes nela filiados, não constitui o resultado de uma negociação coletiva entre parceiros sociais e não pode ser excluída, devido à sua natureza, do âmbito de aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

31      No entanto, esta conclusão não pode obstar a que essa disposição de uma convenção coletiva de trabalho também possa ser considerada o resultado de um diálogo social, no caso de os referidos prestadores de serviços, em nome e por conta dos quais o sindicato negociou, constituírem, na realidade, «falsos trabalhadores independentes», isto é, prestadores que se encontram numa situação comparável à dos trabalhadores.

32      Com efeito, como sublinharam o advogado‑geral no n.° 51 das suas conclusões, bem como a FNV, o Governo neerlandês e a Comissão Europeia na audiência, nem sempre é fácil determinar, na economia atual, o estatuto de empresa de determinados prestadores independentes, como os substitutos em causa no processo principal.

33      No que diz respeito ao processo principal, há que recordar, por um lado, que, segundo jurisprudência constante, um prestador de serviços pode perder a sua qualidade de operador económico independente, e, portanto, de empresa, quando não determina de forma autónoma o seu comportamento no mercado, mas depende totalmente do seu comitente, pelo facto de não incorrer nos riscos financeiros e comerciais resultantes da atividade deste último e operar como auxiliar integrado na empresa do referido comitente (v., neste sentido, acórdão Confederación Española de Empresarios de Estaciones de Servicio, EU:C:2006:784, n.os 43 e 44).

34      Por outro lado, o próprio conceito de «trabalhador», na aceção do direito da União, deve ser definido segundo critérios objetivos que caracterizem a relação de trabalho, tendo em consideração os direitos e os deveres das pessoas em causa. A este respeito, é jurisprudência constante que a característica essencial dessa relação consiste na circunstância de uma pessoa realizar, durante um certo tempo, a favor de outra pessoa e sob a sua direção, prestações em contrapartida das quais recebe uma remuneração (v. acórdãos N., C‑46/12, EU:C:2013:97, n.° 40 e jurisprudência referida, e Haralambidis, C‑270/13, EU:C:2014:2185, n.° 28).

35      Nesta perspetiva, o Tribunal de Justiça já precisou que a qualificação de «prestador independente», à luz do direito nacional, não exclui que uma pessoa deva ser qualificada de «trabalhador», na aceção do direito da União, se a sua independência apenas for fictícia, ocultando assim uma verdadeira relação de trabalho (v., neste sentido, acórdão Allonby, C‑256/01, EU:C:2004:18, n.° 71).

36      Daqui resulta que o estatuto de «trabalhador», na aceção do direito da União, não pode ser afetado pelo facto de uma pessoa ter sido contratada como prestador de serviços independente à luz do direito nacional, devido a razões fiscais, administrativas ou burocráticas, desde que esta pessoa atue sob a direção do seu empregador, no que diz respeito, nomeadamente, à sua liberdade de escolher o horário, o local e o conteúdo do seu trabalho (v. acórdão Allonby, EU:C:2004:18, n.° 72), não incorra nos riscos comerciais desse empregador (acórdão Agegate, C‑3/87, EU:C:1989:650, n.° 36) e esteja integrada na empresa do referido empregador enquanto dura a relação de trabalho, constituindo com esta uma unidade económica (v. acórdão Becu e o., C‑22/98, EU:C:1999:419, n.° 26).

37      À luz destes princípios, a fim de poder qualificar os substitutos independentes em causa no processo principal não como «trabalhadores», na aceção do direito da União, mas como verdadeiras «empresas», na aceção desse direito, cabe, por conseguinte, ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se, para além da natureza jurídica do seu contrato de prestação de serviços, esses substitutos não se encontram nas condições indicadas nos n.os 33 a 36 do presente acórdão, nomeadamente, se não se encontram numa relação de subordinação para com a orquestra em causa enquanto dura a relação contratual, dispondo assim de mais autonomia e flexibilidade que os trabalhadores que exercem a mesma atividade, no que diz respeito à determinação do horário, do local e das modalidades de execução das tarefas confiadas, a saber, os ensaios e os concertos.

38      Em segundo lugar, quanto ao objeto da convenção coletiva de trabalho em causa no processo principal, há que concluir que a análise à luz da jurisprudência recordada nos n.os 22 e 23 do presente acórdão se justifica, relativamente a esta questão, apenas no caso de o órgão jurisdicional de reenvio qualificar os substitutos em causa no processo principal não como «empresas», mas como «falsos trabalhadores independentes».

39      Dito isto, importa salientar que o regime das remunerações mínimas estabelecido pela disposição do anexo 5 da convenção coletiva de trabalho contribui diretamente para a melhoria das condições de emprego e de trabalho dos referidos substitutos, qualificados como «falsos trabalhadores independentes».

40      Com efeito, esse regime assegura a esses prestadores não só uma remuneração de base mais elevada do que aquela que teriam na inexistência da referida disposição, mas permite também, como foi declarado pelo órgão jurisdicional de reenvio, contribuir para um seguro de pensão correspondente à participação no regime de reformas previsto para os trabalhadores, garantindo‑lhes assim os meios necessários para poderem beneficiar de um determinado nível de pensão no futuro.

41      Por conseguinte, a disposição de uma convenção coletiva de trabalho que fixa remunerações mínimas para os prestadores de serviços que constituem «falsos trabalhadores independentes» não pode, devido à sua natureza e ao seu objeto, estar sujeita ao âmbito de aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE.

42      Por conseguinte, face a estas considerações, há que responder às questões submetidas que o direito da União deve ser interpretado no sentido de que a disposição de uma convenção coletiva de trabalho, como a que está em causa no processo principal, que fixa remunerações mínimas para os prestadores de serviços independentes, filiados numa das organizações de trabalhadores contratantes, que exercem a favor de um empregador, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, a mesma atividade que os trabalhadores assalariados desse empregador, só não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE se esses prestadores constituírem «falsos trabalhadores independentes», isto é, prestadores que se encontram numa situação comparável à dos referidos trabalhadores. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio proceder a essa verificação.

 Quanto às despesas

43      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

O direito da União deve ser interpretado no sentido de que a disposição de uma convenção coletiva de trabalho, como a que está em causa no processo principal, que fixa remunerações mínimas para os prestadores de serviços independentes, filiados numa das organizações de trabalhadores contratantes, que exercem a favor de um empregador, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços, a mesma atividade que os trabalhadores assalariados desse empregador, só não está abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 101.°, n.° 1, TFUE se esses prestadores constituírem «falsos trabalhadores independentes», isto é, prestadores que se encontram numa situação comparável à dos referidos trabalhadores. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio proceder a essa verificação.

Assinaturas


* Língua do processo: neerlandês.