Language of document : ECLI:EU:T:2023:640

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

18 de outubro de 2023 (*)

«Política comercial — Regulamento (UE) 2020/502 — Medidas adotadas pelos Estados Unidos sobre as importações de determinados produtos derivados de alumínio e de aço — Decisão da União de suspender concessões comerciais e outras obrigações equivalentes — Direitos aduaneiros adicionais sobre as importações de produtos provenientes dos Estados Unidos — Recurso de anulação — Legitimidade ativa — Admissibilidade — Princípio da boa administração — Direito de ser ouvido»

No processo T‑402/20,

Zippo Manufacturing Co., com sede em Bradford, Pensilvânia (Estados Unidos),

Zippo GmbH, com sede em Emmerich am Rhein (Alemanha),

Zippo SAS, com sede em Paris (França),

representadas por R. MacLean e D. Sevilla Pascual, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por J. Flett, G.‑D. Balan e M. Mataija, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto, na deliberação, por G. De Baere, presidente, G. Steinfatt e K. Kecsmár (relator), juízes,

secretário: M. Zwozdziak‑Carbonne, administradora,

vistos os autos, nomeadamente:

–        o Despacho de 6 de maio de 2021, que reserva para final o conhecimento da exceção de inadmissibilidade deduzida pela Comissão por ato apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de setembro de 2020;

–        as medidas de organização do processo de 12 de julho de 2022 e as respostas das partes apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 9 e 10 de agosto de 2022;

–        a diligência de instrução de 21 de setembro de 2022 e a resposta da Comissão apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 26 de setembro de 2022,

após a audiência de 29 de setembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com o recurso interposto ao abrigo do artigo 263.o TFUE, as recorrentes, a Zippo Manufacturing Co. (a seguir «ZMC»), a Zippo GmbH e a Zippo SAS, pedem a anulação do Regulamento de Execução (UE) 2020/502 da Comissão, de 6 de abril de 2020, relativo a certas medidas de política comercial respeitantes a determinados produtos originários dos Estados Unidos da América (JO 2020, L 109, p. 10; a seguir «regulamento impugnado»), na parte em que lhes é aplicável.

 Antecedentes do litígio e factos posteriores à interposição do recurso

2        As recorrentes pertencem ao mesmo grupo de sociedades. Dedicam‑se ao fabrico, distribuição e comercialização de isqueiros mecânicos em metal à prova do vento, sob a marca Zippo, bem como ao serviço de assistência destes produtos. Os referidos produtos são fabricados pela ZMC, que se apresenta como o único fabricante conhecido deste tipo de produtos nos Estados Unidos.

3        A sociedade ZMC exporta uma parte dos seus produtos para a União Europeia. Esses produtos ficam sujeitos a direitos aduaneiros à entrada no território aduaneiro da União, na subposição 9613 80 00 da Nomenclatura Combinada (a seguir «código NC 9613 80 00») instituída pelo Regulamento (CEE) n.o 2658/87 do Conselho, de 23 de julho de 1987, relativo à nomenclatura pautal e estatística e à pauta aduaneira comum (JO 1987, L 256, p. 1). O código NC 9613 80 00 diz respeito aos «isqueiros e outros acendedores», entre os quais os «isqueiros e acendedores (com exclusão dos acendedores do n.o 3603), mesmo mecânicos ou elétricos, e suas partes, exceto pedras e pavios».

4        Os produtos em causa são vendidos pela ZMC às suais filiais, a Zippo GmbH e a Zippo SAS, e a distribuidores independentes autorizados, com vista à sua comercialização no território da União. Os referidos produtos são vendidos numa base franco a bordo (FOB), pelo que os riscos associados a esses produtos são transferidos para os distribuidores, vinculados ou independentes, no momento da sua entrega no porto ou aeroporto dos Estados Unidos com vista à sua exportação. Os acordos de distribuição entre a ZMC e os referidos distribuidores precisam igualmente que estes últimos suportam o custo de todos os direitos aduaneiros.

5        Em 24 de janeiro de 2020, os Estados Unidos da América adotaram medidas sob a forma de um aumento dos direitos aduaneiros sobre as importações de determinados produtos derivados de alumínio e de aço, com efeitos a partir de 8 de fevereiro de 2020 e com uma duração ilimitada.

6        Tendo sido qualificadas de medidas de segurança pelos Estados Unidos da América, aquelas medidas constituíam, segundo a Comissão Europeia, medidas de salvaguarda adotadas para limitar as importações com o objetivo de proteger a indústria nacional contra a concorrência estrangeira e assegurar assim a sua prosperidade comercial. A Comissão considerou então que havia que adotar medidas em execução do Regulamento (UE) n.o 654/2014 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, relativo ao exercício dos direitos da União tendo em vista a aplicação e o cumprimento das regras do comércio internacional, e que altera o Regulamento (CE) n.o 3286/94 do Conselho que estabelece procedimentos comunitários no domínio da política comercial comum, a fim de garantir o exercício dos direitos da Comunidade ao abrigo das regras do comércio internacional, nomeadamente as estabelecidas sob os auspícios da Organização Mundial do Comércio (JO 2014, L 189, p. 50).

7        Em 6 de março de 2020, em aplicação do artigo 9.o do Regulamento n.o 654/2014, a Comissão solicitou a opinião das partes interessadas, através de um formulário disponibilizado no sítio Internet da Direção‑Geral («DG») do Comércio da Comissão. A recolha de informações terminou em 13 de março de 2020. Entre as medidas previstas no final da referida recolha, a Comissão indicava a possibilidade de aplicar direitos aduaneiros adicionais a determinados produtos originários dos Estados Unidos e, designadamente, numa primeira fase, aos produtos com o código NC 9613 80 00. É facto assente entre as partes que as recorrentes não participaram nessa recolha de informações.

8        Em 6 de abril de 2020, a Comissão adotou o regulamento impugnado, que entrou em vigor no dia da sua publicação no Jornal Oficial da União Europeia, em 7 de abril de 2020.

9        O artigo 1.o do referido regulamento prevê:

«1.      A Comissão deve notificar imediatamente por escrito e, em qualquer caso, o mais tardar em 7 de abril de 2020, ao Conselho do Comércio de Mercadorias da OMC que, na ausência de objeções por parte do Conselho do Comércio de Mercadorias, a União suspende, a partir de 8 de maio de 2020, a aplicação ao comércio dos Estados Unidos de concessões sobre direitos de importação ao abrigo do [Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio] de 1994, no que respeita aos produtos que constam do n.o 2.

2.      Em consequência, a União aplica direitos aduaneiros adicionais sobre as importações na União dos produtos a seguir enumerados, originários dos Estados Unidos, do seguinte modo:

a)      Na primeira fase, aplicam‑se direitos ad valorem adicionais de 20 % e 7 %, a partir de 8 de maio de 2020, sobre as importações dos produtos especificados como segue:

Código NC

Direito ad valorem adicional

9613 80 00

20 %

3926 30 00

7 %

[…]»

10      Nos termos do artigo 2.o do mesmo regulamento:

«A União aplica os direitos aduaneiros adicionais previstos no artigo 1.o enquanto e na medida em que os Estados Unidos aplicarem ou reaplicarem as suas medidas de salvaguarda de uma forma que afete os produtos provenientes da União. A Comissão publica um aviso no Jornal Oficial da União Europeia indicando a data na qual os Estados Unidos deixaram de aplicar as suas medidas de salvaguarda.»

11      Por carta de 22 de maio de 2020, as recorrentes pediram à Comissão todas as comunicações preparatórias e documentos de trabalho relativos à adoção do regulamento impugnado, nos termos do artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43). Na sequência da resposta da Comissão, em 24 de julho de 2020, e do pedido confirmativo das recorrentes, em 14 de agosto de 2020, a Comissão facultou, em 27 de novembro de 2020, o acesso completo a vários dos documentos em questão, o acesso parcial a alguns dos referidos documentos e indeferiu os pedidos de acesso relativamente aos documentos restantes.

12      Por outro lado, por carta de 2 de junho de 2020, as recorrentes pediram à Comissão a exclusão dos seus produtos do âmbito de aplicação do regulamento impugnado, ao abrigo do considerando 19 deste último. A Comissão indeferiu este pedido por carta de 16 de junho de 2020.

13      Na sequência do anúncio pelos Estados Unidos da América sobre a alteração das suas medidas de salvaguarda a partir de 1 de janeiro de 2022, a Comissão adotou o Regulamento de Execução (UE) 2021/2083, de 26 de novembro de 2021, que suspende as medidas de política comercial respeitantes a determinados produtos originários dos Estados Unidos da América instituídas pelos Regulamentos de Execução (UE) 2018/886 e (UE) 2020/502 (JO 2021, L 246, p. 41). O referido regulamento suspende nomeadamente os direitos ad valorem adicionais aplicados aos produtos com o código NC 9613 80 00 previstos no regulamento impugnado, a partir de 1 de janeiro de 2022 e até 31 de dezembro de 2023.

 Pedidos das partes

14      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular o regulamento impugnado e, em especial, o artigo 1.o, n.o 2, alínea a), e o seu artigo 2.o, na medida em que estas disposições lhes sejam aplicáveis;

–        condenar a Comissão nas despesas.

15      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

16      Com a exceção deduzida com base no artigo 130.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a Comissão alega que as recorrentes não são individualmente afetadas pelo regulamento impugnado. O referido regulamento assume a forma de um ato da União de alcance geral, que diz respeito às recorrentes em razão de uma situação objetivamente determinada pelo mesmo diploma relacionada com a sua finalidade, a saber, um reequilíbrio comercial em relação aos Estados Unidos na sequência da extensão das suas medidas de salvaguarda a determinados produtos derivados de aço ou de alumínio. Deste modo, a Comissão conclui que o recurso é inadmissível.

17      Na audiência, a Comissão reiterou as suas objeções ao facto de as recorrentes pertencerem a um círculo fechado de operadores no momento em que o regulamento impugnado foi adotado. Não obstante, indicou que, no decurso do processo de adoção do regulamento impugnado, sabia que uma grande parte da medida prevista no referido regulamento no que se refere aos produtos com o código NC 9613 80 00 se iria aplicar aos produtos das recorrentes. Em contrapartida, contestou o facto de, durante o referido processo, saber que eram as únicas empresas afetadas. Além disso, a Comissão sublinhou que, contrariamente ao que as recorrentes afirmaram nos seus articulados, as exportações destas últimas para a União aumentaram após a introdução dos direitos aduaneiros adicionais em causa.

18      As recorrentes alegam que são individual e diretamente afetadas pelo regulamento impugnado, de forma semelhante a um destinatário do ato, e que, consequentemente, o recurso deve ser julgado admissível.

19      Há que recordar que a admissibilidade de um recurso interposto por uma pessoa singular ou coletiva de um ato do qual não é destinatária, ao abrigo do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, está sujeita à condição de lhe ser reconhecida legitimidade, a qual se verifica em duas situações. Por um lado, esse recurso pode ser interposto na condição de esse ato a afetar direta e individualmente. Por outro lado, essa pessoa pode interpor recurso de um ato regulamentar que não necessite de medidas de execução, se este lhe disser diretamente respeito (v. Acórdão de 3 de dezembro de 2020, Changmao Biochemical Engineering/Distillerie Bonollo e o., C‑461/18 P, EU:C:2020:979, n.o 54 e jurisprudência referida).

20      As condições de admissibilidade previstas nesta disposição devem ser interpretadas à luz do direito fundamental de proteção jurisdicional efetiva, afirmado no artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), sem, no entanto, se afastarem essas condições expressamente previstas no Tratado FUE (v. Acórdão de 3 de dezembro de 2020, Changmao Biochemical Engineering/Distillerie Bonollo e o., C‑461/18 P, EU:C:2020:979, n.o 55 e jurisprudência referida).

21      Há que recordar igualmente que a natureza normativa do ato impugnado não exclui que possa afetar direta e individualmente certas pessoas singulares ou coletivas interessadas (Acórdão de 18 de maio de 1994, Codorniu/Conselho, C‑309/89, EU:C:1994:197, n.o 19; v., igualmente, Acórdão de 28 de fevereiro de 2019, Conselho/Growth Energy e Renewable Fuels Association, C‑465/16 P, EU:C:2019:155, n.o 72 e jurisprudência referida; Acórdão de 14 de setembro de 1995, Antillean Rice Mills e o./Comissão, T‑480/93 e T‑483/93, EU:T:1995:162, n.o 66).

 Quanto ao requisito relativo à afetação individual

22      É jurisprudência constante que o artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE apenas permite que as pessoas singulares ou coletivas impugnem um ato de alcance geral, como um regulamento, se este, além de dizer diretamente respeito a essas pessoas, as afetar também em virtude de certas qualidades que lhes são específicas ou de uma situação de facto que as caracteriza em relação a qualquer outra pessoa, individualizando‑as, por isso, de forma idêntica à de um destinatário de uma decisão. Por outras palavras, os vícios invocados pela recorrente devem ser suscetíveis de a individualizar de forma idêntica à do destinatário do ato (v. Acórdão de 18 de maio de 2022, Uzina Metalurgica Moldoveneasca/Comissão, T‑245/19, EU:T:2022:295, n.o 57 e jurisprudência referida).

23      Em primeiro lugar, há que rejeitar as objeções da Comissão baseadas na natureza do regulamento impugnado.

24      Efetivamente, a circunstância de o regulamento impugnado ter, por natureza, um efeito erga omnes não exclui a possibilidade de tal ato incluir medidas que se apliquem individualmente a determinados operadores económicos (v., neste sentido, Despacho de 30 de abril de 2003, VVG International e o./Comissão, T‑155/02, EU:T:2003:125, n.os 40 a 42). Por conseguinte, apesar de o regulamento impugnado se aplicar em virtude de uma situação objetivamente determinada, as recorrentes podem, no entanto, invocar elementos que permitam individualizá‑las de forma idêntica à do destinatário do ato.

25      Em segundo lugar, as recorrentes afirmam que a ZMC é o único produtor‑exportador conhecido nos Estados Unidos dos produtos sujeitos aos direitos adicionais em causa. Com efeito, ao basear‑se nos dados provenientes do Eurostat, os mesmos que foram utilizados pela Comissão para efeitos da adoção do regulamento impugnado, as recorrentes alegam que, uma vez acrescentados os custos de frete aéreo, de transporte terrestre e de seguro, bem como os outros custos de transporte conexos, e depois de ter aplicado a taxa de câmbio em vigor, o valor das exportações da ZMC para a União dos produtos em causa é muito próximo do valor total das importações originárias dos Estados Unidos com o código NC 9613 80 00 no ano de 2019.

26      A este respeito, há que recordar que, embora o facto de ser o produtor‑exportador mais importante dos produtos submetidos às medidas em causa não permita, por si só, individualizar a ZMC, este facto não deixa de ser relevante, dado que faz parte de um conjunto de elementos constitutivos de uma situação específica que caracteriza a recorrente, atendendo à medida em causa, em relação a qualquer outro operador económico (v., neste sentido, Acórdão de 18 de maio de 2022, Uzina Metalurgica Moldoveneasca/Comissão, T‑245/19, EU:T:2022:295, n.o 63 e jurisprudência referida).

27      No caso em apreço, na audiência, a Comissão foi convidada a pronunciar‑se sobre os elementos quantitativos apresentados pelas recorrentes. Ora, embora a Comissão tenha expressado reservas quanto ao facto de a ZMC ser o único produtor‑exportador dos produtos em causa, admitiu, porém, que os dados fornecidos pelas recorrentes e os dados do Eurostat eram próximos. Daqui se deve concluir que a Comissão não forneceu provas contra os elementos apresentados pelas recorrentes a este respeito.

28      Além disso, no que se refere à objeção da Comissão à existência de um círculo fechado de operadores devido ao facto de o regulamento impugnado também dizer respeito a qualquer exportador atual ou potencial, sediado no território dos Estados Unidos, de produtos com o código NC 9613 80 00, importa identificar o conjunto de elementos que poderá caracterizar uma individualização da recorrente na aceção da jurisprudência relevante (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho, C‑358/89, EU:C:1991:214, n.o 17, e de 18 de maio de 2022, Uzina Metalurgica Moldoveneasca/Comissão, T‑245/19, EU:T:2022:295, n.o 66).

29      Neste contexto, primeiro, há que referir que o regulamento impugnado estabelece direitos aduaneiros adicionais sobre os produtos provenientes dos Estados Unidos com o código NC 9613 80 00 e que esses produtos estão abrangidos pela atividade económica das recorrentes. Segundo, todos os produtos exportados pela ZMC para a União provêm do território dos Estados Unidos. Terceiro, sem terem sido validamente contrariadas pela Comissão, as recorrentes apresentaram provas documentais, especialmente dois certificados emitidos por ordens profissionais, e dados quantitativos que visam demonstrar que a ZMC é o único produtor‑exportador de produtos com o código NC 9613 80 00 a partir do referido território para União. Quarto, os dados utilizados pela Comissão para efeitos da adoção do regulamento impugnado, provenientes do Eurostat, confundem‑se com os dados relativos à ZMC apresentados pelas recorrentes. Quinto, embora a Comissão tenha alegado, na audiência, que o procedimento de adoção de medidas de reequilíbrio não prevê uma fase formal destinada a identificar produtores ou exportadores que possam ser afetados pelas referidas medidas, a Comissão reconheceu, não obstante, que, durante o processo de adoção do regulamento impugnado, estava a par da existência da «Zippo», identificada como um «grande exportador americano» dos produtos com o código NC 9613 80 00, e do facto de uma grande parte das exportações desta linha pautal, visada pelo regulamento impugnado, serem exportações da «Zippo». Sexto, a Comissão também explicou, na audiência, que a seleção dos produtos objeto de medidas de reequilíbrio era feita designadamente com o objetivo de «motivar a outra parte, no caso em apreço, os Estados Unidos da América, a renunciar às suas medidas de salvaguarda incompatíveis com a OMC», e que, neste contexto, teve em conta o Estado dos Estados Unidos do qual os referidos produtos eram originários. Sétimo, as recorrentes alegam, sem terem sido contrariadas neste aspeto pela Comissão, que o Estado da Pensilvânia, onde a ZMC está sediada, constitui um dos Estados dos Estados Unidos que foi tido em conta para efeitos da referida seleção.

30      Nestas circunstâncias e à luz da jurisprudência recordada no n.o 20, supra, há que considerar que resulta dos elementos dos autos, sobre os quais as partes se pronunciaram na audiência, que existe um conjunto de elementos factuais e jurídicos constitutivos de uma situação específica que caracteriza uma das recorrentes, a saber, a ZMC, atendendo ao regulamento impugnado, em relação a qualquer outro operador económico e que, por isso, demonstra a sua afetação individual na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

31      Nestas circunstâncias, há que concluir que a ZMC é individualmente afetada pelo regulamento impugnado.

 Quanto ao requisito relativo à afetação direta

32      Segundo jurisprudência constante, a condição segundo a qual uma pessoa singular ou coletiva deve ser diretamente afetada pela decisão objeto do recurso, tal como prevista no artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, exige que estejam cumulativamente preenchidos dois critérios, a saber, que a medida impugnada, por um lado, produza diretamente efeitos na situação jurídica do particular e, por outro, não deixe nenhum poder de apreciação aos destinatários que estão encarregados da sua execução, uma vez que esta tem caráter puramente automático e decorre apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermédias (Acórdãos de 6 de novembro de 2018, Scuola Elementare Maria Montessori/Comissão, Comissão/Scuola Elementare Maria Montessori e Comissão/Ferracci, C‑622/16 P a C‑624/16 P, EU:C:2018:873, n.o 42, e de 3 de dezembro de 2020, Changmao Biochemical Engineering/Distillerie Bonollo e o., C‑461/18 P, EU:C:2020:979, n.o 58).

33      Além disso, deve recordar‑se, por um lado, que o requisito de um ato que não necessite de medidas de execução não deve ser confundido com o requisito relativo à afetação direta e, por outro, que, no âmbito da análise da afetação direta, a mera existência de medidas de execução não é suficiente para excluir essa afetação, sendo o critério jurídico pertinente o da inexistência de qualquer poder de apreciação deixado aos destinatários do ato em causa, responsáveis pela sua implementação (v. Acórdão de 18 de maio de 2022, Uzina Metalurgica Moldoveneasca/Comissão, T‑245/19, EU:T:2022:295, n.o 45 e jurisprudência referida).

34      No presente processo, há que apurar se a ZMC, que é individualmente afetada pelo regulamento impugnado, também é diretamente afetada por este.

35      Em primeiro lugar, há que referir que decorre nomeadamente do artigo 1.o, n.o 1, e n.o 2, alínea a), do regulamento impugnado que, na ausência de objeções por parte do Conselho do Comércio de Mercadorias da Organização Mundial do Comércio (OMC), a União suspende, a partir de 8 de maio de 2020, a aplicação ao comércio dos Estados Unidos de concessões sobre direitos de importação ao abrigo do Acordo Geral sobre Pautas Aduaneiras e Comércio (JO 1994, L 336, p. 11, a seguir «GATT de 1994»), no que respeita aos produtos com o código NC 9613 80 00 e são aplicados, a partir desta data, direitos ad valorem adicionais de 20 % sobre as importações dos referidos produtos. Por outro lado, o artigo 2.o do referido regulamento dispõe que a União aplica esses direitos aduaneiros adicionais enquanto e na medida em que os Estados Unidos aplicarem ou reaplicarem as suas medidas de salvaguarda de uma forma que afete os produtos provenientes da União.

36      Por conseguinte, há que considerar que os Estados‑Membros, encarregados de dar execução ao regulamento impugnado, não têm nenhuma margem de apreciação no que diz respeito à taxa dos direitos aduaneiros adicionais em causa sobre as importações na União e à imposição desses direitos aos produtos em causa, estando o segundo critério mencionado no n.o 32, supra, preenchido [v., neste sentido, Acórdãos de 12 de dezembro de 2014, Crown Equipment (Suzhou) e Crown Gabelstapler/Conselho, T‑643/11, EU:T:2014:1076, n.o 28 (não publicado); de 3 de maio de 2018, Distillerie Bonollo e o./Conselho, T‑431/12, EU:T:2018:251, n.o 50, e Despacho de 10 de setembro de 2020, Camboja e CRF/Comissão, T‑246/19, EU:T:2020:415, n.os 66, 68 e 108].

37      Em segundo lugar, no que respeita ao primeiro critério mencionado pela jurisprudência referida no n.o 32, supra, há que começar por salientar que a ZMC não suporta o pagamento dos direitos aduaneiros adicionais em causa, como recordado acima no n.o 4.

38      No entanto, resulta da jurisprudência que a circunstância de a referida recorrente não pagar os referidos direitos não é decisiva e que a constatação da afetação direta se pode basear noutros elementos (v., neste sentido, Despacho de 10 de setembro de 2020, Camboja e CRF/Comissão, T‑246/19, EU:T:2020:415, n.o 107).

39      No caso em apreço, primeiro, há que ter em conta o facto de que os produtos com o código NC 9613 80 00 estavam, antes da entrada em vigor do regulamento impugnado, sujeitos a uma taxa consolidada de 2,7 %, resultante nomeadamente da aplicação das concessões multilaterais ao abrigo do GATT de 1994. Segundo, o regulamento impugnado suspendeu temporariamente as referidas concessões e aplicou direitos ad valorem adicionais de 20 % aos referidos produtos. Terceiro, em conformidade com o artigo 2.o do regulamento impugnado e até à suspensão deste pelo Regulamento de Execução 2021/2083, a União aplicava estes direitos aduaneiros adicionais enquanto, e na medida em que, os Estados Unidos da América aplicassem ou reaplicassem as suas medidas de salvaguarda de uma forma que afetasse os produtos provenientes da União. Quarto, como decorre da leitura dos considerandos 9 e 11 do regulamento impugnado, a Comissão considerou que as medidas de reequilíbrio adequadas deviam adotar a forma de medidas de política comercial que consistissem nomeadamente na instituição de direitos aduaneiros adicionais e proporcionais aos efeitos das medidas de salvaguarda instituídas pelos Estados Unidos da América, sem todavia serem excessivas. Quinto, esses direitos correspondem às medidas de salvaguarda adotadas pelos Estados Unidos da América que podiam ter um impacto económico negativo considerável sobre as indústrias da União em causa, como resulta da leitura dos considerandos 7 e 8 do regulamento impugnado. Sexto, como indicado no n.o 29, supra, as recorrentes alegam que a ZMC é o único produtor‑exportador conhecido com sede nos Estados Unidos dos produtos com o código NC 9613 80 00 sujeitos aos direitos aduaneiros adicionais em causa. Sétimo, os referidos produtos são importados para a União nomeadamente por filiais da ZMC devedoras dos referidos direitos. Oitavo, resulta dos elementos apresentados pelas recorrentes em resposta a uma medida de organização do processo, que, durante o ano de 2021, período no qual esses direitos estavam em vigor, a parte dos produtos importados na União pelas referidas filiais representou mais de 80 % dos volumes de produtos da ZMC importados na União.

40      Por conseguinte, por um lado, há que considerar que, de forma análoga às medidas de salvaguarda instituídas pelos Estados Unidos da América, as medidas de reequilíbrio instituídas pelo regulamento impugnado se destinam, através da aplicação de direitos aduaneiros adicionais e proporcionais aos efeitos das referidas medidas de salvaguarda, a produzir repercussões económicas negativas sobre a atividade das empresas dos Estados Unidos que exportam para a União os produtos a que essas medidas se aplicam, de que a ZMC faz parte na sua qualidade de produtor‑exportador único dos produtos com o código NC 9613 80 00, pelas razões expostas no n.o 29, supra. Além disso, no presente processo, as referidas repercussões são acentuadas em relação à ZMC devido à sua qualidade de sociedade‑mãe das sociedades que importam na União mais de 80 % do volume dos referidos produtos originários dos Estados Unidos e que, por isso, suportam a maior parte do pagamento dos direitos adicionais instituídos pelo regulamento impugnado. Deste modo, há que considerar, no que diz respeito aos produtos com o código NC 9613 80 00, que a ZMC era diretamente afetada pelas repercussões negativas apuradas pela Comissão quando esta adotou o regulamento impugnado.

41      Por outro lado, ao suspender a aplicação da taxa consolidada de 2,7 % sobre a importação dos produtos com o código NC 9613 80 00 e ao aplicar aos referidos produtos direitos ad valorem adicionais de 20 %, o regulamento impugnado afeta o direito de acesso ao mercado da União de que esses produtos beneficiaram até à sua entrada em vigor (v., por analogia, Despacho de 10 de setembro de 2020, Camboja e CRF/Comissão, T‑246/19, EU:T:2020:415, n.os 60 e 61). Ora, visto que o estatuto da ZMC de produtor‑exportador único desses produtos com sede nos Estados Unidos não foi validamente refutado pela Comissão, há que considerar que o regulamento impugnado afeta igualmente o direito de acesso ao mercado da União dos produtos da ZMC e que, consequentemente, o referido regulamento produz efeitos jurídicos diretos nesta última.

42      A circunstância, invocada pela Comissão, de, posteriormente à entrada em vigor do regulamento impugnado, o volume dos produtos exportados pela ZMC para o território da União ter aumentado não altera esta conclusão. Com efeito, por um lado, as recorrentes alegam que este aumento resulta designadamente de uma reorganização da distribuição dos seus produtos e de um aumento dos seus pontos de venda no mercado da União. Além disso, na falta de direitos aduaneiros impostos pelo regulamento impugnado, este aumento podia ter sido mais significativo. Importa ainda referir que os direitos aduaneiros em causa foram aplicados durante um período relativamente curto, de 8 de maio de 2020 a 31 de dezembro de 2021. Por outro lado, a circunstância de não ser possível observar as repercussões negativas apuradas através de um regulamento que institui medidas de reequilíbrio, como o regulamento impugnado, não é determinante para apreciar o critério da afetação direta, dado que é suficiente que o ato em causa altere automática e imediatamente a situação jurídica da recorrente. Ora, pelos motivos expostos nos n.os 40 e 41, supra, o regulamento impugnado produz efeitos diretos na situação jurídica da ZMC de forma automática e imediata.

43      Deste modo, há que concluir que a ZMC é diretamente afetada pelo regulamento impugnado e, consequentemente, tem legitimidade na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

44      Ora, segundo jurisprudência constante, baseada em razões de economia processual, se um ato for impugnado por vários recorrentes e se demonstrar que um deles tem legitimidade para intentar uma ação, não há que examinar a legitimidade dos outros recorrentes (v., neste sentido, Acórdãos de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 37, e de 24 de outubro de 2019, EPSU e Goudriaan/Comissão, T‑310/18, EU:T:2019:757, n.o 38 e jurisprudência referida).

45      No caso em apreço, atendendo à conclusão de que a ZMC tem legitimidade para interpor um recurso de anulação do regulamento impugnado, não há que apurar se a Zippo GmbH e a Zippo SAS têm a legitimidade necessária para interpor recurso com base no artigo 263.o TFUE desse mesmo regulamento.

46      Por outro lado, há que salientar que as recorrentes têm interesse em agir contra o regulamento impugnado, o que, aliás, não é contestado pela Comissão.

47      A este respeito, o facto de, após a entrada em vigor do regulamento impugnado, os direitos ad valorem adicionais em causa terem sido suspensos pelo Regulamento de Execução 2021/2083, após a interposição do recurso, não interfere no interesse em agir das recorrentes à luz do objeto do recurso. Com efeito, o referido regulamento de execução não revogou nem retirou o regulamento impugnado da ordem jurídica da União, da qual continua assim a fazer parte. Além do mais, o Regulamento de Execução 2021/2083 prevê que esta suspensão deve cessar em 31 de dezembro de 2023. Ora, as recorrentes mantêm o interesse em agir também a fim de evitar que as ilegalidades imputadas se reproduzam no futuro, nomeadamente no contexto da eventual manutenção dos direitos aduaneiros adicionais em causa (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de dezembro de 2015, Parlamento/Conselho, C‑595/14, EU:C:2015:847, n.o 17 e jurisprudência referida, e de 3 de maio de 2018, Distillerie Bonollo e o./Conselho, T‑431/12, EU:T:2018:251, n.o 108 e jurisprudência referida).

48      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que declarar o recurso admissível.

 Quanto ao mérito

49      As recorrentes invocam cinco fundamentos de recurso.

50      O Tribunal Geral considera oportuno começar por analisar o quinto fundamento, relativo à violação do princípio da boa administração.

51      As recorrentes alegam que o processo de recolha de informações conduzido pela Comissão, ao qual é feita referência no considerando 10 do regulamento impugnado, não respeitou o princípio da boa administração. Desde logo, esse processo não foi transparente, uma vez que foi organizado numa parte do sítio Internet da DG «Comércio» da Comissão quase invisível e à qual era difícil ter acesso. Em seguida, ainda que a Comissão não fosse obrigada a publicar no Jornal Oficial da União Europeia a informação relativa ao referido processo, essa publicação teria sido conforme ao princípio da boa administração. Por último, esse processo não permitiu às recorrentes serem ouvidas antes da adoção do regulamento impugnado e, atendendo à gravidade das medidas previstas contra os seus interesses, o direito de serem ouvidas não foi respeitado, em violação do artigo 41.o, n.o 2, da Carta.

52      A Comissão sustenta que o processo de recolha de informações levado a cabo no âmbito da preparação do regulamento impugnado cumpriu plenamente os requisitos do artigo 9.o do Regulamento n.o 654/2014. A Comissão indica ter recebido as contribuições das partes envolvidas, confirmando assim a eficácia da comunicação em torno do referido processo. Além disso, o direito de ser ouvido não obriga a Comissão a contactar individualmente cada empresa cujas atividades económicas possam ser afetadas pelas medidas de reequilíbrio. Esse direito é devidamente protegido pela publicação em linha de um anúncio público, que permite às partes envolvidas serem informadas e manifestarem o seu interesse, incluindo solicitando informações, conselhos ou uma entrevista.

53      Em primeiro lugar, há que rejeitar a crítica das recorrentes quanto à escolha e à falta de transparência do modo de comunicação adotado pela Comissão a fim de organizar a recolha de informações prevista no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 654/2014, antes da adoção do regulamento impugnado.

54      Efetivamente, quando a Comissão pretende adotar um ato de execução com base no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 654/2014, a fim de reequilibrar designadamente as concessões nas relações comerciais com países terceiros, em conformidade com o artigo 3.o, alínea c), do referido regulamento, o artigo 9.o, n.o 1, deste regulamento prevê que esta procura obter informações e opiniões sobre os interesses económicos da União em bens ou serviços ou em setores específicos, através de um aviso publicado no Jornal Oficial da União Europeia ou de outros meios de comunicação pública adequados, indicando o prazo dentro do qual esses elementos devem ser apresentados, por um lado, e que tem em conta os contributos recebidos, por outro.

55      Ora, como reconhecem as próprias recorrentes, há que salientar que, em aplicação do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 654/2014, a Comissão não estava obrigada a informar as partes interessadas da conduta da referida recolha de informações exclusivamente através da publicação de um aviso no Jornal Oficial da União Europeia e podia igualmente assegurar a publicidade dessa recolha «através de outros meios de comunicação pública adequados».

56      No caso em apreço, resulta das peças processuais que, no que se refere ao regulamento impugnado, a publicidade da recolha de informações levada a cabo antes da sua adoção, em aplicação do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 654/2014, foi efetuada através de uma página, intitulada «Consultas», do sítio Internet da DG «Comércio». A partir da referida página, o público podia aceder às informações relativas às consultas realizadas em matéria de política comercial pelos serviços da Comissão, nomeadamente a fim de contribuir para as mesmas.

57      Além disso, atendendo a essas mesmas peças processuais, há que constatar que, antes da adoção do regulamento impugnado, a Comissão pediu informações às partes interessadas através de um formulário a completar por estas últimas e acessível nessa referida página do sítio Internet da DG «Comércio». O documento de apresentação ao qual foi anexado o referido formulário precisava designadamente o contexto da recolha de informações em questão, as medidas pretendidas pela Comissão na sequência desta e o prazo em que os interessados podiam submeter‑lhe, por mensagem de correio eletrónico, informações e opiniões, até 13 de março de 2020 ao meio‑dia, hora de Bruxelas (Bélgica). Embora seja facto assente entre as partes que as recorrentes não participaram nessa consulta, a Comissão confirmou, em contrapartida, em resposta às questões do Tribunal Geral na audiência, ter recebido contribuições da parte de seis interessados, nenhuma das quais dizia respeito, todavia, aos produtos com o código NC 9613 80 00.

58      Por conseguinte, há que considerar que, ao proceder como descrito nos n.os 56 e 57, supra, a Comissão não violou o artigo 9.o do Regulamento n.o 654/2014.

59      Em segundo lugar, no que diz respeito à alegada violação do direito de ser ouvido das recorrentes, importa recordar que todos os atos da União devem respeitar os direitos fundamentais, constituindo este respeito um requisito da sua legalidade que cabe ao juiz da União fiscalizar no âmbito do sistema completo de vias de recurso estabelecido pelo Tratado FUE (Acórdão de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão, C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 285).

60      Há que recordar igualmente que a Comissão está obrigada a respeitar os direitos fundamentais da União durante o procedimento administrativo em matéria de defesa contra as medidas de política comercial por parte de países não membros da União, entre os quais figura o direito a uma boa administração, consagrado no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Segundo a jurisprudência relativa ao princípio da boa administração, nos casos em que as instituições da União dispõem de um poder de apreciação, o respeito pelas garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos procedimentos administrativos assume uma importância ainda mais fundamental (v., neste sentido, Acórdãos de 24 de maio de 2012, JBF RAK/Conselho, T‑555/10, não publicado, EU:T:2012:262, n.o 112 e jurisprudência referida; de 25 de janeiro de 2017, Rusal Armenal/Conselho, T‑512/09 RENV, EU:T:2017:26, n.o 189 e jurisprudência referida; e de 12 de março de 2020, Eurofer/Comissão, T‑835/17, EU:T:2020:96, n.o 143).

61      Além disso, importa recordar que o artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta prevê que o direito a uma boa administração compreende o direito de qualquer pessoa de ser ouvida antes de ser tomada qualquer medida individual contra si que a afete desfavoravelmente (Acórdão de 5 de novembro de 2014, Mukarubega, C‑166/13, EU:C:2014:2336, n.o 43).

62      O direito de ser ouvido garante a qualquer pessoa a possibilidade de dar a conhecer, de maneira útil e efetiva, o seu ponto de vista no decurso do procedimento administrativo e antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar desfavoravelmente os seus interesses. Além disso, importa ainda referir que o direito de ser ouvido prossegue um duplo objetivo. Por um lado, serve para a instrução do processo e para o apuramento dos factos da forma mais precisa e correta possível e, por outro, permite assegurar a proteção efetiva do interessado. O direito de ser ouvido visa especialmente garantir que qualquer decisão lesiva seja adotada com pleno conhecimento de causa e tem, nomeadamente, por objetivo permitir à autoridade competente corrigir um erro ou à pessoa em causa invocar os elementos relativos à sua situação pessoal que militem no sentido de que a decisão seja tomada, não seja tomada ou tenha determinado conteúdo (v. Acórdão de 4 de junho de 2020, SEAE/De Loecker, C‑187/19 P, EU:C:2020:444, n.os 68 e 69 e jurisprudência referida).

63      Importa referir que o Tribunal de Justiça afirmou a importância do direito de ser ouvido e o seu alcance muito lato na ordem jurídica da União, ao considerar que este direito deve ser aplicado a qualquer processo que possa resultar num ato lesivo. Em conformidade com a jurisprudência do Tribunal de Justiça, o respeito pelo direito de ser ouvido impõe‑se mesmo quando a regulamentação aplicável não preveja expressamente tal formalidade [v. Acórdão de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 326 e jurisprudência referida].

64      Deste modo, atendendo ao seu caráter de princípio fundamental e geral de direito da União, a aplicação do princípio dos direitos de defesa, incluindo o direito de ser ouvido, não pode ser excluída nem restringida por uma disposição regulamentar e o seu respeito deve, portanto, estar assegurado tanto quando seja total a inexistência de uma regulamentação específica como na presença de uma regulamentação que não tenha, por si própria, esse princípio em conta [v. Acórdão de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 327 e jurisprudência referida].

65      Com efeito, o âmbito de aplicação do direito de ser ouvido, enquanto princípio e direito fundamental da ordem jurídica da União, abre‑se quando a Administração prevê adotar um ato lesivo, isto é, um ato suscetível de afetar de maneira desfavorável os interesses do particular ou do Estado‑Membro em causa, uma vez que a sua aplicação não depende da existência de uma norma expressa para o efeito prevista no direito secundário (Acórdão de 18 de junho de 2014, Espanha/Comissão, T‑260/11, EU:T:2014:555, n.o 64).

66      A este respeito, por um lado, há que referir que nenhuma disposição do Regulamento n.o 654/2014 exclui nem restringe expressamente o direito de ser ouvido das empresas cujos produtos estão sujeitos a medidas de reequilíbrio previstas num ato de execução adotado pela Comissão, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, do referido regulamento.

67      Além disso, o artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 654/2014, porquanto prevê a obrigação de a Comissão obter informações e opiniões sobre os interesses económicos da União em bens, serviços ou setores específicos, não constitui uma execução do direito de ser ouvido das referidas empresas. Com efeito, os interesses particulares destas não se confundem com os interesses económicos da União, em especial quando se trata de uma empresa de um Estado terceiro. É certo que, quando uma empresa tenha participado nessa recolha de informações, não pode deixar de se considerar que, devido às informações ou opiniões que tenha submetido, alega útil e efetivamente os seus interesses ou elementos relativos à sua situação pessoal. No entanto, quando uma empresa cujos interesses sejam suscetíveis de ser afetados de maneira desfavorável pelas medidas previstas num ato de execução adotado pela Comissão, nos termos do artigo 4.o, n.o 1, do referido regulamento, não tenha participado em tal recolha de informações, não se pode considerar que o seu direito de ser ouvido, garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, não foi violado pelo simples facto de a Comissão ter cumprido a sua obrigação de organizar a referida recolha, em aplicação do artigo 9.o, n.o 1, deste regulamento.

68      Por outro lado, há que ter em conta o facto de as medidas previstas no regulamento impugnado terem por objeto, com base no artigo 3.o, alínea c), e no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 654/2014, o reequilíbrio das concessões nas relações comerciais com os Estados Unidos da América, sob a forma de medidas de política comercial que consistem na suspensão de concessões pautais e na instituição de direitos aduaneiros adicionais, nomeadamente no que diz respeito aos produtos com o código NC 9613 80 00.

69      Assim, os produtores dos produtos abrangidos pelos referidos direitos aduaneiros mais elevados e exportados a partir desse Estado terceiro para a União não são destinatários das medidas de reequilíbrio em questão que se inscrevem, em princípio, no âmbito das relações comerciais entre a União e esse mesmo Estado terceiro.

70      Contudo, há que salientar que, com base no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 654/2014, a Comissão pode exercer o direito de reequilíbrio sob a forma de medidas de política comercial substancialmente equivalentes a nível das concessões afetadas pelas medidas de salvaguarda adotadas pelo Estado terceiro em causa, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 2, alínea c), do referido regulamento.

71      Ora, no caso em apreço, como resulta do considerando 7 do regulamento impugnado, a Comissão considerou que as medidas de salvaguarda adotadas pelos Estados Unidos eram suscetíveis de ter um impacto económico negativo considerável sobre as indústrias da União em causa. Nestas circunstâncias, conforme exposto no n.o 40, supra, há que considerar que, de maneira semelhante às medidas de salvaguarda instituídas pelos Estados Unidos da América, segundo o regulamento impugnado, as medidas de reequilíbrio instituídas por este último destinam‑se, através da aplicação de direitos aduaneiros adicionais e proporcionais aos efeitos das referidas medidas de salvaguarda, a produzir repercussões económicas negativas sobre a atividade das empresas dos Estados Unidos que exportam para a União produtos a que essas medidas se aplicam.

72      Assim, uma medida de reequilíbrio prevista num ato de execução adotado com base no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 654/2014, mesmo que não seja tomada na sequência de um processo individual contra empresas exportadoras dos produtos abrangidos pela mesma, pode constituir uma medida suscetível de afetar de maneira desfavorável os interesses das referidas empresas.

73      Ora, a jurisprudência do Tribunal de Justiça, acima referida no n.o 63, adotou uma interpretação ampla do direito de ser ouvido no sentido de este estar garantido a qualquer pessoa durante o processo suscetível de culminar num ato lesivo. Consequentemente, não se pode excluir que as empresas exportadoras dos produtos abrangidos pelas medidas de reequilíbrio previstas no regulamento impugnado com base no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 654/2014, designadamente sob a forma de direitos aduaneiros adicionais, possam invocar o direito de ser ouvido, garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta, no âmbito do processo de adoção das referidas medidas.

74      Na sua contestação e na audiência, a Comissão alegou que o processo de adoção de um ato de execução, com base no artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 654/2014, não prevê a identificação dos produtores ou exportadores cujos produtos podem ser objeto de medidas de reequilíbrio. No entanto, nos termos do artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta e à luz da jurisprudência recordada nos n.os 62 e 63, supra, quando a conduta do processo de adoção do referido ato leva a Comissão a identificar uma pessoa singular ou coletiva cujos interesses podem ser afetados de maneira desfavorável pelas medidas previstas nesse mesmo ato, há que considerar que essa pessoa deve poder alegar os elementos relativos à sua situação pessoal que militam a favor de o ato em questão ser adotado, não ser adotado ou ter determinado conteúdo.

75      No presente processo, na audiência, em resposta às questões do Tribunal Geral, a Comissão confirmou que sabia, durante o processo de adoção do regulamento impugnado, não apenas que os produtos das recorrentes figuravam entre os produtos aos quais os direitos aduaneiros adicionais em causa se deviam aplicar, mas também que os referidos direitos lhes diziam respeito em grande parte.

76      Além disso, há que referir que a identificação dos produtos da marca Zippo durante o processo de adoção do regulamento impugnado não resulta do exercício de recolha de informações realizado pela Comissão, nos termos do artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 654/2014. Com efeito, como indicado no n.o 57, supra, a Comissão especificou, na audiência, que não tinha recebido contribuições relativamente aos produtos com o código NC 9613 80 00. Por conseguinte, há que considerar que a Comissão, por iniciativa própria, identificou os produtos das recorrentes como sendo objeto das medidas de reequilíbrio pretendidas através do regulamento impugnado.

77      Decorre do exposto que, nas circunstâncias do presente processo, as recorrentes tinham o direito de ser ouvidas durante o processo de adoção do regulamento impugnado.

78      No entanto, o exercício do direito de ser ouvido pode estar sujeito a restrições, em conformidade com o artigo 52.o, n.o 1, da Carta, segundo o qual:

«Qualquer restrição ao exercício dos direitos e liberdades reconhecidos pela presente Carta deve ser prevista por lei e respeitar o conteúdo essencial desses direitos e liberdades. Na observância do princípio da proporcionalidade, essas restrições só podem ser introduzidas se forem necessárias e corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral reconhecidos pela União, ou à necessidade de proteção dos direitos e liberdades de terceiros».

79      Com efeito, é jurisprudência constante que os direitos fundamentais, como o respeito pelos direitos de defesa, não constituem prerrogativas absolutas, mas podem comportar restrições, desde que estas correspondam efetivamente a objetivos de interesse geral prosseguidos pela medida em causa e não constituam, à luz da finalidade prosseguida, uma intervenção desmedida e intolerável que atente contra a própria substância dos direitos assim garantidos [v. Acórdãos de 15 de julho de 2021, Comissão/Polónia (Regime disciplinar dos juízes), C‑791/19, EU:C:2021:596, n.o 207 e jurisprudência referida, e de 1 de junho de 2022, Algebris (UK) e Anchorage Capital Group/Comissão, T‑570/17, EU:T:2022:314, n.o 337 e jurisprudência referida].

80      No caso em apreço, a Comissão, ao contestar a própria existência do direito das recorrentes de serem ouvidas, não sustenta que considerações feitas sobre a prossecução de objetivos de interesse geral justifiquem restringir o referido direito nas circunstâncias do presente processo. Em contrapartida, alega, em substância, que todo o processo de adoção do regulamento impugnado estava sujeito aos prazos resultantes das disposições do artigo 8.o, n.o 2, do Acordo da OMC sobre as medidas de salvaguarda e que a recolha de informações devia necessariamente inscrever‑se nesse âmbito. Ao fazê‑lo, há que entender que a Comissão alega que, no contexto do procedimento previsto nessas disposições, não dispôs materialmente do tempo necessário para ouvir as recorrentes durante o processo de adoção do regulamento impugnado, tendo em conta o tempo dedicado às diversas fases do referido processo, nomeadamente a recolha de informações prevista no artigo 9.o, n.o 1, do Regulamento n.o 654/2014, e os prazos impostos pelas disposições aplicáveis do Acordo da OMC sobre as medidas de salvaguarda. Na audiência, também alegou que as medidas de reequilíbrio em causa deviam ser adotadas em 1 de abril de 2020, a fim de respeitar as disposições do Acordo da OMC sobre as medidas de salvaguarda, e que uma recolha de informações de uma semana no mês de março de 2020 era o máximo que podia fazer.

81      A este respeito, como a Comissão alega, há que salientar que o processo de adoção do regulamento impugnado se devia inscrever nos prazos decorrentes das disposições do artigo 8.o, n.o 2, do Acordo da OMC sobre as medidas de salvaguarda, que preveem nomeadamente que a suspensão das concessões no comércio do Estado terceiro que tenha adotado medidas de salvaguarda deve ocorrer no prazo de 90 dias a contar da aplicação dessas medidas e no termo do prazo de 30 dias a contar do prazo em que o Conselho do Comércio de Mercadorias da OMC tenha recebido um aviso escrito informando sobre essa suspensão. Deste modo, em conformidade com estas disposições, tendo em conta o facto de as medidas adotadas pelos Estados Unidos da América, às quais corresponde o regulamento impugnado, terem começado a produzir efeitos em 8 de fevereiro de 2020, as próprias medidas de reequilíbrio adotadas pela Comissão deviam produzir efeitos no prazo de 90 dias, ou seja, até 8 de maio de 2020. Além disso, pelo menos 30 dias antes dessa data, a Comissão devia ter avisado o Conselho do Comércio de Mercadorias da OMC, ou seja, até 7 de abril de 2020.

82      Ora, há que observar que, para cumprir esses prazos, o regulamento impugnado foi adotado em 6 de abril de 2020.

83      Por outro lado, como resulta dos n.os 75 e 76, supra, a Comissão identificou por iniciativa própria os produtos da marca Zippo como abrangidos pelas medidas de reequilíbrio previstas no regulamento impugnado, então em processo de adoção.

84      Nestas circunstâncias, cabia à Comissão, por um lado, certificar‑se do cumprimento dos prazos decorrentes das disposições do artigo 8.o, n.o 2, do Acordo da OMC sobre as medidas de salvaguarda e, por outro, ouvir as recorrentes, que dispunham do direito de serem ouvidas durante o processo de adoção do regulamento impugnado, como foi concluído acima no n.o 77.

85      Ora, no presente processo, a Comissão limita‑se a arguir a existência das referidas disposições, sem contudo indicar em que medida o cumprimento dos prazos daí decorrente a impede de ouvir as recorrentes. A este respeito, primeiro, há que ter em conta o facto de a Comissão ter conhecimento dos referidos prazos e da data em que o regulamento impugnado devia ser adotado. Segundo, a escolha da Comissão de responder, por medidas de reequilíbrio adotadas ao abrigo do Regulamento n.o 654/2014, às medidas de salvaguarda adotadas pelos Estados Unidos foi formalizada em 6 de março de 2020 pelo pedido de consulta apresentado à OMC nos termos do Acordo da OMC sobre as medidas de salvaguarda, como resulta da nota de rodapé referida no considerando 4 do regulamento impugnado. Terceiro, embora a Comissão tenha declarado, na audiência, que uma recolha de informações, nos termos do artigo 9.o do Regulamento n.o 654/2014, «de uma semana no mês de março [de 2020] era o máximo [que podia] fazer», não explicou em que medida o facto de ouvir as recorrentes, ao abrigo do direito de ser ouvido, teria exigido mais tempo nem por que razão a recolha das suas observações não podia ser realizada paralela ou posteriormente à referida recolha, no período compreendido entre 6 de março de 2020, data do pedido de consulta apresentado à OMC, e 1 de abril de 2020, data na qual a Comissão indicou que as medidas de reequilíbrio em causa deviam ser adotadas. Quarto, como indicado no n.o 57, supra, a Comissão recolheu apenas seis contribuições da parte dos interessados aquando da referida recolha e há que observar que não adianta nenhum argumento para explicar em que medida o tratamento das observações das recorrentes, acrescentado ao dessas seis contribuições recolhidas de 6 a 13 de março de 2020, a teria impedido de adotar o regulamento impugnado cumprindo os prazos decorrentes das disposições do Acordo da OMC sobre as medidas de salvaguarda, assegurando às recorrentes o direito de serem ouvidas em conformidade com o artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta.

86      Deste modo, não tendo a Comissão feito prova da impossibilidade de ouvir utilmente as recorrentes durante o processo de adoção do regulamento impugnado, embora tenha reconhecido que as tinha identificado por iniciativa própria nesse âmbito, há que considerar que a Comissão dispunha do tempo necessário para permitir às recorrentes exercerem o direito de serem ouvidas.

87      É certo que a pretensa violação do princípio da boa administração só poderia levar à anulação do regulamento em causa se essa irregularidade pudesse ter um efeito no resultado do processo, afetando assim concretamente os direitos de defesa da recorrente (v., neste sentido, Acórdão de 20 de maio de 2015, Yuanping Changyuan Chemicals/Conselho, T‑310/12, não publicado, EU:T:2015:295, n.os 224 e 225 e jurisprudência referida). Neste caso, todavia, não se pode impor à recorrente que demonstre que a decisão da Comissão teria tido um conteúdo diferente, mas apenas que tal hipótese não está inteiramente excluída, dado que poderia ter garantido melhor a sua defesa se a irregularidade processual não tivesse existido (v. Acórdão de 20 de maio de 2015, Yuanping Changyuan Chemicals/Conselho, T‑310/12, não publicado, EU:T:2015:295, n.o 214 e jurisprudência referida).

88      A este respeito, na petição, as recorrentes alegam nomeadamente que, no momento da adoção do regulamento impugnado, as medidas de reequilíbrio previstas para os seus produtos constituíam a forma mais rigorosa das medidas de reequilíbrio pretendidas, tanto a nível da sua dimensão como do seu montante, em relação às que diziam respeito a outras indústrias dos Estados Unidos. Também referem a natureza especialmente grave de uma medida que visa uma única empresa e faz recair sobre ela todas as consequências das medidas de reequilíbrio em causa ou ainda o facto de os seus produtos não terem ligação com os produtos visados pelas medidas de salvaguarda adotadas pelos Estados Unidos da América, pelo que as medidas tomadas pela Comissão não são assim suscetíveis de compensar os efeitos das referidas medidas de salvaguarda. As recorrentes sustentam também que, ao visá‑las especificamente, a Comissão adotou uma medida discriminatória, embora tivesse a possibilidade de escolher outros produtos que teriam afetado várias empresas e repartir as medidas de reequilíbrio em causa de forma mais equitativa.

89      No caso em apreço, há que considerar que se as recorrentes tivessem podido exercer o direito de serem ouvidas durante o processo de adoção do regulamento impugnado, teriam nomeadamente podido invocar os argumentos recordados acima no n.o 88.

90      Ora, visto que a ZMC é o único produtor‑exportador dos produtos em causa, pelos motivos expostos no n.o 29, supra, não se pode excluir que o regulamento impugnado teria tido um conteúdo diferente se as recorrentes tivessem sido ouvidas pela Comissão antes da adoção do mesmo.

91      Por conseguinte, resulta das considerações precedentes que a Comissão não respeitou o direito das recorrentes de serem ouvidas durante o processo de adoção do regulamento impugnado nem, consequentemente, o princípio da boa administração, e que esta violação pode ter tido impacto no resultado do processo.

92      Nestas circunstâncias, há que julgar procedente o quinto fundamento e, deste modo, anular o regulamento impugnado na parte em que visa os produtos com o código NC 9613 80 00, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos de recurso nem pronunciar-se sobre a admissibilidade dos elementos de prova apresentados pelas recorrentes por carta de 10 de janeiro de 2023.

 Quanto às despesas

93      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido das recorrentes.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      É anulado o Regulamento de Execução (UE) 2020/502 da Comissão, de 6 de abril de 2020, relativo a certas medidas de política comercial respeitantes a determinados produtos originários dos Estados Unidos da América, na parte em que visa os produtos com o código NC 9613 80 00.

2)      A Comissão Europeia é condenada nas despesas.

De Baere

Steinfatt

Kecsmár

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 18 de outubro de 2023.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.