Language of document : ECLI:EU:T:2019:757

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

24 de outubro de 2019 (*)

«Política social — Diálogo entre parceiros sociais a nível da União — Acordo intitulado “Quadro geral para a informação e consulta dos funcionários e agentes das administrações dos governos centrais” — Pedido conjunto das partes signatárias de aplicação desse acordo a nível da União — Recusa da Comissão em submeter uma proposta de decisão ao Conselho — Recurso de anulação — Ato suscetível de recurso — Admissibilidade — Margem de apreciação da Comissão — Autonomia dos parceiros sociais — Princípio da subsidiariedade — Proporcionalidade»

No processo T‑310/18,

European Federation of Public Service Unions (EPSU), com sede em Bruxelas (Bélgica),

Jan Goudriaan, residente em Bruxelas,

representados por R. Arthur, solicitor, R. Palmer e K. Apps, barristers,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por I. Martínez del Peral, M. van Beek e M. Kellerbauer, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido, apresentado ao abrigo do artigo 263.o TFUE, de anulação da Decisão da Comissão de 5 de março de 2018, que recusa apresentar ao Conselho da União Europeia uma proposta de decisão de aplicação do Acordo intitulado «Quadro geral para a informação e consulta dos funcionários e agentes das administrações dos governos centrais», assinado pela Delegação Sindical da Administração Nacional e Europeia (DSANE) e pelos Empregadores da Administração Pública Europeia (EAPE), em 21 de dezembro de 2015,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada),

composto, na deliberação, por: S. Gervasoni, presidente, L. Madise, R. da Silva Passos, K. Kowalik‑Bańczyk (relatora) e C. Mac Eochaidh, juízes,

secretário: P. Cullen, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 23 de maio de 2019,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Através do documento de consulta C(2015) 2303 final, de 10 de abril de 2015, a Comissão Europeia convidou os parceiros sociais, com base no artigo 154.o, n.o 2, TFUE, a pronunciarem‑se sobre a possível orientação de uma ação da União Europeia para consolidação das diretivas sobre a informação e a consulta dos trabalhadores. Essa consulta incidia, nomeadamente, sobre a eventual extensão do âmbito de aplicação dessas diretivas aos funcionários e agentes das Administrações Públicas dos Estados‑Membros.

2        Em 2 de junho de 2015, os parceiros sociais com assento no comité de diálogo social para as administrações dos governos centrais, a saber, por um lado, a Delegação Sindical da Administração Nacional e Europeia (DSANE) e, por outro, os Empregadores da Administração Pública Europeia (EAPE), informaram, com base no artigo 154.o, n.o 4, TFUE, a Comissão do seu desejo de negociar e celebrar um acordo com base no artigo 155.o, n.o 1, TFUE.

3        Em 21 de dezembro de 2015, a DSANE e os EAPE assinaram um Acordo intitulado «Quadro geral para a informação e consulta dos funcionários e agentes das administrações dos governos centrais» (a seguir «Acordo»).

4        Por carta de 1 de fevereiro de 2016, a DSANE e os EAPE pediram em conjunto à Comissão que apresentasse uma proposta para a aplicação do Acordo a nível da União através de decisão do Conselho da União Europeia adotada com base no artigo 155.o, n.o 2, TFUE.

5        Em 5 de março de 2018, a Comissão informou a DSANE e os EAPE de que tinha decidido recusar apresentar ao Conselho uma proposta de decisão de aplicação do Acordo a nível da União (a seguir «decisão impugnada»).

6        Na decisão impugnada, a Comissão declarou, em substância, em primeiro lugar, que as administrações dos governos centrais estavam sob a autoridade dos governos dos Estados‑Membros, que exerciam prerrogativas de poder público e que a sua estrutura, organização e funcionamento eram inteiramente da competência dos Estados‑Membros. Em segundo lugar, a Comissão observou que já existiam em muitos Estados‑Membros disposições que asseguravam um certo grau de informação e de consulta dos funcionários e agentes dessas administrações. Em terceiro lugar, a Comissão observou que a importância dessas administrações dependia do grau de centralização ou descentralização dos Estados‑Membros, de modo que, se o acordo fosse aplicado através de uma decisão do Conselho, o nível de proteção dos funcionários e agentes das Administrações Públicas variaria consideravelmente entre os Estados‑Membros.

 Tramitação processual e pedidos das partes

7        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de maio de 2018, os recorrentes, a saber, por um lado, a European Federation of Public Service Unions (EPSU), uma associação de organizações sindicais europeias representativas dos trabalhadores da função pública, que criou a DSANE juntamente com a Confederação Europeia dos Sindicatos independentes (CESI), e, por outro, Jan Goudriaan, secretário‑geral da EPSU, interpuseram o presente recurso.

8        A Comissão apresentou a contestação em 26 de julho de 2018.

9        Os recorrentes apresentaram a réplica em 19 de setembro de 2018.

10      Por requerimento separado, apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 11 de outubro de 2018, os recorrentes apresentaram um pedido de tratamento confidencial junto do público de certos dados constantes dos anexos da petição.

11      A Comissão apresentou a tréplica em 14 de novembro de 2018.

12      Por Despacho de 13 de dezembro de 2018, EPSU e Willem Goudriaan/Comissão (T‑310/18, não publicado, EU:T:2018:1018), o presidente da Nona Secção do Tribunal Geral indeferiu um pedido de intervenção em apoio dos pedidos dos recorrentes apresentado pela European Transport Workers’ Federation (ETF).

13      Por medida de organização do processo, adotada ao abrigo do artigo 89.o, n.o 3, alíneas a) e b), do seu Regulamento de Processo, o Tribunal Geral colocou perguntas escritas às partes, para resposta na audiência.

14      Na audiência de 23 de maio de 2019, foram ouvidas as alegações das partes e suas respostas às perguntas colocadas pelo Tribunal Geral. No final da audiência, o presidente da Nona Secção alargada do Tribunal Geral decidiu não encerrar a fase oral do processo.

15      Por medida de organização do processo, adotada ao abrigo do artigo 89.o, n.o 3, alínea b), do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral convidou os recorrentes a comentarem por escrito um argumento desenvolvido pela Comissão na audiência. Os recorrentes responderam a esse pedido no prazo fixado.

16      A fase oral do processo foi encerrada por decisão do presidente da Nona Secção alargada do Tribunal Geral de 24 de junho de 2019.

17      Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

18      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível na parte em que é interposto por J. Goudriaan;

–        negar provimento ao recurso na íntegra;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

 Quanto à existência de um ato recorrível

19      A título preliminar, importa recordar que decorre do artigo 263.o, primeiro parágrafo, TFUE que o juiz da União fiscaliza a legalidade dos atos das instituições «destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros».

20      Daqui resulta que pode ser interposto recurso de anulação de todas as medidas ou disposições adotadas pelas instituições, quaisquer que sejam a sua natureza ou forma, que se destinem a produzir efeitos jurídicos (Acórdãos de 31 de março de 1971, Comissão/Conselho, 22/70, EU:C:1971:32, n.os 39 e 42, e de 23 de abril de 1986, Os Verdes/Parlamento, 294/83, EU:C:1986:166, n.o 24).

21      No caso em apreço, há que examinar, primeiro, se a decisão impugnada pode ser qualificada de ato preparatório e, segundo, se a existência de uma ampla margem de apreciação da Comissão é suscetível de ter incidência na admissibilidade do recurso.

–       Eventual qualificação de ato preparatório

22      Segundo jurisprudência constante, constituem, em princípio, atos recorríveis apenas as medidas que fixam definitivamente a posição de uma instituição no termo de um procedimento administrativo e que visam produzir efeitos jurídicos vinculativos, com exclusão nomeadamente das medidas intermédias cujo objetivo é preparar a decisão final, que não produzem tais efeitos (Acórdãos de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 10, e de 17 de julho de 2008, Athinaïki Techniki/Comissão, C‑521/06 P, EU:C:2008:422, n.o 42).

23      Só assim não será se os atos ou as decisões tomados no decurso do procedimento preparatório, por um lado, constituírem eles próprios o termo final de um procedimento especial distinto do procedimento principal e, por outro, produzirem eles próprios efeitos jurídicos vinculativos (v., neste sentido, Acórdão de 11 de novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, EU:C:1981:264, n.o 11).

24      A referência ao conceito de proposta constitui uma indicação clara de que o conteúdo de um ato não se destina a produzir efeitos jurídicos e, portanto, de que esse ato não constitui um ato recorrível (v., neste sentido, Acórdão de 1 de dezembro de 2005, Itália/Comissão, C‑301/03, EU:C:2005:727, n.os 22 e 33). É o caso, nomeadamente, da proposta apresentada pela Comissão no quadro de um procedimento que decorre em várias fases, na medida em que essa proposta constitui um ato intermédio que não produz efeitos jurídicos vinculativos (v., neste sentido, Despacho de 15 de maio de 1997, Berthu/Comissão, T‑175/96, EU:T:1997:72, n.os 21 e 22).

25      Por outro lado, quando seja negativa, a decisão deve ser apreciada em função da natureza do pedido de que é resposta (Acórdãos de 8 de março de 1972, Nordgetreide/Comissão, 42/71, EU:C:1972:16, n.o 5, e de 24 de novembro de 1992, Buckl e o./Comissão, C‑15/91 e C‑108/91, EU:C:1992:454, n.o 22). Daqui resulta que a recusa é um ato suscetível de recurso de anulação na aceção do artigo 263.o TFUE, desde que o ato que a instituição recuse adotar puder ser impugnado nos termos dessa disposição (v. Acórdão de 22 de outubro de 1996, Salt Union/Comissão, T‑330/94, EU:T:1996:154, n.o 32 e jurisprudência referida).

26      Daqui resulta que o recurso de anulação de uma recusa de proposta é, em princípio, inadmissível, à semelhança do recurso de anulação de uma proposta (v., neste sentido, Despacho de 13 de março de 2007, Arizona Chemical e o./Comissão, C‑150/06 P, não publicado, EU:C:2007:164, n.os 23 e 24).

27      No entanto, em certos casos, quando um diploma estabelece um procedimento prévio que permite a determinadas pessoas pedir à Comissão que apresente uma proposta de ato, a recusa da Comissão em submeter essa proposta constitui um ato impugnável. Com efeito, essa recusa, por um lado, põe termo ao procedimento prévio iniciado com base no referido diploma e, por outro, exclui a abertura do procedimento de adoção do ato propriamente dito. Tal recusa expressa a posição definitiva da Comissão e produz efeitos jurídicos vinculativos, pelo que pode ser objeto de recurso de anulação (v., neste sentido, Acórdão de 25 de junho de 1998, Lilly Industries/Comissão, T‑120/96, EU:T:1998:141, n.os 53, 55, 56 e 58, e de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, pendente de recurso, EU:T:2018:210, n.os 66, 77 e 101).

28      Ora, resulta dos próprios termos do artigo 155.o TFUE, reproduzidos no n.o 49, infra, que esta disposição autoriza os parceiros sociais a negociarem um acordo a nível da União para, em seguida, pedirem em conjunto à Comissão que submeta uma proposta de aplicação desse acordo através de decisão do Conselho. Nestas condições, a decisão pela qual a Comissão recusa apresentar uma proposta com base no artigo 155.o, n.o 2, TFUE não constitui um ato meramente preliminar ou preparatório, mas, pelo contrário, uma tomada de posição definitiva da Comissão, que tem por efeito, por um lado, pôr termo a um procedimento prévio previsto a favor dos parceiros sociais e, por outro, não dar início ao procedimento de adoção de um ato propriamente dito. Consequentemente, tal decisão produz efeitos jurídicos vinculativos.

29      Daqui resulta que a decisão impugnada não constitui um ato preparatório.

–       Eventual incidência da existência de uma ampla margem de apreciação

30      É verdade que, em certos casos, a existência de uma ampla margem de apreciação conduz à inadmissibilidade do recurso de anulação. É o que acontece quando é interposto recurso da decisão da Comissão de não dar início a um processo por incumprimento, uma vez que a Comissão dispõe de um poder de apreciação totalmente discricionário a este respeito (Acórdãos de 17 de maio de 1990, Sonito e o./Comissão, C‑87/89, EU:C:1990:213, n.o 6, e de 20 de fevereiro de 1997, Bundesverband der Bilanzbuchhalter/Comissão, C‑107/95 P, EU:C:1997:71, n.os 10, 11 e 19). O mesmo sucede com o recurso de anulação da decisão do Parlamento Europeu sobre o seguimento a dar a uma petição que preenche as condições previstas no artigo 227.o TFUE, uma vez que o Parlamento dispõe de um amplo poder de apreciação de natureza política a este respeito (Acórdão de 9 de dezembro de 2014, Schönberger/Parlamento, C‑261/13 P, EU:C:2014:2423, n.o 24).

31      No entanto, os casos mencionados no n.o 30, supra, são excecionais e muito específicos.

32      Com efeito, a existência de um amplo poder de apreciação reconhecido a uma instituição tem, em princípio, como única consequência a limitação do alcance e da intensidade da fiscalização exercida pelo juiz da União (v. n.o 110, infra).

33      Em especial, quando o poder de iniciativa da Comissão está em causa, que consiste em propor atos da União, a ampla margem de apreciação atribuída a esta instituição não basta para obstar à admissibilidade do recurso de anulação. Assim, o Tribunal de Justiça declarou que a decisão da Comissão de revogação de uma proposta de ato legislativo constituía um ato suscetível de recurso de anulação e, portanto, de fiscalização jurisdicional (v., neste sentido, Acórdão de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão, C‑409/13, EU:C:2015:217, n.os 76 a 78). O mesmo é válido para a decisão pela qual a Comissão recusa apresentar uma proposta de ato jurídico na sequência de uma iniciativa de cidadania europeia (v., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, pendente de recurso, EU:T:2018:210, n.os 88 a 101, 169 e 170).

34      Ora, a decisão pela qual a Comissão se recusa a apresentar uma proposta de aplicação, a nível da União, de um acordo celebrado pelos parceiros sociais está ligada ao exercício do seu poder de iniciativa (v. n.o 73, infra).

35      Daqui resulta que, mesmo que, na fase da apreciação do mérito do recurso, se considerasse que a Comissão dispunha de um amplo poder de apreciação no caso em apreço, esta circunstância não obstaria à admissibilidade do presente recurso.

36      Consequentemente, a decisão impugnada constitui um ato recorrível.

 Quanto à legitimidade ativa dos recorrentes

37      A Comissão alega que o recurso é inadmissível na parte em que é interposto por J. Goudriaan, uma vez que este não tem legitimidade ativa.

38      Deve recordar‑se que, no caso de uma petição ser apresentada por vários recorrentes, a mesma é admissível se um dos recorrentes tiver legitimidade. Num caso como esse, não há que apreciar a legitimidade dos outros recorrentes (v. Acórdão de 18 de outubro de 2018, ArcelorMittal Tubular Products Ostrava e o./Comissão, T‑364/16, EU:T:2018:696, n.o 47 e jurisprudência referida).

39      Ora, no caso em apreço, a Comissão não contesta a legitimidade da EPSU. A este respeito, é pacífico que a destinatária da decisão impugnada é nomeadamente a DSANE, que não tem personalidade jurídica nem autonomia, estando os resultados do diálogo social em que participa sujeitos à aprovação dos órgãos de decisão da EPSU e da CESI. Nestas condições, deve considerar‑se que estes últimos são os destinatários da decisão impugnada no que respeita às organizações representativas dos trabalhadores (v., neste sentido, Acórdãos de 19 de março de 2010, Evropaïki Dynamiki/Comissão, T‑50/05, EU:T:2010:101, n.o 40, e de 22 de maio de 2012, Sviluppo Globale/Comissão, T‑6/10, não publicado, EU:T:2012:245, n.o 19). Daqui resulta que a EPSU tem legitimidade com base no artigo 263.o, quarto parágrafo, primeiro membro de frase, TFUE.

40      Nestas condições, e tendo em conta a jurisprudência mencionada no n.o 38, supra, não há que examinar o fundamento de inadmissibilidade relativo ao facto de J. Goudriaan não ter legitimidade.

 Quanto à admissibilidade do anexo C.3

41      A Comissão alega que o anexo C.3 da réplica, que contém o parecer jurídico de um professor de direito, é inadmissível por força do princípio iura novit curia. Com efeito, os anexos têm uma função meramente probatória e instrumental, não podendo consistir em pareceres jurídicos relativos à interpretação do direito da União.

42      A este respeito, cabe recordar que o princípio iura novit curia não significa que os anexos da petição relativos à interpretação do direito da União sejam, em princípio, inadmissíveis (Acórdão de 12 de dezembro de 2018, Servier e o./Comissão, T‑691/14, pendente de recurso, EU:T:2018:922, n.o 102).

43      Com efeito, o corpo de uma petição pode ser apoiado e complementado, em pontos específicos, por remissões para passagens de documentos a ela anexos, desde que os elementos essenciais da argumentação jurídica figurem na própria petição (v. Acórdão de 13 de dezembro de 2006, FNCBV e o./Comissão, T‑217/03 e T‑245/03, EU:T:2006:391, n.o 79 e jurisprudência referida).

44      No presente processo, os recorrentes desenvolveram suficientemente, na petição e posteriormente na réplica, a tese relativa à interpretação do artigo 155.o, n.o 2, TFUE. Daqui resulta que o parecer jurídico junto ao anexo C.3 da réplica serve apenas para apoiar e complementar essa tese. Assim, esse anexo é admissível.

 Quanto ao mérito

45      Os recorrentes invocam dois fundamentos de recurso relativos, o primeiro, a um erro de direito sobre o alcance dos poderes da Comissão e, o segundo, à insuficiência e incorreção manifesta da fundamentação da decisão impugnada.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de direito sobre o alcance dos poderes da Comissão

46      Os recorrentes sustentam, em substância, que a Comissão cometeu um erro de direito ao fazer uso de um poder de recusa de que não dispunha no âmbito do artigo 155.o, n.o 2, TFUE. Alegam que, a não ser que se verifique uma representatividade insuficiente das partes signatárias de um acordo ou a ilegalidade das cláusulas do mesmo, a Comissão é obrigada a deferir o pedido conjunto das partes signatárias de aplicação do referido acordo a nível da União e a submeter, para o efeito, uma proposta de decisão ao Conselho. Ora, no caso em apreço, a Comissão recusou‑se a deferir o pedido conjunto das partes signatárias do Acordo, baseando‑se noutros fundamentos relacionados com a desadequação dessa ação.

47      A Comissão contesta a argumentação dos recorrentes. Em especial, alega que lhe incumbe decidir sozinha da oportunidade de fazer uso do seu poder de iniciativa, incluindo no âmbito do artigo 155.o, n.o 2, TFUE.

48      Há que interpretar o artigo 155.o, n.o 2, TFUE tendo em conta não apenas os termos dessa disposição mas também o seu contexto e os seus objetivos (v., neste sentido, Acórdãos de 17 de novembro de 1983, Merck, 292/82, EU:C:1983:335, n.o 12, e de 10 de março de 2005, easyCar, C‑336/03, EU:C:2005:150, n.o 21).

–       Interpretação literal

49      O artigo 155.o TFUE prevê o seguinte:

«1. O diálogo entre os parceiros sociais ao nível da União pode conduzir, se estes o entenderem desejável, a relações contratuais, incluindo acordos.

2. Os acordos celebrados ao nível da União serão aplicados, quer de acordo com os processos e práticas próprios dos parceiros sociais e dos Estados‑Membros quer, nas matérias abrangidas pelo artigo 153.o [TFUE], a pedido conjunto das partes signatárias, com base em decisão adotada pelo Conselho, sob proposta da Comissão. O Parlamento […] é informado dessa adoção.

[…]»

50      Assim, resulta do artigo 155.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE que um acordo celebrado a nível da União pelos parceiros sociais pode ser aplicado de duas maneiras diferentes, a saber, quer de acordo com os processos e práticas próprios dos parceiros sociais e dos Estados‑Membros, quer, nas matérias abrangidas pelo artigo 153.o TFUE, a nível da União, de acordo com um procedimento específico conducente à adoção de um ato da União (v., por analogia, Acórdão de 17 de junho de 1998, UEAPME/Conselho, T‑135/96, EU:T:1998:128, n.o 73).

51      No que respeita, mais especificamente, ao procedimento que permite a aplicação de um acordo a nível da União, o artigo 155.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE limita‑se a indicar que essa aplicação assume a forma de uma decisão do Conselho, adotada sob pedido conjunto das partes signatárias e sob proposta da Comissão e que o Parlamento é informado.

52      Há que constatar que o artigo 155.o, n.o 2, TFUE não especifica expressamente se, quando lhe é submetido um pedido conjunto das partes signatárias de aplicação de um acordo a nível da União, a Comissão é obrigada a submeter ao Conselho uma proposta de decisão nesse sentido ou se, pelo contrário, pode recusar‑se a apresentar ao Conselho essa proposta.

53      Todavia, os recorrentes sustentam que os termos «shall be implemented» e «intervient» utilizados, respetivamente, nas versões inglesa e francesa do artigo 155.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE impõem à Comissão uma obrigação de agir. Referem‑se igualmente à génese dessa disposição e argumentam que, durante a negociação do Tratado de Maastricht, foi substituída, em cada uma dessas duas versões linguísticas, uma redação inicial que deixava uma margem de apreciação à Comissão por uma redação imperativa que excluía qualquer margem de apreciação.

54      A este respeito, importa recordar as origens do atual artigo 155.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE, cujo teor foi introduzido no momento da negociação do Tratado de Maastricht.

55      Num primeiro momento, a Presidência luxemburguesa apresentou, em 18 de junho de 1991, um projeto de Tratado sobre a União (CONF‑UP‑UEM 2008/91), que criava um novo artigo, o artigo 118.o‑B, n.o 2, do Tratado CE. A versão original francesa desta disposição tinha a seguinte redação: «[S]e os parceiros sociais o pretenderem, a Comissão pode apresentar propostas de transposição a nível comunitário dos acordos [celebrados pelos parceiros sociais]».

56      Num segundo momento, no quadro de um grupo ad hoc do diálogo social, a União das Confederações das Indústrias e dos Empregadores da Europa (UNICE), a Confederação Europeia dos Sindicatos (CES) e o Centro Europeu dos Empregadores e Empresas que Prestam Serviços Públicos (CEEP) negociaram e assinaram, em 31 de outubro de 1991, um Acordo sobre as propostas de redação de determinados artigos do Tratado em negociação (a seguir «Acordo de 31 de outubro de 1991»). Este acordo alterava a redação do artigo 118.o‑B, n.o 2, do Tratado CE ponderada pela Presidência luxemburguesa, prevendo, pela primeira vez, dois procedimentos distintos e alternativos de aplicação dos acordos celebrados pelos parceiros sociais. Para evocar a aplicação desses acordos de acordo com um dos dois procedimentos mencionados no n.o 50, supra, as versões inglesa e francesa do Acordo de 31 de outubro de 1991 utilizavam, respetivamente, os termos «[the] agreements […] may be realized» e «la mise en œuvre des accords […] interviendra».

57      Num terceiro momento, a proposta que figurava no Acordo de 31 de outubro de 1991 foi reproduzida, em substância, no artigo 4.o do Acordo relativo à política social celebrado entre os Estados‑Membros da Comunidade Europeia com exceção do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte (JO 1992, C 191, p. 91, a seguir «Acordo relativo à política social»), anexo ao Protocolo (n.o 14), relativo à política social, ele próprio anexo ao Tratado CE. O artigo 4.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Acordo relativo à política social dispunha que a aplicação dos acordos celebrados pelos parceiros sociais se faria de acordo com um dos dois procedimentos mencionados no n.o 50, supra. Em especial, as versões inglesa e francesa dessa disposição comportavam, respetivamente, os termos «[the a]greements […] shall be implemented» e «la mise en œuvre des accords […] intervient». Estes termos foram posteriormente reproduzidos no artigo 155.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE.

58      Afigura‑se, pois, que, na redação considerada no início da negociação do Tratado de Maastricht, a apresentação de uma proposta de aplicação de um acordo a nível da União pela Comissão era claramente facultativa, devido à utilização dos verbos modais «may», na versão inglesa, e «pouvoir», na versão francesa. Em contrapartida, na redação finalmente escolhida no termo dessa negociação, esses verbos desapareceram, mantendo‑se uma formulação que, em certas versões linguísticas, era imperativa, devido à utilização do presente do indicativo, nomeadamente na versão francesa («intervient»), ou do futuro do indicativo, nomeadamente na versão inglesa («shall be implemented»).

59      Ora, como a Comissão salienta com razão, a formulação imperativa evocada no n.o 58, supra, surgiu na altura da redação do Acordo relativo à política social, ou seja, no momento em que, em conformidade com a proposta formulada pelos parceiros sociais no Acordo de 31 de outubro de 1991, os dois procedimentos de aplicação dos acordos celebrados pelos parceiros sociais mencionados no n.o 50, supra, foram agrupados na mesma frase. Nessa ocasião, o verbo da frase deixou de se reportar à apresentação de propostas de aplicação desses acordos a nível da União pela Comissão, tendo, assim, ficado relacionado com a aplicação dos referidos acordos de acordo com um dos dois procedimentos mencionados no n.o 50, supra. Nestas condições, a formulação imperativa acima referida pode ter por função exprimir a exclusividade de ambos os procedimentos.

60      Nestas condições, os termos do artigo 155.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE não permitem, por si só, concluir que a Comissão é obrigada a apresentar ao Conselho uma proposta de decisão quando lhe seja submetido um pedido conjunto pelas partes signatárias nesse sentido.

61      Por outro lado, cabe salientar que a interpretação literal preconizada pelos recorrentes implica que a formulação imperativa mencionada no n.o 58, supra, se reporte à aplicação dos acordos celebrados pelos parceiros sociais. Ora, se essa interpretação fosse acolhida, teria uma dupla consequência.

62      Primeiro, a interpretação preconizada pelos recorrentes implicaria que, quando os parceiros sociais apresentam um pedido conjunto de aplicação de um acordo a nível da União, tanto a Comissão como o Conselho seriam obrigados, em quaisquer circunstâncias, a deferir esse pedido, a primeira submetendo ao Conselho uma proposta de decisão de aplicação desse acordo e o segundo adotando essa proposta. Ora, tal interpretação seria contrária à posição partilhada, com razão, pelas partes, segundo a qual, por um lado, a Comissão pode, pelo menos em certos casos, recusar submeter ao Conselho uma proposta de decisão de aplicação de um acordo (v. n.o 75, infra) e, por outro, o Conselho nunca é obrigado a adotar tal proposta da Comissão (v. n.o 76, infra).

63      Segundo, a interpretação defendida pelos recorrentes implicaria que, quando os parceiros sociais não apresentam um pedido conjunto de aplicação de um acordo a nível da União, os parceiros sociais e os Estados‑Membros seriam obrigados a aplicar esse acordo, a seu nível, de acordo com os seus processos e práticas próprios. Ora, tal consequência, que, aliás, não é evocada pelos recorrentes, seria contrária à intenção dos onze Estados‑Membros signatários do Acordo relativo à política social. Com efeito, resulta da Declaração n.o 2 anexa a esse acordo que, ao celebrar o referido acordo, os Estados‑Membros em causa não quiseram obrigar‑se a aplicar diretamente os acordos celebrados entre parceiros sociais a nível da União ou a elaborar normas de transposição dos referidos acordos.

–       Interpretação contextual

64      Em primeiro lugar, cabe recordar, de modo geral, a função da Comissão na elaboração dos atos da União.

65      Nos termos do artigo 17.o, n.o 1, TUE, a Comissão «promove o interesse geral da União e toma as iniciativas adequadas para esse efeito», «vela pela aplicação dos Tratados, bem como das medidas adotadas pelas instituições por força destes» e «[c]ontrola a aplicação do direito da união, sob a fiscalização do Tribunal de Justiça da União Europeia». De acordo com o artigo 17.o, n.o 2, TUE, «[o]s atos legislativos da União só podem ser adotados sob proposta da Comissão, salvo disposição em contrário dos Tratados», enquanto «[o]s demais atos são adotados sob proposta da Comissão nos casos em que os Tratados o determinem». Por outro lado, o artigo 17.o, n.o 3, terceiro parágrafo, TUE prevê que a Comissão «exerce as suas responsabilidades com total independência» e que os seus membros «não solicitam nem aceitam instruções de nenhum Governo, instituição, órgão ou organismo».

66      O poder de iniciativa legislativa reconhecido à Comissão pelo artigo 17.o, n.o 2, TUE, no caso de atos legislativos, ou por uma disposição específica dos Tratados, no caso de atos não legislativos, implica que cabe à Comissão decidir apresentar, ou não, uma proposta de ato, salvo no caso de, por força do direito da União, ter a obrigação de apresentar tal proposta (v., por analogia, Acórdãos de 14 de abril de 2015, Conselho/Comissão, C‑409/13, EU:C:2015:217, n.o 70, e de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, pendente de recurso, EU:T:2018:210, n.o 109).

67      O poder de iniciativa conferido pelos Tratados à Comissão explica‑se pela função desta instituição, nos termos do artigo 17.o, n.o 1, TUE, que consiste, designadamente, em promover o interesse geral da União e velar pelo respeito pelo direito da União, bem como pela independência de que goza, nos termos do artigo 17.o, n.o 3, terceiro parágrafo, TUE, no exercício das suas responsabilidades (v., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2018. One of Us e o./Comissão, T‑561/14, pendente de recurso, EU:T:2018:210, n.o 110).

68      Em segundo lugar, cumpre especificar determinadas características do procedimento previsto no artigo 155.o, n.o 2, TFUE.

69      A este respeito, note‑se que o artigo 155.o, n.o 2, TFUE não contém qualquer referência expressa ao processo legislativo ordinário ou ao processo legislativo especial. Daqui decorre que o procedimento de aplicação, a nível da União, dos acordos celebrados pelos parceiros sociais não constitui um processo legislativo na aceção do artigo 289.o, n.os 1 e 2, TFUE e que as medidas adotadas no termo desse procedimento não constituem atos legislativos na aceção do artigo 289.o, n.o 3, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 6 de setembro de 2017, Eslováquia e Hungria/Conselho, C‑643/15 e C‑647/15, EU:C:2017:631, n.os 60 a 62 e 65 a 67).

70      Deve igualmente recordar‑se que o procedimento de celebração e de aplicação, a nível da União, dos acordos a que se refere o artigo 155.o TFUE comporta várias fases durante as quais os parceiros sociais e as instituições, nomeadamente a Comissão e o Conselho, são uns e outros incumbidos de funções distintas e específicas.

71      Desde logo, na fase de consulta iniciada pela Comissão e regida pelo artigo 154.o, n.os 2 e 3, TFUE, os parceiros sociais podem informar a Comissão do seu desejo de dar início ao processo previsto no artigo 155.o TFUE.

72      Em seguida, durante a fase de negociação propriamente dita, os parceiros sociais podem, como previsto no artigo 155.o, n.o 1, TFUE, estabelecer relações contratuais, incluindo celebrando acordos.

73      Por último, dá‑se início à fase de aplicação do acordo em conformidade com um dos dois procedimentos previstos no artigo 155.o, n.o 2, TFUE (v. n.o 50, supra). Quanto ao procedimento que permite a aplicação do acordo a nível da União, esta disposição prevê expressamente que a decisão do Conselho é adotada «sob proposta da Comissão». Assim, a referida disposição concretiza, no âmbito do procedimento não legislativo que instaura, o poder de iniciativa da Comissão mencionado no artigo 17.o, n.o 2, TUE.

74      Assim, cabe constatar que, embora a iniciativa da fase de negociação, bem como a celebração de um acordo, sejam da competência exclusiva dos parceiros sociais em causa, não é menos verdade que, na fase de aplicação do acordo, o Conselho atua sob proposta da Comissão. É por essa razão que, quando celebram um acordo e pedem em conjunto a sua aplicação a nível da União, os parceiros sociais devem apresentar o pedido conjunto à Comissão. Neste caso, esta última tem novamente o direito de intervir e recuperar o controlo do procedimento. Compete depois à Comissão examinar se deve apresentar ao Conselho uma proposta de decisão de aplicação do acordo a nível da União (v., por analogia, Acórdão de 17 de junho de 1998, UEAPME/Conselho, T‑135/96, EU:T:1998:128, n.os 75, 76, 79 e 84).

75      O Tribunal Geral já declarou que a intervenção da Comissão deve ser conforme aos princípios que regem a sua ação no domínio da política social. Como indicaram, com razão, tanto os recorrentes como a Comissão, cabe a esta certificar‑se nomeadamente da representatividade das partes signatárias do acordo (v., por analogia, Acórdão de 17 de junho de 1998, UEAPME/Conselho, T‑135/96, EU:T:1998:128, n.os 85 e 88). De igual modo, as partes concordam, com razão, que a Comissão pode e deve certificar‑se da legalidade das cláusulas de um acordo celebrado pelos parceiros sociais antes de propor a sua aplicação através de decisão do Conselho.

76      Por sua vez, o Conselho é obrigado a verificar se a Comissão cumpriu as obrigações que lhe incumbiam por força dos Tratados, designadamente do título X da parte III do Tratado FUE, relativo à política social, sob pena de ratificar uma irregularidade suscetível de afetar a legalidade do ato que acabaria por adotar (v., por analogia, Acórdão de 17 de junho de 1998, UEAPME/Conselho, T‑135/96, EU:T:1998:128, n.o 87). Além disso, tanto os recorrentes como a Comissão admitem que o Conselho dispõe de uma margem de apreciação para decidir se deve adotar uma decisão de aplicação de um acordo e pode não estar em condições de adotar essa decisão na falta de acordo, consoante o caso, por maioria qualificada ou por unanimidade no próprio Conselho.

77      Não obstante, os recorrentes sustentam que, fora dos dois casos referidos no n.o 75, supra, a Comissão é obrigada a submeter ao Conselho uma proposta de decisão de aplicação de um acordo celebrado pelos parceiros sociais.

78      Ora, primeiro, essa interpretação poria em causa o princípio, consagrado no artigo 17.o, n.o 3, terceiro parágrafo, TUE, segundo o qual a Comissão exerce os seus poderes de forma independente e sem aceitar instruções de ninguém.

79      Segundo, essa interpretação impediria a Comissão de desempenhar plenamente a sua função que consiste, de acordo com o artigo 17.o, n.o 1, TUE, em promover o interesse geral da União e tomar, se necessário, iniciativas adequadas para esse efeito. Efetivamente, a função atribuída à Comissão pelo artigo 17.o, n.o 1, TUE implica que, antes de fazer uso do seu poder de iniciativa, aprecie, tendo em conta o interesse geral da União, a adequação da iniciativa prevista. Assim, quando lhe é submetido um pedido de aplicação, a nível da União, de um acordo celebrado pelos parceiros sociais, a Comissão deve não só verificar a estrita legalidade das cláusulas desse acordo mas também apreciar a oportunidade, incluindo à luz de considerações de ordem política, económica e social, da eventual aplicação, a nível da União, do referido acordo.

80      Cabe acrescentar que, como alega a Comissão, a função de promoção do interesse geral da União que incumbe a esta instituição não pode, por defeito, ser desempenhada apenas pelos parceiros sociais signatários de um acordo. Com efeito, mesmo quando são suficientemente representativos e atuam conjuntamente, os referidos parceiros sociais representam apenas uma parte dos múltiplos interesses que devem ser tidos em conta na elaboração da política social da União.

81      Terceiro, a interpretação proposta pelos recorrentes alteraria o equilíbrio institucional em detrimento da Comissão e em proveito dos parceiros sociais, quando estes não fazem parte das instituições taxativamente enumeradas no artigo 13.o, n.o 1, TUE.

82      Além disso, se a interpretação defendida pelos recorrentes fosse acolhida, os parceiros sociais disporiam de um poder coercivo contra a Comissão, de que nem o Parlamento ou o Conselho dispõem. Com efeito, cabe recordar que os artigos 225.o e 241.o TFUE permitem, respetivamente, ao Parlamento e ao Conselho solicitarem à Comissão que lhes submeta todas as propostas adequadas, prevendo ao mesmo tempo que a Comissão pode não submeter propostas, na condição de informar dos motivos da sua recusa.

–       Interpretação teleológica

83      De acordo com o artigo 151.o, primeiro parágrafo, TFUE, o diálogo social constitui um dos objetivos da União. O artigo 152.o, primeiro parágrafo, TFUE especifica que a União «reconhece e promove o papel dos parceiros sociais ao nível da União, tendo em conta a diversidade dos sistemas nacionais» e que «facilita o diálogo entre os parceiros sociais, no respeito pela sua autonomia». O artigo 154.o, n.o 1, TFUE prevê que à Comissão «caberá promover a consulta dos parceiros sociais ao nível da União» e «tomar todas as medidas necessárias para facilitar o seu diálogo, assegurando um apoio equilibrado às partes».

84      Resulta das disposições recordadas no n.o 83, supra, que o título X da parte III do Tratado FUE tem, nomeadamente, por finalidade promover a função dos parceiros sociais e facilitar o diálogo entre eles, no respeito pela sua autonomia.

85      É por essa razão que não só se prevê, no artigo 154.o, n.os 2 e 3, TFUE, que a Comissão consulte os parceiros sociais como também se especifica, no artigo 155.o TFUE, que estes últimos possam negociar e celebrar acordos suscetíveis de ser aplicados posteriormente, de acordo com um dos dois procedimentos mencionados no n.o 50, supra.

86      A autonomia dos parceiros sociais, reconhecida no artigo 152.o, primeiro parágrafo, TFUE, implica que, durante a fase de negociação e de celebração de um acordo, que incumbe exclusivamente aos parceiros sociais (v. n.o 74, supra), estes possam dialogar e agir livremente, sem receber ordens ou instruções de ninguém, nomeadamente dos Estados‑Membros ou das instituições. Daqui resulta que as instituições, nomeadamente a Comissão, se devem abster de ter comportamentos destinados a influenciar diretamente o desenrolar das negociações e a impor aos parceiros sociais o princípio ou o conteúdo de um acordo.

87      Em contrapartida, uma vez que os parceiros sociais negociaram livremente e celebraram um acordo e que as partes signatárias pediram em conjunto a aplicação desse acordo a nível da União, a Comissão dispõe de novo do direito de intervir e recupera o controlo do procedimento (v. n.o 74, supra).

88      É certo que os recorrentes alegam que, se a Comissão fosse autorizada a recusar‑se, por razões de oportunidade, a apresentar uma proposta de decisão de aplicação de um acordo celebrado pelos parceiros sociais, estes teriam, na prática, de negociar a montante o conteúdo desse acordo com a Comissão para permitir a sua aplicação posterior, o que reduz o alcance da sua autonomia.

89      No entanto, cabe salientar que o artigo 155.o TFUE se limita a associar os parceiros sociais ao procedimento de adoção de determinados atos não legislativos, sem lhes dar qualquer poder de decisão. Com efeito, os parceiros sociais só estão autorizados a celebrar um acordo, e depois a pedir à Comissão que submeta ao Conselho uma proposta de aplicação desse acordo a nível da União. Em contrapartida, não é reconhecido aos parceiros sociais o poder de eles próprios adotarem atos que produzam efeitos jurídicos vinculativos relativamente a terceiros nem mesmo o poder de submeter diretamente ao Conselho uma proposta de decisão de aplicação de um acordo.

90      Consequentemente, o objetivo de promoção da função dos parceiros sociais e do diálogo entre estes, no respeito pela sua autonomia, não implica que as instituições, a saber, a Comissão, e depois o Conselho, sejam obrigadas a dar seguimento a um pedido conjunto apresentado pelas partes signatárias de um acordo destinado à aplicação desse acordo a nível da União.

–       Outros argumentos dos recorrentes

91      Os recorrentes invocam ainda muitas outras regras, princípios e objetivos da União em apoio da interpretação que fazem do artigo 155.o, n.o 2, TFUE.

92      Primeiro, os recorrentes invocam o princípio, consagrado no artigo 13.o, n.o 2, TUE, segundo o qual cada instituição atua dentro dos limites das competências que lhe são conferidas pelos Tratados.

93      A este respeito, há que responder que, ao fazer a uma apreciação da oportunidade de aplicar, a nível da União, um acordo celebrado pelos parceiros sociais, a Comissão limita‑se a exercer as prerrogativas que lhe confere o artigo 155.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE, conjugado com o artigo 17.o, n.os 1 a 3, TUE (v. n.os 66, 67 e 79, supra).

94      Segundo, os recorrentes invocam o princípio da democracia, consagrado no artigo 10.o, n.os 1 e 2, TUE.

95      A este respeito, cabe recordar que o princípio da democracia se traduz principalmente na participação do Parlamento no processo decisório (v., neste sentido, Acórdão de 17 de junho de 1998, UEAPME/Conselho, T‑135/96, EU:T:1998:128, n.o 88 e jurisprudência referida). No entanto, o Parlamento não pode obrigar a Comissão a fazer uso do seu poder de iniciativa (v. n.o 82, supra). Na falta de intervenção do Parlamento, o respeito pelo princípio da democracia pode, a título meramente subsidiário, ser assegurado, em alternativa, por intermédio dos parceiros sociais, na condição de estes serem suficientemente representativos (v., neste sentido, Acórdão de 17 de junho de 1998, UEAPME/Conselho, T‑135/96, EU:T:1998:128, n.o 89).

96      Ora, há que salientar que, ao obrigar, em certos casos, a Comissão a propor a aplicação de um acordo através de uma decisão do Conselho adotada com base no artigo 155.o, n.o 2, TFUE, a interpretação preconizada pelos recorrentes proibiria, na prática, a Comissão de apresentar, com base no artigo 153.o, n.o 2, TFUE, uma proposta com o mesmo objeto e, eventualmente, o mesmo conteúdo. Assim, essa interpretação faria primar sistematicamente um procedimento não legislativo, no âmbito do qual o Parlamento só é informado, sobre um processo legislativo, no âmbito do qual o Parlamento dispõe, em princípio, de um poder de codecisão.

97      Terceiro, os recorrentes baseiam‑se num princípio de «subsidiariedade horizontal», que implicaria que os parceiros sociais estão em melhor posição para apreciar se um acordo deve ser aplicado a nível dos parceiros sociais nacionais e dos Estados‑Membros ou a nível da União.

98      A este respeito, há que salientar que, como enunciado no artigo 5.o, n.o 3, TUE, o princípio da subsidiariedade rege o exercício, pela União, das competências que partilha com os Estados‑Membros. Consequentemente, o referido princípio é entendido numa dimensão «vertical», no sentido de que rege as relações entre a União, por um lado, e os Estados‑Membros, por outro. Em contrapartida, contrariamente ao que os recorrentes sugerem, este princípio não apresenta, em direito da União, uma dimensão «horizontal», uma vez que não se destina a reger as relações entre a União, por um lado, e os parceiros sociais a nível da União, por outro. Além disso, o princípio da subsidiariedade não pode ser invocado para efeitos da alteração do equilíbrio institucional.

99      Quarto, os recorrentes invocam o direito de negociar e de celebrar convenções coletivas, consagrado no artigo 28.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a liberdade de associação, reconhecida, nomeadamente, no domínio sindical, pelo artigo 12.o da Carta dos Direitos Fundamentais, bem como os objetivos prosseguidos pela União e que figuram no artigo 3.o, n.o 3, TUE e no artigo 9.o TFUE, como uma «economia social de mercado […] que tenha como meta o pleno emprego e o progresso social» e uma «proteção social adequada».

100    A este respeito, cabe observar que nenhuma das disposições mencionadas no n.o 99, supra, implica que os parceiros sociais signatários de um acordo possam obrigar as instituições a aplicar tal acordo a nível da União.

101    Quinto, os recorrentes mencionam a posição tomada pela Comissão em várias comunicações, nomeadamente nas suas Comunicações COM(93) 600 final, de 14 de dezembro de 1993, relativa à aplicação do Protocolo relativo à política social, COM(1998) 322 final, de 20 de maio de 1998, «Adaptar e promover o diálogo social a nível comunitário», e COM(2002) 341 final, de 26 de junho de 2002, «O diálogo social europeu, força de modernização e de mudança».

102    A este respeito, há que declarar que as comunicações mencionadas no n.o 101, supra, são desprovidas de força jurídica vinculativa. Por conseguinte, as referidas comunicações não podem ser utilmente invocadas para que se obste à interpretação de uma disposição dos Tratados que resulta dos termos, do contexto e dos objetivos desta disposição.

103    Decorre de todas as considerações expostas que, quando os parceiros sociais negoceiam e celebram um acordo com base no artigo 155.o, n.o 1, TFUE e as partes signatárias apresentam um pedido conjunto de aplicação desse acordo a nível da União através de uma decisão do Conselho adotada com base no artigo 155.o, n.o 2, TFUE, a Comissão não é obrigada a deferir esse pedido e cumpre‑lhe apreciar se deve apresentar uma proposta nesse sentido ao Conselho.

104    Daqui resulta que, ao recusar apresentar ao Conselho uma proposta de decisão de aplicação do Acordo, a Comissão não cometeu um erro de direito sobre o alcance dos seus poderes.

105    Consequentemente, o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à insuficiência e incorreção manifesta da fundamentação da decisão impugnada

106    Os recorrentes sustentam que os fundamentos com base nos quais a Comissão recusou apresentar ao Conselho uma proposta de decisão de aplicação do Acordo a nível da União são insuficientes e manifestamente incorretos. Com efeito, os três fundamentos que figuram na decisão impugnada não justificam essa recusa.

107    A Comissão contesta a argumentação dos recorrentes.

108    A título preliminar, importa recordar que, quando lhe é submetido um pedido de aplicação, a nível da União, de um acordo celebrado pelos parceiros sociais, a Comissão deve ter em conta o interesse geral da União e apreciar a adequação dessa aplicação, incluindo à luz de considerações de ordem política, económica e social (v. n.o 79, supra).

109    Daqui decorre que, quando aprecia a oportunidade de apresentar ao Conselho uma proposta de decisão de aplicação, a nível da União, de um acordo celebrado pelos parceiros sociais, a Comissão dispõe de uma ampla margem de apreciação (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, pendente de recurso, EU:T:2018:210, n.o 169)

110    Ora, resulta de jurisprudência constante que, quando uma instituição dispõe de um amplo poder de apreciação, a fiscalização jurisdicional limita‑se, em princípio, à verificação do cumprimento das regras processuais e de fundamentação, bem como à verificação da exatidão material dos factos apurados e da inexistência de erro de direito, de erro manifesto na apreciação dos factos ou de desvio de poder (v. Acórdão de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 143 e jurisprudência referida).

111    Esta limitação do âmbito da fiscalização do juiz da União impõe‑se especialmente quando as instituições da União são levadas a efetuar arbitragens entre interesses divergentes e a fazer assim opções no âmbito das decisões políticas da sua própria responsabilidade (v., neste sentido, Acórdãos de 5 de outubro de 1994, Alemanha/Conselho, C‑280/93, EU:C:1994:367, n.o 91, e de 14 de julho de 2005, Rica Foods/Comissão, C‑40/03 P, EU:C:2005:455, n.o 55 e jurisprudência referida).

112    Nestas condições, a decisão impugnada dever ser objeto de fiscalização restrita pelo Tribunal Geral (v., neste sentido, Acórdão de 23 de abril de 2018, One of Us e o./Comissão, T‑561/14, pendente de recurso, EU:T:2018:210, n.o 170).

113    Importa examinar separadamente, por um lado, a questão do cumprimento do dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE, que constitui uma formalidade essencial, e, por outro, a questão do mérito da fundamentação, que tem a ver com a legalidade material do ato controvertido (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 67, e de 18 de junho de 2015, Ipatau/Conselho, C‑535/14 P, EU:C:2015:407, n.o 37).

–       Quanto ao cumprimento do dever de fundamentação

114    Nos seus articulados, os recorrentes evocam uma «fundamentação insuficiente».

115    Mesmo no pressuposto de os recorrentes pretenderem, assim, invocar um fundamento relativo ao incumprimento do dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE, cabe recordar que, segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida por esta disposição deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, autora do ato, de modo a permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e à jurisdição competente exercer a sua fiscalização. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso concreto, designadamente do conteúdo do ato, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas direta e individualmente afetadas pelo ato podem ter em obter explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não somente do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdãos de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 63, e de 1 de julho de 2008, Chronopost e La Poste/UFEX e o., C‑341/06 P e C‑342/06 P, EU:C:2008:375, n.o 88).

116    No caso em apreço, a decisão impugnada baseia‑se nos três fundamentos enumerados no n.o 6, supra. Esses fundamentos prendem‑se, em substância, primeiro, com a especificidade das administrações dos governos centrais e, nomeadamente, com a circunstância de exercerem prerrogativas de poder público; segundo, com a existência, nos direitos nacionais de numerosos Estados‑Membros, de disposições relativas à informação e à consulta dos funcionários e agentes dessas administrações; e, terceiro, com a existência de diferenças significativas entre os Estados‑Membros em termos de definição e perímetro das referidas administrações; de forma que a eventual decisão do Conselho que aplicasse o Acordo teria um âmbito de aplicação mais ou menos alargado em função dos Estados‑Membros.

117    Cabe recordar, primeiro, que a Comissão consultou os parceiros sociais sobre a oportunidade de uma ação da União relativa à informação e à consulta dos funcionários e dos agentes das Administrações Públicas e que foi precisamente na sequência dessa consulta que os parceiros sociais negociaram e assinaram o Acordo (v. n.os 1 a 3, supra). Segundo, a Comissão demorou mais de dois anos a responder ao pedido apresentado pelos parceiros sociais com base no artigo 155.o, n.o 2, TFUE (v. n.os 4 e 5, supra). Nestas condições, e tendo em conta a atitude da Comissão, os destinatários da decisão impugnada podiam criar a expectativa de que esta instituição adotaria uma fundamentação mais desenvolvida que aquela, relativamente sucinta, que está resumida nos n.os 6 e 116, supra.

118    Todavia, ainda que esta forma de proceder da Comissão possa parecer surpreendente, certo é que os destinatários da decisão impugnada, ou seja, a DSANE e os EAPE, puderam conhecer as três justificações dessa decisão e o Tribunal Geral pode exercer a sua fiscalização. Aliás, os recorrentes não alegam terem sido impedidos de contestar o mérito dos fundamentos da decisão impugnada devido à sua concisão ou ambiguidade.

119    Nestas condições, pode considerar‑se que a decisão impugnada cumpre o dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE.

–       Quanto ao mérito da fundamentação

120    Nos seus articulados, os recorrentes contestam o mérito dos três fundamentos da decisão impugnada, mencionados nos n.os 6 e 116, supra.

121    Em primeiro lugar, os recorrentes sustentam que os três fundamentos da decisão impugnada não fazem parte daqueles com base nos quais a Comissão pode recusar deferir um pedido conjunto das partes signatárias de um acordo destinado à aplicação desse acordo a nível da União, a saber, por um lado, a falta de representatividade das referidas partes e, por outro, a ilegalidade das cláusulas desse acordo.

122    A este respeito, basta observar que resulta da resposta ao primeiro fundamento que, no âmbito do procedimento não legislativo previsto no artigo 155.o, n.o 2, TFUE, a Comissão pode recusar‑se a fazer uso do seu poder de iniciativa por razões diferentes das da falta de representatividade das partes num acordo ou da ilegalidade das cláusulas desse acordo.

123    Em segundo lugar, os recorrentes consideram que os três fundamentos da decisão impugnada são incorretos, desprovidos de pertinência e insuficientes para justificar essa decisão.

124    Quanto ao primeiro fundamento da decisão impugnada, os recorrentes alegam que a União é competente para proteger os direitos sociais dos funcionários e agentes das administrações dos governos centrais. Acresce que a aplicação do Acordo a nível da União não afetaria a competência dos Estados‑Membros para determinar a estrutura, a organização nem o funcionamento dessas administrações. Além disso, justifica‑se cada vez menos excluir o conjunto dos funcionários e agentes dessas administrações do benefício do direito social da União, especialmente quando as suas funções não estão vinculadas à segurança nacional ou ao exercício de prerrogativas de poder público.

125    Quanto ao segundo fundamento da decisão impugnada, os recorrentes explicam que a aplicação do Acordo a nível da União continuaria a ser útil, uma vez que garante um nível mínimo de informação e consulta aos funcionários e agentes das administrações dos governos centrais em todos os Estados‑Membros, especialmente aqueles em que esse nível mínimo ainda não foi alcançado.

126    Quanto ao terceiro fundamento da decisão impugnada, os recorrentes consideram que a aplicação do Acordo a nível da União teria como consequência a redução das diferenças de nível de proteção atualmente existentes entre trabalhadores. Com efeito, essa aplicação aproximaria a situação dos funcionários e agentes das administrações centrais da situação dos trabalhadores abrangidos pelas diretivas da União que regem o direito à informação e à consulta.

127    Por outro lado, os recorrentes mostram‑se surpreendidos com o facto de a Comissão se ter baseado em fundamentos que já tinha necessariamente excluído quando lançou uma consulta aos parceiros sociais em 2015.

128    Cumpre examinar as alegações dos recorrentes resumidas nos n.os 123 a 127, supra.

129    A este respeito, primeiro, os recorrentes não demonstram que os elementos tidos em conta no âmbito dos três fundamentos da decisão impugnada sejam materialmente inexatos ou desprovidos de pertinência para apreciar a adequação da aplicação do Acordo a nível da União.

130    Com efeito, quanto ao primeiro fundamento da decisão impugnada, a Comissão não pôs em causa a existência da competência da União para adotar atos relativos aos direitos sociais dos funcionários e agentes das administrações centrais. Em contrapartida, a Comissão remete para as especificidades dessas administrações. Ora, os recorrentes não contestam seriamente essas especificidades, designadamente o facto de alguns funcionários e agentes das referidas administrações exercerem prerrogativas de poder público. Por outro lado, contrariamente ao que os recorrentes sustentam, a aplicação do Acordo pode ter incidência no funcionamento das administrações dos governos centrais, alterando as relações que estas mantêm com os seus funcionários e agentes.

131    Quanto ao segundo fundamento da decisão impugnada, a Comissão podia ter em conta o nível de proteção já garantido em alguns Estados‑Membros, mesmo havendo lacunas noutros Estados‑Membros. Ora, na audiência, os recorrentes não puseram em causa a afirmação da Comissão de que 22 Estados‑Membros já dispunham de regras relativas à informação e consulta dos funcionários e agentes das administrações dos governos centrais em 2014.

132    Quanto ao terceiro fundamento da decisão impugnada, o argumento dos recorrentes de que a aplicação do Acordo a nível da União aproximaria a situação dos funcionários e agentes das administrações dos governos centrais da situação dos trabalhadores do setor privado não põe em causa a circunstância de, ao mesmo tempo, essa aplicação afetar muito diferentemente os Estados‑Membros em função do seu grau de centralização ou descentralização. Ora, nada impedia a Comissão de ter em conta esta última circunstância como uma consequência indesejável da aplicação do Acordo a nível da União.

133    Segundo, cabe recordar a ampla margem de apreciação de que a Comissão dispunha (v. n.o 109, supra), incluindo para determinar, por um lado, se era necessário colmatar uma eventual lacuna no âmbito de aplicação das diretivas da União que regem o direito à informação e consulta dos trabalhadores e, por outro, se a aplicação do Acordo constituía um meio adequado para colmatar essa lacuna. Ora, para contestar a apreciação da Comissão, os recorrentes limitam‑se a invocar a existência de competência da União e a eventual utilidade, no caso vertente, do exercício dessa competência. Nestas condições, e atendendo a todos os elementos tidos em conta pela Comissão no âmbito dos três fundamentos da decisão impugnada, não se afigura que, ao recusar apresentar ao Conselho uma proposta de decisão de aplicação do Acordo, a Comissão tenha cometido um erro manifesto de apreciação.

134    Esta conclusão não é posta em causa pela circunstância de a Comissão ter lançado, em 2015, uma consulta sobre a situação dos funcionários e agentes das Administrações Públicas dos Estados‑Membros perante o âmbito de aplicação das diretivas relativas à informação e consulta dos trabalhadores. Com efeito, nessa ocasião, a Comissão limitou‑se a lançar um debate, sem antecipar a forma e o conteúdo das eventuais ações a tomar.

135    Em terceiro lugar, os recorrentes alegam que, no caso em apreço, nada justificava que a Comissão excluísse a aplicação do Acordo com base nos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade. Em especial, criticam a Comissão por não ter feito uma análise de impacto à luz destes princípios.

136    A este respeito, cabe notar que não resulta da redação da decisão impugnada que a Comissão tenha baseado a decisão impugnada num fundamento segundo o qual os princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade, conforme figuram no artigo 5.o, n.os 3 e 4, TUE, obstam à aplicação do Acordo a nível da União através de uma decisão do Conselho adotada com base no artigo 155.o, n.o 2, TFUE.

137    No entanto, resulta da fundamentação da decisão impugnada que a Comissão considerou que a aplicação do Acordo a nível da União não se lhe afigurava necessária nem adequada, uma vez que, em especial, os Estados‑Membros eram competentes em matéria de funcionamento das administrações centrais e que muitos deles já tinham adotado disposições que asseguravam um certo grau de informação e consulta aos funcionários e agentes dessas administrações. Além disso, numa reunião com os parceiros sociais em 17 de janeiro de 2018, a Comissão anunciou o sentido da decisão impugnada, afirmando que tinha uma «forte componente de subsidiariedade» e que considerava preferível que o Acordo fosse aplicado pelos parceiros sociais a nível nacional. Assim, a Comissão teve em conta considerações de subsidiariedade e proporcionalidade ao avaliar, não a possibilidade de uma ação da União, mas a sua adequação. Ora, decorre do que foi dito no n.o 133, supra, que a Comissão não cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que a aplicação do Acordo a nível da União não era adequada.

138    Por último, quanto à falta de análise de impacto, os recorrentes não especificam que disposição obrigava a Comissão a efetuar tal análise antes de se recusar a fazer uso do seu poder de iniciativa.

139    Daqui resulta que, mesmo admitindo que um fundamento relativo à violação do princípio da subsidiariedade pudesse ser operante em circunstâncias como as do caso vertente, a alegação da violação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade deve ser julgada improcedente.

140    Consequentemente, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

141    Resulta de todo o exposto que há que negar provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

142    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. No entanto, por força do artigo 135.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, quando a equidade o exigir, o Tribunal Geral pode decidir que uma parte vencida suporte, além das suas próprias despesas, apenas uma fração das despesas da outra parte, ou mesmo que não deve ser condenada a este título.

143    No caso em apreço, os recorrentes foram vencidos. Além disso, a Comissão pediu expressamente que os recorrentes fossem condenados nas despesas. No entanto, tendo em conta as circunstâncias do caso em apreço, em especial a atitude da Comissão (v. n.os 117 e 118, supra), a equidade exige, de acordo com o artigo 135.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, que cada parte suporte as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Nona Secção alargada)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A European Federation of Public Service Unions (EPSU) e Jan Goudriaan, por um lado, e a Comissão Europeia, por outro, suportarão as suas próprias despesas.

Gervasoni

Madise

Da Silva Passos

Kowalik‑Bańczyk

 

      Mac Eochaidh

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de outubro de 2019.

Assinaturas


Índice


Antecedentes do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto à admissibilidade

Quanto à existência de um ato recorrível

— Eventual qualificação de ato preparatório

— Eventual incidência da existência de uma ampla margem de apreciação

Quanto à legitimidade ativa dos recorrentes

Quanto à admissibilidade do anexo C.3

Quanto ao mérito

Quanto ao primeiro fundamento, relativo a um erro de direito sobre o alcance dos poderes da Comissão

— Interpretação literal

— Interpretação contextual

— Interpretação teleológica

— Outros argumentos dos recorrentes

Quanto ao segundo fundamento, relativo à insuficiência e incorreção manifesta da fundamentação da decisão impugnada

— Quanto ao cumprimento do dever de fundamentação

— Quanto ao mérito da fundamentação

Quanto às despesas


*      Língua do processo: inglês.