Language of document : ECLI:EU:C:2022:720

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

22 de setembro de 2022 (*)

«Reenvio prejudicial — Cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores — Diretiva 93/13/CEE — Práticas comerciais desleais em relação a consumidores — Princípio da efetividade — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Processo sumário para pagamento de honorários de advogado — Caráter eventualmente abusivo das cláusulas contidas num acordo de honorários — Legislação nacional que não prevê a possibilidade de uma fiscalização judicial — Artigo 4.o, n.o 2 — Alcance da exceção — Diretiva 2005/29/CE — Artigo 7.o — Prática comercial enganosa — Contrato celebrado entre um advogado e o seu cliente que impede este último de desistir, sem conhecimento ou contra o conselho do advogado, sob pena de uma sanção pecuniária»

No processo C‑335/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Juzgado de Primera Instancia n.o 10 bis de Sevilla (Tribunal de Primeira Instância n.o 10‑A de Sevilha, Espanha), por Decisão de 24 de maio de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 27 de maio de 2021, no processo

Vicente

contra

Delia,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: S. Rodin, presidente de secção, J.–C. Bonichot e O. Spineanu‑Matei (relatora), juízes,

advogado‑geral: P. Pikamäe,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação do Governo espanhol, por I. Herranz Elizalde, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Baquero Cruz e N. Ruiz García, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»), da Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores (JO 1993, L 95, p. 29), conforme alterada pela Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011 (JO 2011, L 304, p. 64) (a seguir «Diretiva 93/13»), e da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004 («Diretiva Relativa às Práticas Comerciais Desleais») (JO 2005, L 149, p. 22).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe Vicente, advogado, a Delia, sua cliente, na sequência do não pagamento dos honorários reclamados por serviços jurídicos prestados a esta última.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Diretiva 93/13

3        Os considerandos vigésimo primeiro e vigésimo quarto da Diretiva 93/13 têm a seguinte redação:

«Considerando que os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para evitar a presença de cláusulas abusivas em contratos celebrados entre profissionais e consumidores […]

[…]

Considerando que as autoridades judiciárias e órgãos administrativos dos Estados‑Membros devem dispor de meios adequados e eficazes para pôr termo à aplicação das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores […]»

4        O artigo 3.o, n.o 1, desta diretiva tem a seguinte redação:

«Uma cláusula contratual que não tenha sido objeto de negociação individual é considerada abusiva quando, a despeito da exigência de boa‑fé, der origem a um desequilíbrio significativo em detrimento do consumidor, entre os direitos e obrigações das partes decorrentes do contrato».

5        O artigo 4.o da referida diretiva estabelece:

«1.      Sem prejuízo do artigo 7.o, o caráter abusivo de uma cláusula poderá ser avaliado em função da natureza dos bens ou serviços que sejam objeto do contrato e mediante consideração de todas as circunstâncias que, no momento em que aquele foi celebrado, rodearam a sua celebração, bem como de todas as outras cláusulas do contrato, ou de outro contrato de que este dependa.

2.      A avaliação do caráter abusivo das cláusulas não incide nem sobre a definição do objeto principal do contrato nem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro, desde que essas cláusulas se encontrem redigidas de maneira clara e compreensível».

6        Nos termos do artigo 6.o, n.o 1, da mesma diretiva:

«Os Estados‑Membros estipularão que, nas condições fixadas pelos respetivos direitos nacionais, as cláusulas abusivas constantes de um contrato celebrado com um consumidor por um profissional não vinculem o consumidor e que o contrato continue a vincular as partes nos mesmos termos, se puder subsistir sem as cláusulas abusivas».

7        O artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13 prevê:

«Os Estados‑Membros providenciarão para que, no interesse dos consumidores e dos profissionais concorrentes, existam meios adequados e eficazes para pôr termo à utilização das cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores por um profissional».

 Diretiva 2005/29

8        O artigo 5.o, n.o 4, da Diretiva 2005/29 dispõe:

«Em especial, são desleais as práticas comerciais:

a)      Enganosas, tal como definido nos artigos 6.o e 7.o;

ou

b)      Agressivas, tal como definido nos artigos 8.o e 9.o»

9        O artigo 7.o, n.os 1 e 2, desta diretiva prevê:

«1.      Uma prática comercial é considerada enganosa quando, no seu contexto factual, tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação, omita uma informação substancial que, atendendo ao contexto, seja necessária para que o consumidor médio possa tomar uma decisão de transação esclarecida, e, portanto, conduza ou seja suscetível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo.

2.      Também é considerada uma omissão enganosa a prática comercial em que o profissional, tendo em conta os aspetos descritos no n.o 1, oculte a informação substancial referida no mesmo número ou a apresente de modo pouco claro, ininteligível, ambíguo ou tardio, ou quando não refira a intenção comercial da prática em questão, se esta não se puder depreender do contexto e, em qualquer dos casos, conduza ou seja suscetível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo».

 Direito espanhol

10      A ação para pagamento de honorários é regulada pela Ley 1/2000 de Enjuiciamiento Civil (Lei 1/2000 Relativa ao Código de Processo Civil), de 7 de janeiro de 2000 (BOE n.o 7, de 8 de janeiro de 2000, p. 575, a seguir «LEC»).

11      O artigo 34.o da LEC, relativo à «Conta do mandatário judicial», prevê, no seu n.o 2:

«Apresentada a conta e admitida pelo secretário de justiça, este notifica o mandante para, no prazo de dez dias, pagar a quantia ou impugná‑la com fundamento na sua inexigibilidade, sob pena de execução caso o mandante não efetue o pagamento nem proceda à sua impugnação.

Se, dentro do referido prazo, o mandante apresentar impugnação, o secretário de justiça concede um prazo de três dias ao mandatário judicial para que este se pronuncie sobre esta impugnação. Em seguida, o secretário de justiça examina a nota de honorários e os articulados, bem como os documentos juntos e profere, no prazo de dez dias, um despacho fixando a quantia a pagar ao mandatário judicial. Esta quantia é objeto de execução caso o pagamento não seja efetuado no prazo de cinco dias a contar da notificação.

O despacho referido no número anterior não admite recurso, mas o mesmo não prejudica, nem sequer parcialmente, a sentença que possa vir a ser proferida em processo comum posterior».

12      O artigo 34.o, n.o 2, terceiro parágrafo, da LEC foi declarado inconstitucional e anulado pelo Acórdão 34/2019 do Tribunal Constitucional (Espanha) de 14 de março de 2019 (BOE n.o 90, de 15 de abril de 2019, p. 39549, a seguir «Acórdão 34/2019»).

13      O artigo 35.o da LEC, sob a epígrafe «Honorários dos advogados», dispunha:

«1.      Os advogados podem reclamar aos seus constituintes o pagamento dos honorários que lhes sejam devidos no âmbito do processo, apresentando uma nota detalhada de honorários e declarando expressamente que esses honorários lhes são devidos e não se encontram pagos. […]

2.      Na sequência da apresentação desse pedido, o secretário de justiça notifica o devedor para, no prazo de dez dias, pagar a referida quantia ou proceder à sua impugnação, sob pena de execução caso o pagamento não seja efetuado nem se proceda à sua impugnação.

Se, dentro do referido prazo, os honorários forem impugnados com fundamento na sua inexigibilidade, é aplicável o disposto no artigo 34.o, n.o 2, segundo e terceiro parágrafos.

Se os honorários forem impugnados com fundamento no seu caráter excessivo, o secretário de justiça concede um prazo de três dias ao advogado para que este se pronuncie sobre esta impugnação. Caso o advogado não aceite a redução de honorários que lhe é requerida, o secretário de justiça procede à regularização prévia desses honorários, em conformidade com o disposto nos artigos 241.o e seguintes, exceto se o advogado provar a existência de um orçamento prévio escrito aceite pelo autor da impugnação, e profere um despacho fixando a quantia devida, sob pena de execução caso o pagamento não seja efetuado no prazo de cinco dias a contar da notificação.

Este despacho não admite recurso, mas não prejudica, mesmo parcialmente, a sentença que possa vir a ser proferida em processo comum posterior.

3.      Se o devedor dos honorários não deduzir contestação no prazo estabelecido, a quantia que resulta da nota é objeto de execução, acrescida das despesas processuais».

14      No artigo 35.o, n.o 2, segundo parágrafo, da LEC, a expressão «e terceiro parágrafo[s]» foi declarada inconstitucional e anulada pelo Acórdão 34/2019. O mesmo aconteceu com o quarto parágrafo deste artigo 35.o, n.o 2.

15      O artigo 206.o da LEC, sob a epígrafe «Tipos de decisões», figura no seu capítulo VIII, intitulado «Decisões processuais». Este artigo dispõe:

«[…]

2.      As decisões dos secretários de justiça designam‑se “medidas acessórias” e “despachos”.

[…]»

16      Nos termos do artigo 454.o‑A da LEC, sob a epígrafe «Recurso de revisão»:

«1.      […]

É possível interpor diretamente recurso de revisão dos despachos que extinguem a instância ou impedem o seu prosseguimento. Este recurso não tem efeito suspensivo e a decisão que dele resultar não admite recurso.

É igualmente possível interpor diretamente recurso de revisão de despachos nos casos expressamente previstos.

2.      O recurso de revisão deve ser interposto no prazo de cinco dias, por escrito, referindo o vício que fere o despacho. Se estes requisitos estiverem preenchidos, o secretário de justiça, através de uma medida de organização do processo, concede provimento ao recurso e confere às partes contrárias um prazo ordinário de cinco dias para contestarem, caso considerem oportuno.

Se os requisitos de admissibilidade do recurso não estiverem preenchidos, o tribunal nega‑lhe provimento, mediante despacho.

Findo o prazo de contestação, o tribunal pronuncia‑se mediante despacho no prazo de cinco dias, independentemente de terem ou não sido apresentados articulados. Os despachos em matéria de admissibilidade ou de inadmissibilidade não admitem recurso.

3.      O despacho que decide o recurso só é passível de impugnação se extinguir ou impedir o prosseguimento da instância».

17      Na sequência da anulação parcial dos artigos 34.o e 35.o da LEC, referida nos n.os 12 e 14 do presente acórdão, os despachos do secretário de justiça que não admitiam recurso podem atualmente ser objeto de recurso de revisão com fundamento no artigo 454.o‑A da LEC.

18      Segundo o artigo 517.o, n.o 2, da LEC.

«Só são objeto de execução os seguintes títulos:

[…]

9.      Outras decisões processuais e documentos com força executiva nos termos da presente lei ou de outra lei».

19      Sob a epígrafe «Oposição à execução de decisões processuais ou arbitrais ou de acordos de mediação», o artigo 556.o da LEC prevê, no seu n.o 1:

«Se o título executivo for uma decisão processual ou arbitral de condenação ou um acordo de mediação, pode o executado, no prazo de dez dias após a notificação do despacho de execução, deduzir oposição por escrito, invocando o pagamento ou o cumprimento do dispositivo da sentença, da sentença arbitral ou do acordo de mediação, o qual deve comprovar por via documental.

É igualmente possível opor a caducidade da ação executiva e os acordos e transações que tenham sido celebrados para evitar a execução, desde que esses acordos e transações constem de ato notarial».

20      O artigo 557.o da LEC, sob a epígrafe «Oposição à execução ao abrigo de títulos executivos não judiciais ou arbitrais», dispõe, no seu n.o 1:

«Quando a execução for ordenada com fundamento nos títulos referidos nos pontos 4, 5, 6 e 7, bem como noutros títulos executivos referidos no artigo 517.o, n.o 2, ponto 9, o executado só se pode opor à execução no prazo e na forma previstos no artigo anterior, com base num dos seguintes fundamentos:

[…]

7)      presença de cláusulas abusivas no título».

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

21      Em 9 de fevereiro de 2017, Delia, por um lado, e os advogados Augusto e Vicente, por outro, celebraram um contrato de prestação de serviços jurídicos que tinha por objeto, nomeadamente, o exame, a reclamação extrajudicial e, se necessário, a reclamação judicial, bem como, sendo caso disso, a elaboração e a propositura de uma ação declarativa de nulidade das cláusulas abusivas contidas num contrato de mútuo celebrado, em 26 de novembro de 2003, por Delia, na qualidade de consumidora, com uma instituição bancária.

22      O contrato de prestação de serviços jurídicos continha uma cláusula nos termos da qual «ao assinar o contrato de prestação de serviços jurídicos, o cliente compromete‑se a seguir as instruções do escritório de advogados e, caso desista por qualquer razão antes do termo do processo judicial ou conclua um acordo com a instituição bancária, sem conhecimento ou contra o conselho do escritório de advogados, deverá pagar o montante resultante da aplicação da Tabela da Ordem dos Advogados de Sevilha para a Fixação das Despesas no que respeita à ação declarativa de nulidade e ao montante» (a seguir «cláusula de desistência»).

23      Delia recorreu a esse escritório de advogados na sequência de um anúncio publicado numa rede social no qual não era mencionada a cláusula de desistência, tendo a interessada sido informada apenas do preço dos serviços jurídicos. Consequentemente, não há provas, no caso em apreço, de que Delia tenha tido conhecimento da cláusula de desistência antes da celebração do contrato de prestação de serviços jurídicos.

24      Antes da propositura da ação declarativa de nulidade, Vicente apresentou, em 22 de fevereiro de 2017, uma reclamação extrajudicial à instituição bancária em causa, na sequência da qual esta última sugeriu, diretamente a Delia, em 2 de junho de 2017, a restituição da quantia de 870,67 euros a título dos montantes indevidamente pagos em aplicação de uma cláusula de taxa mínima contida no contrato de mútuo. Delia decidiu aceitar esta proposta. Contudo, não há provas da data exata em que esta informou Vicente de que tinha recebido a resposta do banco nem se este último a aconselhou, nessa ocasião, a não aceitar a proposta.

25      A ação declarativa de nulidade da cláusula de taxa mínima, datada de 22 de maio de 2017, assinada por Vicente e por uma procuradora, deu entrada no órgão jurisdicional de reenvio, o Juzgado de Primera Instancia n.o 10 bis de Sevilla (Tribunal de Primeira Instância n.o 10‑A de Sevilha, Espanha), em 12 de junho de 2017.

26      Por telecópia de 13 de junho de 2017, Vicente manifestou à sua cliente o seu desacordo relativamente à proposta da instituição bancária, reiterando que tinha sido proposta uma ação contra esta última.

27      Em 25 de setembro de 2017, a procuradora informou o órgão jurisdicional de reenvio de que Delia tinha desistido da ação por ter obtido a satisfação extrajudicial das suas pretensões, esclarecendo que esta desistência se devia ao facto de, contrariamente ao conselho do seu advogado e após a propositura da ação, a sua cliente ter aceitado essa transação. Consequentemente, o secretário de justiça desse órgão jurisdicional proferiu, nessa data, um despacho de encerramento do processo.

28      Resulta do pedido de decisão prejudicial que, em 13 de novembro de 2017, Vicente propôs uma ação para pagamento de honorários contra Delia perante o secretário de justiça do órgão jurisdicional de reenvio, no montante de 1 105,50 euros excluído de imposto sobre o valor acrescentado, ou seja, num total de 1 337,65 euros, cujo cálculo foi fixado do seguinte modo:

«Base de faturação: 18 000 euros. Resultado após a aplicação da tabela: 2 211 [euros];

[…] 50 % pela propositura da ação: 1 105,50 [euros]».

29      Em apoio do montante reclamado, o pedido foi acompanhado de um documento intitulado «Acordo de honorários», que remetia para as regras aplicáveis em matéria de honorários profissionais da Ordem dos Advogados de Sevilha.

30      Delia, representada por um advogado nomeado oficiosamente, impugnou os referidos honorários por serem inexigíveis. Com efeito, uma vez que não foi informada da existência da cláusula de desistência só estaria obrigada a pagar, a título de honorários, 10 % do montante pago pelo banco mutuante, isto é, 105,35 euros, quantia que foi paga. Nessa ocasião, Delia invocou também o caráter abusivo da cláusula de desistência.

31      Por Despacho de 15 de outubro de 2020, o secretário de justiça do órgão jurisdicional de reenvio indeferiu essa impugnação e fixou o montante devido por Delia a título de honorários de advogado em 1 337,65 euros, concedendo‑lhe um prazo de pagamento de cinco dias, sob pena de execução. A questão relativa ao caráter abusivo da cláusula de desistência não foi apreciada pelo secretário de justiça.

32      Em 2 de fevereiro de 2021, Delia interpôs um recurso de revisão deste despacho no órgão jurisdicional de reenvio, ao qual foi concedido provimento e que foi notificado a Vicente. Este último deduziu contestação pedindo que fosse negado provimento ao recurso e que Delia fosse condenada nas despesas.

33      Este órgão jurisdicional tem dúvidas sobre a questão de saber se as regras processuais nacionais que regulam o processo para pagamento de honorários estão em conformidade com as exigências decorrentes da Diretiva 93/13, do princípio da efetividade e do direito a uma proteção jurisdicional efetiva previsto no artigo 47.o da Carta.

34      A este respeito, o referido órgão jurisdicional precisa que, ao abrigo do direito espanhol, os advogados dispõem de três vias processuais para exigir judicialmente o pagamento dos honorários que lhes são devidos: uma ação judicial simples, um processo de injunção de pagamento ou uma ação para pagamento de honorários, prevista no artigo 35.o da LEC, que constitui um processo sumário com garantias limitadas. Este último processo é da competência do secretário de justiça chamado a conhecer do processo judicial que deu origem aos honorários cujo pagamento é reclamado.

35      Assim, o processo para pagamento de honorários é, num primeiro momento, da competência de um secretário de justiça, isto é, uma autoridade que, segundo o Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, Margarit Panicello (C‑503/15, EU:C:2017:126), e o Acórdão 34/2019, não está investida de funções jurisdicionais. Segundo o artigo 35.o da LEC, os honorários podem ser impugnados com fundamento na sua inexigibilidade ou no seu caráter abusivo, uma vez que a decisão proferida na sequência dessa impugnação pelo secretário de justiça é qualificada, pelo artigo 206.o da LEC, de «despacho». Na sequência do Acórdão 34/2019, este despacho pode, num segundo momento, ser objeto de um recurso de revisão, em conformidade com o artigo 454.o‑A da LEC.

36      Por conseguinte, embora o processo para pagamento de honorários em aplicação do artigo 35.o da LEC seja relativo a um contrato celebrado entre um advogado e o seu cliente que, como resulta do Acórdão de 15 de janeiro de 2015, Šiba (C‑537/13, EU:C:2015:14), é abrangido pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13, a possibilidade de este processo ser submetido a um órgão jurisdicional depende da interposição de um recurso de revisão do despacho do secretário de justiça. Além disso, tendo em conta o caráter sumário deste recurso de revisão e a possibilidade de recorrer a um processo judicial ordinário, em conformidade com o artigo 35.o, n.o 2, da LEC, o juiz não pode proceder a uma fiscalização oficiosa do eventual caráter abusivo das cláusulas contidas no contrato de serviços jurídicos, estando o exame por esse juiz limitado, em princípio, ao alcance do despacho proferido pelo secretário de justiça. O regime de produção de prova está igualmente limitado às provas documentais já apresentadas a esse secretário de justiça.

37      No que respeita à possibilidade de o consumidor recorrer ao processo judicial ordinário, ao abrigo do artigo 35.o, n.o 2, da LEC, para fazer valer os seus direitos decorrentes da Diretiva 93/13, o órgão jurisdicional de reenvio refere que resulta do Acórdão 34/2019 que este processo não sana o caráter não jurisdicional do processo para pagamento de honorários, uma vez que não impede que os despachos do secretário de justiça que fixam os honorários de advogado produzam efeitos.

38      No que respeita à execução das decisões do secretário de justiça, esse órgão jurisdicional precisa que, embora esta fase se desenrole sob a fiscalização de um juiz, o consumidor só pode deduzir oposição com base nos fundamentos previstos no artigo 556.o da LEC, entre os quais não figura o eventual caráter abusivo das cláusulas contidas no título com base no qual esse despacho foi proferido.

39      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, no âmbito de um recurso de revisão do despacho do secretário de justiça, como o que lhe foi submetido, o mesmo é obrigado, atento o caráter sumário em conformidade com o artigo 35.o da LEC, a confirmar ou a revogar o despacho do secretário de justiça. Não lhe compete, neste contexto, examinar o eventual caráter abusivo das cláusulas do contrato celebrado entre o advogado e o seu cliente.

40      Consequentemente, o referido órgão jurisdicional tem dúvidas, antes de mais, sobre a compatibilidade dessa via processual com a jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à obrigação de o juiz realizar essa fiscalização, se necessário a título oficioso. Com efeito, por um lado, no âmbito do processo para pagamento de honorários, o secretário de justiça não exerce funções jurisdicionais e não é competente para proceder a essa fiscalização. Por outro lado, em caso de recurso de revisão do despacho do secretário de justiça, também não está previsto que o juiz proceda a essa apreciação. Por conseguinte, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto a saber se não lhe compete, não obstante estas regras processuais, proceder oficiosamente à referida fiscalização, tendo em conta que não se pode limitar a anular o despacho e a remeter o processo ao secretário de justiça para que este proceda a essa fiscalização, uma vez que este último não dispõe de competência para o fazer.

41      Uma vez que, no presente processo, é obrigado a examinar oficiosamente o caráter abusivo da cláusula de desistência, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, em seguida, quanto a saber se essa cláusula é abrangida pela exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 ou se reveste antes a natureza de cláusula de indemnização ou de cláusula penal cujo eventual caráter abusivo está sujeito à fiscalização do juiz. Todavia, mesmo que se deva considerar que uma cláusula como a cláusula de desistência é abrangida pelo objeto principal do contrato ou pela adequação entre o preço e os serviços prestados em contrapartida, há que examinar se respeita as exigências de transparência. A este respeito, este órgão jurisdicional observa que a cláusula de desistência não prevê um montante determinado ou uma modalidade de cálculo dos honorários reclamados, limitando‑se a remeter para a tabela indicativa estabelecida pela Ordem dos Advogados de Sevilha. Ora, o alcance das leis nacionais relativas às ordens profissionais e a interpretação de algumas das suas disposições não são esclarecedores.

42      Por outro lado, não há indicação, segundo o referido órgão jurisdicional, de que a tabela indicativa que serviu para o cálculo dos honorários reclamados por Vicente seja pública e também não há provas de que Delia tenha sido informada do seu conteúdo.

43      Por último, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas quanto a saber se a inclusão de uma cláusula num contrato celebrado entre um advogado e o seu cliente, como a cláusula de desistência, que remete para a tabela dos honorários de advogado, que não é mencionada na proposta comercial nem na informação prévia à celebração do referido contrato, pode ser qualificada de prática comercial desleal, na aceção da Diretiva 2005/29.

44      Nestas circunstâncias, o Juzgado de Primera Instancia n.o 10 bis de Sevilla (Tribunal de Primeira Instância n.o 10‑A de Sevilha) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É compatível com a Diretiva 93/13 e com o princípio da efetividade nela consagrado, em conjugação com o direito a uma proteção jurisdicional efetiva previsto no artigo 47.o da Carta, um processo sumário de reclamação de honorários intentado por um advogado, que não permite que o juiz possa examinar oficiosamente o eventual caráter abusivo das cláusulas constantes do contrato celebrado com um consumidor, uma vez que não prevê a intervenção do juiz em nenhum momento da tramitação do processo, exceto se o cliente deduzir oposição à referida reclamação de honorários e, posteriormente, uma das partes interpuser recurso da decisão final do secretário de justiça?

2)      É compatível com a Diretiva 93/13 e com o princípio da efetividade nela consagrado, em conjugação com o direito a uma proteção jurisdicional efetiva previsto no artigo 47.o da Carta, o facto de a eventual fiscalização do caráter abusivo, a realizar pelo juiz, oficiosamente ou a pedido de uma das partes, neste tipo de processo sumário, ser levada a cabo no âmbito de um recurso gracioso de revisão da decisão proferida por um órgão não jurisdicional, como o secretário de justiça, o qual deve, em princípio, limitar se exclusivamente ao objeto da decisão e não permite a produção de outros elementos de prova diferente da prova documental já apresentada pelas partes?

3)      Deve uma cláusula contida num contrato entre um advogado e um consumidor, como a controvertida, que prevê o pagamento de honorários no caso específico de o cliente desistir do processo judicial antes do respetivo termo ou chegar a acordo com a entidade em causa, sem conhecimento ou contra o conselho do escritório de advogados, considerar se incluída no âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, por se tratar de uma cláusula principal relativa ao objeto do contrato, concretamente, ao preço?

4)      Em caso de resposta afirmativa à questão anterior, pode esta cláusula, que fixa os honorários por remissão para uma tabela da ordem dos advogados, que prevê regras diferentes a aplicar em cada caso concreto, e à qual não é feita nenhuma referência na informação prévia, ser considerada clara e compreensível na aceção do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13?

5)      Em caso de resposta negativa à questão anterior, pode a inclusão num contrato celebrado entre um advogado e um consumidor de uma cláusula que, como a controvertida, fixa os honorários do advogado por simples remissão para uma tabela da ordem dos advogados, que prevê regras diferentes a aplicar a cada caso concreto, e à qual não é feita nenhuma referência na proposta comercial e na informação prévia, ser considerada uma prática comercial desleal, na aceção da Diretiva 2005/29?»

Quanto à admissibilidade

45      O Governo espanhol invoca a inadmissibilidade da primeira a terceira e quinta questões. Segundo este Governo, a primeira questão tem caráter hipotético, na medida em que diz respeito a uma situação relativamente à qual não foi interposto recurso de revisão. Quanto à segunda questão, o referido Governo invoca a falta de precisões suficientes quanto ao teor das limitações previstas pela legislação nacional quanto ao alcance do exame a que o juiz procede, em princípio, no âmbito de um recurso de revisão. No entender deste Governo, uma resposta à terceira e quinta questões não se afigura necessária nem pertinente para a resolução do processo principal.

46      A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, as questões prejudiciais gozam de uma presunção de pertinência. O Tribunal de Justiça só pode recusar pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional, na aceção do artigo 267.o TFUE, quando, designadamente, as exigências respeitantes ao conteúdo do pedido de decisão prejudicial que figuram no artigo 94.o do Regulamento de Processo não forem respeitadas ou quando for manifesto que a interpretação ou a apreciação da validade de uma regra da União, solicitadas pelo órgão jurisdicional nacional, não têm nenhuma relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal ou quando o problema for hipotético (Acórdão de 28 de março de 2017, Rosneft, C‑72/15, EU:C:2017:236, n.o 50 e jurisprudência referida).

47      No que respeita ao caráter hipotético da primeira questão e ao caráter lacunar das explicações prestadas pelo órgão jurisdicional de reenvio em apoio da segunda questão, há que observar, por um lado, que a primeira questão não reveste esse caráter, na medida em que deve ser entendida em sentido amplo, isto é, no sentido de apreciar, em substância, a compatibilidade com a Diretiva 93/13 da inexistência de poder de fiscalização oficiosa, pelo juiz, do caráter eventualmente abusivo de uma cláusula contida num contrato celebrado entre um profissional e um consumidor. Por outro lado, as indicações dadas pelo órgão jurisdicional de reenvio relativas à segunda questão permitem determinar o alcance desta de modo bastante.

48      Quanto à terceira e quinta questões, não é manifesto que a interpretação solicitada do direito da União não tem nenhuma relação com o objeto do litígio no processo principal.

49      Com efeito, por um lado, no que respeita à terceira questão, se a resposta for no sentido de que o órgão jurisdicional de reenvio tem de examinar o eventual caráter abusivo da cláusula de desistência, é necessário apreciar se essa cláusula é abrangida pela exceção prevista no artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13. Por outro lado, no que se refere à interpretação da Diretiva 2005/29, que é objeto da quinta questão, resulta da decisão de reenvio que a mesma é necessária «para resolver o litígio em causa». Logo, está relacionada com o exame do eventual caráter abusivo da cláusula de desistência, ao abrigo do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, a que o órgão jurisdicional de reenvio deverá proceder caso a primeira a terceira questões obtenham uma resposta nesse sentido.

50      Por conseguinte, a primeira a terceira e quinta questões são admissíveis.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira e segunda questões

51      Com a sua primeira e segunda questões, que devem ser analisadas em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 93/13, lida à luz do princípio da efetividade e do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional relativa a um processo sumário para pagamento de honorários de advogado no âmbito do qual o pedido apresentado contra o cliente consumidor é objeto de um despacho proferido por uma autoridade não jurisdicional, estando a intervenção de um órgão jurisdicional prevista apenas na fase do eventual recurso desse despacho, sem que o órgão jurisdicional chamado a decidir possa fiscalizar, se necessário oficiosamente, se as cláusulas contidas no contrato que deu origem aos honorários reclamados revestem um caráter abusivo ou admitir a produção, pelas partes, de provas diferentes das provas documentais já apresentadas à autoridade não jurisdicional.

52      Importa recordar, antes de mais, que, como resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça, a situação de desequilíbrio entre o consumidor e o profissional só pode ser compensada por uma intervenção positiva, exterior às partes no contrato, estando o juiz nacional obrigado a apreciar oficiosamente o caráter eventualmente abusivo de uma cláusula contratual abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 93/13 desde que disponha dos elementos de direito e de facto necessários para o efeito (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, EU:C:2012:349, n.os 41 a 43 e jurisprudência referida).

53      Embora o Tribunal de Justiça já tenha enquadrado, sob vários aspetos, e tendo em conta as exigências do artigo 6.o, n.o 1, e do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, a maneira como o juiz nacional deve garantir a proteção dos direitos que decorrem para os consumidores desta diretiva, a verdade é que, em princípio, o direito da União não harmoniza os procedimentos aplicáveis à análise do caráter pretensamente abusivo de uma cláusula contratual e que, consequentemente, estes são organizados pela ordem jurídica interna dos Estados‑Membros (Acórdão de 26 de junho de 2019, Addiko Bank, C‑407/18, EU:C:2019:537, n.o 45 e jurisprudência referida). É o que acontece no processo principal em relação às regras processuais de direito espanhol que regulam o processo para pagamento de honorários de advogado que, na falta de harmonização, são organizados pela ordem jurídica deste Estado‑Membro.

54      Todavia, em conformidade com o princípio da cooperação leal atualmente consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, as modalidades processuais das ações destinadas a garantir a salvaguarda dos direitos conferidos aos litigantes pelo direito da União não devem ser menos favoráveis do que as que respeitam a ações semelhantes de natureza interna (princípio da equivalência) e não devem tornar impossível ou excessivamente difícil, na prática, o exercício dos direitos conferidos pela ordem jurídica da União (princípio da efetividade) (Acórdão de 24 de outubro de 2018, XC e o., C‑234/17, EU:C:2018:853, n.o 22 e jurisprudência referida).

55      No que respeita ao princípio da efetividade, importa recordar que, de acordo com jurisprudência assente do Tribunal de Justiça, cada caso em que se coloque a questão de saber se uma disposição processual nacional torna impossível ou excessivamente difícil a aplicação do direito da União deve ser analisado tendo em conta o lugar que essa disposição ocupa no processo, visto como um todo, na tramitação deste e nas suas particularidades perante as várias instâncias nacionais (Acórdão de 14 de março de 2013, Aziz, C‑415/11, EU:C:2013:164, n.o 53 e jurisprudência referida).

56      Importa igualmente notar que embora o respeito pelo princípio da efetividade não possa implicar o suprimento integral da passividade total do consumidor em causa (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2014, Kušionová, C‑34/13, EU:C:2014:2189, n.o 56 e jurisprudência referida), há, no entanto, que analisar se existe, tendo em conta as particularidades do processo nacional em causa, um risco não negligenciável que, nas ações intentadas por profissionais contra consumidores, estes últimos sejam dissuadidos de fazer valer os direitos que a Diretiva 93/13 lhes confere (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, EU:C:2012:349, n.os 54 e 56).

57      Quando a intervenção de um juiz e a apreciação do caráter eventualmente abusivo das cláusulas de um contrato celebrado entre um profissional e um consumidor só estão previstas, pela legislação nacional em causa, numa fase processual avançada, por exemplo, na da oposição contra uma injunção já emitida, ou, como no processo principal, no âmbito do recurso de revisão interposto contra o despacho do secretário de justiça, essa intervenção só é suscetível de preservar o efeito útil da Diretiva 93/13 se o consumidor não for dissuadido de fazer valer os seus direitos, na qualidade de demandante ou de demandado, nessa fase processual (v., por analogia, Acórdão de 20 de setembro de 2018, EOS KSI Slovensko, C‑448/17, EU:C:2018:745, n.os 46 e 51)

58      Por último, o Tribunal de Justiça declarou igualmente que o dever, resultante do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 93/13, de prever regras processuais que permitam garantir a observância dos direitos conferidos aos litigantes contra a utilização de cláusulas abusivas implica uma exigência do direito à ação, também consagrada no artigo 47.o da Carta (Acórdão de 13 de setembro de 2018, Profi Credit Polska, C‑176/17, EU:C:2018:711, n.o 59 e jurisprudência referida).

59      É à luz desta jurisprudência que se deve responder às duas primeiras questões.

60      No caso em apreço, como resulta dos n.os 34 a 36 do presente acórdão, caso considere que os honorários reclamados pelo seu advogado são inexigíveis ou excessivos, o consumidor pode impugná‑los perante o secretário de justiça do órgão jurisdicional nacional chamado a conhecer do processo judicial que deu origem a esses honorários. O secretário de justiça profere um despacho que fixa a quantia devida, sob pena de execução. Embora o secretário de justiça proceda a certas verificações relativas a esses honorários, resulta do pedido de decisão prejudicial que, enquanto autoridade não jurisdicional, não é competente para apreciar se uma cláusula do contrato do qual decorrem esses honorários reveste caráter abusivo à luz da Diretiva 93/13.

61      Se o consumidor decidir interpor recurso de revisão do despacho do secretário de justiça, decorre do artigo 454.o‑A da LEC que este deve ser interposto no prazo de cinco dias e que não tem efeito suspensivo. Resulta igualmente do pedido de decisão prejudicial que o juiz que conhece desse recurso não dispõe da possibilidade de realizar um exame do eventual caráter abusivo das cláusulas contidas no contrato que deu origem aos honorários reclamados, estando a sua fiscalização limitada ao objeto do despacho do secretário de justiça. Além disso, o regime de produção de prova está igualmente limitado às provas documentais já apresentadas ao secretário de justiça.

62      Nas suas observações escritas, o Governo espanhol contesta o alcance da LEC conforme apresentada pelo órgão jurisdicional de reenvio. Segundo este Governo, a referida lei não estabelece uma limitação expressa relativa à possibilidade de o juiz examinar o caráter eventualmente abusivo de cláusulas ou relativa à produção de prova no âmbito de um recurso de revisão.

63      A este respeito, basta recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, no âmbito do processo previsto no artigo 267.o TFUE, embora caiba ao Tribunal de Justiça interpretar as disposições do direito da União, cabe exclusivamente ao órgão jurisdicional de reenvio interpretar a legislação nacional. O Tribunal de Justiça deve, portanto, ater‑se à interpretação do direito nacional, tal como a mesma lhe foi exposta pelo referido órgão jurisdicional (Acórdão de 26 de junho de 2019, Addiko Bank, C‑407/18, EU:C:2019:537, n.o 52 e jurisprudência referida).

64      Por conseguinte, atentas as características do recurso de revisão previsto na LEC, conforme expostas no pedido de decisão prejudicial, em particular o caráter limitado da fiscalização exercida pelo juiz sobre o despacho do secretário de justiça, a proibição imposta a esse juiz de proceder, oficiosamente ou a pedido das partes, a um exame do eventual caráter abusivo das cláusulas contidas no contrato que serve de base aos honorários reclamados, bem como o regime de produção de prova que parece impedir as partes de apresentarem provas diferentes das já apresentadas ao secretário de justiça, a fim de fazerem valer os seus direitos que decorrem da Diretiva 93/13, pode concluir‑se que há um risco não negligenciável de que o consumidor seja dissuadido de fazer valer os direitos no âmbito de um recurso de revisão.

65      Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio assinala que, no âmbito de um processo judicial comum ou do processo de execução, o consumidor pode invocar o eventual caráter abusivo de uma cláusula contida no contrato celebrado com o seu advogado e com base no qual este último lhe exige o pagamento de honorários.

66      No que respeita, em primeiro lugar, ao processo judicial comum previsto no artigo 34.o, n.o 2, e no artigo 35.o, n.o 2, da LEC, o pedido de decisão prejudicial não é claro quanto à questão de saber se a instauração desse processo pelo consumidor suspende a execução do despacho do secretário de justiça ou da decisão judicial que confirma esta última, adotada na sequência de um recurso de revisão, de modo a permitir ao juiz chamado a pronunciar‑se sobre esse recurso analisar o caráter eventualmente abusivo das cláusulas do contrato em causa antes da execução destas decisões.

67      No que respeita, em segundo lugar, à intervenção de um juiz na fase de execução, há que observar, quanto à execução do despacho do secretário de justiça, que o órgão jurisdicional de reenvio considera que estes despachos devem ser qualificados de «decisões processuais», pelo que, na fase da sua execução em aplicação do regime previsto no artigo 556.o da LEC, o consumidor não pode invocar o caráter eventualmente abusivo de certas cláusulas contidas no título executivo.

68      Quanto à execução da decisão proferida no âmbito de um recurso de revisão, parece estar sujeita aos fundamentos de oposição previstos no artigo 556.o da LEC, dado o seu caráter judicial, sendo que o executado só pode invocar, no âmbito de uma oposição sem efeito suspensivo, o cumprimento da obrigação, a caducidade da ação executiva ou a transação entre as partes.

69      Resulta do exposto, sem prejuízo das verificações que incumbem ao órgão jurisdicional de reenvio no que respeita à interpretação do direito nacional, que nem o processo judicial comum nem o processo de execução parecem permitir sanar o risco de o consumidor não poder invocar os seus direitos decorrentes da Diretiva 93/13 no âmbito de um recurso de revisão.

70      Por conseguinte, a Diretiva 93/13, lida à luz do princípio da efetividade e do artigo 47.o da Carta, opõe‑se a um regime processual nacional, como o que está em causa no processo principal, na medida em que este regime não permite a fiscalização do caráter abusivo das cláusulas contidas num contrato celebrado entre um advogado e o seu cliente nem na fase de impugnação dos honorários reclamados, no âmbito da primeira fase do processo que corre perante o secretário de justiça do órgão jurisdicional que foi chamado a conhecer do processo judicial que deu origem aos honorários em questão, nem em sede de um recurso de revisão que pode ser em seguida interposto perante um juiz contra o despacho do secretário de justiça.

71      No entanto, o Governo espanhol e a Comissão alegam que é possível uma interpretação conforme do regime processual nacional, suscetível de permitir ao juiz chamado a conhecer de um recurso de revisão apreciar, oficiosamente ou a pedido do consumidor, o caráter eventualmente abusivo de uma cláusula do contrato que serve de base à reclamação de honorários, o que o órgão jurisdicional de reenvio também não exclui.

72      O princípio da interpretação conforme exige que os órgãos jurisdicionais nacionais façam tudo o que for da sua competência, tomando em consideração o direito interno no seu todo e aplicando os métodos de interpretação por este reconhecidos, a fim de garantir a plena eficácia da diretiva em causa e de alcançar uma solução conforme com o objetivo por si prosseguida (Acórdão de 26 de junho de 2019, Addiko Bank, C‑407/18, EU:C:2019:537, n.o 65 e jurisprudência referida).

73      A este respeito, a Comissão sugere, nas suas observações escritas, que os honorários decorrentes de uma cláusula abusiva podem ser considerados «inexegíveis», na aceção do artigo 35.o, n.o 2, da LEC. Em todo o caso, se o órgão jurisdicional de reenvio considerar que uma interpretação conforme do direito nacional é possível e que esta é suscetível de lhe permitir proceder à fiscalização oficiosa do caráter eventualmente abusivo da cláusula de desistência, deve, do mesmo modo, beneficiar da possibilidade de adotar a título oficioso medidas de instrução para o efeito (v., neste sentido, Acórdão de 14 de junho de 2012, Banco Español de Crédito, C‑618/10, EU:C:2012:349, n.o 44 e jurisprudência referida).

74      Consequentemente, cabe a esse órgão jurisdicional examinar em que medida o regime processual nacional pode ser objeto de uma interpretação conforme à Diretiva 93/13 e daí retirar as consequências, não aplicando, se necessário, todas as disposições ou jurisprudência nacionais que se oponham à obrigação do juiz, decorrente das exigências desta diretiva, de examinar oficiosamente se as estipulações acordadas entre as partes revestem caráter abusivo (v., neste sentido, Acórdão de 7 de novembro de 2019, Profi Credit Polska, C‑419/18 e C‑483/18, EU:C:2019:930, n.o 76 e jurisprudência referida).

75      Tendo em conta estas considerações, há que responder à primeira e segunda questões que a Diretiva 93/13, lida à luz do princípio da efetividade e do artigo 47.o da Carta, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional relativa a um processo sumário para pagamento de honorários de advogado no âmbito do qual o pedido apresentado contra o cliente consumidor é objeto de um despacho proferido por uma autoridade não jurisdicional, estando a intervenção de um órgão jurisdicional prevista apenas na fase do eventual recurso desse despacho, sem que o órgão jurisdicional chamado a decidir possa fiscalizar, se necessário a título oficioso, se as cláusulas contidas no contrato que deu origem aos honorários reclamados revestem um caráter abusivo ou admitir a produção, pelas partes, de provas diferentes das provas documentais já apresentadas à autoridade não jurisdicional.

 Quanto à terceira questão

76      Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que a exceção prevista nesta disposição abrange uma cláusula de um contrato celebrado entre um advogado e o seu cliente, nos termos da qual o cliente se compromete a seguir as instruções desse advogado, a não agir sem o conhecimento ou contra o conselho deste e a não desistir do processo judicial cujo acompanhamento confiou a esse advogado, sob pena de uma sanção pecuniária.

77      A título preliminar, importa recordar que, na medida em que o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 prevê uma exceção ao mecanismo de fiscalização do mérito das cláusulas abusivas, esta disposição é de interpretação estrita. Esta exceção visa, em primeiro lugar, as cláusulas relativas ao objeto principal do contrato e, em segundo lugar, as que incidem sobre a adequação entre o preço e a remuneração, por um lado, e os bens ou serviços a fornecer em contrapartida, por outro.

78      No que diz respeito à categoria de cláusulas contratuais abrangidas pelo conceito de «objeto principal do contrato», o Tribunal de Justiça declarou que essas cláusulas devem ser entendidas como as que fixam as prestações essenciais deste contrato, com exclusão das cláusulas que revestem caráter acessório relativamente às que definem a própria essência da relação contratual (v., neste sentido, Acórdão de 20 de setembro de 2017, Andriciuc e o., C‑186/16, EU:C:2017:703, n.os 35 e 36 e jurisprudência referida). No caso em apreço, as prestações principais são as enumeradas no n.o 21 do presente acórdão, uma vez que a cláusula de desistência visa sobretudo sancionar o comportamento do cliente que atua contra os conselhos do seu advogado. Consequentemente, esta cláusula não é abrangida por esta categoria.

79      No que respeita à categoria de cláusulas contratuais relativas à adequação entre o preço e o serviço, esta também não abrange a cláusula de desistência, na medida em que esta cláusula não prevê uma remuneração por um serviço prestado, limitando‑se antes a punir a violação de uma obrigação contratual (v., por analogia, Acórdão de 30 de abril de 2014, Kásler e Káslerné Rábai, C‑26/13, EU:C:2014:282, n.o 58).

80      Por conseguinte, há que responder à terceira questão que o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13 deve ser interpretado no sentido de que a exceção prevista nesta disposição não abrange uma cláusula de um contrato celebrado entre um advogado e o seu cliente, nos termos da qual o cliente se compromete a seguir as instruções desse advogado, a não agir sem o conhecimento ou contra o conselho deste e a não desistir do processo judicial cujo acompanhamento confiou a esse advogado, sob pena de uma sanção pecuniária.

 Quanto à quarta questão

81      Atendendo à resposta dada à terceira questão, não há que responder à quarta questão.

 Quanto à quinta questão

82      Com a sua quinta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se a Diretiva 2005/29 deve ser interpretada no sentido de que a inclusão, num contrato celebrado entre um advogado e o seu cliente, de uma cláusula que prevê o pagamento de uma sanção pecuniária por este último em caso de desistência do processo judicial cujo acompanhamento confiou ao referido advogado, que remete para a tabela de uma ordem profissional e que não foi mencionada na proposta comercial nem no âmbito da informação prévia à celebração do contrato, é suscetível de ser considerada uma prática comercial desleal, na aceção da referida diretiva.

83      Para responder a esta questão, importa, antes de mais, recordar que o artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2005/29 define, utilizando uma formulação particularmente ampla, o conceito de «prática comercial» como «qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação e as comunicações comerciais, incluindo a publicidade e o marketing, por parte de um profissional, em relação direta com a promoção, a venda ou o fornecimento de um produto aos consumidores» (Acórdão de 15 de março de 2012, Pereničová e Perenič, C‑453/10, EU:C:2012:144, n.o 38 e jurisprudência referida).

84      Em seguida, por força do artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2005/29, lido em conjugação com o seu artigo 2.o, alínea c), esta diretiva é aplicável às práticas comerciais desleais das empresas em relação aos consumidores antes, durante e após uma transação comercial relacionada com bens ou serviços. Em conformidade com o artigo 5.o, n.o 4, da referida diretiva, são desleais, em especial, as práticas enganosas, tal como definido nos artigos 6.o e 7.o da mesma.

85      Por último, como resulta do artigo 7.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2005/29, uma prática comercial é considerada enganosa quando, no seu contexto factual, tendo em conta todas as suas características e circunstâncias e as limitações do meio de comunicação, omita uma informação substancial que, atendendo ao contexto, seja necessária para que o consumidor médio possa tomar uma decisão de transação esclarecida, e, portanto, conduza ou seja suscetível de conduzir o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que este não teria tomado de outro modo.

86      No caso em apreço, a inclusão, num contrato celebrado entre um advogado e o seu cliente, de uma cláusula como a cláusula de desistência, sem que esta tenha sido mencionada na proposta comercial ou no âmbito da informação prévia à celebração do contrato, constitui a priori uma omissão de comunicação de uma informação substancial ou uma ocultação dessa informação suscetível de influenciar a decisão tomada pelo consumidor de se vincular a essa relação contratual. Com efeito, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que esta cláusula remete, para efeitos de cálculo da sanção contratual nela prevista, para a Tabela da Ordem dos Advogados de Sevilha cujo conteúdo é de difícil acesso e compreensão e, em caso de aplicação da referida cláusula, que o consumidor é obrigado a pagar uma sanção contratual suscetível de atingir um montante significativo, ou mesmo desproporcionado em relação ao preço dos serviços prestados com base nesse contrato. Todavia, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar tal.

87      Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder à quinta questão que a Diretiva 2005/29 deve ser interpretada no sentido de que a inclusão, num contrato celebrado entre um advogado e o seu cliente, de uma cláusula que prevê o pagamento de uma sanção pecuniária por este último em caso de desistência do processo judicial cujo acompanhamento confiou ao referido advogado, que remete para a tabela de uma ordem profissional e que não foi mencionada na proposta comercial nem no âmbito da informação prévia à celebração do contrato, deve ser qualificada de prática comercial «enganosa», na aceção do artigo 7.o desta diretiva, desde que conduza ou seja suscetível de levar o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que não teria tomado de outro modo, o que cabe ao juiz nacional verificar.

 Quanto às despesas

88      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) declara:

1)      A Diretiva 93/13/CEE do Conselho, de 5 de abril de 1993, relativa às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores, conforme alterada pela Diretiva 2011/83/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2011, lida à luz do princípio da efetividade e do artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

deve ser interpretada no sentido de que:

se opõe a uma legislação nacional relativa a um processo sumário para pagamento de honorários de advogado no âmbito do qual o pedido apresentado contra o cliente consumidor é objeto de um despacho proferido por uma autoridade não jurisdicional, estando a intervenção de um órgão jurisdicional prevista apenas na fase do eventual recurso desse despacho, sem que o órgão jurisdicional chamado a decidir possa fiscalizar, se necessário a título oficioso, se as cláusulas contidas no contrato que deu origem aos honorários reclamados revestem um caráter abusivo ou admitir a produção, pelas partes, de provas diferentes das provas documentais já apresentadas à autoridade não jurisdicional.

2)      O artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 93/13, conforme alterada pela Diretiva 2011/83,

deve ser interpretado no sentido de que:

a exceção prevista nesta disposição não abrange uma cláusula de um contrato celebrado entre um advogado e o seu cliente, nos termos da qual o cliente se compromete a seguir as instruções desse advogado, a não agir sem o conhecimento ou contra o conselho deste e a não desistir do processo judicial cujo acompanhamento confiou a esse advogado, sob pena de uma sanção pecuniária.

3)      A Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais das empresas face aos consumidores no mercado interno e que altera a Diretiva 84/450/CEE do Conselho, as Diretivas 97/7/CE, 98/27/CE e 2002/65/CE e o Regulamento (CE) n.o 2006/2004,

deve ser interpretada no sentido de que:

a inclusão, num contrato celebrado entre um advogado e o seu cliente, de uma cláusula que prevê o pagamento de uma sanção pecuniária por este último em caso de desistência do processo judicial cujo acompanhamento confiou ao referido advogado, que remete para a tabela de uma ordem profissional e que não foi mencionada na proposta comercial nem no âmbito da informação prévia à celebração do contrato, deve ser qualificada de prática comercial «enganosa», na aceção do artigo 7.o desta diretiva, desde que conduza ou seja suscetível de levar o consumidor médio a tomar uma decisão de transação que não teria tomado de outro modo, o que cabe ao juiz nacional verificar.

Assinaturas


*      Língua do processo: espanhol.