Language of document : ECLI:EU:C:2018:338

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 29 de maio de 2018 (1)

Processo C‑684/16

Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften eV

contra

Tetsuji Shimizu

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal do Trabalho, Alemanha)]

«Reenvio prejudicial — Política social — Organização do tempo de trabalho — Direito a férias anuais remuneradas — Diretiva 2003/88/CE — Artigo 7. o, n. o 2 — Retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho — Perda do direito a essa retribuição financeira quando o trabalhador não pede para beneficiar das suas férias anuais remuneradas — Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Artigo 31. o, n. o 2 — Dever de interpretação conforme do direito nacional — Invocabilidade direta do artigo 31. o, n. o 2, da Carta no âmbito de um litígio entre particulares — Obrigação de não aplicar uma legislação nacional contrária»






1.        O presente pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (2), e do artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (3).

2.        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe T. Shimizu à sua antiga entidade patronal, a Max‑Planck‑Gesellschaft zur Förderung der Wissenschaften eV (a seguir «Max‑Planck»), a respeito da recusa desta última em pagar a T. Shimizu uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho.

3.        O processo em apreço, à semelhança do processo Kreuziger, no qual também apresentei conclusões (C‑619/16, EU:C:2018:339), proporciona ao Tribunal de Justiça a oportunidade de precisar as condições em que um trabalhador cuja relação de trabalho termine pode reclamar o pagamento dessa retribuição financeira com fundamento no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88.

4.        Nas presentes conclusões, exporei as razões pelas quais considero que o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que reconhece o direito a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho quando um trabalhador não tenha podido gozar todas as férias anuais remuneradas a que tinha direito durante essa relação.

5.        Explicarei igualmente por que razão, na minha opinião, essa mesma disposição deve ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional por força da qual um trabalhador perde o direito a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho quando esse trabalhador não tenha pedido para beneficiar dessas férias enquanto estava em atividade, sem que se verifique previamente se a entidade patronal colocou efetivamente esse trabalhador em condições de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas.

6.        Em seguida, referirei que, quando um órgão jurisdicional nacional é chamado a conhecer de um litígio relativo ao direito de um trabalhador a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho, incumbe‑lhe verificar se a entidade patronal prova que adotou as medidas adequadas para assegurar a esse trabalhador a possibilidade de exercer efetivamente o seu direito a férias anuais remuneradas durante essa relação. Se a entidade patronal demonstrar que efetuou as diligências necessárias e que, apesar das medidas que adotou, o trabalhador renunciou deliberadamente e de forma esclarecida a exercer o seu direito a férias anuais remuneradas, embora tenha tido possibilidade de o fazer durante a relação de trabalho, o referido trabalhador não pode reclamar, com fundamento no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, o pagamento de uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho.

7.        Por último, esclarecerei que, quando se verifique que, no âmbito de um litígio que opõe dois particulares, uma legislação nacional obsta a que um trabalhador receba uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho, à qual este tem, contudo, direito ao abrigo do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, o órgão jurisdicional nacional que conhece do litígio deve verificar se lhe é possível interpretar o direito nacional aplicável de modo conforme a esta disposição e, se não lhe parecer que é o caso, assegurar, no quadro das suas competências, a proteção jurídica que decorre para os particulares do artigo 31.o, n.o 2, da Carta, bem como garantir o pleno efeito deste artigo, não aplicando, se necessário, qualquer disposição nacional contrária.

I.      Quadro jurídico

A.      Direito da União

8.        Nos termos do considerando 4 da Diretiva 2003/88:

«A melhoria da segurança, da higiene e de saúde dos trabalhadores no trabalho constitui um objetivo que não se pode subordinar a considerações de ordem puramente económica.»

9.        O artigo 7.o desta diretiva dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, de acordo com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais.

2.      O período mínimo de férias anuais remuneradas não pode ser substituído por retribuição financeira, exceto nos casos de cessação da relação de trabalho.»

10.      O artigo 17.o da referida diretiva prevê que os Estados‑Membros podem derrogar algumas das suas disposições. Todavia, não é admitida nenhuma derrogação no que respeita ao artigo 7.o da mesma.

11.      De acordo com o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 89/391/CEE do Conselho, de 12 de junho de 1989, relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (4):

«A entidade patronal é obrigada a assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspetos relacionados com o trabalho».

B.      Direito alemão

12.      O § 7 da Bundesurlaubsgesetz (Lei federal relativa às férias) (5), de 8 de janeiro de 1963, na sua versão de 7 de maio de 2002 (6), prevê, sob a epígrafe «Fixação, transferência e remuneração das férias»:

«1.      Na fixação do período de férias, deve ser tida em conta a vontade do trabalhador, salvo se a isso se opuserem interesses imperiosos da empresa ou os interesses de outros trabalhadores que gozem de prioridade por motivos de índole social. As férias devem ser concedidas quando o pedido do trabalhador o solicite no seguimento de um tratamento médico preventivo ou de reabilitação.

2.      As férias devem ser concedidas de maneira ininterrupta, salvo se motivos imperiosos de serviço ou motivos pessoais do trabalhador tornarem necessária uma repartição das férias. Se, pelas referidas razões, as férias não puderem ser concedidas de forma ininterrupta e o trabalhador tiver direito a mais de doze dias úteis de férias, um dos períodos de férias deverá englobar, no mínimo, doze dias úteis consecutivos.

3.      As férias devem ser concedidas e gozadas durante o ano civil em curso. Só podem ser transferidas para o ano civil seguinte quando tal se justifique por motivos imperiosos de serviço ou por motivos pessoais do trabalhador. […]

4.      Caso as férias não possam ser concedidas, no todo ou em parte, devido à cessação da relação de trabalho, devem ser substituídas por uma remuneração compensatória.»

13.      A Tarifvertrag für den öffentlichen Dienst (Convenção coletiva aplicável à função pública) contém o § 26, sob a epígrafe «Férias», que dispõe, no seu n.o 1:

«[…] As férias devem ser concedidas durante o ano civil em curso; podem ser gozadas em vários períodos. […]»

II.    Factos do litígio no processo principal e questões prejudiciais

14.      T. Shimizu trabalhou para a Max‑Planck, ao abrigo de vários contratos de trabalho a termo, de 1 de agosto de 2001 a 31 de dezembro de 2013. A relação de trabalho entre as partes era regida pelas disposições da BUrlG e da Convenção coletiva aplicável à função pública.

15.      Por carta de 23 de outubro de 2013, a Max‑Planck convidou T. Shimizu a gozar as suas férias antes da cessação da relação de trabalho, sem, no entanto, lhe impor oficiosamente dias de férias fixados unilateralmente. T. Shimizu gozou dois dias de férias, respetivamente, em 15 de novembro e em 2 de dezembro de 2013.

16.      Depois de, por carta de 23 de dezembro de 2013, ter pedido, sem sucesso, à Max‑Planck o pagamento de uma indemnização de 11 979,26 euros, correspondente a 51 dias de férias anuais não gozadas em 2012 e 2013, T. Shimizu intentou uma ação, destinada a obter a condenação da Max‑Planck nesse pagamento.

17.      Tendo o pedido sido julgado procedente, tanto na primeira como na segunda instância, a Max‑Planck interpôs um recurso de «Revision» no Bundesarbeitsgericht, o órgão jurisdicional de reenvio.

18.      Este órgão jurisdicional afirma que o direito a férias anuais remuneradas de T. Shimizu relativo a 2012 e 2013 caducou, por força do § 7, n.o 3, primeira frase, da BUrlG. Com efeito, o interessado não gozou as referidas férias nos anos em que adquiriu esse direito, sem que se afigure que motivos imperiosos de serviço ou motivos pessoais do trabalhador, na aceção do § 7, n.o 3, segunda frase, da BUrlG, tenham justificado, no caso concreto, que as férias não tenham sido gozadas, ou que a entidade patronal tenha impedido, de alguma forma, o interessado de as gozar. De acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, o § 7 da BUrlG também não pode ser interpretado no sentido de que a entidade patronal devia ter fixado unilateralmente a data das férias e obrigado o trabalhador a gozá‑las. Assim, devido à extinção do direito a férias anuais remuneradas de T. Shimizu, esse direito deixou de poder ser transformado num direito a uma retribuição compensatória nos termos do § 7, n.o 4, da BUrlG.

19.      Além disso, o órgão jurisdicional de reenvio considera que a jurisprudência do Tribunal de Justiça não permite determinar claramente se uma legislação nacional que tenha os efeitos descritos no número anterior das presentes conclusões está ou não em conformidade com o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e com o artigo 31.o, n.o 2, da Carta, e que a doutrina, por seu turno, se divide quanto a esta questão.

20.      Por outro lado, este órgão jurisdicional afirma que a Max‑Planck é uma organização sem fins lucrativos de direito privado, financiada, em grande parte, é certo, por fundos públicos, mas que, no entanto, não dispõe de poderes excecionais relativamente às regras aplicáveis nas relações entre particulares, pelo que deve ser equiparada a um particular por força da jurisprudência do Tribunal de Justiça (7). Ora, o Tribunal de Justiça ainda não precisou, a este respeito, se o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 ou o artigo 31.o, n.o 2, da Carta têm efeito direto horizontal.

21.      Nestas condições, o Bundesarbeitsgericht decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve[m] o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva [2003/88] ou o artigo 31.o, n.o 2, da [Carta] ser interpretados no sentido de que se opõem a uma disposição nacional, como o § 7 da [BUrlG], que, como modalidade de exercício do direito a férias, prevê que o trabalhador deve requerer férias, indicando as suas preferências quanto ao período em que pretende gozá‑las, sob pena de perder o direito a férias no termo do período de referência, sem direito a qualquer compensação, não estando o empregador obrigado a fixar unilateral e vinculativamente o período de férias dentro do período de referência?

2)      Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

O mesmo se aplica quando esteja em causa uma relação de trabalho entre particulares?»

III. Análise

22.      Com a sua primeira questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, em substância, se o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional por força da qual um trabalhador perde o direito a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho quando esse trabalhador não tenha pedido para beneficiar dessas férias enquanto estava em atividade.

23.      A segunda questão prejudicial, por seu turno, diz respeito ao problema da invocabilidade do direito da União no âmbito de um litígio entre particulares com o objetivo de afastar a aplicação de tal legislação, na hipótese de esta dever ser considerada contrária a esse direito.

24.      Para responder às questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, importa recordar que, como resulta da própria redação do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88, disposição que esta diretiva não permite derrogar, todos os trabalhadores beneficiam de um período de férias anuais remuneradas de, pelo menos, quatro semanas. Como o Tribunal de Justiça já decidiu várias vezes, «[e]ste direito a férias anuais remuneradas deve ser considerado um princípio do direito social da União que reveste especial importância, cuja aplicação pelas autoridades nacionais competentes apenas pode ser efetuada dentro dos limites expressamente enunciados pela própria Diretiva 2003/88» (8).

25.      Por outro lado, resulta dos termos da Diretiva 2003/88 e da jurisprudência do Tribunal de Justiça que, «embora caiba aos Estados‑Membros definir as condições de exercício e de execução do direito a férias anuais remuneradas, estes devem abster‑se de sujeitar a qualquer condição a própria constituição do referido direito, que resulta diretamente desta diretiva» (9).

26.      O Tribunal de Justiça já teve várias vezes de se pronunciar sobre questões relativas ao direito a férias anuais remuneradas de um trabalhador que não tenha podido exercer, antes da cessação da relação de trabalho, o seu direito às referidas férias por razões alheias à sua vontade, seja devido a uma doença (10) ou à recusa da entidade patronal em remunerar as suas férias (11).

27.      Neste contexto, o Tribunal de Justiça estabeleceu a regra de que «a Diretiva 2003/88 não permite que os Estados‑Membros excluam a própria constituição do direito a férias anuais remuneradas nem que prevejam que o direito a férias anuais remuneradas de um trabalhador que tenha estado impedido de exercer esse direito se extingue no termo do período de referência e/ou de um período de transferência previsto no direito nacional» (12).

28.      Acresce que decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que «um trabalhador que, por razões alheias à sua vontade, não tenha tido possibilidade de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas antes da cessação da relação laboral, tem direito a uma retribuição financeira nos termos do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88. O montante dessa retribuição deve ser calculado de forma a que esse trabalhador fique numa situação comparável àquela em que estaria se tivesse exercido o referido direito durante o período da relação laboral» (13).

29.      De acordo com o Tribunal de Justiça, a regra estabelecida pelo artigo 7.o da Diretiva 2003/88 e pelo artigo 31.o, n.o 2, da Carta é, por conseguinte, a de que «um direito adquirido a férias anuais remuneradas não se pode extinguir no termo do período de referência e/ou de um período de transferência previsto no direito nacional, quando o trabalhador não teve condições de gozar as suas férias» (14).

30.      A ideia subjacente a esta regra é a de que, embora os Estados‑Membros possam prever modalidades de exercício do direito a férias anuais remuneradas, incluindo mesmo a perda desse direito no final de um período de referência ou de um período de transferência, tal só pode acontecer se o trabalhador cujo direito a férias anuais remuneradas se perdeu tiver efetivamente tido possibilidade de exercer o direito que essa diretiva lhe confere (15).

31.      Parece decorrer da legislação nacional em causa, tal como interpretada por determinados órgãos jurisdicionais nacionais, que o direito a férias anuais remuneradas se extingue no termo do período de referência quando o trabalhador não tenha pedido para o exercer durante esse período. Esta extinção do direito a férias anuais remuneradas cuja fruição não tenha sido reclamada pelo trabalhador implica a perda do direito a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho.

32.      Tal legislação nacional, interpretada desse modo, afigura‑se contrária ao artigo 7.o da Diretiva 2003/88, na medida em que deduz automaticamente da falta de pedido do trabalhador para gozar as suas férias durante o período de referência a perda destas no termo desse período, sem verificar previamente se esse trabalhador esteve efetivamente em condições de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas, em conformidade com o que é exigido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça.

33.      Ora, tendo em conta a finalidade que a Diretiva 2003/88 atribui ao direito a férias anuais remuneradas, que é assegurar ao trabalhador o benefício de descanso efetivo, numa preocupação de proteção eficaz da sua segurança e da sua saúde, compete à entidade patronal adotar as medidas adequadas para assegurar ao trabalhador a possibilidade de exercer efetivamente o seu direito a férias anuais remuneradas e, em caso de litígio, provar que adotou essas medidas.

34.      Recorde‑se, a este respeito, que a Diretiva 2003/88 «consagr[a] […] a regra segundo a qual o trabalhador deve normalmente poder beneficiar de descanso efetivo, numa preocupação de proteção eficaz da sua segurança e da sua saúde» (16). A finalidade do direito a férias anuais remuneradas consiste em «permitir ao trabalhador descansar e dispor de um período de descontração e de lazer» (17).

35.      A entidade patronal tem uma responsabilidade especial no sentido de que os trabalhadores que se encontram sob a sua direção exerçam efetivamente o seu direito a férias anuais remuneradas.

36.      Como o Tribunal de Justiça já decidiu, «o trabalhador deve ser considerado a parte fraca na relação de trabalho, pelo que é necessário impedir que a entidade patronal lhe possa impor uma restrição dos seus direitos» (18). Com efeito, de acordo com o Tribunal de Justiça, «tendo em conta esta posição de fraqueza, tal trabalhador pode ser dissuadido de fazer valer explicitamente os seus direitos face ao seu empregador, quando o facto de os reivindicar seja suscetível de o expor a medidas tomadas por este último, que possam afetar a relação de trabalho em detrimento deste trabalhador» (19). Por conseguinte, «qualquer prática ou omissão, de um empregador, que tenha um efeito potencialmente dissuasor sobre o gozo das férias anuais por um trabalhador, é igualmente incompatível com a finalidade do direito a férias anuais remuneradas» (20).

37.      Tendo em conta esse desequilíbrio inerente à relação de trabalho, incumbe à entidade patronal adotar as medidas adequadas para que os trabalhadores possam exercer o seu direito a férias anuais remuneradas. Parece‑me, de resto, que o Tribunal de Justiça salientou a existência de uma obrigação que recai sobre a entidade patronal quanto ao gozo efetivo pelos trabalhadores das respetivas férias, ao declarar que «o empregador que não dá condições a um trabalhador para que este exerça o seu direito a férias anuais remuneradas deve assumir as consequências disso» (21).

38.      A existência de tal obrigação é confirmada pela Diretiva 89/391, que continua a ser aplicável, como referem o considerando 3 e o artigo 1.o, n.o 4, da Diretiva 2003/88 (22). De facto, o artigo 5.o, n.o 1, da Diretiva 89/391 dispõe que «[a] entidade patronal é obrigada a assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspetos relacionados com o trabalho». Além disso, o artigo 6.o, n.o 1, desta diretiva prevê que «[n]o âmbito das suas responsabilidades, a entidade patronal tomará as medidas necessárias à defesa da segurança e da saúde dos trabalhadores […]».

39.      Assim, importa ter em conta a obrigação imposta pela Diretiva 89/391 às entidades patronais a fim de interpretar o artigo 7.o da Diretiva 2003/88.

40.      Realço, por outro lado, que a República Federal da Alemanha admitiu, na audiência, que, por força do princípio da solicitude, a entidade patronal deve, de um modo geral, velar pelo bem‑estar dos seus trabalhadores e que, no âmbito desse dever de solicitude, existe igualmente a necessidade de colocar o trabalhador em condições de exercer os seus direitos.

41.      Esta obrigação deve traduzir‑se, em matéria de organização do tempo de trabalho, na adoção pela entidade patronal de medidas de organização concretas que permitam aos trabalhadores exercer o seu direito a férias anuais remuneradas, bem como na informação precisa e atempada de que, se esses trabalhadores não gozarem efetivamente as suas férias, correm o risco de as perder no termo do período de referência ou de um período de transferência autorizado. A entidade patronal deve igualmente informar os trabalhadores de que, se não gozarem as suas férias durante a relação de trabalho, quando tenham efetivamente possibilidade de o fazer, não poderão reivindicar o direito a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho. Contudo, a obrigação que recai sobre a entidade patronal não vai «ao ponto de obrigar a entidade patronal a impor aos seus trabalhadores que exerçam, efetivamente, os períodos de descanso a que têm direito» (23). Com esta ressalva, a obrigação imposta à entidade patronal deve traduzir‑se, na minha opinião, num regime probatório nos termos do qual, em caso de litígio, cabe à entidade patronal demonstrar que adotou as medidas adequadas para assegurar ao trabalhador a possibilidade de exercer efetivamente esse direito.

42.      Tendo em conta a obrigação que recai sobre a entidade patronal de dar efetivamente aos seus trabalhadores a possibilidade de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas, uma legislação ou uma prática nacional que tenha como efeito imputar apenas aos trabalhadores a responsabilidade de exercer esse direito, sem que se verifique previamente se a entidade patronal cumpriu a sua obrigação, é contrária ao artigo 7.o da Diretiva 2003/88. Com efeito, admitir que uma legislação nacional possa prever a extinção do direito do trabalhador a férias anuais remuneradas sem que o trabalhador tenha tido efetivamente a possibilidade de exercer esse direito violaria a substância do direito social diretamente conferido pelo artigo 7.o da Diretiva 2003/88 a cada trabalhador (24). Resulta do exposto que o facto de um trabalhador não ter pedido para exercer o seu direito a férias anuais remuneradas durante o período de referência não pode implicar ipso facto a perda desse direito no termo desse período e, correlativamente, a perda do direito a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho. A jurisprudência do Tribunal de Justiça parece, de resto, considerar que a questão de saber se um trabalhador apresentou ou não pedidos de férias anuais remuneradas é desprovida de pertinência (25).

43.      Por conseguinte, compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar, tendo em conta a finalidade que a Diretiva 2003/88 atribui ao direito a férias anuais remuneradas, se a entidade patronal prova que adotou as medidas adequadas para assegurar ao trabalhador a possibilidade de exercer efetivamente o seu direito a férias anuais remuneradas, efetuando para o efeito as diligências que lhe incumbem. Uma vez que a entidade patronal demonstre que efetuou as diligências necessárias e que, apesar das medidas adotadas, o trabalhador renunciou deliberadamente a exercer o seu direito a férias anuais remuneradas, embora tenha tido possibilidade de o fazer durante a relação de trabalho, esse trabalhador não pode reclamar, com fundamento no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, o pagamento de uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho. De facto, nesse caso, o trabalhador teve possibilidade de exercer o seu direito. Renunciou a essa possibilidade de forma esclarecida, conhecendo os efeitos jurídicos que lhe poderiam ser opostos até à cessação da relação de trabalho.

44.      É verdade que determinadas considerações formuladas pelo Tribunal de Justiça podem dar a impressão de que este interpreta o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 no sentido de que confere diretamente e de forma automática aos trabalhadores uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas em caso de cessação da relação de trabalho. Quanto às condições de existência do direito a tal retribuição financeira, o Tribunal de Justiça sublinhou que, «quando cessa a relação de trabalho e o gozo efetivo das férias anuais remuneradas deixa, por conseguinte, de ser possível, o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 prevê que o trabalhador tem direito a uma retribuição financeira, a fim de evitar que, devido a essa impossibilidade, seja excluído o gozo desse direito pelo trabalhador, mesmo que sob a forma pecuniária» (26). O Tribunal de Justiça decidiu igualmente que «[c]om o objetivo de garantir o respeito desse direito fundamental consagrado pelo direito da União, o Tribunal de Justiça não pode adotar uma interpretação restritiva do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, em detrimento dos direitos que esta confere ao trabalhador» (27). Além disso, o Tribunal de Justiça afirmou que «o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, não estabelece nenhuma condição para a aquisição do direito à retribuição financeira para além, por um lado, da cessação da relação de trabalho e, por outro, do facto do trabalhador não ter gozado a totalidade das férias anuais a que tinha direito na data em que ocorreu a cessação» (28).

45.      Dito isto, importa sublinhar que essas considerações estão estreitamente associadas aos contextos factuais em que ocorreram, ou seja, situações em que um trabalhador foi impedido de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas por motivo de doença ou de morte.

46.      Por outro lado, e em todo o caso, o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 não pode ser interpretado no sentido de que um trabalhador que tenha renunciado voluntariamente e de forma esclarecida a gozar as suas férias anuais remuneradas pode reivindicar o direito ao pagamento de uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho, quando a sua entidade patronal apresente prova de que colocou efetivamente o trabalhador em condições de gozar as suas férias durante a relação de trabalho.

47.      De facto, uma interpretação do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 que fosse a favor de um pagamento automático ao trabalhador de uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho, sem analisar os comportamentos respetivos da entidade patronal e do trabalhador, seria contrária quer à redação dessa disposição quer à finalidade do direito a férias anuais remuneradas, como foi salientado e posteriormente recordado pelo Tribunal de Justiça na sua jurisprudência constante. Ora, há que interpretar o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 à luz da sua redação e do objetivo que prossegue (29).

48.      Em primeiro lugar, quanto à redação do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, dela decorre que o pagamento de uma retribuição financeira que tenha por objeto substituir o período mínimo de férias anuais remuneradas só é possível em caso de cessação da relação de trabalho. Assim, o gozo efetivo das férias constitui a regra e a retribuição financeira a exceção. Além disso, mesmo em caso de cessação da relação de trabalho, a redação dessa disposição não exprime a ideia de um benefício automático desta retribuição financeira em caso de cessação da relação de trabalho, mas apenas a ideia de uma possibilidade.

49.      Em segundo lugar, no que respeita à finalidade do direito a férias anuais remuneradas, esta consiste, recorde‑se, em «permitir ao trabalhador descansar e dispor de um período de descontração e de lazer» (30). Além disso, importa referir novamente a regra de que o trabalhador deve normalmente poder beneficiar de descanso efetivo.

50.      Interpretar o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 no sentido de que confere diretamente e de forma automática ao trabalhador uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas em caso de cessação da relação de trabalho seria contrário a essa finalidade e à exigência de descanso efetivo do trabalhador, que implicam que o gozo do direito a férias anuais remuneradas deve, em princípio, efetuar‑se em espécie.

51.      De facto, tal interpretação poderia incentivar os trabalhadores que saibam que a sua relação de trabalho pode terminar num futuro próximo, por exemplo porque estão em formação ou são contratados ao abrigo de um contrato a termo, a não gozar férias, de forma a aumentar a sua remuneração através da obtenção, na cessação dessa relação, de uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas. Ora, o Tribunal de Justiça já decidiu que há que evitar uma interpretação do artigo 7.o da Diretiva 2003/88 que «constituiria um estímulo, incompatível com os objetivos d[esta] diretiva, para prescindir de períodos de descanso ou incitar os trabalhadores a fazê‑lo» (31). Por conseguinte, a fim de respeitar a finalidade do direito a férias anuais remuneradas, importa assegurar que o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 não possa ser utilizado como um instrumento que permita acumular dias de férias anuais remuneradas para obter uma retribuição na cessação da relação de trabalho (32).

52.      Acrescente‑se que a proteção da segurança e da saúde do trabalhador não diz respeito apenas ao interesse individual deste, mas também ao da sua entidade patronal, bem como ao interesse geral (33).

53.      Tendo em consideração estes elementos, importa, por conseguinte, relativizar a passagem do Acórdão de 12 de junho de 2014, Bollacke (34), na qual o Tribunal de Justiça referiu que «o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça, não estabelece nenhuma condição para a aquisição do direito à retribuição financeira para além, por um lado, da cessação da relação de trabalho e, por outro, do facto do trabalhador não ter gozado a totalidade das férias anuais a que tinha direito na data em que ocorreu a cessação» (35). Para estar em conformidade com a dupla finalidade do direito a férias anuais remuneradas, designadamente permitir ao trabalhador, por um lado, descansar e, por outro lado, dispor de um período de descontração e de lazer, bem como com a regra de que o trabalhador deve normalmente poder beneficiar de descanso efetivo, a segunda condição estabelecida pelo artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, ou seja, a condição de que «o trabalhador não tenha gozado a totalidade das férias anuais a que tinha direito na data em que ocorreu a cessação [da sua relação de trabalho]» (36), deve necessariamente ser entendida no sentido de que significa que o trabalhador «não tenha podido gozar a totalidade das suas férias anuais remuneradas antes de terminar a sua relação de trabalho» (37). Apenas se a primeira condição, ou seja, a cessação da relação de trabalho, e a segunda condição, assim entendida, estiverem reunidas é que o trabalhador cuja relação de trabalho tenha terminado terá direito, com fundamento no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas.

54.      Esta interpretação do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 permite assim assegurar um justo equilíbrio entre a necessária compensação financeira de um direito a férias anuais remuneradas que não tenha podido ser objeto de gozo efetivo durante a relação de trabalho e o respeito pela finalidade desse direito que implica, em princípio, o gozo efetivo das férias.

55.      Em suma, proponho que o Tribunal de Justiça rejeite a tese de que o pagamento da retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho depende da dupla condição de, por um lado, o trabalhador ter reclamado pessoalmente o benefício das férias controvertido à sua entidade patronal e, por outro lado, esse trabalhador provar que ficou impossibilitado de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas por razões que não lhe são imputáveis.

56.      Proponho que o Tribunal de Justiça adote uma lógica diferente, assente na regra de que o gozo efetivo das férias deve ser privilegiado e no papel que a entidade patronal deve desempenhar a este respeito. Nesta ótica, exclui‑se que recaia unicamente sobre os trabalhadores a responsabilidade de garantir que gozam efetivamente as suas férias, sob pena de perderem o benefício das mesmas. De facto, tal solução não tem em conta a realidade das relações de trabalho que se traduz num desequilíbrio entre a entidade patronal e o trabalhador, podendo este último ser levado, de várias formas, a trabalhar mais, particularmente quando espera uma renovação do seu contrato. Para reduzir esse risco, bem como a propensão dos trabalhadores para transformar os seus dias de férias em complemento de salário, deve impor‑se à entidade patronal a obrigação de adotar medidas adequadas para permitir ao trabalhador exercer efetivamente o seu direito a férias anuais remuneradas. Se a entidade patronal provar que colocou o trabalhador em condições de exercer esse direito, o referido trabalhador não pode exigir, com fundamento no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, o pagamento de uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho.

57.      Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda ao órgão jurisdicional de reenvio que o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que estabelece o direito a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho quando um trabalhador não tenha podido gozar todas as férias anuais remuneradas a que tinha direito durante essa relação.

58.      Essa mesma disposição deve, na minha opinião, ser interpretada no sentido de que se opõe a uma legislação nacional por força da qual um trabalhador perde o direito a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho quando esse trabalhador não tenha pedido para beneficiar dessas férias enquanto estava em atividade, sem que se verifique previamente se a entidade patronal colocou efetivamente esse trabalhador em condições de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas.

59.      Quando um órgão jurisdicional nacional seja chamado a conhecer de um litígio relativo ao direito de um trabalhador a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho, incumbe‑lhe verificar se a entidade patronal prova que adotou as medidas adequadas para assegurar a esse trabalhador a possibilidade de exercer efetivamente o seu direito a férias anuais remuneradas durante essa relação. Se a entidade patronal demonstrar que efetuou as diligências necessárias e que, apesar das medidas adotadas, o trabalhador renunciou deliberadamente e de forma esclarecida a exercer o seu direito a férias anuais remuneradas, embora tenha tido possibilidade de o fazer durante a relação de trabalho, esse trabalhador não pode reclamar, com fundamento no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, o pagamento de uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho.

60.      No caso vertente, ainda que a apreciação definitiva a este respeito incumba ao órgão jurisdicional de reenvio, é duvidoso que possa considerar‑se que a Max‑Planck efetuou as diligências necessárias para colocar T. Shimizu em condições de gozar as férias anuais remuneradas a que tinha direito. De facto, a única medida que é referida nos autos é o convite feito pela Max‑Planck a T. Shimizu, em 23 de outubro de 2013, para que gozasse as suas férias, ao mesmo tempo que este era informado de que o seu contrato de trabalho não seria renovado. Tendo em conta o tempo reduzido que mediou entre a data em que essa medida foi adotada e a data do termo do contrato de T. Shimizu, ou seja, 31 de dezembro de 2013, a referida medida tem caráter tardio, o que impede, em meu entender, que seja considerada adequada para permitir a esse trabalhador exercer efetivamente o seu direito a férias anuais remuneradas.

61.      Além disso, considero que, durante o período que precede a data de cessação de um contrato a termo, um trabalhador não está em condições de exercer efetivamente o seu direito a férias anuais remuneradas. De facto, na realidade atual do mercado de trabalho, esse trabalhador estará, durante esse período, certamente mais ocupado a procurar um novo emprego do que a descansar e a dispor de um período de descontração e de lazer. Além disso, durante o período que antecede a cessação de um contrato a termo, o trabalhador pode legitimamente estar empenhado em concluir convenientemente os projetos que desenvolveu durante a relação de trabalho, o que pode levá‑lo a renunciar a gozar as suas férias (38).

62.      Passo agora à segunda questão prejudicial submetida pelo órgão jurisdicional de reenvio, que suscita o problema relativo à possibilidade de invocar o direito da União no âmbito de um litígio entre particulares. A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a Max‑Planck é uma organização sem fins lucrativos de direito privado, financiada em grande parte, é certo, por fundos públicos, mas que, no entanto, não dispõe de poderes excecionais relativamente às regras aplicáveis nas relações entre particulares. Consequentemente, o litígio que lhe incumbe julgar deve, em seu entender, ser considerado um litígio entre particulares. Esta premissa não foi posta em causa no âmbito do presente processo de reenvio prejudicial.

63.      Tendo em conta a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça relativa à inexistência de efeito direto horizontal das diretivas, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, através dessa questão, em substância, se o artigo 31.o, n.o 2, da Carta pode ser invocado no âmbito de um litígio entre particulares com o objetivo de excluir a aplicação de uma legislação nacional cuja incompatibilidade com o artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 esteja estabelecida.

64.      Analisei em pormenor esta questão, bem como o alcance da obrigação de interpretação conforme que recai sobre os órgãos jurisdicionais nacionais, no quadro das minhas conclusões relativas aos processos apensos Bauer e Broßonn (C‑569/16 et C‑570/16, EU:C:2018:337), para as quais remeto. À luz das considerações que formulei nessas conclusões, considero que o artigo 31.o, n.o 2, da Carta, na medida em que garante ao trabalhador o direito a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho quando esse trabalhador não tenha podido exercer efetivamente o seu direito a férias anuais remuneradas durante essa relação, pode ser invocado diretamente pelo referido trabalhador no âmbito de um litígio que o opõe à sua entidade patronal com o objetivo de excluir a aplicação de uma legislação nacional que obsta a que tal retribuição financeira lhe seja paga.

65.      Por conseguinte, proponho ao Tribunal de Justiça que responda ao órgão jurisdicional de reenvio que, quando se verifique que, no âmbito de um litígio entre dois particulares, uma legislação nacional obsta a que um trabalhador receba uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho, à qual este tem, contudo, direito ao abrigo do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, o órgão jurisdicional nacional deve verificar se lhe é possível interpretar o direito nacional aplicável de modo conforme a esta disposição e, se não lhe parecer que é o caso, assegurar, no quadro das suas competências, a proteção jurídica decorrente, para os particulares, do artigo 31.o, n.o 2, da Carta, bem como garantir o pleno efeito deste artigo, não aplicando, se necessário, qualquer disposição nacional contrária.

IV.    Conclusão

66.      Tendo em conta as considerações que antecedem, proponho ao Tribunal de Justiça que responda à questão prejudicial submetida pelo Bundesarbeitsgericht (Tribunal Federal do Trabalho, Alemanha) nos seguintes termos:

1)      O artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho, deve ser interpretado no sentido de que estabelece o direito a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho quando um trabalhador não tenha podido gozar todas as férias anuais remuneradas a que tinha direito durante essa relação.

2)      O artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional por força da qual um trabalhador perde o direito a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho quando esse trabalhador não tenha pedido para beneficiar dessas férias enquanto estava em atividade, sem que se verifique previamente se a entidade patronal colocou efetivamente esse trabalhador em condições de exercer o seu direito a férias anuais remuneradas.

3)      Quando um órgão jurisdicional nacional seja chamado a conhecer de um litígio relativo ao direito de um trabalhador a uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho, incumbe‑lhe verificar se a entidade patronal prova que adotou as medidas adequadas para assegurar a esse trabalhador a possibilidade de exercer efetivamente o seu direito a férias anuais remuneradas durante essa relação. Se a entidade patronal demonstrar que efetuou as diligências necessárias e que, apesar das medidas adotadas, o trabalhador renunciou deliberadamente e de forma esclarecida a exercer o seu direito a férias anuais remuneradas, embora tenha tido possibilidade de o fazer durante a relação de trabalho, esse trabalhador não pode reclamar, com fundamento no artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, o pagamento de uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho.

4)      Quando se verifique que, no âmbito de um litígio entre dois particulares, uma legislação nacional obsta a que um trabalhador receba uma retribuição financeira por férias anuais remuneradas não gozadas até à cessação da relação de trabalho, à qual tem, contudo, direito ao abrigo do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88, o órgão jurisdicional nacional deve verificar se é possível interpretar o direito nacional aplicável de modo conforme a esta disposição e, se não lhe parecer que é o caso, assegurar, no quadro das suas competências, a proteção jurídica que decorrente, para os particulares, do artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como garantir o pleno efeito deste artigo, não aplicando, se necessário, qualquer disposição nacional contrária.


1      Língua original: francês.


2      JO 2003, L 299, p. 9.


3      A seguir «Carta».


4      JO 1989, L 183, p. 1.


5      BGBl. 1963, p. 2.


6      BGBl. 2002 I, p. 1529 (a seguir «BUrlG»).


7      O órgão jurisdicional de reenvio refere‑se, a este respeito, ao Acórdão de 12 de julho de 1990, Foster e o. (C‑188/89, EU:C:1990:313).


8      V., nomeadamente, Acórdão de 29 de novembro de 2017, King (C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 32 e jurisprudência referida).


9      V., nomeadamente, Acórdão de 29 novembro de 2017, King (C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 34 e jurisprudência referida).


10      V., nomeadamente, Acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o. (C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18).


11      V., Acórdão de 29 de novembro de 2017, King (C‑214/16, EU:C:2017:914).


12      V., nomeadamente, Acórdão de 29 de novembro de 2017, King (C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 51 e jurisprudência referida).


13      V., nomeadamente, Acórdão de 29 de novembro de 2017, King (C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 52 e jurisprudência referida).


14      V. Acórdão de 29 de novembro de 2017, King (C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 56); o sublinhado é meu.


15      V., nomeadamente, nesse sentido, Acórdãos de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o. (C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18, n.o 43), de 22 de novembro de 2011, KHS (C‑214/10, EU:C:2011:761, n.o 26), e de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack (C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570, n.o 30).


16      Acórdão de 26 de junho de 2001, BECTU (C‑173/99, EU:C:2001:356, n.o 44). Por outras palavras, como referiu o advogado‑geral P. Mengozzi no n.o 17 das Conclusões que apresentou no processo Ministerul Justiţiei e o. (C‑12/17, EU:C:2018:195), «um período de trabalho efetivo deve dar direito a um período de descanso igualmente efetivo».


17      V., nomeadamente, Acórdão de 29 de novembro de 2017, King (C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 37 e jurisprudência referida).


18      V., nomeadamente, Acórdão de 25 de novembro de 2010, Fuß (C‑429/09, EU:C:2010:717, n.o 80 e jurisprudência referida).


19      Ibidem, n.o 81.


20      Acórdão de 29 de novembro de 2017, King (C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 39 e jurisprudência referida).


21      Acórdão de 29 de novembro de 2017, King (C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 63).


22      Quanto à relação entre a Diretiva 2003/88 e a melhoria da proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores, v., nomeadamente, Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack (C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570, n.o 44 e jurisprudência referida). Na linha do objetivo prosseguido pela Diretiva 89/391, a Diretiva 2003/88 estabelece, como refere o seu artigo 1.o, n.o 1, «prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho».


23      V., Acórdão de 7 de setembro de 2006, Comissão/Reino Unido (C‑484/04, EU:C:2006:526, n.o 43).


24      V., nomeadamente, Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack (C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570, n.o 32 e jurisprudência referida).


25      V., a este respeito, Acórdão de 29 de novembro de 2017, King (C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 62 e jurisprudência referida).


26      V., nomeadamente, Acórdão de 12 de junho de 2014, Bollacke (C‑118/13, EU:C:2014:1755, n.o 17 e jurisprudência referida).


27      V., nomeadamente, Acórdão de 12 de junho 2014, Bollacke (C‑118/13, EU:C:2014:1755, n.o 22 e jurisprudência referida).


28      V., nomeadamente, Acórdão de 12 de junho de 2014, Bollacke (C‑118/13, EU:C:2014:1755, n.o 23).


29      V., nomeadamente, Acórdão de 22 de maio de 2014, Lock (C‑539/12, EU:C:2014:351, n.o 15).


30      V., nomeadamente, Acórdão de 29 de novembro de 2017, King (C‑214/16, EU:C:2017:914, n.o 37 e jurisprudência referida).


31      V. Acórdão de 6 de abril de 2006, Federatie Nederlandse Vakbeweging (C‑124/05, EU:C:2006:244, n.o 32). V., igualmente, para um raciocínio baseado na regra de que o trabalhador deve normalmente poder beneficiar de descanso efetivo, Acórdão de 16 de março de 2006, Robinson‑Steele e o. (C‑131/04 e C‑257/04, EU:C:2006:177).


32      V., no mesmo sentido, Conclusões apresentadas pelo advogado‑geral E. Tanchev no processo King (C‑214/16, EU:C:2017:439, n.o 97).


33      V., igualmente, sobre esta ideia, Conclusões apresentadas pela advogada‑geral C. Stix‑Hackl nos processos apensos Robinson‑Steele e o. (C‑131/04 e C‑257/04, EU:C:2005:650, n.o 79).


34      C‑118/13, EU:C:2014:1755.


35      V. Acórdão de 12 de junho de 2014, Bollacke (C‑118/13, EU:C:2014:1755, n.o 23).


36      V., nomeadamente, Acórdão de 20 de julho de 2016, Maschek (C‑341/15, EU:C:2016:576, n.o 27 e jurisprudência referida); o sublinhado é meu.


37      V., a este respeito, Acórdão de 20 de julho de 2016, Maschek (C‑341/15, EU:C:2016:576, n.o 28); o sublinhado é meu.


38      Como T. Shimizu afirmou na audiência, na sequência do convite que lhe fora feito pela Max‑Planck para gozar as suas férias, tendo tomado conhecimento, ao mesmo tempo, de que o seu contrato não seria renovado, pretendeu concluir os seus últimos projetos, pelo que decidiu não gozar todas as férias anuais remuneradas a que tinha direito.