Language of document : ECLI:EU:T:1999:319

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção)

13 de Dezembro de 1999 (1)

«Concorrência - Distribuição automóvel - Exame das queixas - Acção poromissão, recurso de anulação e acção de indemnização»

Nos processos apensos T-9/96 e T-211/96,

Européenne automobile SARL, sociedade de direito francês, com sede emCarcassonne (França), representada por Jean-Claude Fourgoux, advogado no forode Paris, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório de Pierrot Schiltz,4, rue Béatrix de Bourbon,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada inicialmente por GiulianoMarenco, consultor jurídico, e Guy Charrier, funcionário nacional destacado juntoda Comissão, seguidamente Marenco e Loïc Guérin, funcionário nacional destacadojunto da Comissão, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido noLuxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do ServiçoJurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto pedidos de anulação da decisão da Comissão, de 9 deOutubro de 1996, que rejeita uma queixa da recorrente baseada no artigo 85.° doTratado CE (actual artigo 81.° CE) e de reparação de um prejuízo,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Primeira Secção),

composto por: B. Vesterdorf, presidente, J. Pirrung e M. Vilaras, juízes,

secretário: A. Mair, administrador

vistos os autos e após a audiência de 2 de Março de 1999,

profere o presente

Acórdão

Matéria de facto e tramitação processual

1.
    A recorrente, a Européene automobile SARL, exerce na França, segundo as suaspróprias indicações, as actividades, por um lado, de vendedor de veículos emsegunda mão e, por outro, de mandatário na acepção do Regulamento (CEE)n.° 123/85 da Comissão, de 12 de Dezembro de 1984, relativo à aplicação do n.° 3do artigo 85.° do Tratado CEE a certas categorias de acordos de distribuição e deserviço de venda e pós-venda de veículos automóveis [(JO L 1985, L 15, p. 16;EE 8 F2, p. 150, a seguir «Regulamento n.° 123/85», substituído, a partir de 1 deOutubro de 1995, pelo Regulamento CE n.° 1475/95 da Comissão, de 28 de Junhode 1995 (JO L 145, p. 25)].

2.
    Em 31 de Janeiro de 1994, a sociedade Auto Cité, concessionária da marcaPeugeot em Carcassone (França), obteve a condenação da recorrente, pelo tribunalde commerce de Carcassone, por concorrência desleal, pelo facto de esta não terrespeitado as exigências do Regulamento n.° 123/85 no que concerne àsimportações paralelas de veículos automóveis provenientes de outroEstado-Membro.

3.
    Em 27 de Julho de 1994, a recorrente apresentou à Comissão uma queixa aoabrigo do artigo 3.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereirode 1962, primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado(JO 1962, 13, p. 204; EE 8 F1, p. 22, a seguir «Regulamento n.° 17»), contra oconstrutor de veículos automóveis das marcas Peugeot e Citröen (a seguir «PSA»).

4.
    Em 8 de Junho de 1995, a cour d'appel de Montpellier revogou o acórdão dotribunal de commerce de Carcassonne de 31 de Janeiro de 1994 e negouprovimento ao pedido do concessionário.

5.
    Por carta de 27 de Setembro de 1995, a recorrente notificou a Comissão a darseguimento à sua queixa. Em 24 de Janeiro de 1996, interpôs no Tribunal dePrimeira Instância uma acção destinada a obter a declaração de omissão daComissão e reparação dos prejuízos (processo T-9/96).

6.
    Em 28 de Março de 1996, a Comissão dirigiu à recorrente uma comunicação nostermos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63/CEE da Comissão, de 25 de Julhode 1963, relativa às audições referidas nos n.os 1 e 2 do artigo 19.°, do Regulamenton.° 17 do Conselho (JO 1963, 127, p. 2268; EE 8 F1, p. 62). Em 26 de Abril de1996, a recorrente apresentou as suas observações sobre esta comunicação.

7.
    Por decisão de 9 de Outubro de 1996, a Comissão rejeitou a queixa da recorrente.

8.
    Por petição entrada na secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 17 deDezembro de 1996, a recorrente interpôs recurso em que pede anulação destadecisão e a reparação dos prejuízos (processo T-211/96).

9.
    Por despacho de 21 de Janeiro de 1999, o presidente da Primeira Secção doTribunal de Primeira Instância decidiu apensar os processos para efeitos deaudiência e de acórdão.

10.
    Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas feitas pelotribunal na audiência pública de 2 de Março de 1999.

Conclusões das partes

11.
    No processo T-9/96, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    declarar a omissão da Comissão;

-    condenar a Comissão a pagar-lhe a soma de 200 000 euros, a título deindemnização pelos prejuízos;

-    condenar a Comissão nas despesas.

12.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível;

-    considerar, a título subsidiário, o recurso como desprovido de objecto e,além disso, improcedente;

-    condenar a recorrente nas despesas.

13.
    No processo T-211/96, a recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão de 9 de Outubro de 1996;

-    declarar a responsabilidade extracontratual da Comissão e atribuir àrecorrente a soma de 246 000 euros;

-    condenar a Comissão nas despesas.

14.
    A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível no que concerne à existência deresponsabilidade da Comissão;

-    considerar os outros fundamentos deste recurso como improcedentes;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto à desistência da recorrente no processo T-9/96

15.
    Em resposta a uma pergunta feita pelo Tribunal, o representante da recorrenteanunciou, na audiência, que desistiria por escrito dos seus pedidos relativos àomissão e à indemnização no processo T-9/96. Por carta de 23 de Março de 1999,a recorrente declarou que «se resigna a aceitar que o Tribunal não tome posiçãosobre a omissão (inacção que lhe foi gravemente prejudicial)».

16.
    À luz das declarações feitas pelo seu representante na audiência, o Tribunalconsidera que esta carta deve ser interpretada no sentido de que a recorrentedesiste dos seus pedidos relativos à omissão e à indemnização no processo T-9/96.

Quanto ao mérito do processo T-211/96

Quanto ao recurso de anulação da decisão de 9 de Outubro de 1996

17.
    Nos seus memorandos, a recorrente invoca, essencialmente, quatro fundamentos.O primeiro fundamento baseia-se em incumprimento de formalidades essenciais,mais especialmente em violação de garantias processuais, o segundo em violaçãodo Tratado, o terceiro em erro manifesto de apreciação da Comissão no exercíciodo seu poder de tomar medidas provisórias e o quarto de desvio de poder.

18.
    Na audiência, a recorrente invocou dois fundamentos novos, baseados,respectivamente, em o carácter irrazoável do prazo entre a sua queixa e a decisãoimpugnada bastar para justificar a anulação desta e em a decisão não estarsuficientemente fundamentada.

19.
    Em primeiro lugar, há que examinar conjuntamente os primeiro e segundofundamentos e os dois fundamentos invocados na audiência que se destinam,essencialmente, a provar que a Comissão não cumpriu as suas obrigações relativasao tratamento da queixa.

Quanto aos fundamentos baseados em incumprimento, pela Comissão, das suasobrigações relativas ao tratamento da queixa

- Argumentação das partes

20.
    No âmbito do seu primeiro fundamento, a recorrente censura a Comissão por nãoter feito um exame cuidadoso e imparcial da sua queixa, como era sua obrigação.

21.
    O segundo fundamento está articulado em quatro partes. Na primeira parte, arecorrente alega que a Comissão cometeu um erro manifesto na apreciação daforça probatória dos elementos de prova que lhe foram apresentados.

22.
    Na segunda parte do fundamento, a recorrente sustenta que a Comissão cometeuum erro manifesto de apreciação do interesse comunitário.

23.
    Na terceira parte do fundamento, a recorrente alega erro manifesto quanto àlocalização do centro de gravidade da infracção e quanto à competência dos órgãosjurisdicionais e das autoridades administrativas francesas.

24.
    No âmbito da quarta parte do seu fundamento, a recorrente alega que a Comissãocometeu um erro manifesto quanto às medidas adoptadas pela PSA paraacompanhar o programa de ajudas estatais à compra de viaturas novas,denominado «prime Balladur».

25.
    A Comissão recorda que tem o poder, e mesmo o dever, de afectarprioritariamente os meios de que dispõe apenas aos processos que tenham uminteresse comunitário bastante.

26.
    Contesta, de resto, a admissibilidade do fundamento baseado em violação dasgarantias processuais e em incumprimento de formalidades essenciais, pelo factode as críticas da recorrente não terem qualquer apoio.

- Apreciação do Tribunal

27.
    As obrigações da Comissão, quando lhe é apresentada uma queixa, foram definidaspor uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça e do Tribunal de PrimeiraInstância, confirmado em último lugar, pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 4de Março de 1999, Ufex e o./Comissão (C-119/97 P, Colect., p. I-1341, n.os 86 eseguintes).

28.
    Resulta, nomeadamente, desta jurisprudência que a Comissão, quando decideatribuir graus de prioridades diferentes às queixas que lhe são apresentadas, podenão apenas determinar a ordem em que as queixas serão examinadas mas tambémrejeitar uma queixa por falta de interesse comunitário bastante para a prossecuçãoda análise do processo (v. também, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de24 de Janeiro de 1995, Tremblay e o./Comissão, T-5/93, Colect., p. II-185, n.° 60).

29.
    O poder discricionário de que a Comissão dispõe para este efeito não é, noentanto, ilimitado. A Comissão está, assim, sujeita a uma obrigação defundamentação quando recusa prosseguir o exame de uma queixa, devendo estaser suficientemente precisa e detalhada para colocar o Tribunal em condições deexercer um controlo efectivo do exercício pela Comissão do seu poderdiscricionário de definição das prioridades (v., acórdão Ufex e o./Comissão, járeferido, n.os 89 a 95). Este controlo não deve levar o Tribunal a substituir aapreciação da Comissão do interesse comunitário pela sua própria, antes se destinaa verificar que a decisão em litígio não se baseia em factos materialmenteinexactos, não está ferida de qualquer erro de direito nem de qualquer erromanifesto de apreciação ou de desvio de poder (v., acórdão do Tribunal dePrimeira Instância de 18 de Setembro de 1992, Automec/Comissão, T-24/90,Colect., p. II-2223, n.° 80).

30.
    À luz destes princípios, há que examinar os primeiro e segundo fundamentos darecorrente, bem como os fundamentos invocados na audiência.

31.
    Quanto à admissibilidade do primeiro fundamento, há que recordar que o Tribunalpode examinar oficiosamente o incumprimento de formalidades essenciais e,nomeadamente, a violação das garantias processuais conferidas pela ordem jurídicacomunitária (v., acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1991,Interhotel/Comissão, C-291/89, Colect., p. I-2257, n.° 14), o que vale também parao fundamento baseado em insuficiência de fundamentação da decisão impugnadainvocada na audiência.

32.
    No caso em apreço, deve dizer-se que a decisão de 9 de Outubro de 1996 expõeclaramente as considerações de direito e de facto que levaram a Comissão aconcluir pela inexistência de um interesse comunitário bastante. Por conseguinte,a acusação baseada em violação do dever de fundamentação é improcedente.

33.
    Quanto à acusação baseada, no âmbito do primeiro fundamento, em a Comissãonão ter cumprido o seu dever de examinar a queixa com a atenção exigida, resultada fundamentação da decisão impugnada, conjugada com a comunicação dirigidaà recorrente nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, de 25 de Julho de1963, já referido, que a Comissão examinou atentamente os elementos adiantadospela recorrente. Resulta, além disso, dos autos que a Comissão, em conformidadecom o que implicava neste caso uma análise imparcial, examinou igualmente asobservações feitas a seu pedido pela PSA sobre as acusações contidas na queixa.Por conseguinte, esta acusação não tem fundamento.

34.
    Quanto ao fundamento suscitado na audiência e baseado na duração do processona Comissão, há que recordar que, em conformidade com o artigo 48.°, n.° 2, doRegulamento de Processo, a apresentação de novos fundamentos no decurso dainstância é proibida, a menos que esses fundamentos tenham origem em elementosde direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. Tendo o presentefundamento, que não pode ser considerado como a ampliação de um fundamentoanteriormente invocado, directa ou implicitamente, na petição inicial do processo,um nexo estreito com este, deve, portanto, ser declarado inadmissível. De resto, nascircunstâncias do presente caso, não há que examinar oficiosamente estefundamento.

35.
    Seguidamente, no que respeita à primeira parte do segundo fundamento, baseadaem falta de reconhecimento da força probatória dos elementos fornecidos pelarecorrente, há que examinar separadamente as diferentes alegações que a queixacontinha.

36.
    No que concerne às acções judiciais contra a recorrente e outras empresas queexercem actividades semelhantes, a existência de um importante contenciosorelativo à actividade dos mandatários e de revendedores independentes não basta,na falta de outros elementos de prova, para demonstrar que, na origem destasacções, está uma concertação entre a PSA e os seus concessionários.

37.
    Depois, no que se refere às recusas de venda feitas ao recorrente e a outrasempresas que exercem actividades semelhantes, bem como às medidas destinadasa desencorajar as vendas dos concessionários estrangeiros da PSA a essasempresas, os elementos de prova apresentados pela recorrente não bastam, por sisós, para demonstrar a existência de um acordo destinado a criar obstáculos àactividade dos intermediários mandatados agindo em conformidade com o artigo3.°, n.° 11, do Regulamento n.° 123/85. Além disso, estes elementos foram objectode uma explicação plausível da parte da PSA, no sentido de que esta se opunhaunicamente à actividade de revendedores independentes, o que não contraria odireito da concorrência. A Comissão não podia considerar, neste caso, ter sidoprovada uma infracção (v., acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 deJaneiro de 1999, Riviera auto service e o./Comissão, T-185/96, T-189/96, T-190/96,Colect., p. II-93, n.° 47).

38.
    Deve acrescentar-se que a decisão impugnada não está viciada de erro manifestono que concerne à actividade da recorrente. Com efeito, a Comissão não baseia arejeição da queixa na conclusão de que a recorrente não exercia apenas aactividade de intermediário mas também a de revendedor independente. Limita-sea considerar que as duas hipóteses são possíveis.

39.
    Quanto à acusação relativa à apresentação pela PSA e seus concessionários daregulamentação francesa relativa aos anos de matrícula dos automóveis, devesalientar-se que os problemas suscitados pela queixa não bastam para provar aexistência de um acordo ilícito a este respeito.

40.
    Finalmente, quanto ao argumento relativo à multiplicidade de queixas apresentadascontra a PSA, a recorrente não apresentou qualquer elemento concreto quepermita deduzir que a Comissão tenha ignorado os elementos de prova fornecidosno âmbito dessas queixas nem que tenha deixado de cumprir as suas obrigações noseu exame. Pelo contrário, a Comissão, em quem tinham sido feitas numerosasqueixas, dirigidas não apenas contra a PSA, mas também contra outrosconstrutores, interveio no sector em causa através da sua decisão 98/273/CE, de 28de Janeiro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do TratadoCE (IV/35.733 - VW)(JO L 124, p. 60, a seguir «processo VW»).

41.
    Por conseguinte, a acusação baseada em erro manifesto de apreciação quanto àforça probatória dos elementos de prova apresentados pela recorrente não temfundamento.

42.
    quanto à segunda parte do primeiro fundamento, baseada em erro manifestoquanto à apreciação do interesse comunitário em instruir a queixa, compete,nomeadamente, ao Tribunal verificar se resulta da decisão que a Comissão pôs emconfronto a importância do prejuízo que a infracção alegada é susceptível de fazerao funcionamento do mercado comum, a probabilidade de poder provar a suaexistência e a extensão das medidas de instrução necessárias para cumprir, nasmelhores condições, a sua missão de zelar pelo respeito dos artigos 85.° e 86.° doTratado CE (actuais artigos 81 CE e 82 CE) (v., acórdãos Automec/Comissão, járeferido, n.° 86, Tremblay e o./Comissão, já referido, n.° 62, e Riviera auto servicese o./Comissão, já referido, n.° 46).

43.
    A este respeito, a Comissão não pode, quando fixa a ordem de prioridade notratamento das queixas que lhe são apresentadas, considerar como excluídas apriori do seu campo de acção certas situações que se inserem na missão que lheé confiada pelo Tratado. A Comissão é, nomeadamente, obrigada a apreciar emcada caso, a gravidade dos prejuízos à concorrência alegados (v., acórdão Ufex eo./Comissão, já referido, n.os 92 e 93).

44.
    Ora, a decisão impugnada não contém qualquer indicação que permita supor quea Comissão tenha ignorado que o comportamento censurado à PSA no presentecaso, destinado a entravar as importações paralelas de veículos por intermediáriosmandatados, a supor aprovado, constituiria um atentado particularmente grave àconcorrência.

45.
    Para poder determinar, neste caso, se havia ou não infracção às regras daconcorrência, a Comissão deveria, além disso, procurar obter elementos de provasuplementares, o que, verosimilmente, teria necessitado de medidas de instruçãonos termos dos artigos 11.° e seguintes nos termos do Regulamento n.° 17 e, maisespecialmente, de verificações nos termos do artigo 14.°, n.° 3, deste regulamento.A apreciação da Comissão de que as investigações necessárias para que se pudessepronunciar, neste caso, sobre a existência das infracções alegadas pela recorrenteimplicaria recurso a meios importantes não se mostra, portanto, comomanifestamente errada.

46.
    Além disso, é legítimo que a Comissão tenha em conta, a apreciação do interessecomunitário em instruir uma queixa, não somente a gravidade da infracção alegadae a extensão das medidas de instrução necessárias para poder provar a suaexistência, mas também a necessidade de clarificar a situação jurídica relativa aocomportamento referido na queixa e de definir os direitos e obrigações, à luz dodireito comunitário da concorrência, dos diferentes operadores económicosatingidos por esse comportamento.

47.
    No caso em apreço, a decisão impugnada sublinha correctamente que os direitose obrigações respectivos dos intermediários mandatados, dos construtores deautomóveis e dos distribuidores foram definidos e precisados pelos regulamentosde isenção por categoria no n.° 123/85 e n.° 1475/95, de 28 de Junho de 1995, járeferido, pela comunicação 91/C 329/06 da Comissão, de 4 de Dezembro de 1991,intitulada «Clarificação da actividade dos intermediários no sector automóvel»(JO C 329, p. 20), bem como pela jurisprudência do Tribunal de Primeira Instânciae do Tribunal de Justiça, respectivamente, nos acórdãos de 22 de Abril de 1993,Peugeot/Comissão (T-9/92, Colect., p. II-493), e de 16 de Junho de 1994,Peugeot/Comissão (C-322/93 P, Colect., p. I-2727). Nestas condições, a Comissãopodia considerar, sem cometer erro manifesto, que os órgãos jurisdicionais e asautoridades nacionais estavam em condições de tratar as infracções alegadas naqueixa da recorrente e de salvaguardar os direitos desta resultantes do direitocomunitário.

48.
    O facto de ter tido, no processo VW, comportamentos à primeira vista análogosaos provados pela recorrente à PSA e à sua rede e pondo em causa um outroconstrutor de automóveis não demonstra que a Comissão tenha cometido um errode apreciação do interesse comunitário no presente processo.

49.
    Com efeito, quando é confrontada com uma situação em que numerosos elementospermitem suspeitar de actuações contrárias ao direito da concorrência por partede diversas grandes empresas pertencentes ao mesmo sector económico, aComissão tem o direito de concentrar os seus esforços numa das empresas emcausa, sem deixar de indicar os operadores económicos eventualmente lesados pelocomportamento infractor dos outros contraventores que lhes compete proporacções nos órgãos jurisdicionais nacionais. Se assim não fosse, a Comissão seriaobrigada a repartir os seus meios em diferentes inquéritos de grande envergadura,o que implicaria um risco de nenhum deles poder ser levado a termo. O benefíciopara a ordem jurídica comunitária resultante do valor de exemplo de uma decisãoem relação a uma das empresas a infracção perder-se-ia então, nomeadamente emrelação aos operadores económicos lesados pelo comportamento das outrassociedades. Neste contexto, é igualmente conveniente recordar que ?? interveio jáem relação à Peugeot com a sua decisão 92/154/CEE, de 4 de Dezembro de 1991,relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/33.157 -Eco System/Peugeot) (JO 1992, L 66, p. 1), que constituiu objecto dos acórdãos de22 de Abril de 1993 Peugeot/Comissão, já referido, e de 16 de Junho de 1994,Peugeot/Comissão, já referido.

50.
    Nestas condições, o facto de a Comissão ter preferido prosseguir o exame dasqueixas que deram lugar à sua decisão no processo VW e não as queixas dirigidascontra a PSA, no número das quais se encontrava a da recorrente, não permitedeclarar que a Comissão tenha deixado de cumprir a sua obrigação de examinar,caso por caso, a gravidade das infracções alegadas e o interesse comunitário emque ela intervenha, nem que tenha cometido um erro de apreciação a este respeito.

51.
    quanto à terceira parte do fundamento, baseada em erro manifesto relativamenteà localização do centro de gravidade da infracção, deve salientar-se, em primeirolugar, que a decisão impugnada não pode ser compreendida no sentido de aComissão ter considerado que não havia interesse comunitário em que interviesseapenas por o centro de gravidade das actuações referidas na queixa se encontrarno interior de um único Estado-Membro. Esta circunstância constitui apenas umdos dados que a Comissão teve em consideração no âmbito da sua apreciação ea redacção da decisão impugnada mostra que este elemento aí figura a títulosubsidiário e por preocupação de exaustão.

52.
    Seguidamente, resulta da decisão impugnada que a Comissão não ignorou ocarácter transfronteiriço das operações em causa. Tem, no entanto, razão emconsiderar que os principais actores em causa no presente processo, ou seja, oconstrutor, a recorrente e os consumidores, clientes desta, se situam na França eque os órgãos jurisdicionais e as autoridades administrativas francesas sãocompetentes para resolver o contencioso que opõe a recorrente à PSA e à suarede. Os órgãos jurisdicionais nacionais estão, nomeadamente, em melhorescondições do que a Comissão para procederem ao exame dos factos necessáriopara se poderem pronunciar sobre a questão de saber se a recorrente exerceapenas a actividade de mandatária ou também a de revendedor independente.

53.
    Por conseguinte, a apreciação, feita pela Comissão, do interesse comunitário emdar seguimento à queixa da recorrente não está viciada de erro manifestos relativosà localização dos factos pertinentes.

54.
    Finalmente, no que se refere à quarta parte do fundamento, baseada em erromanifesto relativamente às medidas adoptadas pela PSA na sequência dainstituição, pelo Governo francês, da prime Balladur, basta salientar que o facto deum construtor permitir aos seus concessionários a concessão de descontossuplementares sem delas fazer beneficiar as importações paralelas não pode serconsiderada como uma infracção ao direito da concorrência.

55.
    Segue-se que o primeiro e segundo fundamentos e os fundamentos invocados naaudiência devem ser rejeitados.

Quanto ao terceiro fundamento, baseado em erro manifesto de apreciação daComissão relativamente à questão da adopção de medidas provisórias

56.
    A queixa da recorrente não contém qualquer pedido formal de medidas provisórias.Na sua carta de 27 de Setembro de 1995 (citada supra no n.° 5), a recorrentepediu, é certo, que a Comissão «notifique a PSA para que deixe de fazer pressãosobre os seus concessionários italianos». Todavia, este pedido não visaexplicitamente a adopção de medidas provisórias. Também pode perfeitamente serentendida no sentido de que a recorrente pede a adopção de uma decisãodefinitiva nos termos do artigo 3.° do Regulamento n.° 17. De resto, a carta d 26de Abril de 1996, pela qual a recorrente deu a conhecer as suas observações sobrea comunicação da Comissão nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 99/63, de25 de Julho de 1963, já referido, não contém, quanto a ela, qualquer referência aum eventual pedido de medidas provisórias. A decisão impugnada também nãotoma posição sobre um tal pedido. Nestas condições, o fundamento baseado emerro manifesto em relação a um alegado pedido de medidas provisórias não éprocedente.

Quanto ao quarto fundamento, baseado em desvio de poder

57.
    A recorrente limitou-se a citar nos seus memorandos, de forma abstracta, princípiosde direito e acórdãos relativos à noção de desvio de poder, sem precisar de quemaneira, em seu entender, este fundamento de anulação devia ser acolhido nopresente caso. Este fundamento não preenche, portanto, as condições do artigo 19.°do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1, alínea c), doRegulamento de Processo do Tribunal. Por conseguinte, deve ser julgadoinadmissível.

58.
    Segue-se que o pedido de anulação da decisão impugnada não é procedente.

Quanto à acção de indemnização

Argumentação das partes

59.
    A recorrente alega que a Comissão, ao recusar-se a instruir processos quemostravam as práticas anticoncorrenciais dos construtores e ao abster-se de pôrtermo a essas práticas, cometeu uma falta susceptível de provocar aresponsabilidade extracontratual da Comunidade.

60.
    A Comissão alega que o recurso não respeita as condições fixadas pelo disposto noartigo 19.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e no artigo 44.°, n.° 1, alínea c), doRegulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

Apreciação do Tribunal

61.
    Deve recordar-se que, segundo uma jurisprudência constante, os pedidos dereparação de prejuízo devem ser indeferidos na medida em que tenham um nexoestreito com os pedidos de anulação que tenham, eles próprios, sido indeferidos(acórdãos do Tribunal de Primeira Instância, Riviera auto service e o./Comissão,já referido, n.° 90, e de 18 de Junho de 1996, Vela Palacios/CES, T-150/94, Colect.FP, p. II-877, n.° 51). Em todo o caso, é de jurisprudência pacífica que a Comissãonão é obrigada, quando lhe é apresentada uma queixa nos termos do artigo 3.° doRegulamento n.° 17, a tomar uma decisão quanto à existência ou não da alegadainfracção, salvo quando a queixa depender da sua competência exclusiva, o que nãosucede no presente caso (v., por exemplo, acórdão Tremblay e o./Comissão, járeferido, n.° 59). Segue-se que o comportamento da Comissão visado pelo presentepedido de indemnização não pode constituir uma falta susceptível de provocar aresponsabilidade da comunidade.

62.
    Nestas condições, há que dar provimento ao pedido de indemnização, sem que sejanecessário examinar a questão de saber se os desenvolvimentos da recorrentequanto à natureza e à extensão do prejuízo e quanto ao nexo de causalidade entreo comportamento censurado à Comissão e esse prejuízo são bastantes à luz dasexigências do artigo 19.° do Estatuto do Tribunal de Justiça e do artigo 44.°, n.° 1,alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância.

Quanto às despesas

63.
    Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 2, primeiro parágrafo, do Regulamento deProcesso, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tal for requerido.De acordo o artigo 87.°, n.° 5, primeiro parágrafo, a parte que ?? deve sercondenada nas despesas se tal for requerido pela outra parte nas suas observaçõessobre a desistência. Todavia, a pedido da parte que desiste, as despesas serãosuportadas pela outra parte, se isso justificar em virtude da atitude desta última.

64.
    No processo T-9/96, a recorrente desistiu da sua acção por omissão quando estaficou sem objecto devido à adopção de uma decisão definitiva da Comissão sobrea queixa. Nestas condições, justifica-se que a Comissão suporte as despesas, emconformidade com o artigo 87.°, n.° 5, do Regulamento de Processo.

65.
    Tendo a recorrente sido vencida no processo T-211/96, há que condená-la nasdespesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

66.
    

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Primeira Secção),

decide:

1)    É negado provimento ao recurso no processo T-211/96.

2)    A recorrente suportará as despesas no processo T-211/96.

3)    O processo T-9/96 é cancelado do registo.

4)    A Comissão suportará as despesas no processo T-9/96.

Vesterdorf
Pirrung
Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 13 de Dezembro de 1999.

O secretário

O presidente

H. Jung

B. Vesterdorf


1: Língua do processo: francês.