Language of document : ECLI:EU:T:1999:335

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Quinta Secção Alargada)

16 de Dezembro de 1999 (1)

«Tratado CECA - Recurso de anulação - Auxílios de Estado - Decisão declaratória da incompatibilidade de auxílios e ordenando a sua restituição - Auxílios não notificados - Código dos auxílios à siderurgia aplicável - Direitos da defesa - Confiança legítima - Taxas de juro aplicáveis - Fundamentação»

No processo T-158/96,

Acciaierie di Bolzano SpA, sociedade de direito italiano, com sede em Bolzano (Itália), inicialmente representada por Giulio Macrì, Bruno Nascimbene, advogados no foro de Milão, e Massimo Condinanzi, advogado no foro de Biella, e depois porBruno Nascimbene, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Franco Colussi, 36, rue de Wiltz,

recorrente,

apoiada por

Falck SpA, sociedade de direito italiano, com sede em Milão (Itália), inicialmente representada por Giulio Macrì e Franco Colussi, advogados no foro de Milão, e depois por Giuilio Macrì e Massimo Condinanzi, advogado no foro de Biella, com domicílio escolhido no Luxemburgo no escritório do advogado Franco Colussi, 36, rue de Wiltz,

e

República Italiana, representada por Umberto Colesanti, do Serviço do Contencioso Diplomático, na qualidade de agente, assistido por Aiello Giacomo, avvocato dello Stato, com domicílio escolhido no Luxemburgo na Embaixada de Itália, 5, rue Marie-Adélaïde,

intervenientes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Enrico Traversa e Paul Nemitz, membros do Serviço Jurídico, e Enrico Altieri, juiz na Corte di Cassazione, na qualidade de agentes, bem como por, na audiência, Tito Ballarino, advogado no foro de Milão, com domicílio escolhido no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 96/617/CECA da Comissão, de 17 de Julho de 1996, relativa aos auxílios concedidos pela província autónoma de Bolzano (Itália) à empresa Acciaierie di Bolzano (JO L 274, p. 30),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção Alargada),

composto por: J. D. Cooke, presidente, R. García-Valdecasas, P. Lindh, J. Pirrung e M. Vilaras, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Março de 1999,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico, factos na origem do processo e tramitação processual

Enquadramento jurídico

1.
    O artigo 4.° do Tratado CECA dispõe:

«Consideram-se incompatíveis com o mercado comum do carvão e do aço e, consequentemente, abolidos e proibidos, na Comunidade, nas condições previstas no presente Tratado:

...

c)    as subvenções ou auxílios concedidos pelos Estados ou os encargos especiais por eles impostos, independentemente da forma que assumam.»

2.
    O artigo 95.°, primeiro e segundo parágrafos, do Tratado CECA dispõe:

«Em todos os casos não previstos no presente Tratado em que se revele necessária uma decisão ou uma recomendação da Comissão para atingir, no funcionamento do mercado comum do carvão e do aço e em conformidade com o disposto no artigo 5.°, um dos objectivos da Comunidade, tal como vêm definidos nos artigos 2.°, 3.° e 4.°, essa decisão ou recomendação pode ser adoptada mediante parecer favorável do Conselho, o qual deliberará por unanimidade após consulta do Comité Consultivo.

A decisão ou a recomendação assim adoptada determinará eventualmente as sanções aplicáveis.»

3.
    A fim de responder às exigências da reestruturação do sector da siderurgia, a Comissão baseou-se nas disposições do artigo 95.° do Tratado para criar, a partir do início dos anos 80, um regime comunitário que permita a concessão de auxílios de Estado à siderurgia em determinados casos restritivamente enumerados. Este regime foi objecto de sucessivas adaptações, para fazer face às dificuldades conjunturais da indústria siderúrgica. As decisões sucessivamente adoptadas nesta matéria são conhecidas como «códigos dos auxílios à siderurgia».

4.
    A Decisão n.° 257/80/CECA da Comissão, de 1 de Fevereiro de 1980, que institui regras comunitárias para os auxílios à siderurgia (JO L 29, p. 5), constitui o primeiro código de auxílios à siderurgia. Vigorou até 31 de Dezembro de 1981. Foi substituído pela Decisão n.° 2320/81/CECA da Comissão, de 7 de Agosto de 1981, que institui regras comunitárias para os auxílios à siderurgia (JO L 228, p. 14; EE 08 F2 p. 90), alterada pela Decisão n.° 1018/85/CECA da Comissão, de 19 de Abril de 1985 (JO L 110, p. 5; EE 08 F2 p. 173, a seguir «segundo código»), que vigorou até 31 de Dezembro de 1985.

5.
    O terceiro código de auxílios à siderurgia [Decisão n.° 3484/85/CECA da Comissão, de 27 de Novembro de 1985, que institui regras comunitárias para os auxílios à siderurgia (JO L 340, p. 1; EE 08 F3 p. 31, a seguir «terceiro código»)], esteve em vigor entre 1 de Janeiro de 1986 e 31 de Dezembro de 1988. O quarto código de auxílios à siderurgia [Decisão n.° 322/89/CECA da Comissão, de 1 de Fevereiro de 1989, que institui regras comunitárias para os auxílios à siderurgia (JO L 38, p. 8)], vigorou entre 1 de Janeiro de 1989 e 31 de Dezembro de 1991.

6.
    O quinto código de auxílios à siderurgia, instituído pela Decisão n.° 3855/91/CECA da Comissão, de 27 de Novembro de 1991, que cria normas comunitárias para os auxílios à siderurgia (JO L 362, p. 57, a seguir «quinto código»), vigorou entre 1 de Janeiro de 1992 e 31 de Dezembro de 1996. Foi substituído, em 1 de Janeiro de 1997, pela Decisão n.° 2496/96/CECA da Comissão, de 18 de Dezembro de 1996, que cria normas comunitárias para os auxílios à siderurgia (JO L 338, p. 42), que constituiu o sexto código de auxílios à siderurgia.

Antecedentes do litígio

7.
    A recorrente, a Acciaierie di Bolzano (a seguir «ACB»), é uma empresa que fabrica produtos siderúrgicos de aço especial, abrangidos pelo número de código 4400 do anexo I do Tratado CECA e, assim, das disposições do Tratado CECA. Até 31 de Julho de 1995, a ACB era controlada pelo grupo siderúrgico Falck SpA, sociedade de direito italiano (a seguir «Falck»). Contudo, nessa data, a sociedade recorrente foi vendida à sociedade Valbruna Srl.

8.
    Por carta de 5 de Julho de 1982, a Comissão informou o Governo italiano de que decidira autorizar o regime de auxílios regionais instituído pela Lei n.° 25/81 da província autónoma de Bolzano, de 8 de Setembro de 1981, relativa às intervenções financeiras no sector industrial (a seguir «Lei provincial n.° 25/81»). Nessa carta, a Comissão sublinhava, contudo, que devia também pronunciar-se sobre a aplicação sectorial da Lei nacional n.° 675, de 12 de Agosto de 1977, que estabelece medidas relativas à coordenação da política industrial, à reestruturação, reconversão e desenvolvimento do sector (1/a) (a seguir «Lei n.° 675») aplicável nesta matéria, reservando-se, em consequência, o direito de precisar as condições em que tal regime seria aplicado à província de Bolzano, em função da decisão que adoptasse a nível nacional. A Comissão esclareceu ainda que as autoridades de Bolzano deveriam respeitar integralmente a regulamentação e códigos comunitários relativos à concessão de auxílios à siderurgia.

9.
    O artigo 1.° da Decisão 91/176/CECA da Comissão, de 25 de Julho de 1990, relativa a auxílios concedidos pela província de Bolzano a favor da aceiraria de Bolzano (JO 1991, L 86, p. 28, a seguir «Decisão 91/176»), estabelece: «A bonificação de juros de um empréstimo [de 6 mil milhões de LIT] concedido em Dezembro de 1987 à Acciaierie de Bolzano pela província de Bolzano, em Itália, nos termos da Lei provincial n.° 25, de 8 de Setembro de 1981, constitui um auxílio estatal ilegal, dado que foi aplicado sem autorização prévia da Comissão e é, alémdisso, incompatível com o mercado comum nos termos da Decisão n.° 3484/85/CECA [terceiro código]». Contudo, a Comissão não exigiu nessa decisão o reembolso dos montantes já pagos, contentando-se em intimar as autoridades da província de Bolzano no sentido de deixarem de bonificar as anuidades do empréstimo controvertido até à sua expiração.

10.
    No segundo parágrafo do ponto II dos fundamentos dessa decisão, a Comissão recorda ter aprovado, em 25 de Maio de 1983, nos termos do segundo código, auxílios à reestruturação de certas empresas do sector privado italiano da ordem dos 40 mil milhões de LIT, dos quais 2 mil milhões de LIT deviam ser pagos às aceirarias de Bolzano ao abrigo da Lei n.° 675/77. Em especial, um projecto de melhoria qualitativa dos produtos do trem de fio-máquina de Bolzano deveria beneficiar, nesse âmbito, entre outros, de um empréstimo bonificado de 6 mil milhões de LIT. No terceiro parágrafo do ponto II da referida decisão, a Comissão sublinha, contudo, que o Governo italiano lhe dera a conhecer que, devido à estrutura administrativa italiana, que prevê uma larga autonomia nomeadamente para as províncias de Trentino e de Bolzano, a Lei nacional n.° 675/77 não era aplicável nesses territórios, sendo a Lei provincial n.° 25/81 a regulamentação aplicável na província de Bolzano. Esta circunstância retardou a efectiva concessão do auxílio. A Comissão deduz daí, no segundo parágrafo do ponto III da decisão, que o auxílio se tornara ilegal por não ter sido pago na data imperativa prevista para esse efeito no último travessão do n.° 1 do artigo 2.° do segundo código, a saber, 31 de Dezembro de 1985, e por não ter sido objecto de nova notificação nem de aprovação pela Comissão, nos termos do terceiro código.

11.
    Em 21 de Dezembro de 1994, na sequência de uma queixa formal, a Comissão pediu informações às autoridades italianas relativas às intervenções públicas de que a recorrente beneficiou. O Governo italiano respondeu por cartas de 6 de Abril e de 2 de Maio de 1995.

12.
    Por carta de 1 de Agosto de 1995, a Comissão informou o Governo italiano da decisão de instaurar o procedimento previsto no n.° 4 do artigo 6.° do quinto código, convidando-o a apresentar observações. A decisão de instauração do procedimento foi publicada em 22 de Dezembro de 1995 no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO C 344, p. 8, a seguir «decisão de instauração») e os demais Estados-Membros bem como os demais interessados foram convidados a apresentar observações.

13.
    Por carta de 18 de Janeiro de 1996, a recorrente, na qualidade de interessada, pediu à Comissão para ser consultada e ouvida no âmbito do procedimento instaurado. Essa carta ficou sem resposta, tendo a recorrente enviado nova carta à Comissão, datada de 28 de Março de 1996, pedindo-lhe que a informasse sobre o estado do procedimento e, em especial, se considerava dever ouvir ou obter informações da recorrente.

14.
    A associação dos produtores de aço alemães, Wirtschaftsvereinigung Stahl, e a associação dos produtores de aço britânicos, The British Iron and Steel Producers Association, comunicaram as suas observações à Comissão por cartas respectivamente de 19 e 22 de Janeiro de 1996. A Comissão transmitiu as referidas cartas às autoridades italianas por correio de 20 de Fevereiro de 1996.

15.
    Por carta de 27 de Março de 1996, as autoridades italianas comunicaram as suas observações à Comissão.

A decisão impugnada

16.
    Em 17 de Julho de 1996, a Comissão adoptou a Decisão 96/617/CECA relativa aos auxílios concedidos pela província autónoma de Bolzano à empresa Acciaierie di Bolzano (JO L 274, p. 30, a seguir «decisão impugnada»).

17.
    O terceiro parágrafo do ponto I dos fundamentos da decisão impugnada contém uma lista dos auxílios públicos concedidos à recorrente pela província autónoma de Bolzano, de acordo com a Lei provincial n.° 25/81, no decurso do período 1982/1990, nos seguintes termos:

-    deliberação n.° 784 de 14 de Fevereiro de 1983:

    -    empréstimo de 5 600 milhões de LIT;

    -    contribuição a fundo perdido de 8 milhões de LIT;

-    deliberação n.° 3082 de 1 de Julho de 1985:

    -    empréstimo de 12 941 milhões de LIT;

-    deliberação n.° 6346 de 3 de Dezembro de 1985:

    -    contribuição a fundo perdido de 10 234 milhões de LIT;

-    deliberação n.° 7673 de 14 de Dezembro de 1987:

    -    empréstimo de 6 321 milhões de LIT;

-    deliberação n.° 2429 de 2 de Maio de 1988:

        -    contribuição a fundo perdido de 3 750 milhões de LIT;

-    deliberação n.° 4158 de 4 de Julho de 1988:

    -    empréstimo de 987 milhões de LIT;

    -    contribuição a fundo perdido de 650 milhões de LIT.

18.
    O mesmo número dos fundamentos da decisão impugnada precisa que tais auxílios foram concedidos, por um lado, sob a forma de empréstimo em dez anos à taxa de 3%, isto é, com uma taxa inferior de cerca de nove pontos percentuais em relação à taxa de juro normal de mercado aplicada em Itália nessa época (cerca de 12%), num total de 25 849 milhões de LIT (12,025 milhões de ecus), e, por outro, sob a forma de contribuições a fundo perdido, ou seja, sem obrigação de reembolso, num total de 22 634 milhões de LIT (10,5 milhões de ecus).

19.
    A Comissão considerou que os auxílios concedidos antes de 31 de Dezembro de 1985, mesmo na hipótese de serem examinados à luz das disposições do segundo código, não podem ser considerados compatíveis com o mercado comum. Recordou, a este respeito, que o n.° 1 do artigo 2.° desse código previa que os auxílios à siderurgia podiam ser considerados compatíveis com o mercado comum na condição, designadamente, de a empresa beneficiária estar investida na execução de um programa de reestruturação apto a restabelecer a sua competitividade e a torná-la financeiramente viável sem auxílios nas condições normais de mercado e de esse programa ter por efeito reduzir a capacidade global de produção da empresa. Ora, nenhuma destas condições estava preenchida no caso em apreço.

20.
    Em seguida, a Comissão recordou que o código de auxílios à siderurgia aplicável à data da adopção da decisão enumerava de forma taxativa as derrogações existentes na alínea c) do artigo 4.° do Tratado CECA, a saber, os auxílios destinados a cobrir as despesas para projectos de investigação e de desenvolvimento, bem como os auxílios a favor da protecção do ambiente e os auxílios ao encerramento. A Comissão concluiu não serem tais derrogações aplicáveis no caso vertente.

21.
    A Comissão atendeu, contudo, no que se refere aos auxílios públicos concedidos antes de 1 de Janeiro de 1986, a determinadas circunstâncias especiais que podem ter induzido as autoridades italianas em erro sobre as normas a respeitar, na época, quanto à notificação dos auxílios em causa. Assim, a Comissão não exigiu a restituição dos auxílios concedidos antes de 1 de Janeiro de 1986.

22.
    A decisão impugnada determina:

«Artigo 1.°

As medidas de auxílio à empresa Acciaierie di Bolzano, com base na Lei provincial n.° 25/81, são ilegais uma vez que não foram notificadas previamente à sua concessão. Essas medidas são incompatíveis com o mercado comum por força da alínea c) do artigo 4.° do Tratado CECA.

Artigo 2.°

A Itália procederá, em conformidade com o direito material e processual italiano e, nomeadamente, em matéria de dívidas ao Estado, à recuperação dos auxílios concedidos a partir de 1 de Janeiro de 1986 à empresa Acciaierie di Bolzano, por força da Lei provincial n.° 25/81, pelas deliberações n.° 7673 de 14 de Dezembro de 1987, n.° 2429 de 2 de Maio de 1988, e n.° 4158 de 4 de Julho de 1988. Para suprimir os efeitos decorrentes desses auxílios, o seu montante é majorado de juros que começam a correr a partir da data da concessão dos auxílios até à data do reembolso. A taxa de juro aplicável é a taxa utilizada pela Comissão para o cálculo do equivalente-subvenção líquido dos auxílios com finalidade regional durante o período considerado.

...».

Tramitação processual

23.
    Por requerimento entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 12 de Outubro de 1996, a recorrente interpôs o presente recurso.

24.
    Por requerimentos entregues na mesma Secretaria respectivamente em 17 e 28 de Maio de 1997, a sociedade Falck e a República Italiana pediram para intervir em apoio das conclusões da recorrente.

25.
    Tais pedidos foram deferidos por despacho do presidente da Quarta Secção Alargada de 11 de Julho de 1997.

26.
    A sociedade Falck e a República Italiana apresentaram as respectivas observações em articulados entregues, respectivamente, em 25 de Setembro e 27 de Outubro de 1997, a recorrente e a Comissão apresentaram as suas observações sobre tais articulados de intervenção em 16 de Março de 1998.

27.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção Alargada) decidiu, por um lado, adoptar medidas de instrução do processo, convidando algumas das partes a responder por escrito a questões e a apresentar documentos e, por outro, dar início à fase oral do processo.

28.
    As partes apresentaram as respectivas alegações e as respostas às questões do Tribunal na audiência de 25 de Março de 1999.

Pedidos das partes

29.
    A ACB, recorrente, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    a título subsidiário, declarar inexistente a obrigação de se proceder à recuperação e, em consequência, não devida a recuperação dos auxílios concedidos após 1 de Janeiro de 1986, tal como prevista no artigo 2.° da decisão impugnada e, de igual modo, não devidos os juros previstos no mesmo artigo 2.°;

-    condenar a Comissão nas despesas.

30.
    A Falck e a República Italiana, intervenientes, concluem no mesmo sentido da recorrente, convidando o Tribunal a condenar a recorrida na totalidade das despesas, incluindo as relativas à intervenção.

31.
    A Comissão, recorrida, conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso;

-    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto à admissibilidade da intervenção

32.
    A Comissão, que não se opôs inicialmente ao pedido de intervenção da Falck, considera, nas observações sobre os articulados de intervenção, que a Falck deixou de ter interesse directo, concreto e juridicamente relevante para intervir. Em consequência, conclui pedindo que o Tribunal se digne declarar inadmissível o pedido de intervenção da Falck.

33.
    Ora, não sendo embora de excluir que o Tribunal, após ter admitido a intervenção da Falck em apoio das conclusões da recorrente, proceda a novo exame da admissibilidade dessa intervenção (v., nesse sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 1980, Roquette Frères/Conselho, 138/79, Recueil, p. 3333), as circunstâncias do caso vertente não impõem tal reexame.

34.
    Com efeito, por um lado, o facto de a Falck já não deter a sociedade recorrente era já conhecido quando da apresentação do pedido de intervenção, sem que nessa altura a Comissão tenha suscitado objecções. Por outro lado, o despacho de 11 de Julho de 1997 do presidente da Quarta Secção Alargada que admitiu a intervenção da Falck comporta uma fundamentação que atende ao facto de já não deter a sociedade recorrente. Com efeito, refere-se nesse despacho:

«Em apoio do seu pedido, a Falck SpA argumenta que, na época dos factos que estão na origem da decisão da Comissão, ela controlava directamente a recorrente que, por sua vez, era beneficiária dos auxílios declarados incompatíveis com o mercado comum pela referida decisão. Em 31 de Julho de 1995, a Falck SpA e as siderurgias Valbruna Srl teriam celebrado acordos de transferência do capital social da recorrente. No caso de o presente recurso não ter provimento e de, porconsequência, se proceder, de acordo com a decisão da Comissão, à recuperação das somas pagas a título de auxílio à recorrente, as siderurgias Valbruna Srl, ou a recorrente, estariam habilitadas, por força das disposições dos referidos acordos, a interpor uma acção de regresso contra a Falck SpA...»

35.
    Assim, não se justifica que o Tribunal ponha de novo em causa o interesse da Falck em intervir.

Quanto ao pedido de anulação

36.
    A recorrente suscita seis fundamentos em apoio do pedido de anulação, baseados, no essencial, em violação dos seus direitos da defesa, aplicação retroactiva das normas comunitárias, violação dos princípios de leal cooperação, a boa fé, protecção da confiança legítima e proporcionalidade, erro de direito na apreciação da compatibilidade dos auxílios com o mercado comum do aço e errada apreciação dos elementos de facto, erro na fixação da taxa de juro e, finalmente, falta de fundamentação.

Quanto ao primeiro fundamento baseado em violação dos direitos da defesa

Argumentos das partes

37.
    A recorrente afirma que, logo que teve conhecimento da decisão de instauração, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias em 22 de Dezembro de 1995, informou a Comissão, por cartas de 18 de Janeiro e de 28 de Março de 1996, da necessidade de ser consultada e ouvida no âmbito do procedimento. Contudo, tendo essas cartas ficado sem resposta, foi por via da decisão impugnada que tomou conhecimento das observações do Governo italiano e das duas organizações de produtores siderúrgicos. Sublinha, na réplica, que, na carta de 18 de Janeiro de 1996, solicitara expressamente a sua participação no procedimento por forma a ter direito de acesso ao processo.

38.
    Observa que o respeito dos direitos da defesa exige que a pessoa contra quem a Comissão instaure um procedimento administrativo tenha estado em condições, durante esse procedimento, de dar utilmente a conhecer o seu ponto de vista sobre a existência e relevância dos factos e circunstâncias invocados e sobre os documentos utilizados pela Comissão em apoio da alegação denunciadora da existência de violação do direito comunitário (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1986, Bélgica/Comissão, 234/84, Colect., p. 2263, n.° 27).

39.
    No caso vertente, a violação de tais princípios é particularmente evidente na medida em que, longe de se manter inactiva, manifestou por duas vezes interesse em participar no procedimento.

40.
    A Comissão salienta que a recorrente não pediu para ter acesso ao processo. Com efeito, nas cartas de 18 de Janeiro e de 28 de Março de 1996, apenas inquiriu sobre o estado do procedimento, limitando-se a referir estar disposta a cooperar com a Comissão no âmbito da respectiva instrução.

41.
    Além disso, a Comissão não violou os direitos processuais da recorrente visto apenas estar obrigada a intimar os interessados a apresentar observações a fim de poder obter as informações necessárias para adoptar uma decisão (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1973, Comissão/Alemanha, 70/72, Colect., p. 311, n.° 19). Diversamente do Estado-Membro interessado, único destinatário da decisão, não é reconhecido aos terceiros no procedimento nem o direito de acesso ao processo nem o direito de serem ouvidos (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Março de 1984, Alemanha/Comissão, 84/82, Recueil, p. 1451, n.° 13).

Apreciação do Tribunal

42.
    O procedimento administrativo em matéria de auxílios é exclusivamente instaurado contra o Estado-Membro em causa. O beneficiário do auxílio, como a recorrente, é meramente considerado «interessado» nesse procedimento.

43.
    Com efeito, o artigo 6.°, n.° 4, do quinto código prevê que: «Se a Comissão, depois de ter notificado os interessados para apresentarem observações, verificar que um auxílio não é compatível com o disposto na presente decisão, informará o Estado-Membro interessado da sua decisão.»

44.
    Não resulta da redacção deste artigo, nem de qualquer outra disposição relativa a auxílios de Estado, nem da jurisprudência comunitária que a Comissão seja obrigada a ouvir o beneficiário de auxílios de Estado quanto à apreciação jurídica que faz sobre os auxílios em causa.

45.
    Com efeito, o beneficiário, sem poder prevalecer-se dos direitos da defesa reconhecidos às pessoas contra quem está aberto um procedimento, dispõe unicamente do direito a ser associado ao procedimento administrativo, uma medida adequada tendo em conta as circunstâncias do caso concreto (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Junho de 1998, British Airways e o. e British Midland Airways/Comissão, T-371/94 e T-394/94, Colect., p. II-2405, n.° 60).

46.
    No caso vertente, foi dada à recorrente a possibilidade de apresentar as suas observações sobre os factos apurados e as apreciações feitas pela Comissão na decisão de instauração do procedimento em causa, apesar de não ter feito uso de tal possibilidade.

47.
    Em consequência, a Comissão não violou qualquer direito processual da recorrente.

48.
    Conclui-se assim que o primeiro fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao segundo fundamento baseado na aplicação retroactiva das normas comunitárias

Argumentos das partes

49.
    A recorrente denuncia a falta de clareza da decisão impugnada relativamente à regulamentação aplicável. Parece, em sua opinião, ter sido adoptada em aplicação do código dos auxílios à siderurgia em vigor no momento da sua adopção, não excluindo todavia a aplicação do código em vigor na altura da concessão do auxílio em causa. Além disso, não foram respeitadas as considerações expendidas na Decisão 91/176, que distinguiam artificialmente o momento da atribuição-concessão do de pagamento do auxílio.

50.
    A recorrente considera que a aplicação ao caso vertente do código em vigor no momento da adopção da decisão impugnada é contrário aos princípios da protecção da confiança legítima e da segurança jurídica. No âmbito dos auxílios de Estado, tais princípios limitam a acção da Comissão (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 24 de Fevereiro de 1987, Deufil/Comissão, 310/85, Colect., p. 901, n.os 20 e segs., e de 24 de Novembro de 1987, RSV/Comissão, 223/85, Colect., p. 4617, n.os 15 e segs.). Com efeito, o comportamento adoptado pela Comissão no caso vertente teria colocado os interessados numa posição tal que eles não estavam em condições de determinar qual era o direito que lhes seria aplicável.

51.
    Decorre da prática administrativa da Comissão que o código aplicável era o em vigor na data de concessão do auxílio, data em função da qual devem ser apreciados os efeitos do auxílio sobre o mercado comum.

52.
    Por último, a recorrente opõe-se à tese da Comissão de que, por um lado, o exercício da sua competência não está sujeita a qualquer limite temporal, como seja um prazo de prescrição e, por outro, o respectivo poder de verificação e de controlo está condicionado por ou limitado ao período em que a norma reguladora do regime de auxílios está em vigor. O sistema comunitário, que tem a natureza fundamental de «comunidade de direito», opõe-se a tal tese (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1986, Les Verts/Parlamento, 294/83, Colect., p. 1339).

53.
    A República Italiana argumenta que a compatibilidade com o mercado comum dos auxílios notificados é apreciada à luz da regulamentação em vigor na data em que tais auxílios devem ser concedidos. Em consequência, a apreciação a posteriori da compatibilidade com o mercado comum de auxílios não notificados deveria também, apesar de ilegais, ser efectuada à luz da regulamentação em vigor na data da respectiva concessão.

54.
    A Comissão contesta ter procedido à aplicação retroactiva de um novo regime.

55.
    A Comissão sublinha que a proibição de auxílios instituída pela alínea c) do artigo 4.° do Tratado CECA reveste natureza genérica e absoluta, diversamente da prevista no Tratado CE. Os códigos dos auxílios à siderurgia instituem, é certo, derrogações à alínea c) do artigo 4.° do Tratado CECA, criando a possibilidade de se obter, em determinados casos precisos e para períodos temporalmente limitados, uma autorização específica da Comissão. Contudo, tal autorização é limitada ao período durante o qual aquela instituição entendeu dever derrogar, em determinadas circunstâncias perfeitamente excepcionais, a regra da proibição absoluta.

56.
    Com efeito, uma vez decorrido o período de aplicabilidade do código, a Comissão perde a competência de, em derrogação à proibição geral, autorizar auxílios à siderurgia. O posterior exercício dessa competência está condicionado à adopção de novas medidas derrogatórias, com as quais se deve conformar. O Estado-Membro, que não tenha cumprido a obrigação de notificação no prazo estabelecido pelo código, não pode, assim, pedir à Comissão que exerça um poder de controlo de que já não dispõe. Expõe-se, em consequência, ao risco de uma restrição do regime de auxílios, até mesmo da sua total proibição. Ainda que se admita que os auxílios controvertidos apenas foram apreciados exclusivamente à luz das disposições do quinto código, não se trata de forma alguma de uma aplicação retroactiva de normas que ainda não estavam em vigor no momento da concessão dos auxílios em causa, mas da mera aplicação das normas que autorizam a Comissão a derrogar a proibição geral de auxílios à siderurgia.

57.
    A Comissão recusa o argumento da recorrente de que o exercício da sua competência está sujeito a um prazo de prescrição. A este respeito, observou, na audiência, que o Conselho adoptou, em 22 de Março de 1999, o Regulamento (CE) n° 659/1999 que estabelece as regras de execução do artigo 93.° do Tratado CE (JO L 83, p. 1), cujo artigo 15.°, n.° 1, determina que os poderes da Comissão em matéria de recuperação de auxílios ilegais ficam sujeitos a um prazo de prescrição de dez anos. Ora, a inexistência, na data da adopção da decisão impugnada, de regras de prescrição significa precisamente que a condição de prescrição não vigorava nessa altura.

58.
    Por último, a Comissão contesta o argumento da recorrente de que resulta da sua prática administrativa que o código aplicável é o que está em vigor na data de concessão do auxílio. Normas que já não são aplicáveis na data de adopção da decisão apenas podem desempenhar um papel nessa adopção em circunstâncias muito particulares. Em qualquer caso, não é correcto considerar que a data de pagamento de um auxílio tem influência sobre as normas aplicáveis. Na audiência, a Comissão afirmou que a Decisão 91/176 deixava erradamente supor ser esse o caso.

Apreciação do Tribunal

59.
    Cabe recordar que a alínea c) do artigo 4.° do Tratado CECA estabelece que são proibidas todas as subvenções ou auxílios concedidos pelos Estados-Membros, independentemente da forma que assumam.

60.
    É certo que, nos termos do artigo 95.° do Tratado CECA, foram adoptadas determinadas derrogações a essa proibição, entre as quais designadamente os códigos dos auxílios à siderurgia. Contudo, tais códigos têm por único objecto autorizar, no respeito de certas condições, derrogações à proibição em benefício de determinadas categorias de auxílios que enumera de modo exaustivo. Os auxílios que não se insiram nas categorias que o código aplicável isenta desta proibição continuam, portanto, exclusivamente submetidos ao disposto na alínea c) do artigo 4.° do Tratado (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Outubro de 1997, EISA/Comissão, T-239/94, Colect., p. II-1839, n.° 72).

61.
    Além disso, contrariamente às disposições do Tratado CE relativas aos auxílios de Estado, que habilitam a Comissão a estatuir de forma permanente sobre a respectiva compatibilidade, as derrogações ao princípio da proibição absoluta dos auxílios instituída pela alínea c) do artigo 4.° do Tratado estabelecidas pelos códigos apenas podem ser concedidas durante o período neles estabelecido (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Março de 1998, Preussag Sthal/Comissão, T-129/96, Colect., p. II-609, n.° 43).

62.
    Assim, uma vez findo o prazo de vigência do código, a Comissão deixa de ter competência para autorizar, nos termos das derrogações previstas, um auxílio à siderurgia não notificado no âmbito desse código (v., nesse sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Outubro de 1985, Alemanha/Comissão, 214/83, Recueil, p. 3053, n.° 47).

63.
    No caso vertente, é pacífico que os auxílios em causa não foram notificados.

64.
    Assim sendo, o Estado-Membro que violou a obrigação de notificação não pode exigir que a Comissão exerça um controlo da compatibilidade com o mercado comum de um auxílio à luz do código revogado. De igual modo, esse mesmo Estado-Membro, que não respeitou as condições impostas pelo referido código, não tem legitimidade para invocar o princípio da segurança jurídica para beneficiar das derrogações dele constantes (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Outubro de 1997, IPK/Comissão, T-331/94, Colect., p. II-1665, n.° 45).

65.
    O mesmo se passa com a recorrente. Esta não tem legitimidade para exigir que a Comissão exerça o controlo da compatibilidade com o mercado comum dos auxílios concedidos em seu favor à luz de um código revogado. Com efeito, a Comissão exerceu o seu controlo nos termos do único código que autorizava tal exame. A Comissão afirma assim a justo título que, no caso vertente, de forma alguma aplicou retroactivamente normas que não estavam em vigor no momento da concessão dos auxílios em causa.

66.
    A recorrente invoca também o princípio da protecção da confiança legítima.

67.
    Cabe recordar a este respeito que, em circunstâncias excepcionais, o beneficiário de um auxílio declarado ilegal ou incompatível com o mercado comum pode invocar esse princípio para contestar a recuperação. Ora, tal questão nada tem a ver com a de saber qual o código aplicável no caso vertente e será examinada no âmbito do terceiro fundamento.

68.
    Cabe pois concluir que a Comissão não estava obrigada a referir-se aos antigos códigos dos auxílios à siderurgia. O facto de o ter feito a título supletivo não é susceptível de alterar tal situação jurídica.

69.
    Ademais, não pode ser acolhido o argumento da recorrente de que a decisão de recuperar os auxílios é ilegal por a Comissão não ter cumprido o prazo de prescrição. Com efeito, no momento da adopção da decisão impugnada, nenhum prazo de prescrição fora estabelecido pelo legislador comunitário em matéria de acções da Comissão relativas aos auxílios estatais não notificados. Assim, a Comissão não estava obrigada a respeitar um prazo de prescrição quando adoptou a referida decisão (v., designadamente, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, BFM e EFIM/Comissão, T-126/96 e T-127/96, Colect., p. II-3437, n.° 67).

70.
    Daqui decorre que o segundo fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao terceiro fundamento baseado em violação dos princípios de leal cooperação, boa fé, protecção da confiança legítima e proporcionalidade

Argumentos das partes

71.
    A recorrente sustenta que a decisão impugnada deve ser examinada em conjunto com a Decisão 91/76, sendo que os factos e elementos relativos a esta última são idênticos aos que constituem o objecto da decisão impugnada. A recorrente refere que o auxílio em causa nesta decisão foi considerado incompatível com o mercado comum do aço pelo único fundamento de o pagamento do empréstimo que constituía o auxílio ter sido efectuado após expirar, em 31 de Dezembro de 1985, o período durante o qual vigorou o segundo código. Assim, um mero aspecto formal assumiu relevância substantiva, visto que o auxílio em causa foi examinado à luz do terceiro código, que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1986.

72.
    A recorrente salienta em seguida que preparara, em 1982, um plano de reestruturação no âmbito da Lei provincial n.° 25/81. Observa que esse plano foi aprovado pela Comissão em 1983. Além disso, a província de Bolzano questionou a Comissão sobre a necessidade de notificar ou não os projectos de auxílio abrangidos pela Lei provincial n.° 25/81. Não tendo obtido resposta, a província considerou não ser necessária a notificação. Tal posição é tanto mais compreensívelquanto, por um lado, a carta remetida pela Comissão em 5 de Julho de 1982 ao Governo italiano referia que ela se reservava «o direito de precisar as condições em que esse regime poderá ser aplicado à província de Bolzano em função da decisão que adoptará a nível nacional» e, por outro, a Comissão nunca esclareceu tais condições.

73.
    A recorrente acrescenta que, na data da adopção da Decisão 91/176, em 25 de Julho de 1990, tinham já sido adoptadas todas as decisões da província de Bolzano bem como pagos os auxílios concedidos. Não é normal que, nessa altura, apesar do tempo decorrido, a saber, sete anos a contar da primeira decisão e dois da última, as referidas decisões não fossem do conhecimento da Comissão nem por esta tomadas em consideração.

74.
    Atendendo a todos estes factos, a Comissão violou, em primeiro lugar, o princípio de leal cooperação [v. artigo 86.° do Tratado CECA, que corresponde no essencial ao artigo 5.° do Tratado CE (actual artigo 10.° CE)]. Com efeito, a Comissão não desenvolveu a necessária actividade de cooperação prevista no Tratado CECA não apenas ao omitir colaborar com as autoridades nacionais, mas também ao atrasar a abertura do procedimento, tendo embora conhecimento dos factos que exigiam a sua instauração, e ao atrasar a conclusão desse procedimento pela adopção de uma decisão negativa de incompatibilidade.

75.
    Em segundo lugar, a Comissão violou os princípios da boa fé e da protecção da confiança legítima. Com efeito, o comportamento da Comissão, e em especial a demora dos procedimento, criaram a confiança legítima das autoridades nacionais e da recorrente na legalidade dos auxílios controvertidos. Estas terão agido em conformidade com o princípio da boa fé, visto que não podiam razoavelmente imaginar que a Comissão poderia contestar os auxílios. Com efeito, não só a Comissão nada objectara quando a questão lhe fora submetida como, além disso, não considerara necessário suscitar objecções muito tempo decorrido sobre a concessão dos auxílios (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 1986, Comissão/Bélgica, 52/84, Colect., p. 89, n.° 16, e RSV/Comissão, já referido).

76.
    A Falck subscreve a tese da recorrente, afirmando decorrer das peças processuais por esta apresentadas que, uma vez notificado o plano de reestruturação e na ausência de qualquer reacção da Comissão (apesar das iniciativas tomadas pela província de Bolzano e pelo Governo italiano), era perfeitamente legítima a confiança da recorrente na legalidade dos auxílios pagos. O plano inicial e o plano complementar de reestruturação situam-se indubitavelmente na continuidade de um projecto e programa de intervenção. O facto de completar e executar esse plano relativamente ao regime «existente» não exige, pois, nem comunicação nem notificação, visto não se tratar de «novos auxílios» (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Agosto de 1994, Namur-Les assurances du crédit, C-44/93, Colect., p. I-3829).

77.
    Em seguida, a recorrente sustenta ter feito prova de diligência no sentido de controlar os auxílios de que por diversas vezes beneficiou. Aliás, a Comissão não fornece qualquer prova de que tal não sucedeu. Assim, devem presumir-se a confiança legítima e a boa fé da recorrente.

78.
    A recorrente sustenta ainda que o facto de ter decorrido um período tão longo entre a concessão dos auxílios e a adopção da decisão impugnada transforma a recuperação dos auxílios em sanção não prevista pelo direito comunitário. Essa recuperação deixa de prosseguir a finalidade de restabelecer o equilíbrio do mercado e eliminar os efeitos de distorção gerados pelos auxílios concedidos, dado que, durante esse período, alteraram-se as condições de mercado, bem como as situações de facto e até de direito. Para além disso, pode existir prescrição nos termos do direito nacional.

79.
    O efeito de transformação da recuperação em sanção é reforçado pelo facto de esta ser agravada por juros que começam a correr a partir da data de concessão dos auxílios, e não da data de adopção da decisão impugnada. Tal é também contrário ao princípio da proporcionalidade, visto que, mesmo no caso de a recuperação ser devida, o sacrifício imposto à recorrente é excessivo, portanto desproporcionado, tendo em vista as circunstâncias do caso em apreço.

80.
    Por último, a recorrente argumenta que os fundamentos de equidade, oportunidade e justiça que conduziram a Comissão a não ordenar a recuperação dos três primeiros auxílios deviam tê-la também conduzido a não solicitar a recuperação dos três últimos auxílios. A mera consideração do tempo decorrido, a saber, treze anos contados da primeira decisão e oito da última, devia ter conduzido a Comissão a adoptar uma decisão diferente.

81.
    A Comissão contesta todos estes argumentos. Observa designadamente que, apesar de, em Maio de 1983, ter autorizado, com base no segundo código dos auxílios à siderurgia, os auxílios aos investimentos concedidos à recorrente no âmbito de um plano de reestruturação adoptado nos termos da Lei provincial n.° 25/81 e notificado em Setembro de 1981, tal decisão não podia ser considerada como autorizando a concessão de qualquer auxílio nos termos do referido plano. Era necessário uma autorização específica da Comissão em cada caso.

82.
    Além disso, a decisão da Comissão de 1983 estabeleceu como prazo imperativo para a concessão do auxílio, um empréstimo bonificado de 6 500 milhões de LIT com uma diferença de 2 mil milhões relativamente à taxa de mercado, em data de 31 de Dezembro de 1985, sob pena de incompatibilidade com o mercado comum. A concessão tardia do referido empréstimo veio, na sequência, dar origem à adopção da Decisão 91/176, que declarou o auxílio incompatível com o mercado comum. Contudo, atendendo à boa fé das autoridades italianas e às dificuldades operacionais devidas à repartição de competências entre autoridades provinciais e nacionais, não foi pedida a respectiva restituição. Daqui decorre tratar-se de umadecisão negativa, que não autorizava qualquer auxílio nem criava qualquer confiança legítima, para o futuro, relativamente a outras medidas de apoio na ausência das circunstâncias específicas que justificaram a decisão de não proceder à recuperação.

Apreciação do Tribunal

83.
    Cabe examinar, em primeiro lugar, o argumento da recorrente baseado em violação do princípio da protecção da confiança legítima.

84.
    Nos termos de jurisprudência constante, as empresas beneficiárias de um auxílio de Estado só podem ter uma confiança legítima na regularidade do auxílio se este tiver sido concedido no respeito pelo processo, de que um operador económico diligente deve estar em condições de se assegurar (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 1990, Comissão/Alemanha, C-5/89, Colect., p. I-3437, n.° 14, e acórdão Preussag Stahl/Comissão, já referido, n.° 77). O beneficiário de um auxílio ilegal apenas pode invocar tal princípio em circunstâncias excepcionais que legitimamente tenham originado a sua confiança no carácter regular desse auxílio (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Junho de 1993, Comissão/Grécia, C-183/91, Colect., p. I-3131, n.° 18).

85.
    No caso vertente, o Tribunal constatou, no n.° 63 supra, que os auxílios em causa não foram notificados e, em consequência, que não foram concedidos no respeito pelo processo aplicável. Além disso, a recorrente não provou a existência de circunstâncias excepcionais susceptíveis de fundar a sua confiança na regularidade dos auxílios.

86.
    Em primeiro lugar, é pacífico que, após a entrada em vigor do terceiro código, em 1 de Janeiro de 1986, a obrigação de notificar uma medida financeira era incondicional. Com efeito, o artigo 6.° desse código determinava que a Comissão fosse informada em tempo útil para apresentar as suas observações relativamente aos processos que visassem instituir ou modificar auxílios, bem como qualquer outro projecto de intervenção financeira dos Estados-Membros, colectividades territoriais ou organismos que utilizassem para essa finalidade recursos de Estado em benefício de empresas siderúrgicas. Por último, o referido artigo estabelecia a obrigação de notificação de todos os casos concretos de aplicação dos auxílios.

87.
    Daqui decorre que não procede a alegação da recorrente de que não tinha conhecimento da obrigação de o Estado notificar os projectos concretos de auxílio que integrassem o seu plano de reestruturação posteriormente a 1 de Janeiro de 1986, nem de que não seria necessário informar a Comissão do desenvolvimento da reestruturação da empresa, e designadamente do programa complementar de reestruturação de 26 de Junho de 1986.

88.
    Observe-se em segundo lugar que a Comissão referiu, na carta de 5 de Julho de 1982, que deveria pronunciar-se sobre a aplicação sectorial da Lei n.° 675/77, e quese reservava o direito de precisar as condições em que tal regime seria aplicável à província de Bolzano em função da decisão que adoptasse a nível nacional. Nessa mesma carta, a Comissão precisou também que as autoridades de Bolzano deviam respeitar integralmente a disciplina e códigos comunitários relativos à concessão de auxílios em favor da siderurgia (v. supra n.° 8).

89.
    Ademais, a Comissão precisou na decisão de 1983 que a autorização dos auxílios nela referidos estava condicionada aos resultados de controlos que instituíra e, além disso, que se excluía qualquer pagamento de auxílios depois de 31 de Dezembro de 1984.

90.
    Daqui decorre que a Comissão de forma alguma deu autorização definitiva relativamente a todos os auxílios concedidos no âmbito do regime geral em causa e que a autorização era limitada no tempo. Em tais condições, a ausência de resposta da Comissão a uma carta da província de Bolzano não é susceptível de justificar o não cumprimento da exigência de notificação, tanto mais que as condições de isenção dos auxílios à siderurgia haviam sido entretanto alteradas.

91.
    Em terceiro lugar, o prazo dentro do qual a Comissão tinha o direito de autorizar os auxílios, nos termos do segundo código, era 31 de Dezembro de 1985. Assim sendo, os auxílios pagos depois de 1 de Janeiro de 1986, cuja restituição é pedida pela Comissão, já não estavam abrangidos pelo segundo código, pelo que a recorrente não podia ter, nos termos do referido código, uma confiança legítima quanto à respectiva legalidade.

92.
    Por último e em quarto lugar, precisa-se que a Decisão 91/176 constata que a bonificação de juros relativa a um empréstimo concedido em Dezembro de 1987 é um auxílio de Estado ilegal, visto ter sido aplicada sem autorização prévia da Comissão, e que, além disso, é incompatível com o mercado comum na acepção do terceiro código. Não existe assim qualquer contradição entre esta decisão e a decisão impugnada, pelo que a recorrente não pode prevalecer-se dessa decisão para provar a existência de confiança legítima. O facto de a Comissão ter considerado equitativo não ordenar a restituição do auxílio a que se refere a Decisão 91/176, em virtude das circunstâncias particulares nela expostas, não pode implicar que esteja vinculada por tais considerações aquando do exame, no caso vertente, da compatibilidade dos auxílios com o mercado comum.

93.
    Em segundo lugar, deve rejeitar-se o argumento da recorrente de que fez prova da diligência. Com efeito, basta constatar que o único elemento de prova por ela fornecido a esse respeito é uma declaração de 2 de Fevereiro de 1999 do seu director administrativo, Sergio Moresetti, de que resulta terem sido estabelecidos contactos entre ele e os funcionários de Bolzano. Ora, ao contactar as autoridades locais, a recorrente de forma alguma se assegurou de que, atendendo às circunstâncias do presente caso, o processo de notificação fora respeitado.

94.
    Constate-se, em terceiro lugar, que, nas circunstâncias do caso vertente, a recorrente não pode utilmente invocar a violação dos princípios de leal cooperação e boa fé. Com efeito, o controlo dos auxílios pressupõe que os Estados-Membros preencham a obrigação de notificação. Assim, não procede o argumento da recorrente de que a Comissão não descobrira anteriormente a existência de auxílios ilegais. Caso contrário, as disposições do Tratado CECA relativas aos auxílios de Estado ficariam privadas de qualquer efeito útil. Seja como for, a alegação de que a Comissão devia ter tido conhecimento dos auxílios em causa não é apoiada por qualquer prova.

95.
    Por último, recorde-se que, segundo jurisprudência constante, o princípio da proporcionalidade exige que os actos das instituições comunitárias não ultrapassem os limites do adequado e necessário para a realização do objectivo pretendido, ressalvando-se que, quando há possibilidade de escolher entre diversas medidas adequadas, convém recorrer à menos gravosa (v., por exemplo, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Maio de 1984, Denkavit Nederland, 15/83, Recueil, p. 2171, n.° 25, e de 11 de Julho de 1989, Schräder, 265/87, Colect., p. 2237, n.° 21).

96.
    Ora, sendo a supressão de um auxílio ilegal por via de recuperação a consequência lógica da declaração da sua ilegalidade (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Março de 1990, Bélgica/Comissão, C-142/87, Colect., p. I-959, n.° 66, de 21 de Março de 1991, Itália/Comissão, C-305/89, Colect., p. I-1603, n.° 41, e do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Junho de 1995, Siemens/Comissão, T-459/93, Colect., p. II-1675, n.° 96), tal medida não pode, em princípio, ser considerada uma medida desproporcionada em relação aos objectivos das disposições do Tratado CECA em matéria de auxílios de Estado. Daí resulta também que tal medida, ainda que aplicada muito tempo depois da concessão do auxílio, não pode constituir uma sanção não prevista pelo direito comunitário.

97.
    O mesmo se diga quanto à recuperação dos juros. Sendo que os efeitos úteis do Tratado CECA seriam postos em causa se se permitisse que as empresas beneficiárias se aproveitassem da disponibilidade do dinheiro durante o período compreendido entre a concessão e a efectiva restituição dos auxílios (v., por analogia, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1995, CB/Comissão, T-275/94, Colect., p. II-2169, n.os 46 a 54), uma decisão da Comissão que ordene a restituição de auxílios ilegais pode legitimamente impor a cobrança de juros sobre os montantes concedidos a fim de eliminar as suas vantagens financeiras acessórias (v. acórdão Siemens/Comissão, já referido, n.° 97).

98.
    Além disso, no que respeita à determinação da data a partir da qual tais juros devem ser calculados, refira-se que estes juros representam o equivalente da vantagem financeira que provém da colocação à disposição, gratuitamente, do capital em questão por um certo período. Por conseguinte, a Comissão considerou a justo título que os referidos juros devem ser contados a partir da data do pagamento dos auxílios (v. acórdão Siemens/Comissão, já referido, n.° 101).

99.
    Resulta de tudo o que precede que o terceiro fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao quarto fundamento baseado em erro de direito na apreciação da compatibilidade dos auxílios com o mercado comum do aço e errada apreciação dos elementos de facto

Argumentos das partes

100.
    A recorrente argumenta que a Comissão cometeu um erro de direito ao considerar que o Tratado CECA, diversamente do Tratado CE, não prevê, relativamente à sua aplicação, qualquer «incidência sobre as trocas comerciais intracomunitárias». Com efeito, tal condição deve estar necessariamente preenchida para que os auxílios possam ser declarados incompatíveis com o mercado comum no âmbito do Tratado CE. Prosseguindo ambos os Tratados objectivos comuns, seria contrário ao espírito e à ratio do direito comunitário interpretar as «normas CECA» como distintas e separadas das «normas CE» (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Junho de 1958, Meroni/Alta Autoridade, 9/56, Colect. 1954-1961, p. 11, de 22 de Outubro de 1987, Foto-Frost, 314/85, Colect., p. 4199, e de 22 de Fevereiro de 1990, Busseni, C-221/88, Colect., p. I-495). A Comissão devia pois ter tido em consideração o montante e a intensidade dos auxílios, a respectiva proporção relativamente às necessidades efectivas da recorrente, visto que os efeitos dos auxílios não provocam uma distorção da concorrência e nem produzem alteração das condições das trocas comerciais, bem como da conformidade de tais efeitos com os objectivos comuns (v. artigo 2.° do segundo código).

101.
    Além disso, a Comissão não atendeu ao facto de a recorrente ter sido vítima de grave discriminação relativamente à indústria siderúrgica pública, que obteve auxílios muito mais significativos. Os auxílios posteriormente concedidos à indústria constituem uma tentativa insuficiente para restabelecer a igualdade de tratamento entre as duas categorias de operadores, igualmente garantida pela regulamentação comunitária.

102.
    A recorrente, apoiada pelo Governo italiano, invoca também a errada apreciação dos factos. Salienta, a este respeito, que os investimentos efectuados se destinavam a realizar economias de energia, a melhorar o ambiente, a segurança e condições de trabalho, a favorecer a investigação e o desenvolvimento e a melhorar a rentabilidade da empresa, o que decorre dos quadros anexos à petição. Ora, a Comissão recusou-se a considerar tais investimentos como auxílios compatíveis com o mercado comum do aço, sem proceder à comparação entre o investimento total, o investimento efectuado e o investimento imputável ao auxílio. Limitou-se a afirmar, na decisão impugnada, que a «maior parte» dos investimentos em investigação e desenvolvimento «parecem» constituir investimentos produtivos. A Comissão cometeu um erro de apreciação dos factos ao considerar insuficientes os elementos fornecidos, que provavam a utilização dos investimentos em investigação e desenvolvimento e na protecção do ambiente.

103.
    Para demonstrar que os auxílios recebidos pela recorrente são compatíveis com o mercado comum, a interveniente Falck pediu à sociedade Arthur Andersen que redigisse um relatório para ser apresentado ao Tribunal (a seguir «relatório Andersen»). Este relatório demonstra que os investimentos feitos pela recorrente são em grande parte compatíveis com os códigos dos auxílios, na medida em que se destinavam a cobrir despesas com investigação e desenvolvimento, protecção do ambiente, economias de energia, melhoria da qualidade dos produtos e/ou das técnicas de produção, restabelecimento da competitividade e de uma situação financeira viável, também através da redução dos custos de produção.

104.
    Em seguida, a Falck afirma que a Comissão enganou-se ao tomar em consideração, e declarar incompatíveis, os auxílios que considerara já «abrangidos» pela Decisão 91/176. Trata-se designadamente do auxílio a que se refere a Decisão n.° 7673 de 14 de Dezembro de 1997 (6 321 milhões de LIT) e aquele a que se refere a Decisão n.° 4158 de 4 de Julho de 1988 (987 milhões de LIT). Este último auxílio, erradamente relacionado com a decisão de 1988, está na realidade abrangido pela decisão de 14 de Dezembro de 1987. A Falck considera, por último, que a Decisão n.° 2429 de 2 de Maio de 1988 foi erradamente apreciada, concluindo que, em suma, a eventual recuperação dos auxílios se devia ter limitado à soma de 4 400 milhões de LIT.

105.
    A Comissão contesta todos estes argumentos.

106.
    Nega, antes de mais, ter cometido qualquer erro de interpretação do Tratado CECA. Recorda, designadamente, que, diversamente do Tratado CE, a regulamentação CECA em matéria de auxílios não faz qualquer referência à perturbação das trocas comerciais ou à distorção da concorrência, também não permitindo que a Comissão tome em consideração os efeitos da perturbação da concorrência e os interesses da Comunidade. No regime instituído pelo Tratado CECA, atendendo em especial à particular sensibilidade do sector, a Comissão não dispõe de qualquer poder discricionário para apreciar com alguma flexibilidade a compatibilidade dos auxílios.

107.
    A Comissão entende, além disso, que a diferença de tratamento entre os sectores privado e público da indústria siderúrgica em Itália, caso exista, não lhe pode ser imputada.

108.
    A Comissão contesta ter cometido qualquer erro de apreciação dos auxílios em causa. Constatou que os auxílios não se destinavam a apoiar projectos de investigação e de desenvolvimento nem de protecção do ambiente. Na ausência de elementos concretos, é inútil afirmar-se que os auxílios se propunham favorecer a realização de economias de energia e a melhoria da qualidade dos produtos.

109.
    Esta conclusão não é infirmada pelo relatório Andersen. A este respeito, a Comissão observa, antes de mais, que a interveniente é obrigada a aceitar o litígio no estado em que se encontra aquando da intervenção. Ora, nada permite pensarque a recorrente tenha pedido uma peritagem para carrear provas úteis à sua defesa. Além disso, a apresentação do relatório Andersen não tem qualquer valor de «prova oferecida» na acepção da alínea c) do n.° 4 do artigo 116.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância. Com efeito, tal relatório contém uma série de afirmações apodícticas que pretendem substituir as constatações que são da competência da Comissão.

110.
    Por último, a Comissão contesta a alegação da Falck de que o empréstimo de 6 321 milhões, de Dezembro de 1987, fora já objecto da Decisão 91/176, bem como os demais pretensos erros de apreciação invocados pela Falck. Considera ter apreciado correctamente todos os auxílios visados pela decisão impugnada. Ademais, a Comissão espanta-se com o facto de nem a recorrente nem o Governo italiano nunca terem suscitado tal questão durante o processo administrativo, apesar de esse elemento ser também objecto da decisão de instauração.

Apreciação do Tribunal

111.
    Examine-se, em primeiro lugar, o argumento da recorrente de que a Comissão cometeu um erro de direito ao considerar que o Tratado CECA não prevê, relativamente à sua aplicação, qualquer «incidência sobre as trocas comerciais intracomunitárias».

112.
    Saliente-se, a este respeito, que a alínea c) do artigo 4.° do Tratado CECA proíbe as subvenções ou auxílios concedidos pelos Estados «independentemente da forma que assumam». Dado que estes termos não constam do artigo 4.°, alíneas a), b) e d), esta disposição atribui um carácter geral pouco comum à proibição que qualifica (v. acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Fevereiro de 1961, De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta Autoridade, 30/59, Colect. 1954-1961, p. 551).

113.
    Contrariamente ao n.° 1 do artigo 92.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 87.°, n.° 1, CE), tal proibição é geral e incondicional. Por consequência, os auxílios abrangidos pelo Tratado CECA são reputados incompatíveis com o mercado comum, sem que seja necessário estabelecer nem mesmo investigar se, de facto, existe ou há o risco de se produzir uma infracção às condições da concorrência (v. as conclusões do advogado-geral Lagrange relativas ao acórdão De Gezamenlijke Steenkolenmijnen in Limburg/Alta Autoridade, já referido, Colect. 1954-1961, p. 551).

114.
    Daqui decorre que a Comissão não cometeu qualquer erro de direito ao considerar que os auxílios em causa entrem no âmbito de aplicação do Tratado CECA sem ter previamente verificado se têm «incidência sobre as trocas comerciais intracomunitárias».

115.
    Cabe, em segundo lugar, examinar o argumento baseado no pretenso erro cometido pela Comissão na aplicação das derrogações ao quinto código, únicas derrogações à proibição dos auxílios prevista na alínea c) do artigo 4.° do Tratado CECA que a Comissão estava habilitada a aplicar no caso vertente (v. supra n.° 68).

116.
    A este respeito, saliente-se, a título preliminar, por um lado, ser pacífico no caso em apreço que as medidas em causa constituem auxílios que deviam ter sido notificados à Comissão e, por outro, que tais auxílios foram concedidos entre 1983 e 1988, ou seja, entre oito a treze anos antes da adopção da decisão impugnada. Nestas condições, é evidente que a recorrente, beneficiária de tais auxílios, e o Governo italiano eram os melhores colocados a fim de recolher e verificar os dados necessários comprovativos de que os auxílios preenchiam as condições instituídas pelo quinto código. Além disso, na sua decisão de instauração do procedimento, a Comissão sublinhou estar obrigada a avaliar os auxílios de Estado à luz das disposições e dos critérios de interpretação aplicáveis na data de adopção da decisão e em função dos dados e informações disponíveis nessa data. Concluiu também que tais auxílios deviam ser examinados com base no quinto código.

117.
    Em consequência, incumbia ao Governo italiano e à recorrente carrear, no decurso do procedimento administrativo, os elementos de prova susceptíveis de demonstrar que os auxílios em causa podiam beneficiar das derrogações previstas nesse código (v., nesse sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Abril de 1993, Itália/Comissão, C-364/90, Colect., p. I-2097, n.os 35 e 36).

118.
    Recorde-se em seguida que, no exercício da sua competência para conhecer dos recursos de anulação das decisões e recomendações da Comissão, o Tribunal de Justiça não pode, por força da segunda frase do primeiro parágrafo do artigo 33.° do Tratado CECA, apreciar a situação decorrente dos factos ou circunstâncias económicas em função dos quais foram proferidas as referidas decisões ou recomendações, excepto se a Comissão for acusada de ter cometido um desvio de poder ou de ter ignorado, de forma manifesta, as disposições do Tratado ou qualquer norma jurídica relativa à sua aplicação.

119.
    Para apurar se a Comissão violou de forma patente as disposições do Tratado CECA ou o quinto código dos auxílios por forma a justificar a anulação da decisão impugnada, os elementos de prova fornecidos pela recorrente devem ser suficientes para retirar plausibilidade às apreciações dos factos considerados na decisão (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 1996, AIUFASS e AKT/Comissão, T-380/94, Colect., p. II-2169, n.° 59).

120.
    É à luz destas considerações que cabe examinar os argumentos baseados no erro pretensamente cometido pela Comissão na aplicação das derrogações ao quinto código.

121.
    O argumento da recorrente, na medida em que afirma ter sido vítima de grave discriminação relativamente à indústria siderúrgica pública, que terá obtido auxílios muito mais significativos, deve ser rejeitado por destituído de pertinência no caso vertente. Com efeito, mesmo que se admita existir em Itália uma diferença de tratamento entre os sectores privado e público da indústria siderúrgica, tal facto não é susceptível de influenciar a apreciação feita pela Comissão da legalidade dos auxílios concedidos por um Estado-Membro em determinado caso.

122.
    É certo que, na decisão impugnada, a Comissão afirmou simplesmente que a maior parte das despesas de investimento da recorrente e os correspondentes auxílios não podiam beneficiar da derrogação relativa à investigação e ao desenvolvimento, parecendo pelo contrário constituir investimentos produtivos que não podiam, enquanto tais, beneficiar de qualquer derrogação à proibição prevista na alínea c) do artigo 4.° do Tratado CECA, de acordo com as normas comunitárias em vigor no sector dos auxílios de Estado à investigação e ao desenvolvimento.

123.
    Contudo, esta mesma constatação constava já da decisão de instauração do procedimento. Era pois necessário que o Governo italiano e a recorrente apresentassem observações susceptíveis de infirmar tal constatação, sem o que seria normal que esperassem que a Comissão a acolhesse efectivamente na sua decisão final.

124.
    Observe-se, a este respeito, que o enquadramento comunitário dos auxílios de Estado à investigação e ao desenvolvimento (JO 1996, C 83, p. 2), a que o quinto código faz referência, precisa que os objectivos prosseguidos por um programa relativo à investigação e ao desenvolvimento devem ser claramente indicados. Além disso, as diferentes categorias dos custos para que os auxílios vão contribuir devem ser justificados e os auxílios devem ser concedidos de uma forma que permita calcular a sua intensidade em relação a esses custos (ponto 4.3.1). Decorre igualmente do mesmo texto que a Comissão estará particularmente atenta para que esses auxílios não se transformem em auxílios ao funcionamento (ponto 8.2).

125.
    Ora, é forçoso constatar que, no decurso do procedimento administrativo, o Governo italiano limitou-se a referir que os auxílios concedidos pelas Decisões n.° 7673 de 14 de Dezembro de 1987, n.° 2429 de 2 de Maio de 1988 e n.° 4158 de 4 de Julho de 1988 eram conformes com as disposições relativas à investigação e ao desenvolvimento, sem fornecer qualquer explicação susceptível de justificar a aplicação de tal isenção.

126.
    Daqui decorre que a Comissão podia legitimamente concluir, com base nas informações de que dispunha, designadamente completadas pela carta do Governo italiano de 27 de Março de 1996, que não existiam elementos susceptíveis de demonstrar que os auxílios em causa podiam beneficiar da derrogação do quinto código relativa à investigação e ao desenvolvimento.

127.
    Os argumentos da recorrente não são de modo a infirmar esta constatação. A recorrente alegou, por um lado, que grande parte dos auxílios concedidos após 1 de Janeiro de 1986, apesar de ilegais por nunca terem sido notificados à Comissão, deviam ser considerados compatíveis com o mercado comum, visto destinarem-se a investimentos efectuados designadamente no sector da investigação e do desenvolvimento e, por outro lado, que o montante dos investimentos para a investigação e o desenvolvimento era de quase 32 mil milhões de LIT, isto é, mais de metade do montante total dos auxílios concedidos (55 mil milhões de LIT). Em apoio desta alegação, a recorrente limitou-se a juntar o seu balanço, que procede a uma repartição dos seus investimentos indicando nomeadamente os investimentos destinados à investigação e ao desenvolvimento.

128.
    Ora, tais elementos de forma alguma infirmam a apreciação da Comissão de que a maior parte das despesas de investimento da recorrente relativas à investigação e ao desenvolvimento parecem constituir investimentos produtivos que não podem, enquanto tal, beneficiar de qualquer derrogação à proibição estabelecida na alínea c) do n.° 4 do Tratado CECA.

129.
    A Comissão constatou também, na decisão impugnada, que a recorrente efectuara despesas de investimento com repercussões no sector da protecção do ambiente no montante de cerca de 15 mil milhões de LIT. Contudo, sublinhou que as autoridades italianas não tinham conseguido provar estarem reunidas as condições de aplicação do artigo 3.° do quinto código.

130.
    A recorrente argumenta designadamente que a Comissão cometeu um erro de apreciação dos factos ao considerar insuficientes os elementos que ela e o Governo italiano forneceram.

131.
    Contudo, os elementos fornecidos pelo Governo italiano durante o procedimento administrativo não permitem provar estarem preenchidas as condições de aplicação da derrogação relativa à protecção do ambiente. Com efeito, na carta de 27 de Março de 1996, o Governo italiano limitou-se a estabelecer uma lista dos actos normativos adoptados durante o período que precedeu a concessão dos auxílios em matéria de ambiente. Tal não prova que os investimentos realizados tivessem por objectivo principal a salvaguarda do ambiente e contribuíssem para tornar conformes com as novas normas de protecção do ambiente as instalações em serviço desde há pelo menos dois anos antes da entrada em vigor destas normas. Ora, tais condições foram estabelecidas pelo artigo 3.° do quinto código, tendo sido recordadas pela Comissão na sua decisão de instauração, da qual resulta que as autoridades italianas não haviam provado até então estarem tais condições reunidas.

132.
    Por último, a Comissão considerou que os investimentos destinados à realização de economias de energia e à melhoria da qualidade dos produtos não podiam beneficiar, com base no quinto código, de qualquer derrogação às disposições daalínea c) do artigo 4.° do Tratado CECA. A recorrente não forneceu qualquer elemento susceptível de contraditar esta constatação da Comissão.

133.
    Cabe, em terceiro lugar, examinar os argumentos baseados no relatório de peritagem apresentado pela Falck. A este respeito, constate-se a título preliminar que a Falck, contrariamente ao que a Comissão sustenta, não ultrapassou o âmbito do litígio na acepção do n.° 3 do artigo 116.° do Regulamento de Processo.

134.
    É contudo forçoso constatar que o relatório Andersen, intitulado «Relatório sobre os processos de verificação escolhidos e aplicados ao quadro de análise dos investimentos relativamente ao período entre 1 de Janeiro de 1986 e 30 de Junho de 1988», constitui, na realidade, uma mera verificação contabilística de um quadro apresentado pela Falck, que retomava determinados investimentos. A sociedade Arthur Andersen não analisou, pois, os investimentos enquanto tais. Em especial, não verificou se eram susceptíveis de estar isentos da proibição prevista na alínea c) do artigo 4.° do Tratado CECA por força do quinto código.

135.
    Precise-se, a este respeito, que o facto de as despesas de compra de material estarem inscritas no balanço de acordo com a legislação nacional e de aí serem descritas como investimentos à investigação e ao desenvolvimento ou outro não demonstra, por si só, que os auxílios em causa são susceptíveis de estar isentos por força do Tratado CECA. Com efeito, a concessão de derrogações à alínea c) do artigo 4.° do Tratado CECA pressupõe uma análise que implica apreciações que devem ser efectuadas pela Comissão num contexto comunitário (v., por analogia, o acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Setembro de 1980, Philip Morris/Comissão, 730/79, Recueil, p. 2671, n.° 24, e o acórdão Siemens/Comissão, já referido, n.° 53).

136.
    Daqui decorre que o relatório Andersen não forneceu elementos susceptíveis de provar que os investimentos em causa são de natureza a estar isentos da proibição prevista na alínea c) do artigo 4.° do Tratado CECA e, em consequência, que tal relatório não permite afastar as constatações acima efectuadas, segundo as quais a Comissão não cometeu erro manifesto de apreciação ao concluir que os auxílios em causa não eram susceptíveis de beneficiar das derrogações previstas no quinto código.

137.
    No que se refere, em quarto lugar, aos argumentos invocados pela Falck assentes em erros de apreciação consistindo em que, por um lado, a Comissão não deveria ter pedido a recuperação do auxílio a que se refere a decisão de 1987, por tal auxílio estar abrangido pela Decisão 91/176 e, por outro, que a Comissão não apreciou correctamente os auxílios a que se referem as decisões de 1988, há que salientar que a enumeração de todos os auxílios em causa no presente processo constava já da decisão de instauração e, em consequência, que a Falck foi notificada para apresentar a sua crítica já nesse estádio.

138.
    Além disso, tanto nas cartas de 6 de Abril e de 2 de Maio de 1995, em resposta ao pedido de informação da Comissão, como na carta de 27 de Março de 1996, subsequente à decisão de instauração, o Governo italiano referiu as Decisões n.° 7673 de 14 de Dezembro de 1987, n.° 2429 de 2 de Maio de 1988 e n.° 4158 de 4 de Julho de 1988 sem fornecer a menor indicação de que o auxílio visado pela Decisão de 1987 já estaria coberto pela Decisão 91/176, nem denunciar que os auxílios visados pelas decisões de 1988 não haviam sido correctamente apreciados. Na carta de 27 de Março de 1996 (p. 4), o Governo italiano reconheceu mesmo que uma parte dos auxílios visados por tais decisões podia ser legitimamente recuperada ao afirmar que:

«As acusações suscitadas a justo título, relativamente às quais devem ser fornecidos esclarecimentos, dizem unicamente respeito às intervenções da província autónoma de Bolzano efectuadas depois de 1985, relacionadas respectivamente com as Decisões n.° 7673 de 14 [Dezembro] de 1987, n.° 2429 de 2 de Maio de 1988 e n.° 4158 de 4 Julho de 1988, que revelam um lucro total, tendo em conta a diferença de juro entre a taxa de referência e a taxa de 3%, de 8 704 milhões, no que se refere aos empréstimos.»

139.
    A crítica da Falck não é, pois, pertinente, na medida em que compete ao Tribunal de Primeira Instância verificar se a Comissão se fundou em factos materiais exactos e se estes não foram apreciados de forma manifestamente errada no âmbito da situação tal como se apresentava na data da adopção da decisão impugnada e em função dos únicos elementos de que a Comissão dispunha então (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Janeiro de 1997, Opel Austria/Conselho, T-115/94, Colect., p. II-39, n.° 87, e British Airways e o. e British Midland Airways/Comissão, já referidos, n.° 81).

140.
    Em consequência, não cabe tomar em consideração os argumentos da Falck baseados em pretensos erros de apreciação dos auxílios visados pelas decisões de 1987 e 1988.

141.
    Convém acrescentar que, mesmo admitindo que a Falck tenha razão ao afirmar que o auxílio objecto da decisão de 1987 já estava coberto pela Decisão 91/176, não é menos verdade que, na sua Decisão 91/176, a Comissão partiu do facto que um empréstimo de 6 mil milhões de LIT, apesar de aprovado em 1983, apenas ter sido pago em 1987, tendo-se tornado incompatível aquando da sua atribuição em virtude da sucessão dos códigos dos auxílios à siderurgia. Resulta, contudo, das alegações da Falck que a Decisão n.° 7673 de 14 de Dezembro de 1987 concedeu auxílios e que esta decisão foi objecto de um acto de reconhecimento em 10 de Março de 1988. Assim, o argumento da Falck deixa supor que a «concessão» do auxílio em 1987 visado pela Decisão 91/176 era, na realidade, uma nova decisão autónoma e, em consequência, que tal auxílio não se tornara incompatível unicamente em razão do atraso existente na sua atribuição. Tal tese conduz a pensar que a Comissão não estava correctamente informada aquando da adopçãoda Decisão 91/176, não podendo, em consequência, ser utilmente invocada pela Falck em apoio das conclusões da recorrente no presente processo.

142.
    Resulta de tudo o que precede que o quarto fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao quinto fundamento baseado em erro de direito cometido na fixação da taxa de juro

Argumentos das partes

143.
    A recorrente sustenta que a taxa de juro fixada pela Comissão é, por um lado, indeterminável e, por outro, desprovida de base legal.

144.
    A recorrente observa que uma decisão que ordene a recuperação de um auxílio ilegal apenas pode impor a cobrança de juros sobre as somas pagas, para suprimir os benefícios financeiros acessórios a tais auxílios, e que essa cobrança deve ser estritamente proporcional às vantagens de que a empresa interessada beneficiou ilegalmente (v. acórdão Siemens/Comissão, já referido, n.os 95 e segs.). Assim, a Comissão devia ter fixado os juros com base nas disposições do direito nacional ou com base na taxa de mercado que a recorrente devia ter pago se os auxílios não tivessem sido concedidos.

145.
    Na réplica, a recorrente sustenta que a Comissão não pode estabelecer obrigações com base numa comunicação, que não é uma acto típico nem obrigatório nos termos dos artigos 14.°, 15.° e 33.° do Tratado CECA. Em qualquer caso, é contraditório, por um lado, referir-se, por analogia, a critérios comunitários e, por outro, remeter para a ordem jurídica nacional. A cooperação entre os sistemas comunitário e nacional exige que, na falta de norma comunitária, seja o órgão jurisdicional nacional a instância competente para determinar e aplicar os juros a pagar, nos termos da regulamentação nacional.

146.
    Por último, na sequência de uma questão escrita do Tribunal, a recorrente referiu que a taxa que devia ter sido aplicada era a que teria podido então obter na Alemanha. Sendo que desenvolvia grande actividade na Alemanha nessa altura, o mercado alemão era o mercado real de referência.

147.
    A Comissão sublinha que, no contexto dos auxílios regionais, os juros correspondem ao custo do dinheiro no Estado-Membro durante o período considerado, como esclarece a comunicação da Comissão de 21 de Dezembro de 1978 relativa aos regimes de auxílio com finalidade regional (JO 1979, C 31, p. 9, a seguir «comunicação relativa aos auxílios regionais»). O anexo da referida comunicação estabelece as modalidades de aplicação dos princípios de coordenação dos regimes de auxílios com finalidade regional. Nos termos do n.° 14 desse anexo, a taxa de referência aplicável em Itália é constituída pela «taxa de referência média aplicável às bonificações dos juros pagas pelo governo central aosorganismos de crédito». O valor do critério aplicado foi admitido pelas próprias autoridades italianas que, no pedido de reembolso dos auxílios, calcularam os juros com base nas taxas comunicadas pela Banca d'Italia relativamente aos diversos períodos em causa.

Apreciação do Tribunal

148.
    Dada a ausência de disposições comunitárias relativas ao processo de reembolso dos montantes indevidamente pagos, a recuperação dos auxílios irregularmente concedidos deve, segundo jurisprudência assente, ser efectuada segundo as regras previstas pelo direito nacional. Todavia, a aplicação do direito nacional não deve pôr em risco o alcance e a eficácia do direito comunitário. Noutros termos, a aplicação das disposições nacionais, por um lado, não deve tornar a recuperação dos montantes irregularmente concedidos praticamente impossível e, por outro, não deve ser discriminatória em relação a casos comparáveis regidos exclusivamente pela legislação nacional (v. os acórdãos do Tribunal de Justiça de 21 de Setembro de 1983, Deutsche Milchkontor e o., 205/82 a 215/82, Recueil, p. 2633, n.os 18 a 25, e de 2 de Fevereiro de 1989, Comissão/Alemanha, 94/87, Colect., p. 175, n.° 12, e o acórdão Siemens/Comissão, já referido, n.° 82).

149.
    Além disso, a recuperação de um auxílio estatal incompatível com o mercado comum tem por objectivo o restabelecimento da situação anterior, o que pressupõe que tenham sido eliminadas todas as vantagens financeiras dele resultantes que tenham efeitos anticoncorrenciais sobre o mercado comum. Uma decisão da Comissão, relativa à restituição de auxílios ilegais, pode assim impor a cobrança de juros sobre os montantes concedidos a fim de eliminar as vantagens financeiras acessórias dos referidos auxílios (v. acórdão Siemens/Comissão, já referido, n.° 97).

150.
    Com efeito, não reclamar, no momento da recuperação, juros sobre os montantes ilegalmente concedidos equivaleria a manter, em benefício da empresa destinatária, vantagens financeiras devidas à concessão do auxílio ilegal, consistentes na concessão de um empréstimo sem juros. Tratar-se-ia, em si mesmo, de um auxílio que falsearia ou ameaçaria falsear a concorrência (v. acórdão Siemens/Comissão, já referido, n.° 98).

151.
    Contudo, a cobrança de juros só pode fazer-se para compensar vantagens financeiras que decorram efectivamente da colocação à disposição do beneficiário dos auxílios e deve ser proporcional a estes (v. acórdão Siemens/Comissão, já referido, n.° 99).

152.
    É à luz destas considerações que cabe examinar o argumento da recorrente de que a Comissão cometeu um erro ao fixar a taxa de juro no caso vertente.

153.
    O artigo 2.° da decisão impugnada determina:

«A Itália procederá, em conformidade com o direito material e processual italiano e, nomeadamente, em matéria de dívidas ao Estado, à recuperação dos auxílios concedidos a partir de 1 de Janeiro de 1986 à empresa Acciaierie di Bolzano... Para suprimir os efeitos decorrentes desses auxílios, o seu montante é majorado de juros que começam a correr a partir da data da concessão dos auxílios até à data do reembolso. A taxa de juro aplicável é a taxa utilizada pela Comissão para o cálculo do equivalente-subvenção líquido dos auxílios com finalidade regional durante o período considerado.»

154.
    Tendo a recorrente beneficiado de uma vantagem ao dispor gratuitamente de determinada soma durante certo período, o pagamento de juros que lhe é imposto corresponde à exigência de eliminar um benefício financeiro acessório relativamente ao montante dos auxílios inicialmente concedidos.

155.
    Saliente-se que, apesar da decisão impugnada deixar supor que a taxa de juro aplicável para eliminar essa vantagem é directamente fixada pela Comissão, não é menos certo que, na realidade, a taxa em causa é a taxa de referência média aplicável às bonificações de juros pagas pelo governo central aos organismos de crédito em Itália. Com efeito, a referência, na decisão impugnada, à «taxa utilizada pela Comissão para o cálculo do equivalente-subvenção líquido dos auxílios com finalidade regional» tem origem na comunicação relativa aos auxílios regionais. Por força do n.° 14 do anexo da referida comunicação, a taxa de referência aplicável em Itália é constituída pela «taxa de referência média aplicável às bonificações de juro pagas pelo governo central aos organismos de crédito». Seja como for, não é objecto de contestação que a taxa aplicada no caso vertente foi calculada com base nas informações provenientes da Banca d'Italia.

156.
    Nestas condições, a Comissão não fixou as modalidades de execução da obrigação de o Estado reclamar os juros, mantendo-se o procedimento de cobrança dos montantes indevidamente pagos sob a alçada do direito nacional. A referência à taxa de juro aplicável para o cálculo do equivalente-subvenção líquido dos auxílios com finalidade regional em Itália apenas visa assegurar que seja aplicada uma taxa que represente o equivalente do benefício financeiro proveniente da colocação à disposição gratuita do capital em causa, respeitando do mesmo passo as condições do mercado italiano e os princípios de direito italiano relativos à cobrança dos montantes indevidamente pagos.

157.
    Em consequência, a Comissão tinha legitimidade para impor ao Governo italiano que utilizasse a taxa de juro aplicável para o cálculo do equivalente-subvenção líquido dos auxílios com finalidade regional.

158.
    Por último, no que se refere à alegação da recorrente de que o mercado alemão era o mercado real de referência, saliente-se que a legalidade de uma decisão em matéria de auxílios deve ser apreciada em função dos elementos de informação de que a Comissão dispunha no momento em que a adoptou (v. supra n.° 139).

159.
    Ora, no caso vertente, a recorrente foi colocada em condições de apresentar observações sobre os factos retidos e as apreciações feitas pela Comissão na decisão de instauração. Nessa decisão, a Comissão referiu que a recorrente beneficiara de intervenções públicas sob a forma de empréstimos com o prazo de dez anos a uma taxa inferior em cerca de 10% à taxa de mercado. Era pois claro para a recorrente que a Comissão baseara-se na taxa de mercado em Itália para calcular o montante dos auxílios em causa. É pois perfeitamente legítima a referência feita pela Comissão à taxa de mercado italiano, igualmente no que se refere à cobrança de tais auxílios.

160.
    Nestas condições, a recorrente, não tendo comunicado à Comissão observações a esse respeito, não pode acusá-la de não ter avaliado a possibilidade de utilizar o mercado alemão como mercado de referência.

161.
    Seja como for, a recorrente não demonstrou, na sua argumentação, que a Comissão cometeu qualquer erro manifesto de apreciação ao referir-se à taxa de mercado italiano no que se refere à cobrança dos auxílios em causa.

162.
    Daqui decorre que o quinto fundamento deve ser rejeitado.

Quanto ao sexto fundamento baseado em falta de fundamentação

Argumentos das partes

163.
    A recorrente argumenta que a decisão impugnada não tem qualquer fundamentação quanto ao facto de a Comissão ter considerado decisiva, para efeitos de restituição dos auxílios, a data de 31 de Dezembro de 1985, que corresponde ao fim do período de aplicabilidade do segundo código, e de ter considerado o quinto código aplicável às Decisões n.° 7673, n.° 2429 e n.° 4158 da província de Bolzano.

164.
    Além disso, a Comissão fixou a taxa de juro de acordo com uma fórmula enigmática e sem dar qualquer fundamentação relativa à proporcionalidade da taxa em relação aos benefícios obtidos pela recorrente.

165.
    A Comissão considera que a data de 31 de Dezembro de 1985 não foi arbitrariamente escolhida, visto corresponder ao dia anterior à entrada em vigor, em 1 de Janeiro de 1986, do terceiro código, o que resulta claramente da decisão impugnada. Este código previa expressamente a natureza obrigatória da notificação relativamente a qualquer intervenção pública em favor das empresas siderúrgicas, o que explica a razão pela qual a Comissão entendeu, sempre no quadro dos auxílios ilegais e incompatíveis, que, a partir dessa data, eram destituídos de fundamento os argumentos apresentados pelas autoridades italianas para provar a pretensa boa fé da administração provincial e da empresa, entendendo que as medidas de auxílio deviam ser objecto de restituição. Quanto ao critério utilizado para o cálculo dos juros, a Comissão observa que, na falta de regulamentaçãoespecífica na matéria, optou por aplicar o estabelecido para os auxílios regionais. Nenhuma regra ou princípio impunham que tal determinação fosse deixada ao órgão jurisdicional nacional.

Apreciação do Tribunal

166.
    Recorde-se que o artigo 5.°, segundo parágrafo, quarto travessão, do Tratado CECA dispõe nomeadamente que a Comunidade «publicará os fundamentos da sua intervenção». O artigo 15.°, primeiro parágrafo, esclarece que «as decisões, recomendações e pareceres da Comissão serão fundamentados e referir-se-ão aos pareceres obrigatoriamente obtidos».

167.
    Segundo jurisprudência constante, a fundamentação deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer de forma clara e inequívoca o raciocínio da instituição, autora do acto, de maneira a permitir aos interessados conhecer as razões justificativas da medida adoptada e ao tribunal comunitário exercer o seu controlo. Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes. Deve ser apreciada não somente à luz do teor do acto, mas também do seu contexto assim como do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, C-56/93, Colect., p. I-723, n.° 86, e do Tribunal de Primeira Instância de 22 de Outubro de 1996, Skibsværftsforeningen e o./Comissão, T-266/94, Colect., p. II-1399, n.° 230).

168.
    No caso vertente, resulta claramente da decisão impugnada que a data de 31 de Dezembro de 1985 foi escolhida em razão da entrada em vigor do terceiro código, que previa expressamente a obrigação de notificação prévia de qualquer auxílio concedido a empresas siderúrgicas. Quanto a este ponto, não existe, pois, qualquer falta de fundamentação.

169.
    Embora seja verdade que, na decisão impugnada, a Comissão não referiu as razões pelas quais aplicou o quinto código, precisou contudo que «a questão levantada pelas autoridades italianas no que diz respeito ao regime jurídico aplicável aos auxílios em análise, e em particular aos concedidos antes de 1985, não é determinante no caso em apreço. De facto, ainda que pretendam aplicar as disposições da Decisão n.° 2320/81 [segundo código] aos auxílios concedidos antes de 31 de Dezembro de 1985, estes não poderiam igualmente ser considerados compatíveis com essas disposições tendo em conta as condições nelas previstas».

170.
    Além disso, na decisão de instauração, ficou claro que «a Comissão considera que deve avaliar os auxílios estatais - quer sejam individuais quer sejam regimes de auxílios - com base nas disposições e nos critérios de interpretação aplicáveis no momento em que adopta a sua decisão... Por conseguinte, os auxílios em causa devem ser examinados com base no código dos auxílios à siderurgia actualmente em vigor, isto é, a Decisão n.° 3855/91 [quinto código]».

171.
    Devendo a decisão impugnada ser apreciada não apenas à luz da sua redacção, como também do respectivo contexto, é claro que a Comissão adoptou a decisão com base no quinto código.

172.
    Decorre também da decisão impugnada que «a taxa de juro aplicável é a taxa utilizada pela Comissão para o cálculo do equivalente subvenção líquido dos auxílios com finalidade regional durante o período considerado».

173.
    Esta forma de calcular a taxa está prevista na comunicação relativa aos auxílios regionais, publicada no Jornal Oficial das Comunidades Europeias. Além disso, a decisão de instauração dispõe: «A restituição do auxílio ilegal inclui o pagamento dos juros calculados segundo a taxa estabelecida para a avaliação dos auxílios regionais, a contar do dia em que o auxílio foi pago à empresa beneficiária, a fim de eliminar qualquer vantagem obtida pela empresa graças ao pagamento ilegal do auxílio.»

174.
    Nestas condições, a Comissão não estava obrigada a pormenorizar na decisão impugnada as suas apreciações quanto à taxa aplicável para dar à recorrente a possibilidade de examinar o respectivo bem-fundado.

175.
    Daqui decorre que a Comissão expôs de forma suficiente e completa os elementos de facto e de direito que desempenharam um papel fundamental na adopção da decisão impugnada. Esta decisão forneceu, pois, as indicações necessárias à recorrente e possibilitou o exercício do controlo por parte do órgão jurisdicional comunitário.

176.
    Em consequência, o sexto fundamento deve ser rejeitado.

177.
    Resulta de tudo o que precede que deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

Quanto às despesas

178.
    Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida e por a Comissão o ter requerido, deve a recorrente ser condenada nas despesas desta.

179.
    Por força do n.° 4 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a República Italiana, interveniente no processo, suportará as suas próprias despesas.

180.
    Por força do terceiro parágrafo do n.° 4 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, o Tribunal pode determinar que um interveniente, que não seja um Estado-Membro, um Estado parte no acordo sobre o Espaço Económico Europeu(EEE), uma instituição ou o Órgão de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), suporte as suas despesas.

181.
    No caso em apreço, a Falck, interveniente em apoio da recorrente, deve suportar as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção Alargada)

decide:

1)    É negado provimento ao recurso.

2)    A recorrente suportará as suas próprias despesas, bem como as despesas da Comissão.

3)    Cada interveniente suportará as suas próprias despesas.

        Cooke                    García-Valdecasas

Lindh                    Pirrung

Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 16 de Dezembro de 1999.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. D. Cooke


1: Língua do processo: italiano.