Language of document : ECLI:EU:T:2014:52

Processos apensos T‑174/12 e T‑80/13

Syrian Lebanese Commercial Bank SAL

contra

Conselho da União Europeia

«Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas adotadas contra a Síria — Congelamento de fundos — Adaptação dos pedidos — Prazo — Erro manifesto de apreciação — Dever de fundamentação — Direito a proteção jurisdicional efetiva — Direitos de defesa»

Sumário — Acórdão do Tribunal Geral (Sexta Secção) de 4 de fevereiro de 2014

1.      Processo judicial — Decisão ou regulamento que substitui durante a instância o ato impugnado — Elemento novo — Admissibilidade de novos pedidos

(Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 48.°, n.° 2; Decisão 2013/109/CE do Conselho)

2.      Recurso de anulação — Prazos — Início da contagem — Ato que aplica medidas restritivas contra uma pessoa ou entidade — Comunicação ao interessado através de uma publicação no Jornal Oficial da União Europeia — Tomada de conhecimento do ato na data da publicação — Pedido de adaptação dos pedidos considerando essa publicação como ponto de partida do prazo da sua apresentação — Admissibilidade

(Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 47.°; Regulamento de Processo do Tribunal Geral, artigo 102.°, n.° 1)

3.      Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Congelamento de fundos de pessoas, entidades ou organismos responsáveis pela repressão violenta exercida contra a população civil na Síria — Obrigação de comunicar a fundamentação ao interessado ao mesmo tempo que a adoção do ato lesivo ou imediatamente a seguir — Regularização de uma falta de fundamentação na fase contenciosa do processo — Inadmissibilidade

(Artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE; Decisões do Conselho 2011/782/PESC e 2012/739/PESC; Regulamentos do Conselho, n.os 36/2012, 55/2012 e 1117/2012)

4.      Atos das instituições — Fundamentação — Dever — Alcance — Congelamento de fundos de pessoas, entidades ou organismos responsáveis pela repressão violenta exercida contra a população civil na Síria — Obrigação de comunicar a fundamentação ao interessado que a adoção do ato lesivo ou imediatamente a seguir — Limites — Segurança da União e dos Estados‑Membros ou condução das suas relações internacionais — Decisão que se insere num contexto conhecido do interessado que lhe permite compreender o alcance da medida tomada contra si — Admissibilidade de uma fundamentação sumária

(Artigo 296.°, segundo parágrafo, TFUE; Decisões do Conselho 2011/782/PESC e 2012/739/PESC; Regulamentos do Conselho n.os 36/2012, 55/2012 e 1117/2012)

5.      Recurso de anulação — Fundamentos — Violação de formalidades essenciais — Dever de fundamentação — Fundamento distinto daquele tem por objeto a legalidade quanto ao mérito

(Artigo 263.°, segundo parágrafo, TFUE)

6.      Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas contra a Síria — Congelamento de fundos de pessoas, entidades ou organismos responsáveis pela repressão violenta contra a população civil — Qualidade da entidade detida ou controlada por tal entidade — Filial detida por uma sociedade mãe visada por tais medidas de modo a permitir à sociedade mãe controlar a assembleia geral da filial — Natureza suficiente do vínculo capitalista

(Regulamento n.° 36/2012 do Conselho, artigo 15.°, n.° 1)

7.      Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas contra a Síria — Congelamento de fundos de pessoas, entidades ou organismos responsáveis pela repressão violenta contra a população civil — Qualidade da entidade detida ou controlada por tal entidade — Vínculo capitalístico caracterizado entre uma sociedade mãe e a sua filial — Fiscalização das atividades da filial pelo Banco central de um país terceiro — Irrelevância

(Regulamento n.° 36/2012 do Conselho, artigo 15.°, n.° 1)

8.      Direito da União Europeia — Princípios — Direitos de defesa — Direito a uma proteção jurisdicional efetiva — Congelamento de fundos de certas pessoas e entidades responsáveis pela repressão violenta exercida contra a população civil na Síria — Direito de ser ouvido previamente à adoção de tais medidas — Inexistência — Direitos garantidos através da fiscalização jurisdicional exercida pelo juiz da União e pela possibilidade de uma audição posterior à adoção dessas medidas — Obrigação de comunicação dos elementos incriminatórios — Alcance

[Artigo 6.°, n.° 1, TUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigos 41.°, n.° 2, alínea a), e 47.°; Decisões do Conselho 2011/782/PESC, artigo 21.°, n.os 2 e 3, 2012/739/PESC, artigo 27.°, n.os 2 e 3, e 2013/255/PESC, artigo 30.°, n.os 2 e 3; Regulamento n.° 36/2012 do Conselho, artigo 32.°, n.os 2 e 3]

9.      Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas contra a Síria — Congelamento de fundos de pessoas, entidades ou organismos responsáveis pela repressão violenta contra a população civil — Direitos de defesa — Comunicação dos elementos de acusação — Decisão subsequente de manter o nome de uma pessoa na lista de pessoas visadas por essas medidas — Violação do direito de ser ouvido — Inexistência

(Decisões do Conselho 2012/739/PESC, 2013/109/PESC e 2013/255/PESC; Regulamentos do Conselho n.os 1117/12 e 363/13)

10.    Política externa e de segurança comum — Medidas restritivas contra a Síria — Congelamento de fundos e recursos económicos — Procedimento de inscrição na lista de pessoas visadas — Procedimento que garante o respeito dos direitos fundamentais — Escolha da base jurídica — Artigo 215.° TFUE e não artigo 75.° TFUE — Admissibilidade

(Artigos 75.° TFUE e 215.°, n.os 2 e 3, TFUE; Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, artigo 21.°, artigo 51.°, n.° 1; Decisão 2011/273/PESC do Conselho; Regulamento n.° 36/2012 do Conselho, artigo 32.°, n.os 2 a 4)

1.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 51‑54)

2.      A questão de saber se o artigo 102.°, n.° 1, do Regulamento de Processo deve ser interpretado no sentido de que se aplica quando a adoção de um ato que contém medidas restritivas foi comunicado ao interessado através da publicação de um aviso é determinante para estabelecer se um pedido de adaptação dos pedidos foi entregue antes de expirado o prazo de recurso contra um regulamento, calculado a partir da data de publicação do aviso em causa.

A este respeito, quando o Conselho, não podendo proceder a uma comunicação individual, a substitui pela publicação de um aviso, este aviso continua a ser um ato de que os interessados só podem tomar conhecimento pela leitura do Jornal Oficial da União Europeia. O objetivo do prazo de catorze dias previsto no artigo 102.°, n.° 1, do Regulamento de Processo é garantir aos interessados um período de tempo suficiente para interpor recurso dos atos publicados e, assim, o respeito do direito a uma proteção jurisdicional efetiva, como consagrado no artigo 47.° da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Uma vez que o Regulamento de Processo prevê, no artigo 102.°, n.° 1, um prazo suplementar de catorze dias para interpor recurso dos atos publicados no Jornal Oficial, essa disposição também deve ser aplicada, por analogia, quando o facto que dá início ao prazo de recurso é um aviso sobre os referidos atos, que é também publicado no Jornal Oficial da União Europeia. Com efeito, as mesmas razões que justificaram a concessão de um prazo suplementar de catorze dias para os atos publicados são válidas para os avisos publicados, contrariamente ao que acontece com as comunicações individuais.

Além disso, se se considerasse que o referido artigo do Regulamento de Processo não era aplicável nas circunstâncias do caso em apreço, os sujeitos de direito estariam numa situação menos favorável do que a que ocorreria na falta de comunicação individual. Com efeito, nesta última hipótese, a mera publicação dos atos que contêm as medidas restritivas seria suficiente para dar início ao prazo de recurso, que incluiria os catorze dias suplementares previstos no artigo 102.°, n.° 1, do Regulamento de Processo.

(cf. n.os 63‑66)

3.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 75)

4.      V. texto da decisão.

(cf. n.os 76, 77, 131, 132, 144)

5.      V. texto da decisão.

(cf. n.° 86)

6.      Quando são congelados os fundos de uma entidade reconhecida por apoiar o regime sírio, existe um risco não negligenciável de este exercer pressão sobre as entidades que detém ou controla ou que lhe pertencem, para contornar o efeito das medidas que o visam. Por conseguinte, o congelamento de fundos dessas entidades é necessário e apropriado para assegurar a eficácia das medidas adotadas e garantir que essas medidas não serão contornadas. Além disso, quando o capital de uma pessoa coletiva é detido por outra pessoa, de quem não se duvida que deve ser objeto de medidas restritivas, de modo a permitir a esta última controlar a assembleia geral da referida pessoa coletiva, esta também o deve ser, apenas devido a esse vínculo de capital, desde que os atos pelos quais as medidas restritivas foram adotadas prevejam a sua aplicação às pessoas coletivas detidas ou controladas pelas que já foram objeto dessas medidas restritivas.

Com efeito, pela inscrição e manutenção dessa pessoa nas listas de pessoas objeto das medidas restritivas, devido à identidade do seu acionista maioritário, o Conselho não visa um comportamento autónomo dessa pessoa contrário às prescrições dos atos que preveem tais medidas, mas a composição dos seus acionistas e, por isso, a sua ligação à sua sociedade‑mãe.

(cf. n.os 101, 102, 104, 108, 123, 144, 169)

7.      O vínculo de capital entre uma pessoa objeto de medidas restritivas e a sua sociedade‑mãe não é posto em causa pelo facto de as atividades dessa pessoa estarem sujeitas à fiscalização do Banco central de um país terceiro. Com efeito, a atividade de fiscalização e as medidas adotadas por esse banco dizem respeito aos fundos de que a pessoa dispõe no seu país. Em contrapartida, as medidas adotadas pelo Conselho só visam os fundos de que a pessoa dispõe ou podia dispor na União e as operações que pretende efetuar com esses fundos. Além disso, essa pessoa não pode pôr em causa a oportunidade da sua inscrição e da sua manutenção nas listas de pessoas objeto das medidas restritivas contra a Síria adotadas pelo Conselho, pelo facto de as suas atividades, incluindo as que apresentam uma ligação com a União, serem supervisionadas pela autoridade nacional de um Estado terceiro.

(cf. n.os 116‑122)

8.      O respeito dos direitos de defesa, e, em especial, do direito de audição quando estejam em causa medidas restritivas, não exige que, antes da inscrição inicial de uma pessoa ou de uma entidade na lista que impõe medidas restritivas, as autoridades da União comuniquem os motivos dessa inscrição à pessoa ou entidade em causa. Com efeito, essa comunicação prévia seria suscetível de comprometer a eficácia das medidas de congelamento de fundos e de recursos económicos impostas pelas ditas autoridades. Para alcançar o objetivo prosseguido, essas medidas devem, pela sua própria natureza, beneficiar do efeito de surpresa e aplicar‑se com efeito imediato. Assim, o Conselho não estava obrigado a ouvir uma pessoa que foi objeto de medidas restritivas antes da sua primeira inscrição nas listas de pessoas objeto dessas medidas. A este respeito, a possibilidade de tal pessoa se dirigir ao Conselho depois de ter recebido a comunicação da sua inscrição nas listas de pessoas é suficiente para assegurar o respeito dos seus direitos de defesa. De resto, nem a regulamentação em causa nem o princípio geral do respeito dos direitos de defesa conferem aos interessados o direito a essa audição. Pelo contrário, o que conta é que essa pessoa tenha podido, a partir do momento da sua inscrição nas listas de pessoas objeto das medidas restritivas, exercer os seus direitos de defesa e o seu direito a uma proteção jurisdicional efetiva, expondo ao Conselho e ao Tribunal Geral as razões por que considera que essa inscrição não se justificava.

(cf. n.os 137‑140, 145, 147)

9.      Em matéria de medidas restritivas tomadas no quadro da política externa e de segurança comum, o argumento do efeito surpresa das referidas medidas não pode, em princípio, ser validamente invocado quanto ao respeito dos direitos de defesa relativos a atos subsequentes que mantiveram o nome de uma requerente nas listas com os nomes de pessoas objeto de medidas restritivas.

Todavia, o direito de ser ouvido antes da adoção de atos que mantêm medidas restritivas contra pessoas que já são objeto das mesmas pressupõe que o Conselho tenha considerado existirem novos elementos contra essas pessoas.

Quando uma pessoa tenha usado a possibilidade de ser ouvida a respeito da adoção de certos atos subsequentes através de uma carta enviada ao Conselho, a que este respondeu apenas após a interposição do recurso dessa pessoa contra esses atos, a circunstância de o Conselho dever ter ouvido a referida pessoa antes da adoção desses atos é desprovida de consequências, uma vez que o Conselho manteve o nome dessa pessoa nas listas em causa, sem ter considerado nenhum elemento novo a seu respeito.

(cf. n.os 148‑154)

10.    Embora a participação do Parlamento no processo legislativo seja o reflexo, ao nível da União, de um princípio democrático fundamental segundo o qual os povos participam no exercício do poder por intermédio de uma assembleia representativa, a diferença entre os artigos 75.° TFUE e 215.° TFUE, quanto à participação do Parlamento, decorre de uma escolha feita pelos autores do Tratado de Lisboa, de conferir um papel mais limitado ao Parlamento relativamente à ação da União no âmbito da política externa e de segurança comum.

A este respeito, não é contrária ao direito da União a adoção de medidas com uma incidência direta nos direitos fundamentais das pessoas singulares ou coletivas através de um processo que exclua a participação do Parlamento, uma vez que a obrigação de respeitar os direitos fundamentais diz respeito, em conformidade com o artigo 51.°, n.° 1, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, a todas as instituições, órgãos e organismos da União. Além disso, nos termos do artigo 215.°, n.° 3, TFUE, os atos visados neste artigo contêm as disposições necessárias em matéria de garantias jurídicas. Por conseguinte, um ato como o Regulamento n.° 36/2012, que impõe medidas restritivas tendo em conta a situação na Síria e que revoga o Regulamento n.° 442/2011, pode ser adotado com base no artigo 215.°, n.° 2, TFUE, na medida em que contenha garantias quanto ao respeito dos direitos fundamentais das pessoas em causa.

No caso em apreço, o Regulamento n.° 36/2012 contém as disposições necessárias para assegurar a proteção dos direitos fundamentais, uma vez que prevê, nomeadamente, no artigo 32.°, n.os 2 a 4, as obrigações de o Conselho fundamentar a inscrição de qualquer pessoa singular ou coletiva na lista de pessoas objeto das medidas restritivas contidas nesse regulamento, de comunicar às referidas pessoas, diretamente ou através da publicação de um aviso, a sua inscrição, dando‑lhes a possibilidade de apresentarem observações, de rever a sua decisão se forem apresentados novos elementos de prova substanciais ou se forem formuladas observações e de reexaminar as listas periodicamente e, pelo menos, de doze em doze meses.

(cf. n.os 161‑163)