Language of document : ECLI:EU:T:2013:372

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

11 de julho de 2013 (*)

«Marca comunitária — Processo de declaração de nulidade — Marca nominativa comunitária GRUPPO SALINI — Má‑fé — Artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 207/2009»

No processo T‑321/10,

SA.PAR. Srl, com sede em Roma (Itália), representada por A. Masetti Zannini de Concina, M. Bussoletti e G. Petrocchi, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por G. Mannucci e P. Bullock, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte na Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal Geral,

Salini Costruttori SpA, com sede em Roma, representada por C. Bellomunno e S. Troilo, advogados,

que tem por objeto um recurso interposto da decisão da Primeira Câmara de Recurso do IHMI de 21 de abril de 2010 (processo R 219/2009‑1), relativa a um processo de declaração de nulidade entre a Salini Costruttori SpA e a SA.PAR. Srl,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção),

composto por: H. Kanninen, presidente, S. Soldevila Fragoso e G. Berardis (relator), juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador principal,

vista a petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 4 de agosto de 2010,

vista a resposta do IHMI, apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de novembro de 2010,

vistas as observações da interveniente apresentadas na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de novembro de 2010,

após a audiência de 19 de abril de 2013,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 12 de maio de 2004, a recorrente, SA.PAR. Srl, apresentou um pedido de registo de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), conforme alterado [substituído pelo Regulamento (CE) n.° 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca comunitária (JO L 78, p. 1)].

2        A marca cujo registo foi requerido é o sinal nominativo GRUPPO SALINI.

3        Os serviços para os quais foi pedido o registo pertencem às classes 36, 37 e 42 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem, para cada uma destas classes, à seguinte descrição:

―        classe 36: «Seguros; negócios financeiros; negócios monetários; negócios imobiliários»;

―        classe 37: «Construção; reparações; serviços de instalação»;

―        classe 42: «Serviços científicos e tecnológicos bem como serviços de pesquisas e conceção a eles referentes; serviços de análise e investigação industrial; conceção e desenvolvimento de hardware e software para utilização com computadores; serviços jurídicos».

4        O pedido de marca foi publicado no Boletim de Marcas Comunitárias n.° 7/2005, de 14 de fevereiro de 2005. A marca foi registada em 12 de setembro de 2005, com o número 3831161.

5        Em 5 de outubro de 2007, a interveniente, Salini Costruttori SpA, apresentou no IHMI um pedido de declaração de nulidade da marca em causa para a totalidade dos produtos para os quais tinha sido registada. As causas de nulidade invocadas em apoio desse pedido eram as referidas, em primeiro lugar, no artigo 51.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 [atual artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009], em segundo lugar, no artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 [atual artigo 53.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009], conjugado com o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 [atual artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009] e, em terceiro lugar, no artigo 52.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 [atual artigo 53.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 207/2009], conjugado com o artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 40/94 (atual artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 207/2009). Em apoio desse pedido, a interveniente invocou o sinal SALINI utilizado em Itália e notoriamente conhecido por designar serviços de «negócios imobiliários; construção de edifícios; reparações; serviços de instalação; serviços de conceção».

6        Em 17 de dezembro de 2008, a Divisão de Anulação indeferiu o pedido de declaração de nulidade na totalidade. Mais especificamente, na medida em que o pedido se baseava no artigo 52.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, conjugado com o artigo 8.°, n.° 4, desse mesmo regulamento, a Divisão de Anulação considerou que a documentação apresentada pela interveniente era insuficiente para demonstrar a existência de uma «utilização anterior» do sinal nominativo SALINI. Na medida em que o pedido se baseava no artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, conjugado com o artigo 8.°, n.° 1, alínea b), desse mesmo regulamento, a Divisão de Anulação observou que a interveniente tinha apresentado em apoio desse fundamento a mesma documentação que a apresentada em apoio da fundamento anterior e concluiu que o sinal da interveniente não tinha alcançado o limite mínimo requerido de reconhecimento da marca. Por fim, na parte em que o pedido se baseava no artigo 51.°, n.° 1, alínea b), do referido regulamento, a Divisão de Anulação declarou, em substância, que a interveniente não tinha sido capaz de fazer prova da má‑fé da recorrente.

7        Em 9 de fevereiro de 2009, a interveniente interpôs, no IHMI, recurso da decisão da Divisão de Anulação, nos termos dos artigos 57.° a 62.° do Regulamento n.° 40/94 (atuais artigos 58.° a 64.° do Regulamento n.° 207/2009).

8        Por decisão de 21 de abril de 2010 (a seguir «decisão impugnada»), a Segunda Câmara de Recurso do IHMI deu provimento ao recurso, anulando a decisão da Divisão de Anulação e declarando nula a marca comunitária em causa.

9        Em primeiro lugar, a Câmara de Recurso considerou que, tendo em conta o facto de que se trata no caso em apreço de atividades empresariais que consistem na realização de grandes obras de engenharia, a Divisão de Anulação considerou erradamente que as provas produzidas pela interveniente, a fim de demonstrar um uso que confere uma notoriedade geral em Itália ao sinal SALINI, eram insuficientes. Segundo ela, o público abrangido por esses serviços é constituído por mestres de obras, a saber entidades públicas ou privadas clientes no quadro de concursos públicos. Assim, a mera demonstração da realização de obras constituiria prova de que esse público esteve exposto ao sinal da interveniente. Os documentos anexados aos autos pela interveniente, incluindo os apresentados na Câmara de Recurso e por esta declarados admissíveis, constituiriam prova bastante de que o patronímico «Salini» foi utilizado enquanto marca pela interveniente no âmbito das suas atividades empresariais e que esta era notoriamente conhecida em Itália na aceção do artigo 6.°‑bis da Convenção de Paris para a proteção da propriedade industrial, de 20 de março de 1983, conforme revista e alterada (a seguir «Convenção de Paris»). Todavia, considerou que as provas demonstravam o uso do sinal apenas para uma parte dos serviços reivindicados, não tendo sido provado para os serviços «seguros; negócios financeiros; negócios monetários; negócios imobiliários».

10      Em segundo lugar, quanto ao risco de confusão entre o sinal anterior SALINI, só ou associado ao termo «costruttori», e a marca comunitária contestada GRUPPO SALINI, a Câmara de Recurso, após ter considerado o elemento comum «salini» o elemento dominante e os termos «gruppo» e «costruttori» elementos descritivos e genéricos, concluiu que existia entre os sinais em conflito um risco de confusão no espírito do público pertinente se fossem utilizados para designar serviços e atividades idênticas ou semelhantes, em especial para os serviços «construção; reparações; serviços de instalação» da classe 37 e para os «serviços científicos e tecnológicos bem como serviços de pesquisa e conceção a eles referentes; serviços de análise e investigação industrial» da classe 42. Em contrapartida, excluiu qualquer risco de confusão para os serviços «seguros; negócios financeiros; negócios monetários; negócios imobiliários» da classe 36 e para os serviços «conceção e desenvolvimento de hardware e software para utilização com computadores; serviços jurídicos» também da classe 42.

11      Em terceiro lugar, a Câmara de Recurso, após ter precisado que um requerente de marca podia ser considerado de má‑fé quando apresentava um pedido de marca sabendo que causava um prejuízo a um terceiro e que esse prejuízo resultava de um comportamento censurável do ponto de vista moral e comercial, considerou que, no caso em apreço, a interveniente tinha feito prova dessa má‑fé por parte da recorrente. Mais especialmente, segundo a Câmara de Recurso, a má‑fé tinha sido provada pelo facto de, à data de apresentação do pedido de marca:

―        a recorrente deter uma participação importante no capital social da interveniente e os seus administradores integrarem o conselho de administração desta última;

―        a recorrente não poder portanto ignorar a existência do sinal SALINI e do seu uso pela interveniente e, por conseguinte, o facto de agir em violação dos direitos desta;

―        existir um contexto controvertido entre a interveniente e a recorrente, confirmando a intenção por parte desta última de usurpar os direitos da interveniente relativos ao sinal anterior.

 Pedidos das partes

12      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

―        anular a decisão impugnada;

―        condenar o IHMI nas despesas, incluindo as efetuadas no âmbito do processo na Câmara de Recurso.

13      O IHMI e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

―        negar provimento ao recurso;

―        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

14      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca três fundamentos, relativos, respetivamente, à violação do artigo 53.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 207/2009, conjugado com o artigo 8.°, n.° 2, alínea c), do mesmo regulamento, à violação do artigo 53.°, n.° 1, alínea a), do referido regulamento, conjugado com o artigo 8.°, n.° 2, alínea b), do mesmo regulamento, e à violação do artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do referido regulamento. No quadro desses fundamentos, a recorrente invoca igualmente, em conjugação com uma violação das referidas disposições, uma falta de fundamentação.

15      O Tribunal Geral começará por examinar o terceiro fundamento, através do qual a recorrente acusa, em substância, a Câmara de Recurso de ter cometido um erro de direito ao concluir que estava de má‑fé quando apresentou no IHMI um pedido de registo da marca contestada como marca comunitária. A Câmara de Recurso teria fundado a sua conclusão relativa à existência de má‑fé da recorrente unicamente nas relações existentes entre os dirigentes desta última e os da interveniente bem como no contexto do litígio que a opõe nos tribunais italianos, sem que o alegado conhecimento do prejuízo que a recorrente terá causado à interveniente resulte de uma argumentação ou assente em elementos de prova.

16      O IHMI e a interveniente contestam a argumentação da recorrente.

17      Importa recordar, antes de mais, que o regime do registo de uma marca comunitária assenta no princípio do «primeiro depositante», constante do artigo 8.°, n.° 2, do Regulamento n.° 207/2009. Por força deste princípio, um sinal só pode ser registado como marca comunitária desde que não haja uma marca anterior que impeça tal registo, quer se trate de uma marca comunitária, de uma marca registada num Estado‑Membro ou pelo Instituto Benelux da Propriedade Intelectual, de uma marca que tenha sido objeto de um registo internacional que produza efeitos num Estado‑Membro ou ainda de uma marca que tenha sido objeto de um registo internacional que produza efeitos na União. Em contrapartida, sem prejuízo de uma eventual aplicação do artigo 8.°, n.° 4, do Regulamento n.° 207/2009, a simples utilização de uma marca não registada por terceiros não obsta a que uma marca idêntica ou semelhante seja registada como marca comunitária, para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes [acórdãos do Tribunal Geral de 14 de fevereiro de 2012, Peeters Landbouwmachines/IHMI — Fors MW (BIGAB), T‑33/11, n.° 16, e de 21 de março de 2012, Feng Shen Technology/IHMI — Majtczak (FS), T‑227/09, n.° 31].

18      A aplicação desse princípio é matizada, designadamente, no artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, por força do qual a nulidade de uma marca comunitária é declarada, na sequência de pedido apresentado ao IHMI ou de pedido reconvencional numa ação de contrafação, quando o titular da marca tenha agido de má‑fé por ocasião do depósito do pedido de marca. Incumbe ao requerente da nulidade que entenda basear‑se nesse motivo demonstrar as circunstâncias que permitem concluir que o titular de uma marca comunitária estava de má‑fé no momento do depósito do pedido de registo desta (acórdãos BIGAB, referido no n.° 17, supra, n.° 17, e FS, referido no n.° 17, supra, n.° 32).

19      Como enunciou a advogada‑geral E. Sharpston nas suas conclusões no processo que deu origem ao acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de junho de 2009, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli (C‑529/07, Colet., p. I‑4893, a seguir «acórdão Lindt Goldhase»), o conceito de má‑fé, referido no artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, não está definido, nem delimitado, nem sequer descrito de algum modo, na legislação da União.

20      A este respeito, importa observar que, no acórdão Lindt Goldhase, referido no n.° 19, supra, o Tribunal de Justiça, chamado a pronunciar‑se sobre uma questão prejudicial, procedeu a várias precisões a respeito da forma como deve ser interpretado o conceito de má‑fé na aceção do artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009.

21      Segundo o Tribunal de Justiça, para efeitos de apreciação da existência de má‑fé do requerente, na aceção dessa disposição, importa tomar em consideração todos os fatores relevantes específicos do caso concreto que existam no momento do depósito do pedido de registo de um sinal como marca comunitária, designadamente, em primeiro lugar, o facto de o requerente saber ou dever saber que um terceiro utiliza, pelo menos num Estado‑Membro, um sinal idêntico ou semelhante para um produto idêntico ou semelhante suscetível de gerar confusão com o sinal cujo registo é pedido, em segundo lugar, a intenção do requerente de impedir esse terceiro de continuar a utilizar tal sinal, bem como, em terceiro lugar, o grau de proteção jurídica de que gozam o sinal do terceiro e o sinal cujo registo é pedido (acórdão Lindt Goldhase, referido no n.° 19, supra, n.° 53).

22      Assim sendo, resulta da formulação do Tribunal de Justiça no referido acórdão que os fatores aí enumerados mais não são do que exemplos de entre um conjunto de elementos suscetíveis de ser tomados em consideração para efeitos da apreciação da eventual má‑fé de um requerente de marca, no momento do depósito do pedido (acórdãos do Tribunal Geral BIGAB, referido no n.° 17, supra, n.° 20, e de 13 de dezembro de 2012, pelicantravel.com/IHMI — Pelikan (Pelikan), T‑136/11, não publicado na Coletânea, n.° 26).

23      Há, portanto, que considerar que, no quadro da análise global efetuada ao abrigo do disposto no artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, se pode também atender à lógica comercial em que se inscreve o depósito do pedido de registo desse sinal como marca comunitária (acórdão BIGAB, referido no n.° 17, supra, n.° 21), assim como à cronologia dos acontecimentos que caracterizaram o referido depósito (v., neste sentido e por analogia, acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de junho de 2010, Internetportal und Marketing, C‑569/08, Colet., p. I‑4871, n.° 52).

24      É nomeadamente à luz das considerações precedentes e na medida em que se aplicam ao presente processo que deve ser fiscalizada a legalidade da decisão impugnada, na parte em que a Câmara de Recurso concluiu pela existência de má‑fé da recorrente no momento do depósito do pedido da marca contestada.

25      No caso em apreço, resulta dos autos e não pode ser seriamente contestado que a recorrente não podia ignorar, ou mesmo que sabia, que a interveniente utilizava há bastante tempo, em Itália e no estrangeiro, o sinal SALINI, só ou associado ao termo «costruttori», nos domínios da construção e da conceção de grandes obras públicas de infraestrutura, da construção de edifícios e de serviços de conceção no setor da engenharia civil. A este respeito, importa referir, como fez o IHMI, que o conhecimento que a recorrente tinha da situação comercial e societária da interveniente, incluindo o facto de, aquando do depósito do pedido de marca, esta viver uma fase de forte expansão e estar em vias de reforçar a sua notoriedade bem como as suas quotas de mercado tanto em Itália como no estrangeiro, conforme resulta, designadamente, dos n.os 31 e 35 da decisão impugnada, podia ser considerado um conhecimento «qualificado», adquirido por pessoas que não apenas pertenciam à família Salini como os associados da interveniente, como tinham uma participação financeira significativa no capital social desta última ou operavam na mesma através da sua participação nos seus órgãos de gestão, como decorre igualmente dos n.os 70 a 72 da decisão impugnada. De resto, é forçoso concluir que, atendendo aos lugares de alto nível que associados da recorrente ocupavam na direção da interveniente ou à sua participação no conselho de administração da mesma, se encontravam numa posição passível de influenciar as escolhas da interveniente, incluindo o eventual registo do sinal que esta última utilizava há muito tempo. A este propósito, resulta designadamente do processo administrativo no IHMI que um dos referidos associados, F. S. S., foi, de 2000 a 2003, o presidente do conselho de administração da interveniente.

26      Esse conhecimento por parte do requerente da marca, ainda que seja «qualificado» como o que a recorrente tinha no caso em apreço, não basta, no entanto, só por si, para que fique demonstrada a existência da má‑fé desta última. Com efeito, importa também tomar em consideração a intenção do requerente no momento do depósito do pedido de registo (acórdão Lindt Goldhase, referido no n.° 19, supra, n.os 40 e 41).

27      Ora, se essa intenção é naturalmente um elemento subjetivo, deve contudo ser determinado por referência às circunstâncias objetivas do caso concreto (acórdão Lindt Goldhase, referido no n.° 19, supra, n.° 42).

28      Assim, como sugere o IHMI, para efeitos de apreciar a sua eventual má‑fé, importa examinar as intenções de um requerente de uma marca tal como podem ser deduzidas das circunstâncias objetivas e das suas ações concretas, do seu papel ou da sua posição, do conhecimento de que dispunha relativamente ao uso do sinal anterior, das ligações de natureza contratual, pré‑contratual ou pós‑contratual que mantinha com o requerente da nulidade, da existência de deveres ou de obrigações recíprocas, incluindo os deveres de lealdade e de honestidade gerados ao abrigo dos mandatos sociais ou das funções de direção que tenham sido ou ainda sejam exercidas na empresa do requerente da nulidade e, de forma mais geral, de todas as situações objetivas de conflito de interesses em que o requerente da marca interveio.

29      Resulta da decisão impugnada que, ao contrário do que a recorrente alega, a Câmara de Recurso não se limitou a ter em conta o conhecimento que aquela tinha do uso do sinal pela interveniente por força da sua posição privilegiada de acionista desta, o que de resto a recorrente não contesta, mas constatou igualmente a sua má‑fé baseando‑se num conjunto de circunstâncias objetivas suscetíveis de esclarecer as suas intenções ou as dos seus dirigentes.

30      Em primeiro lugar, como a jurisprudência recorda, a cronologia dos acontecimentos que caracterizaram a ocorrência do registo da marca contestada pode constituir um elemento relevante de apreciação da má‑fé (v., neste sentido e por analogia, acórdão Internetportal und Marketing, referido no n.° 23, supra, n.° 52). No caso em apreço, a circunstância segundo a qual a recorrente pediu o registo da marca contestada, da qual não foi demonstrado nenhum uso prévio, apenas alguns meses após o início do contencioso societário que a opunha à interveniente e que tinha criado uma fase de incerteza quanto aos equilíbrios internos a esta última, merece uma atenção particular, como observa a Câmara de Recurso com razão, no n.° 74 da decisão recorrida, para efeitos de apreciação da existência de uma eventual má‑fé por parte da recorrente. Além disso, resulta dos autos que, durante o período que precedia o depósito do pedido de registo, a interveniente aumentou de forma significativa o seu volume de negócios, bem como o grau da sua notoriedade, ao ponto de figurar entre as operadoras mais importantes do setor da engenharia civil em Itália, como resulta do n.° 31 da decisão impugnada. Ora, por força da sua posição de acionista que detinha uma parte importante do capital social da interveniente, a recorrente não podia ignorar o risco de dano que implicava para a interveniente o registo em seu nome de um sinal patronímico quase idêntico ao que era utilizado há muito tempo pela mesma interveniente, conhecendo na altura esta última um forte crescimento nos meios em causa.

31      Em segundo lugar, a circunstância segundo a qual a recorrente sabia, ou alegava saber, que a interveniente não estava interessada no registo do sinal patronímico SALINI aumentava, perante o contexto factual particular que acaba de ser descrito, o conflito de interesses potencial em que a recorrente se encontrava relativamente à interveniente. Com efeito, não se pode excluir, o que, aliás, nenhum elemento referido pela recorrente permite afastar, que a interveniente tinha feito a escolha de não registar o referido sinal tendo em conta a especificidade do público ao qual dirigia os seus serviços ou mesmo em virtude do alegado acordo tácito, cuja existência foi evocada pela recorrente, entre todos os membros da família Salini, para a utilização do patronímico nas suas atividades respetivas, considerando ter todavia adquirido, relativamente a esse sinal distintivo, uma proteção jurídica e uma notoriedade independentemente do seu registo. Por conseguinte, foi com razão que, no n.° 71 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso considerou que o facto de a recorrente, dada a sua participação importante no capital social da interveniente, ter agido em seu nome, mais do que em nome desta última, era um indício da sua má‑fé.

32      Em terceiro lugar, a natureza da marca pode igualmente ser relevante para efeitos da apreciação da existência de um comportamento de má‑fé (v., nesse sentido, acórdão Lindt Goldhase, referido no n.° 19, supra, n.° 50). A este respeito, o facto de ter requerido uma marca nominativa constituída simplesmente pelo patronímico «Salini» acompanhado do termo «gruppo», que indica tradicionalmente a presença de um conjunto de empresas que operam sob o mesmo nome, não só não obedece a nenhuma lógica comercial, mas é suscetível de confirmar a intenção de usurpar os direitos sobre a marca da interveniente que, enquanto sociedade mãe de um grupo do qual faziam parte, no momento do pedido de registo, várias empresas, foi a única a poder utilizar, eventualmente, a expressão «gruppo salini», como resulta, em substância, da análise efetuada pela Câmara de Recurso nos n.os 70 e 71 da decisão recorrida. Resulta de resto do processo administrativo no IHMI que é feita referência a essa expressão, designadamente, no código ético adotado pelo conselho de administração da interveniente em 2003, a saber antes do pedido de registo da marca contestada. Mais especialmente, no n.° 2 deste código, que define o seu âmbito de aplicação, é indicado que este «foi redigido a pedido do Gruppo Salini no seu conjunto» e que «por Gruppo Salini entende‑se a Salini Costruttori SpA e qualquer sociedade controlada por esta». Ora, a recorrente não pode alegar que ignorava a existência desse código ético e a definição da expressão «gruppo salini» que continha quando depositou o pedido de marca.

33      Deve acrescentar‑se que, para efeitos da apreciação da existência de má‑fé do requerente de marca, pode ser tomado em consideração o grau de notoriedade de que goza um sinal no momento do depósito do pedido de registo como marca comunitária, podendo esse grau de notoriedade precisamente justificar o interesse do requerente em assegurar uma proteção jurídica mais alargada do seu sinal (acórdão Lindt Goldhase, referido no n.° 19, supra, n.os 51 e 52). No caso em apreço, importa referir que não decorre dos autos que, no momento do depósito do pedido de registo, a marca contestada já tivesse sido utilizada, quando está provado que o sinal da interveniente era utilizado há várias décadas e que esta última registava um crescimento significativo da sua atividade em Itália durante os últimos anos, o que reforçou a sua notoriedade junto do público em causa.

34      Resulta do exposto que a análise efetuada pela Câmara de Recurso, que concluiu pela existência de má‑fé da recorrente aquando do depósito do pedido de marca, deve ser confirmada. Nenhum dos argumentos avançados pela recorrente é suscetível de pôr em causa esta conclusão.

35      Em primeiro lugar, a circunstância, já mencionada no n.° 31, supra, segundo a qual a interveniente não manifestou interesse pela proteção do sinal anterior na União Europeia antes da data de depósito do pedido de marca, e tal não obstante o seu alegado uso em Itália desde 1940, não permite provar que a recorrente estava de má‑fé no momento do referido depósito, uma vez que tal circunstância pertence à esfera subjetiva da interveniente (v., neste sentido, acórdão FS, referido no n.° 17, supra, n.° 51). Por outro lado, a possibilidade, prevista no artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, de declarar nula uma marca sempre que o seu requerente não aja de boa‑fé no ato do depósito do pedido de registo, sem incorrer em prescrição por tolerância para intentar esse tipo de ação, como resulta do artigo 54.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009, responde precisamente à exigência de garantir uma proteção alargada a qualquer empresário que utilize um sinal que, todavia, ainda não registou. De resto, a recorrente, na sua qualidade de acionista e de detentora de uma participação importante no capital social da interveniente bem como dadas as funções e os mandatos que alguns dos seus dirigentes exerciam ou tinham exercido na estrutura societária desta, devia ter perfeito conhecimento dos motivos dessa alegada falta de interesse da interveniente na proteção do sinal patronímico em causa. Nestas condições, a recorrente não pode prevalecer‑se da alegada situação de desinteresse da interveniente na proteção do sinal patronímico em causa. Nestas condições, a recorrente não pode invocar a alegada situação de desinteresse da interveniente, para cuja determinação teria podido contribuir ou à qual, pelo contrário e em qualquer caso, teria podido opor‑se, para sustentar a ausência de má‑fé da sua parte no momento do depósito do pedido de marca.

36      O mesmo sucede relativamente ao argumento da recorrente de que a interveniente terá deixado decorrer mais de três anos antes de atuar junto do IHMI. Com efeito, a falta de reação imediata da interveniente ao registo da marca contestada que, de resto, nem sequer tinha sido precedida do uso da referida marca, não pode além do mais, tratando‑se de um elemento que releva da esfera subjetiva da interveniente, ser suscetível de ter influência na qualificação das intenções que animavam a recorrente no momento do depósito do pedido de marca comunitária.

37      Em segundo lugar, quanto ao argumento da recorrente de que o patronímico Salini é largamente utilizado por outras empresas, basta constatar, a exemplo do IHMI, que, no caso em apreço, se trata de empresas geridas com toda a probabilidade por pessoas com o referido patronímico, cujo uso não podia de modo algum ser impedido pela interveniente, e não de marcas que tenham sido registadas e compostas por esse mesmo patronímico.

38      Em terceiro lugar, tratando‑se do argumento da recorrente relativo à existência de um alegado acordo tácito entre os membros da família Salini, em virtude do qual estes estariam habilitados a utilizar o referido nome patronímico para realçar as suas próprias atividades profissionais (v., igualmente, n.° 31, supra), há que considerar que esse acordo, longe de provar a ausência de má‑fé da recorrente, é suscetível de demonstrar de facto a natureza desleal do comportamento desta. Com efeito, admitindo que o mesmo está provado, esse acordo não se pode alargar ao uso do patronímico enquanto marca comunitária nem, em todo o caso, conferir ao portador desse patronímico um direito para o registar enquanto marca comunitária. Em contrapartida e ao contrário do que parece alegar a recorrente, é possível proibir o registo dessa marca, ainda que o requerente do registo tenha efetivamente esse nome patronímico, se a marca pedida violar um direito anterior.

39      A este respeito, importa na verdade recordar que, nos termos do artigo 9.°, n.° 1, do Regulamento n.° 207/2009, a marca comunitária confere ao seu titular um direito exclusivo, que o habilita a proibir a qualquer terceiro o uso de um sinal relativamente ao qual, em razão da sua identidade ou da sua semelhança com a referida marca e em razão da identidade ou da semelhança dos produtos ou serviços abrangidos por essa marca e o sinal em causa, existe um risco de confusão no espírito do público [acórdão do Tribunal Geral de 17 de janeiro de 2012, Hell Energy Magyarország/IHMI — Hansa Mineralbrunnen (HELL), T‑522/10, não publicado na Coletânea, n.° 73]. Ora, esse direito exclusivo é contrário à razão de ser do alegado acordo tácito invocado pela recorrente.

40      Em quarto lugar, quanto ao argumento que a recorrente retira do facto de o contencioso nos órgãos jurisdicionais italianos, a que é feita referência diversas vezes nos articulados das partes e, designadamente, nos n.os 3, 4, e 74 da decisão impugnada, ter a sua origem em motivos puramente internos à interveniente e só dizer respeito aos associados desta, basta verificar que, perante a estrutura societária da interveniente, cujo capital era no essencial partilhado entre dois ramos da família Salini, um dos quais correspondia à recorrente, esse argumento revela‑se inoperante. Com efeito, a existência desse contencioso só é pertinente para estabelecer o contexto em que o depósito do pedido de marca foi efetuado, independentemente do facto de o diferendo na origem desse contencioso ter ocorrido no interior da interveniente ou tenha respeitado a esta última e à recorrente. Por outro lado e em todo o caso, é forçoso concluir, a exemplo do IHMI, que, pelo menos, F. S. S. se encontrava, no momento dos factos, numa posição objetiva de conflito de interesses em razão da sua dupla qualidade de membro de cada uma das sociedades, o que não é despiciendo visto o papel que desempenhou na estrutura societária da interveniente, tendo sido presidente do seu conselho de administração entre 2000 e 2003 (v. n.° 25, supra) e, posteriormente, seu diretor técnico.

41      No que diz respeito, por último, à alegada falta de fundamentação evocada pela recorrente no título do terceiro fundamento bem como, de forma incidental e genérica, no corpo do mesmo, importa recordar que, segundo jurisprudência assente, a fundamentação exigida pelo artigo 75.°, primeira frase, do Regulamento n.° 207/2009, que tem o mesmo alcance do consagrado no artigo 296.° TFUE, deve revelar de modo claro e inequívoco o raciocínio do autor do ato. Essa obrigação tem por duplo objetivo permitir, por um lado, aos interessados conhecerem as justificações da medida adotada a fim de defenderem os seus direitos e, por outro, ao juiz da União fiscalizar a legalidade da decisão [acórdãos do Tribunal Geral de 2 de abril de 2009, Zuffa/IHMI (ULTIMATE FIGHTING CHAMPIONSHIP), T‑118/06, Colet., p. II‑841, n.° 19, e de 14 de julho de 2011, Winzer Pharma/IHMI — Alcon (OFTAL CUSI), T‑160/09, não publicado na Coletânea, n.° 35]. A questão de saber se a fundamentação de uma decisão preenche estes requisitos deve ser analisada à luz não apenas do seu teor, mas também do seu contexto, bem como do conjunto das regras jurídicas que regem a matéria em causa (v. acórdão ULTIMATE FIGHTING CHAMPIONSHIP, já referido, n.° 20 e jurisprudência citada).

42      No caso em apreço, a análise da decisão impugnada permite verificar que a Câmara de Recurso expôs, nos n.os 68 a 74 da referida decisão, os motivos pelos quais considera, perante os diferentes elementos dos autos, que foi feita a prova, pela interveniente, da má‑fé da recorrente no momento do depósito do pedido de registo.

43      Ora, estes argumentos, por um lado, permitiram à recorrente conhecer as justificações da decisão adotada a fim de poder defender os seus direitos e, por outro, permitem igualmente ao Tribunal Geral exercer a fiscalização da legalidade da decisão impugnada. Assim, ao contrário do que a recorrente alega, não se pode acusar a Câmara de Recurso de não ter fundamentado a sua decisão a este respeito.

44      Perante tudo o exposto, foi com razão que a Câmara de Recurso concluiu pela nulidade da marca contestada com fundamento no artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009, considerando que esta foi apresentada em violação dos princípios da lealdade e da honestidade, que, nas circunstâncias do caso em apreço, incumbia à recorrente respeitar relativamente à interveniente.

45      Por conseguinte, o sexto fundamento deve ser julgado improcedente.

46      Quanto ao primeiro e segundo fundamentos, resulta dos artigos 52.° e 53.° do Regulamento n.° 207/2009 que basta que uma das causas de nulidade enumeradas nestas disposições se aplique para que o pedido de declaração de nulidade proceda.

47      Nestas condições, quando chegue à conclusão que uma das causas de nulidade invocadas pelo requerente da declaração de nulidade é procedente, o Tribunal Geral pode limitar a sua fiscalização da legalidade ao fundamento de recurso relativo a essa mesma causa, que é suficiente para fundamentar uma decisão que acolhe o pedido de declaração de nulidade [v., neste sentido e por analogia, despacho do Tribunal de Justiça de 13 de fevereiro de 2008, Indorata‑Serviços e Gestão/IHMI, C‑212/07 P, não publicado na Coletânea, n.os 27 e 28, acórdãos do Tribunal Geral de 22 de março de 2007, Sigla/IHMI — Elleni Holding (VIPS), T‑215/03, Colet., p. II‑711, n.° 100, e de 7 de dezembro de 2010, Nute Partecipazioni e La Perla/IHMI — Worldgem Brands (NIMEI LA PERLA MODERN CLASSIC), T‑59/08, Colet., p. II‑5595, n.° 70 e jurisprudência referida]. Isto é tanto mais verdade quando, como no caso em apreço, uma das causas de nulidade acolhidas pela Câmara de Recurso é a que se prende com a má‑fé do requerente da marca prevista no artigo 52.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 207/2009.

48      Com efeito, como observa acertadamente o IHMI, a existência de má‑fé no momento do depósito do registo acarreta a nulidade da totalidade da marca contestada. De resto, quando a Câmara de Recurso considera, como no caso em apreço, que uma das causas de nulidade invocadas por quem pede que seja declarada a nulidade é procedente, mas decide examinar e, eventualmente, admitir igualmente as outras causas de nulidade invocadas, essa parte da fundamentação da sua decisão não constitui a base necessária do dispositivo que acolhe o pedido de declaração de nulidade, que se baseia, de forma bastante, na causa de nulidade acolhida que implica a nulidade total da marca contestada, que no caso em apreço é a que se prende com a má‑fé do requerente (v., neste sentido, acórdão NIMEI LA PERLA MODERN CLASSIC, referido no n.° 47, supra, n.° 70).

49      Face ao exposto, sem ser necessário examinar o primeiro e segundo fundamentos, deve ser negado provimento ao recurso na globalidade.

 Quanto às despesas

50      Nos termos do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

51      Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos do IHMI e da interveniente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sexta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A SA.PAR. Srl é condenada nas despesas.

Kanninen

Soldevila Fragoso

Berardis

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de julho de 2013.

Assinaturas


* Língua do processo: italiano.