Language of document : ECLI:EU:T:2018:873

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

4 de dezembro de 2018 (*)

«Função pública — Funcionários e agentes contratuais — Reforma do Estatuto de 1 de janeiro de 2014 — Artigo 6.o do anexo X do Estatuto — Novas disposições relativas às férias anuais aplicáveis aos funcionários afetados num país terceiro — Exceção de ilegalidade — Finalidade das férias anuais»

No processo T‑518/16,

Francisco Carreras Sequeros, funcionário da Comissão Europeia, residente em Adis‑Abeba (Etiópia), e os outros funcionários e agentes da Comissão Europeia cujos nomes figuram em anexo (1), representados por S. Orlandi e T. Martin, advogados,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada inicialmente por J. Currall e G. Gattinara e, em seguida, por G. Gattinara e A.‑C. Simon, na qualidade de agentes,

recorrida,

apoiada por:

Parlamento Europeu, representado por J. Steele e E. Taneva, na qualidade de agentes,

e por

Conselho da União Europeia, representado inicialmente por M. Bauer e M. Veiga e, em seguida, por M. Bauer e R. Meyer, na qualidade de agentes,

intervenientes,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 270.o TFUE e que visa a anulação das decisões que reduzem o número de dias de férias anuais dos recorrentes a partir do ano 2014,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada),

composto por H. Kanninen, presidente, J. Schwarcz, C. Iliopoulos, L. Calvo‑Sotelo Ibáñez‑Martín (relator) e I. Reine, juízes,

secretário: M. Marescaux, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 21 de novembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

1        Os recorrentes, Francisco Carreras Sequeros e as outras pessoas cujos nomes figuram em anexo, são funcionários ou agentes contratuais da Comissão Europeia. Foram todos afetados a países terceiros e já o estavam antes de 1 de janeiro de 2014.

2        Por força do artigo 57.o, primeiro parágrafo, do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), aplicável por analogia aos agentes contratuais por força dos artigos 16.o e 91.o do Regime aplicável aos Outros Agentes da União Europeia (a seguir «ROA»), os funcionários e os agentes têm direito, em cada ano civil, a férias anuais de 24 dias úteis, no mínimo, e de 30 dias úteis, no máximo, em conformidade com a regulamentação a estabelecer, de comum acordo, entre as instituições da União, após parecer do Comité do Estatuto. Em aplicação dessa disposição, o número de dias de férias anuais foi fixado em 24 dias de férias aos quais se juntam s dias de férias suplementares atribuídos em função da idade e do grau no limite dos 30 dias suprarreferidos.

3        O anexo X do Estatuto estabelece, todavia, disposições especiais e derrogatórias aplicáveis aos funcionários cujo lugar de afetação sejam os países terceiros. Por força do artigo 118.o do ROA, algumas dessas disposições são aplicáveis por analogia aos agentes contratuais que se encontrem na mesma situação. É o que sucede com o artigo 6.o desse anexo.

4        O artigo 6.o do anexo X do Estatuto, na sua versão anterior à entrada em vigor do Regulamento (UE, Euratom) n.o 1023/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, que altera o Estatuto e o ROA (JO 2013, L 287, p. 15), dispunha, para o pessoal cujo local de afetação era um país terceiro, o seguinte:

«O funcionário tem direito, em cada ano civil, a férias anuais de três dias e meio úteis por cada mês de serviço.»

5        No considerando 27 do Regulamento n.o 1023/2013, o legislador da União referiu, no entanto, o seguinte:

«Cumpre modernizar as condições de trabalho dos funcionários empregados em países terceiros, tornando‑as mais rentáveis e, ao mesmo tempo, propiciando a redução dos custos. O direito ao gozo de férias anuais deverá ser ajustado e deverá ser prevista a possibilidade de incluir uma gama mais ampla de parâmetros para fixar o subsídio de condições de vida, sem afetar o objetivo global de gerar uma compressão da despesa. As condições de concessão de subsídio de alojamento deverão ser revistas, a fim de melhor ter em conta as condições locais e de diminuir os encargos administrativos.»

6        Desde a entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2014, do artigo 1.o, n.o 70, alínea a), do Regulamento n.o 1023/2013, o artigo 6.o do anexo X do Estatuto (a seguir «novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto») dispõe, no que diz respeito aos funcionários afetados num país terceiro, o seguinte:

«O funcionário tem direito, por ano civil, a férias anuais de dois dias úteis por cada mês de serviço.

Não obstante o primeiro parágrafo, os funcionários já afetados num país terceiro em 1 de janeiro de 2014 têm direito a:

–        três dias úteis, de 1 de janeiro de 2014 a 31 de dezembro de 2014;

–        dois dias úteis e meio, de 1 de janeiro de 2015 a 31 de dezembro de 2015.»

7        Os processos individuais dos recorrentes foram atualizados para ter em conta o novo artigo 6.o, primeiro travessão do segundo parágrafo, do anexo X do Estatuto e foram atribuídos aos recorrentes 36 dias úteis de férias anuais para o ano de 2014, contra 42 para o ano anterior.

8        Os recorrentes apresentaram reclamações entre 17 de fevereiro e 13 de março de 2014. Estas reclamações foram, consoante os casos, indeferidas pela autoridade investida do poder de nomeação ou pela entidade habilitada a celebrar os contratos (a seguir «autoridade competente»), por decisões de 23 de maio de 2014, todas elas redigidas de forma idêntica.

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

9        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal da Função Pública da União Europeia em 2 de setembro de 2014, os recorrentes interpuseram o presente recurso, que foi registado sob o número F‑88/14.

10      Por decisão de 10 de novembro de 2014, o Tribunal da Função Pública decidiu suspender a instância no presente processo até o transito em julgado dos processos T‑17/14, U4U e o./Parlamento e Conselho, e T‑23/14, Bos e o./Parlamento e Conselho.

11      Por requerimentos apresentados na Secretaria do Tribunal da Função Pública, respetivamente, em 29 de outubro de 2014 e em 5 de fevereiro de 2015, o Conselho da União Europeia e o Parlamento Europeu pediram para intervir no presente processo em apoio dos pedidos da Comissão.

12      Em aplicação do artigo 3.o do Regulamento (UE, Euratom) 2016/1192 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 6 de julho de 2016, relativo à transferência para o Tribunal Geral da União Europeia da competência para decidir, em primeira instância, dos litígios entre a União Europeia e os seus agentes (JO 2016, L 200, p. 137), o presente processo foi transferido para o Tribunal Geral no estado em que o mesmo se encontrava em 31 de agosto de 2016 e deve, de ora em diante, ser tramitado em conformidade com o Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Assim, este processo foi registado com o número T‑518/16 e atribuído à Quarta Secção.

13      Os processos na pendência dos quais a instância tinha sido suspensa deram origem ao Acórdão de 15 de setembro de 2016, U4U e o./Parlamento e Conselho (T‑17/14, não publicado, EU:T:2016:489), e ao Despacho de 11 de novembro de 2014, Bos e o./Parlamento e Conselho (T‑23/14, não publicado, EU:T:2014:956). Este acórdão e este despacho não foram objeto de recurso e transitaram em julgado.

14      Foi admitida a intervenção do Conselho e o Parlamento no presente processo por decisão do Tribunal Geral de 6 de março de 2017.

15      Sob proposta da Quarta Secção, o Tribunal Geral decidiu, em 20 de setembro de 2017, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

16      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Quarta Secção alargada) decidiu, em 18 de outubro de 2017, dar início à fase oral do processo e, no âmbito de uma medida de organização do processo prevista no artigo 89.o do Regulamento de Processo, convidou as partes a responder por escrito a perguntas antes da audiência. As partes cumpriram o pedido do Tribunal Geral, no prazo estabelecido.

17      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 21 de novembro de 2017.

18      Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        declarar a ilegalidade do novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto;

–        anular as decisões que reduzem as suas férias anuais «a partir de [o ano de] 2014»;

–        condenar a Comissão nas despesas.

19      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar os recorrentes nas despesas.

20      O Parlamento conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne negar provimento ao recurso.

21      O Conselho conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        declarar improcedente a exceção de ilegalidade relativa ao novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto;

–        negar provimento ao recurso.

III. Questão de direito

A.      Quanto ao primeiro pedido, que visa que o Tribunal Geral declare ilegal o novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto

22      Os recorrentes pedem, no seu primeiro pedido, que o Tribunal Geral declare ilegal o novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto.

23      A Comissão e o Parlamento consideram que a constatação de uma ilegalidade, na sequência do exame de uma exceção de ilegalidade, só pode ter uma natureza incidental e não pode constar do dispositivo de um acórdão, pelo que o primeiro pedido dos recorrentes é inadmissível como tal.

24      É certo que não compete ao juiz da União fazer constatações de princípio no dispositivo dos seus acórdãos (v., neste sentido, Acórdão de 16 de dezembro de 2004, De Nicola/BEI, T‑120/01 e T‑300/01, EU:T:2004:367, n.os 136 e 137). Todavia, no caso em apreço, é claro que o primeiro pedido deve ser entendido como não sendo distinto do segundo pedido, na medida em que, como salientam a própria Comissão e o Parlamento, no essencial, os recorrentes invocam, a título incidental, a ilegalidade do artigo 6.o do anexo X do Estatuto, em apoio do seu pedido de anulação das decisões relativas à redução das suas férias anuais «a partir de [o ano de] 2014».

B.      Quanto ao segundo pedido, que visa a anulação das decisões relativas à redução da duração das férias remuneradas dos recorrentes «a partir de [o ano de] 2014»

1.      Quanto ao objeto do segundo pedido

25      Os recorrentes pedem, no seu segundo pedido, a anulação das decisões que operaram uma redução do seu direito a férias anuais «a partir de [o ano de] 2014».

26      Em resposta à medida de organização do processo referida no n.o 16, supra, os recorrentes explicitaram, contudo, que o recurso, interposto em 2014, devia, em realidade, ser entendido como dirigido contra as decisões que reduziram o número de dias de férias anuais durante esse ano (a seguir «decisões impugnadas») e que não tinha por objeto a legalidade das decisões tomadas, nesta matéria, em 2015 e em 2016.

2.      Quanto às consequências da limitação do objeto do recurso sobre as exceções de ilegalidade suscitadas pelos recorrentes

27      Dado que as decisões impugnadas unicamente determinaram o número de dias de férias anuais para o ano 2014, coloca‑se a questão de saber se os recorrentes têm legitimidade para invocar, como o fizeram, fundamentos baseados em exceções de ilegalidade dirigidas não apenas contra o novo artigo 6.o, primeiro travessão do segundo parágrafo, do anexo X do Estatuto, relativo às férias anuais daquele ano, mas de forma mais generalizada contra o primeiro parágrafo deste artigo que determina o número de dias de férias anuais a partir do ano de 2016.

28      Em resposta à medida de organização do processo referida no n.o 16 supra, os recorrentes sustentaram que tinham interesse em invocar a ilegalidade da totalidade do novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto e que a fase transitória criada no primeiro travessão do seu segundo parágrafo não era destacável do primeiro parágrafo, por força do qual os funcionários e agentes afetados em países terceiros já só tinham direito a 24 dias de férias por ano.

29      Em contrapartida, a Comissão e o Conselho consideraram que as exceções de ilegalidade suscitadas não podiam ter por objeto o novo artigo 6.o, primeiro travessão do segundo parágrafo, do anexo X do Estatuto, uma vez que a exceção de ilegalidade não constitui um direito de ação autónomo e só podia, portanto, ter caráter incidental, limitado pelo objeto do recurso.

30      Segundo jurisprudência constante, uma exceção de ilegalidade deduzida de modo incidental ao abrigo do artigo 277.o TFUE, em caso de contestação a título principal da legalidade de outro ato, só é admissível se existir um nexo entre o ato controvertido e a norma cuja pretensa ilegalidade é arguida. Na medida em que o artigo 277.o TFUE não se destina a permitir a uma parte contestar a aplicabilidade de qualquer ato de caráter geral em apoio de qualquer tipo de recurso, o alcance de uma exceção de ilegalidade deve ser limitado ao que é indispensável para a solução do litígio (v. Acórdão de 12 de junho de 2015, Health Food Manufacters’ Association e.o./Comissão, T‑296/12, EU:T:2015:375, n.º 170 e jurisprudência citada). Daqui resulta que o ato de caráter geral cuja ilegalidade é invocada deve ser aplicável, direta ou indiretamente, ao facto que é objeto de recurso e que deve existir um nexo jurídico direto entre a decisão individual impugnada e o ato geral em questão (Acórdãos de 15 de março de 2017, Fernández González/Comissão, T‑455/16 P, não publicado, EU:T:2017:169, n.o 34, e de 22 de novembro de 2017, von Blumenthal e o./BEI, T‑558/16, EU:T:2017:827, n.o 71).

31      No entanto, o artigo 277.o TFUE deve ser interpretado de forma suficientemente lata para que seja assegurado um controlo de legalidade efetivo dos atos de caráter geral das instituições a favor de pessoas excluídas do recurso direto de tais atos (Acórdãos do Tribunal de Justiça de 26 de outubro de 1993, Reinarz/Comissão, T‑6/92 e T‑52/92, EU:T:1993:89, n.o 56, e de 21 de outubro de 2010, Agapiou Joséphidès/Comissão e EACEA, T‑439/08, não publicado, EU:T:2010:442, n.o 50). Por conseguinte, o âmbito de aplicação do artigo 277.o TFUE deve alargar‑se aos atos das instituições que foram pertinentes para a adoção da decisão que é objeto de recurso de anulação (Acórdãos de 4 de março de 1998, De Abreu/Tribunal de Justiça, T‑146/96, EU:T:1998:50, n.o 27, e de 2 de outubro de 2001, Martinez e o./Parlamento, T‑222/99, T‑327/99 e T‑329/99, EU:T:2001:242, n.o 135), no sentido de que a referida decisão assenta essencialmente nestes (Acórdão de 12 de junho de 2015, Health Food Manufacturers’ Association e o./Comissão, T‑296/12, EU:T:2015:375, n.o 172), mesmo que estes não tenham formalmente servido de base jurídica à decisão (Acórdãos de 2 de outubro de 2001, Martinez e o./Parlamento, T‑222/99, T‑327/99 e T‑329/99, EU:T:2001:242, n.o 135; de 20 de novembro de 2007, Ianniello/Comissão, T‑308/04, EU:T:2007:347, n.o 33; e de 2 de outubro de 2014, Spraylat/ECHA, T‑177/12, EU:T:2014:849, n.o 25).

32      No caso em apreço, os recorrentes beneficiavam de 42 dias de férias anuais em 2013 ao abrigo do artigo 6.o do anexo X do Estatuto na sua versão anterior à entrada em vigor do artigo 1.o, n.o 70, alínea a), do Regulamento n.o 1023/2013. Em 2014, data da interposição do recurso, só beneficiavam de 36 dias de férias anuais, nos termos do novo artigo 6.o, primeiro travessão do segundo parágrafo, do anexo X do Estatuto. Em 2015, só tinham 30 dias de férias anuais, nos termos do segundo travessão do segundo parágrafo do referido artigo. Finalmente, a partir do ano de 2016, os recorrentes só deviam, em princípio, ter direito a 24 dias de férias por ano, em conformidade com o primeiro parágrafo do artigo 6.o do anexo X do Estatuto.

33      Assim, a autoridade competente não dispõe de margem de manobra nenhuma para determinar o número de dias de férias anuais. Além disso, resulta de uma interpretação contextual e sistemática do novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto, que o primeiro travessão do seu segundo parágrafo, diretamente aplicável às decisões impugnadas, constitui uma disposição transitória, ao passo que o primeiro parágrafo do referido artigo constitui o novo regime definitivo em matéria de férias anuais dos funcionários e agentes afetados em países terceiros.

34      Por conseguinte, há que recordar que a própria natureza de um período transitório é organizar a transição gradual de um regime para outro (Acórdãos de 6 de julho de 2017, Bodson e o./BEI, T‑508/16, não publicado, EU:T:2017:469, n.o 117, e de 12 de fevereiro de 2014, Bodson e o./BEI, F‑83/12, EU:F:2014:15, n.o 139) para resolver as dificuldades inerentes à aplicação do novo regime ou evitar uma alteração abrupta do regime anterior.

35      Tendo em conta o elo que une as disposições transitórias às disposições definitivas, não tendo as primeiras nenhuma razão de existir sem as segundas, e tendo em conta a falta de margem de manobra da autoridade competente, há que considerar que, no caso em apreço, existe um vínculo jurídico direto entre as decisões impugnadas e o novo artigo 6.o, primeiro parágrafo, do anexo X do Estatuto e que este primeiro parágrafo, uma vez que o é o resultado do novo artigo 6.o, segundo parágrafo, primeiro travessão, do anexo X do Estatuto, é, pelo menos indiretamente, aplicável às referidas decisões, na parte em que era pertinente para a sua adoção, na medida em que assentavam, no essencial, neste, ainda que não constituísse formalmente a sua base jurídica.

36      Do mesmo modo, as decisões impugnadas constituíam, relativamente aos recorrentes, a primeira aplicação do novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto, com a consequência de que, a partir de 2016, beneficiariam apenas de 24 dias de férias.

37      No entanto, a Comissão alegou na audiência que, no momento da interposição do recurso em 2014, a aplicação, a partir de 2016, do novo artigo 6.o, primeiro parágrafo, do anexo X do Estatuto aos recorrentes era hipotética.

38      É certo que decorre das respostas dos recorrentes à medida de organização do processo referida no n.o 16, supra, que dois deles estão atualmente afetados em Bruxelas (Bélgica). No entanto, não se pode deduzir daí que a aplicação aos recorrentes do novo artigo 6.o, primeiro parágrafo, do anexo X do Estatuto, a partir de 2016 era hipotética em 2014. Além de que um dos interessados só desde 1 de setembro de 2017 é que se encontra afetado em Bruxelas, reuniam as condições, enquanto funcionários ou agentes no seio da Direção‑Geral da Cooperação Internacional e do Desenvolvimento afetados em países terceiro, para lhes ser salpicada esta disposição.

39      Por conseguinte, ainda que as decisões impugnadas sejam formalmente baseadas na disposição transitória relativa unicamente ao ano 2014, que consta do primeiro travessão do segundo parágrafo do novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto, os recorrentes podem igualmente contestar, por via de exceção, a legalidade do regime definitivo de férias anuais determinado pelo primeiro parágrafo do referido artigo.

3.      Quanto aos fundamentos

a)      Observação preliminar

40      Na sua petição, os recorrentes alegaram que o novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto violava a natureza especial e a finalidade do direito a férias anuais, o princípio geral da igualdade de tratamento, o princípio da segurança jurídica e o artigo 10.o do Estatuto.

41      No entanto, atento o Acórdão de 15 de setembro de 2016, U4U e o./Parlamento e Conselho (T‑17/14, não publicado, EU:T:2016:489), os recorrentes desistiram do fundamento baseado na violação do artigo 10.o do Estatuto.

42      Por outro lado, em resposta a uma pergunta feita pelo Tribunal Geral, os recorrentes consideraram que o terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da segurança jurídica devia ser entendido como sendo relativo à violação do princípio da proteção da confiança legítima.

43      Por último, os desenvolvimentos da petição comportam considerações sobre o direito ao respeito da vida privada e familiar que devem ser considerados como constituindo um fundamento distinto.

44      Em definitivo, o Tribunal Geral deve pronunciar‑se sobre quatro fundamentos, relativos, respetivamente, à violação:

–        da natureza especial e da finalidade do direito a férias anuais remuneradas,

–        do princípio geral da igualdade de tratamento,

–        do princípio da proteção da confiança legítima,

–        do direito ao respeito da vida privada e da vida familiar.

b)      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação da natureza especial e da finalidade do direito a férias anuais

1)      Argumentos das partes

45      Com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente no seu Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack (C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570), os recorrentes alegam que o direito a férias anuais é um princípio de direito social que reveste particular importância. Encontra‑se atualmente consagrado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e é garantido, entre outros, pelo artigo 7.o da Diretiva 2003/88/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de novembro de 2003, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 2003, L 299, p. 9). Os recorrentes sublinham que, segundo a jurisprudência, este direito tem uma dupla finalidade, isto é, permitir ao trabalhador, por um lado, descansar no que respeita à execução das tarefas que lhe incumbem e, por outro, dispor de um período de descontração e de lazer. Ora, as regras mais favoráveis de que beneficiavam os funcionários e agentes afetados em países terceiros em matéria de férias anuais visavam precisamente compensar os inconvenientes ligados às condições de vida do lugar da sua afetação, consideradas sempre como sendo especiais e até mesmo difíceis de suportar.

46      Neste contexto, segundo os recorrentes, resulta da jurisprudência e do considerando 4 da Diretiva 2003/88 que a melhoria da segurança, da higiene e de saúde dos trabalhadores através do direito a férias anuais constitui um objetivo que não pode estar sujeito a considerações de ordem puramente económica. No entanto, a redução do direito a férias anuais dos funcionários e agentes afetados num país terceiro foi justificada, no considerando 27 do Regulamento n.o 1023/2013, por tal motivo, a saber, a melhoria da relação custo‑eficiência desse pessoal e a necessidade de realizar economias. Além disso, o facto de essa redução ter ser sido igualmente justificada pelo interesse do serviço e, em especial, pelo das pequenas delegações, cujo funcionamento foi afetado pelas numerosas ausências do seu pessoal, constitui uma afirmação não fundamentada que não pode valer em todos os casos. Além disso, o objetivo da modernização das condições de trabalho, pretensamente ligado à evolução dos modos de transporte e de comunicação, invocado pela Comissão e pelo Parlamento, também não pode justificar a redução controvertida, uma vez que esse raciocínio conduziria a corromper progressivamente o direito a férias anuais sem ter em conta a sua finalidade.

47      Além disso, o facto de o número de dias de férias anuais previsto pelo novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto continuar a ser superior ao previsto no artigo 7.o da Diretiva 2003/88 não implica que este novo artigo garante uma proteção adequada das condições de trabalho, da saúde e da segurança dos recorrentes. Com efeito, a Diretiva 2003/88 visa apenas assegurar um nível mínimo de proteção. Além disso, o artigo 23.o da referida diretiva contém uma cláusula de não regressão da qual resulta que a redução do número de dias de férias não pode ser justificada pelo simples facto de que este se tenha mantido superior ao previsto no artigo 7.o acima referido.

48      Em qualquer caso, a deterioração das condições de trabalho dos recorrentes afetaria de forma desproporcionada a sua vida profissional e a sua saúde.

49      Por último, apesar do amplo poder de apreciação de que dispõe o legislador, este deveria ter avaliado as consequências da redução do número de dias de férias anuais sobre a saúde e a segurança dos funcionários e agentes afetados em países terceiros, uma vez que a prática originou uma presunção de que o trabalho efetuado em países terceiros é mais penoso do que o efetuado nas sedes das instituições. Do mesmo modo, o legislador deveria ter fundamentado de forma suficiente a deterioração das condições de trabalho dos interessados. Ora, essa avaliação e essa fundamentação não existiriam no caso em apreço.

50      A Comissão, cujos argumentos o Parlamento e o Conselho partilham, refuta liminarmente a pertinência do Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack (C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570).

51      A Comissão, bem como o Parlamento e o Conselho, observam igualmente que o legislador previu, no considerando 14 da Diretiva 2003/88, que as «normas específicas previstas por outros instrumentos comunitários» podem prevalecer sobre as disposições desta. É o caso do novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto. Além disso, o número de dias de férias anual determinado por esse artigo mantém‑se superior às férias de «pelo menos quatro semanas» previstas como período mínimo de férias pelo artigo 7.o da Diretiva 2003/88. Assim, o novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto não afeta a substância do direito a férias anuais.

52      Por outro lado, o legislador não teve como única finalidade um objetivo de natureza económica, ao adotar o novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto. Resulta, pelo contrário, do considerando 27 do Regulamento n.o 1023/2013 que prosseguia igualmente como objetivo modernizar as condições de trabalho do pessoal empregado em países terceiros, ou seja, uma exigência administrativa destinada a adaptar as condições de trabalho à evolução das circunstâncias económicas e sociais. A este respeito, o Conselho observa que um período de férias anuais igual a 42 dias úteis expunha as pequenas delegações a dificuldades, na medida em que, como consequência das férias e ausências por outros motivos, nem sempre dispunham de pessoal suficiente para assegurar o seu bom funcionamento. A Comissão e o Parlamento sublinham, por seu lado, que, entre 2004 e 2014, a situação que justificou em parte o regime anterior evoluiu devido ao facto de as comunicações através da Internet e de os voos de baixo custo terem tido uma evolução significativa.

53      De resto, os recorrentes não demonstram que o legislador agiu em violação do direito a férias anuais, que é permitir ao trabalhador, por um lado, descansar e, por outro, dispor de um período de descontração e de lazer. A este respeito, a prática anterior de que resultaria uma alegada presunção segundo a qual o trabalho realizado em países terceiros seria mais penoso, admitindo‑a demonstrada, não pode, de modo nenhum, vincular o legislador, uma vez que este dispõe de uma ampla margem de manobra para adaptar o estatuto à evolução do contexto económico e social e para alterar, em qualquer momento e num sentido desfavorável, os direitos e obrigações dos funcionários.

54      De qualquer forma, o legislador teve em consideração as restrições específicas inerentes à situação do pessoal que trabalha em países terceiros, por um lado, o artigo 7.o do anexo X do Estatuto, no que respeita ao cálculo da duração das férias, quando do início ou da cessação de funções num país terceiro e o reporte de dias de férias anuais não gozadas, bem como, por outro, no artigo 7.o, segundo parágrafo, do anexo V do Estatuto, relativo ao tempo de viagem.

55      Por último, a Comissão sustenta que os atos de alcance geral são suficientemente fundamentados quando o legislador explica, mesmo que sucintamente, o essencial das medidas. Por conseguinte, não decorre de nenhuma disposição ou princípio, que o legislador deveria ter tido em conta os efeitos da redução das férias anuais na saúde e na segurança dos funcionários ou deveria ter apreciado o alcance desta redução em relação ao objetivo geral de melhoria das suas condições de trabalho, ou ainda que deveria ter demonstrado os ganhos de eficiência que essa redução permite.

2)      Apreciação do Tribunal Geral

i)      Observação preliminar

56      A título preliminar, há que examinar a pertinência, para o presente caso, do Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack (C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570), em que os recorrentes, em grande parte, se baseiam.

57      Como sustentam a Comissão, bem como o Parlamento e o Conselho, o Tribunal de Justiça limitou‑se, nesse acórdão, a pronunciar‑se sobre uma disposição que organiza, sem alteração à lei, um mecanismo de reporte de um ano para o outro de férias não gozados.

58      No entanto, se, no presente processo, a situação é caracterizada por uma alteração legislativa que reduz a duração das férias anuais, as precisões que esse acórdão fornece, nomeadamente quanto à natureza dessas férias e à sua finalidade, às condições em que uma diretiva pode ser invocada contra uma instituição e às modalidades de aplicação da Carta às instituições são pertinentes no caso em apreço.

59      Assim sendo, os recorrentes inferem precisamente a natureza específica e a finalidade do direito a férias anuais que invocam da Diretiva 2003/88 e da jurisprudência a esta relativa. Do mesmo modo, há que examinar a título preliminar em que medida esta diretiva pode ser invocada no caso em apreço.

ii)    Quanto à possibilidade de opor a Diretiva 2003/88 ao legislador da União

60      Há que recordar que, segundo jurisprudência constante, na medida em que as diretivas se dirigem aos Estados‑Membros e não às instituições ou órgãos da União, não se pode considerar que as disposições da Diretiva 2003/88 impõem, enquanto tais, obrigações às instituições nas suas relações com o seu pessoal (v., neste sentido, Acórdão de 15 de setembro de 2016, TAO‑AFI e SFIE‑PE/Parlamento e Conselho, T‑456/14, EU:T:2016:493, n.o 72 e jurisprudência referida).

61      Contudo, como já foi anteriormente decidido, o facto de uma diretiva não vincular, enquanto tal, as instituições, não exclui a circunstância de as regras ou princípios previstos nessa diretiva poderem ser invocados contra essas instituições quando são, eles próprios, expressão específica de regras fundamentais do Tratado e de princípios gerais que se impõem diretamente às referidas instituições. Do mesmo modo, uma diretiva pode vincular uma instituição quando esta, no quadro da sua autonomia de organização e nos limites do Estatuto, tenha pretendido executar uma obrigação especial prevista numa diretiva, ou ainda no caso de um ato de alcance geral de aplicação interna remeter expressamente, ele próprio, para as medidas adotadas pelo legislador da União, em aplicação dos Tratados. Por fim, as instituições devem ter em conta, em conformidade com o dever de lealdade que sobre elas impende, no seu comportamento enquanto entidade empregadora, as disposições legislativas adotadas à escala da União (v. Acórdão de 15 de setembro de 2016, TAO‑AFI e SFIE‑PE/Parlamento e Conselho, T‑456/14, EU:T:2016:493, n.os 73 e 74 e jurisprudência referida).

62      No caso em apreço, os recorrentes consideram, nos seus articulados, que o artigo 1.o‑E, n.o 2, do Estatuto constitui um ato de alcance geral de aplicação interna que remete para a Diretiva 2003/88.

63      É verdade, a este respeito, que o Tribunal de Justiça declarou, no seu Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack (C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570, n.o 43), que o artigo 1.o‑E, n.o 2, do Estatuto tinha em vista regras como aquelas que a Diretiva 2003/88 comportava, uma vez que tanto este artigo como esta diretiva têm por objeto fixar as prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho, entre as quais figuram os períodos mínimos de férias anuais.

64      Todavia, no seu Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack (C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570, n.os 48 e seguintes), o Tribunal de Justiça apenas recorreu à Diretiva 2003/88 para interpretar o artigo 4.o do anexo V do Estatuto em conjugação com o artigo 1.o‑E, n.o 2, deste mesmo estatuto. Em contrapartida, os anexos do Estatuto, uma vez que têm o mesmo valor que o próprio Estatuto (v., neste sentido, Acórdão de 24 de novembro de 2010, Comissão/Conselho, C‑40/10, EU:C:2010:713, n.o 61, e Despacho de 13 de dezembro de 2012, Mische/Comissão, T‑641/11 P, EU:T:2012:695, n.o 41) e na ausência de hierarquia entre a Diretiva 2003/88 e o Regulamento n.o 1023/2013, que altera o Estatuto, regulamento esse que não se apresenta, de resto, como um ato delegado ou de execução da referida diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 13 de novembro de 2014, Espanha/Comissão, T‑481/11, EU:T:2014:945, n.o 74 e jurisprudência referida), o artigo 1.o‑E, n.o 2, do Estatuto e a Diretiva 2003/88 não podem ser invocadas em apoio de uma exceção de ilegalidade para declarar inaplicável o novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto.

65      Não é menos verdade que, nos seus articulados, os recorrentes se referem igualmente ao artigo 31.o, n.o 2, da Carta e alegam expressamente, em resposta a uma pergunta feita pelo Tribunal Geral na audiência, que a Diretiva 2003/88 é oponível ao legislador da União, na medida em que ela traduz um direito fundamental.

66      Há que recordar que resulta do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, que suas disposições se dirigem, nomeadamente, às instituições da União que devem, consequentemente, observar e promover a aplicação dos princípios que ela consagra, entre os quais o direito a férias anuais, garantido pelo artigo 31.o, n.o 2, da Carta.

67      Há igualmente que recordar que as explicações do praesidium da Convenção relativas à Carta (JO 2007, C 303, p. 17) devem ser tomadas em consideração para a interpretação desta, em conformidade com o artigo 6.o, n.o 1, terceiro parágrafo, TUE e com o artigo 52.o, n.o 7, da Carta (v., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack, C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570, n.o 27)

68      Ora, resulta das explicações mencionadas no n.o 67 que o artigo 31.o, n.o 2, da Carta consagra nomeadamente a substância da Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 1993, L 307, p. 18), que foi posteriormente substituída e codificada pela Diretiva 2003/88 (Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack, C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570, n.o 39). Em especial, o artigo 7.o da Diretiva 2003/88 relativo às férias anuais é idêntico ao artigo 7.o da Diretiva 93/104. Dispõe, no seu n.o 1, que «[o]s Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de pelo menos quatro semanas, em conformidade com as condições de obtenção e de concessão previstas nas legislações e/ou práticas nacionais».

69      Na medida em que a Diretiva 2003/88 constitui uma expressão concreta do princípio enunciado no artigo 31.o, n.o 2, da Carta, como resulta das explicações do praesidium a ele relativas (v. n.o 67, supra), o legislador, que deve respeitar este artigo, que tem o mesmo valor que os Tratados, não podia abstrair do conteúdo da referida diretiva.

70      Do mesmo modo, a aplicação do novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto deve ser afastada se este se revelar incompatível com o direito a férias anuais, cuja natureza e finalidade resultam do artigo 31.o, n.o 2, da Carta, lido à luz da Diretiva 2003/88.

71      Por conseguinte, incumbe ao Tribunal Geral verificar se o novo artigo 6.o, primeiro parágrafo, e segundo parágrafo, primeiro travessão, do anexo X do Estatuto violou o direito a férias anuais e, mais precisamente, a sua natureza e a sua finalidade.

–       Quanto à existência de uma violação do direito a férias anuais

72      Importa, antes de mais, salientar que, na medida em que o artigo 31.o, n.o 2, da Carta e as suas explicações (v. n.o 67, supra) impõem que seja feita referência à Diretiva 2003/88, não se pode abstrair do conteúdo das disposições desta última.

73      Nesta perspetiva, há que referir que o artigo 14.o da Diretiva 2003/88 estabelece que as disposições desta «não se aplicam na medida em que outros instrumentos [da União] contenham disposições mais específicas em matéria de organização do tempo de trabalho relativamente a determinadas ocupações ou atividades profissionais». Como resulta do considerando 14 da referida diretiva, esta disposição visa, nomeadamente, normas específicas em matéria de férias anuais aplicáveis a «determinadas categorias de trabalhadores».

74      A Comissão sugere, por conseguinte, que o novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto deveria ser considerado uma norma que prevalece sobre as disposições da Diretiva 2003/88 no que respeita à duração das férias anuais.

75      Todavia, resulta do artigo 1.o, n.o 3, da Diretiva 2003/88 que as prescrições mínimas de segurança e de saúde em matéria de organização do tempo de trabalho que este comporta são aplicáveis, em princípio, a todos os setores de atividade, privados ou públicos. Neste contexto e à luz igualmente do considerando 14 da referida diretiva, o seu artigo 14.o deve ser interpretado no sentido de que visa as disposições específicas para determinadas categorias de trabalhadores devido às particularidades das suas ocupações ou atividades profissionais.

76      Assim, o legislador adotou disposições especificas para o transporte rodoviário, o transporte aéreo ou ainda o transporte por via navegável, respetivamente, na Diretiva 2002/15/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de março de 2002, relativa à organização do tempo de trabalho das pessoas que exercem atividades móveis de transporte rodoviário (JO 2002, L 80, p. 35), na Diretiva 2000/79/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, respeitante à aplicação do acordo europeu sobre a organização do tempo de trabalho do pessoal móvel da aviação civil, celebrado pela Associação das Companhias Aéreas Europeias (AEA), a Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes (ETF), a Associação Europeia do Pessoal Navegante (ECA), a Associação das Companhias Aéreas das Regiões da Europa (ERA) e a Associação Internacional Chárteres Aéreos (AICA) (JO 2000, L 302, p. 57) e na Diretiva 2014/112/UE do Conselho, do 19 dezembro de 2014, que aplica o Acordo Europeu relativo a aspetos específicos da organização do tempo de trabalho no setor do transporte por vias navegáveis interiores, celebrado pela União Europeia dos Transportes por Vias Navegáveis Interiores (EBU), a Organização Europeia de Transportadores Fluviais (ESO) e a Federação Europeia dos Trabalhadores dos Transportes (ETF) (JO 2014, L 367, p. 86).

77      No caso em apreço, é útil salientar que o novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto não se apresenta como uma prescrição específica de organização do tempo de trabalho previsto no artigo 14.o da Diretiva 2003/88. Além disso, a Comissão não fornece qualquer elemento suscetível de justificar que os funcionários e os agentes afetados em países terceiros exercem uma atividade profissional que exige disposições específicas, como as enumeradas no número anterior. A este respeito, a circunstância de o artigo 336.o TFUE ter confiado ao Parlamento e ao Conselho deã competência para adotar o Estatuto e o ROA, em conformidade com o processo legislativo ordinário, não é suficiente para demonstrar essa especificidade.

78      A Comissão defende que o artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 2003/88 prevê unicamente uma obrigação de tomar as medidas necessárias para que todos os trabalhadores beneficiem de férias anuais remuneradas de, pelo menos, quatro semanas, ou seja, 20 dias úteis, pelo que, ao fixar em 24 dias o número de dias de férias anuais a partir de 2016, o novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto respeita esse limite.

79      Por seu lado, os recorrentes contestam o facto de o novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto ser compatível com a natureza e a finalidade das férias anuais, uma vez que o número de dias de férias anuais continuaria a ser superior ao mínimo exigido pelo artigo 7.o da Diretiva 2003/88. Os recorrentes salientam assim, que o artigo 23.o da Diretiva 2003/88 contém uma cláusula de não regressão e salientam igualmente que esta diretiva tem por objetivo fundamental a melhoria das condições de vida dos trabalhadores.

80      O artigo 23.o da Diretiva 2003/88 dispõe que «desde que sejam respeitados os requisitos mínimos previstos [nesta] diretiva, a aplicação [desta] não pode constituir justificação válida para fazer regredir o nível geral de proteção dos trabalhadores». Daqui resulta que uma diminuição da proteção garantida aos trabalhadores no domínio da organização do tempo de trabalho não é proibida, como tal, pela Diretiva 2003/88, mas que, para se inserir na proibição imposta pelo seu artigo 23.o, esta diminuição deve, por um lado, estar ligada à «aplicação» da diretiva e, por outro, versar sobre o «nível geral de proteção» dos trabalhadores em causa (v., por analogia, Acórdão e 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, EU:C:2009:250, n.o 126)..

81      Mais precisamente, a condição relativa à «aplicação» da Diretiva 2003/88 abrange qualquer medida nacional de transposição destinadas a garantir que o objetivo por ela prosseguido possa ser alcançado. Em contrapartida, uma legislação não pode ser considerada contrária ao artigo 23.o da Diretiva 2003/88 se a regressão que implica não estiver de modo algum ligada à sua aplicação, isto é, por outras palavras, se a medida regressiva for justificada não pela necessidade de transposição, mas pela necessidade de promover outro objetivo (v., por analogia, Acórdão e 23 de abril de 2009, Angelidaki e o., C‑378/07 a C‑380/07, EU:C:2009:250, n.os 131 e 133).

82      Ora, resulta do considerando 27 do Regulamento n.o 1023/2013 que o artigo 1.o, n.o 70, alínea a), deste regulamento tinha como objetivo reduzir custos e modernizar as condições de trabalho dos funcionários empregados em países terceiros e não o de atingir o objetivo prosseguido pela Diretiva 2003/88.

83      Por conseguinte, os recorrentes não podem invocar o artigo 23.o da Diretiva 2003/88 para contestar a validade do novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto.

84      Não deixa de ser verdade que, como o defendem os recorrentes, o direito a férias anuais de cada trabalhador, incluindo dos funcionários e dos agentes, deve ser considerado um princípio do direito social da União que reveste particular importância (Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack, C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570, n.o 26). Com efeito, tem por finalidade permitir ao trabalhador descansar e dispor de um período de descontração e de lazer (v. Acórdão de 20 de janeiro de 2009, Schultz‑Hoff e o., C‑350/06 e C‑520/06, EU:C:2009:18, n.o 25) e, assim, proteger a sua segurança e saúde (v., neste sentido, Acórdão de 14 de outubro de 2010, Union syndicale Solidaires Isère, C‑428/09, EU:C:2010:612, n.o 37, e Despacho de 4 de março de 2011, Grigore, C‑258/10, não publicado, EU:C:2011:122, n.o 40).

85      A finalidade das férias anuais inscreve‑se assim no objetivo que o artigo 151.o TFUE atribui à União de melhorar as condições de vida e de trabalho dos trabalhadores e, em conformidade com o artigo 153.o TFUE, de apoiar e completar a ação dos Estados‑Membros no domínio da melhoria do ambiente de trabalho, a fim de proteger a saúde e a segurança dos interessados.

86      Por outro lado, por força do artigo 51.o, n.o 1, da Carta, a União deve observar os princípios entre os quais figura o direito a férias e promover a sua aplicação.

87      Resulta igualmente das explicações do præsidium da Convenção relativas ao artigo 31.o, n.o 2, da Carta (v. n.o 67, supra) que este se baseia na Diretiva 93/104, substituída pela Diretiva 2003/88, bem como no ponto 8 da Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, adotada na reunião do Conselho Europeu realizada em Estrasburgo (França), em 9 de dezembro de 1989. Ora, resulta do considerando 4 da Diretiva 2003/88 que as medidas relativas à organização do tempo de trabalho, e nomeadamente as relativas às férias anuais remuneradas previstas no artigo 7.o desta diretiva, têm por objetivo fundamental contribuir diretamente para a melhoria da proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores (v., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack, C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570, n.o 44). Quanto ao ponto 8 da Carta comunitária dos direitos sociais fundamentais dos trabalhadores, este dispõe que «[t]odos os trabalhadores da Comunidade Europeia têm direito ao repouso semanal e a férias anuais pagas, cuja duração deve ser aproximada no progresso, de acordo com as práticas nacionais».

88      Decorre de tudo o que precede que, pela sua natureza, o direito a férias anuais pagas, previsto no artigo 31.o, n.o 2, da Carta tendesse destina, em princípio, a promover a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores.

89      Do mesmo modo, a circunstância de o número de dias de férias anuais fixado pelo novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto continuar a ser superior ao mínimo exigido pelo artigo 7.o da Diretiva 2003/88, não basta, como afirma a Comissão, para concluir que este novo artigo não viola o direito a férias anuais.

90      Ao invés, se qualquer redução do número de dias de férias anuais não basta, por si só, para concluir que há violação do direito a férias anuais, garantido pelo artigo 31.o, n.o 2, da Carta, não é esse o caso do novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto, que reduz significativamente a duração das férias anuais dos funcionários e agentes afetados em países terceiros fazendo‑a passar, em três anos, de 42 para 24 dias. Essa redução não pode, com efeito, ser considerada compatível com o princípio destinado a favorecer a melhoria das condições de vida e de trabalho dos interessados.

91      Esta conclusão não é infirmada pelos argumentos da Comissão, do Parlamento e do Conselho, na medida em que a amplitude da redução assim efetuada não é atenuada pelas outras disposições do Estatuto e dos seus anexos que constituem o contexto no qual se insere o novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto.

92      Assim, o artigo 1.o, n.o 71, alínea b), do Regulamento n.o 1023/2013 alterou o artigo 7.o, primeiro parágrafo, do anexo X do Estatuto e equiparou o regime dos funcionários e agentes afetados num país terceiro ao dos outros funcionários e agentes, reduzindo o número de dias de férias a que tinham direito em caso de entrada em serviço ou de cessação de funções no decurso do ano.

93      Além disso, o artigo 8.o, primeiro parágrafo, do anexo X do Estatuto e do artigo 9.o, n.o 2, do mesmo anexo, estabelecem que a autoridade investida do poder de nomeação «pode atribuir ao funcionário, a título excecional, por decisão especial e fundamentada, um período de recuperação» com uma duração máxima de quinze dias úteis «atendendo às condições de vida particularmente difíceis no […] lugar de afetação». No entanto, quando se trata de verificar se o legislador teve devidamente em conta a finalidade e o alcance das férias anuais, impõe‑se reconhecer que essas disposições já existiam antes da entrada em vigor do novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto. Em razão da sua anterioridade, não podem assim atenuar a amplitude da redução das férias efetuada pelo legislador. É tanto mais assim que o artigo 1.o, n.o 70, alínea c), do Regulamento n.o 1023/2013 completou o artigo 8.o do anexo X do Estatuto a fim de clarificar que o funcionário que participe em cursos de formação profissional e a quem foi atribuído um período de recuperação deve comprometer‑se, se adequado, a combinar o seu período de formação profissional com o seu período de recuperação, ao passo que este período deve permitir ao interessado recuperar, como indica o seu nome.

94      Por outro lado, a possibilidade de ser atribuído a um funcionário ou agente, afetado em delegação, um alojamento de função ao abrigo do artigo 5.o do anexo X do Estatuto e as disposições do mesmo anexo que permitam à família do interessado acompanhá‑lo no país terceiro são desprovidas de pertinência no que respeita ao direito a férias anuais.

95      Da mesma forma, o subsídio a título de condições de vida previsto no artigo 10.o do anexo X do Estatuto, e as outras disposições do mesmo anexo relativas ao reembolso de despesas de alojamento, de viagem ou de transporte ou as prestações de segurança social dos interessados, não só existiam antes da entrada em vigor do Regulamento n.o 1023/2013, como também não podem compensar a redução do número de dias de férias anuais. Com efeito, num intuito de proteção eficaz da sua segurança e da sua saúde, o trabalhador deve poder beneficiar de descanso efetivo, pelo que o período de férias anuais não pode ser substituído por uma retribuição financeira, exceto no caso de cessação da relação de trabalho, como decorre do artigo 7.o, n.o 2, da Diretiva 2003/88 (v., neste sentido, Acórdão de 10 de setembro de 2009, Vicente Pereda, C‑277/08, EU:C:2009:542, n.o 20).

96      Por último, resulta do artigo 7.o, segundo parágrafo, do anexo X do Estatuto que um funcionário que trabalha num país terceiro que não tenha gozado na totalidade as suas férias anuais pode reportar catorze dias úteis para o ano seguinte, contra doze, por força do artigo 4.o, primeiro parágrafo, do anexo V do Estatuto, relativamente aos funcionários que trabalham no território da União. Além disso, resulta do artigo 7.o, segundo parágrafo, do anexo V do Estatuto que o tempo de viagem, normalmente fixado em dois dias e meio de férias, é suscetível de ser alongado para o pessoal afetado num país terceiro quando as necessidades o justifiquem. No entanto, estas medidas favoráveis aos funcionários e agentes afetados num país terceiro são marginais em comparação com a redução do número de dias de férias anuais resultantes do novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto.

97      Como os recorrentes defendem, há que considerar que a redução significativa do número de dias de férias anuais remuneradas pelo novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto afeta o seu direito a férias anuais. Nestas condições, há que analisar se a restrição ao direito foi justificada adequadamente.

–       Quanto à justificação da restrição do direito a férias anuais

98      Há que recordar que, por força do artigo 52.o, n.o 1, da Carta, podem ser impostas restrições aos direitos fundamentais que não constituam prerrogativas absolutas, como o direito de propriedade e o direito de exercer livremente uma atividade económica, na condição de essas restrições corresponderem efetivamente a objetivos de interesse geral e não constituam, tendo em conta o objetivo prosseguido, uma intervenção excessiva e intolerável que atente contra a própria substância das liberdades assim garantidas (Acórdãos de 28 de novembro de 2013, Conselho/Manufacturing Support & Procurement Kala Naft, C‑348/12 P, EU:C:2013:776, n.o 122, e de 26 de setembro de 2014, Arctic Paper Mochenwangen/Comissão, T‑634/13, não publicado, EU:T:2014:828, n.o 55).

99      Por analogia, há que considerar que restrições como as do caso em apreço podem ser introduzidas nas mesmas condições relativamente a princípios, como o direito a férias anuais, que tenham sido previamente aplicados em conformidade com o artigo 52.o, n.o 5, da Carta.

100    É, porém, verdade que o legislador dispõe de uma ampla margem de manobra para adaptar o Estatuto e para alterar, em qualquer momento, mesmo que sejam em sentido desfavorável, os direitos e obrigações dos funcionários. Daqui não resulta, no entanto, que o legislador pode abster‑se de se pronunciar com pleno conhecimento de causa e após um exame circunstanciado de todos os elementos pertinentes efetuado com cuidado e imparcialidade (v., neste sentido, Acórdão de 14 de novembro de 2013, Europol/Kalmár, T‑455/11 P, EU:T:2013:595, n.o 72). Por conseguinte, cabe nomeadamente ao Tribunal Geral verificar se o legislador verificou que as condições recordadas no n.o 98, supra, foram respeitadas. (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2010, Volker und Markus Schecke e Eifert, C‑92/09 e C‑93/09, EU:C:2010:662, n.os 79 a 83).

101    Em primeiro lugar, quanto à questão de saber se o novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto é justificado por um objetivo de interesse geral, há que remeter para o considerando 27 do Regulamento n.o 1023/2013, segundo o qual «[c]umpr[ia] modernizar as condições de trabalho dos funcionários empregados em países terceiros, tornando‑as mais rentáveis e, ao mesmo tempo, propiciando a redução dos custos».

102    Contudo, decorre do considerando 4 da Diretiva 2003/88 que «[a] melhoria da segurança, da higiene e de saúde dos trabalhadores no trabalho constitui um objetivo que não se pode subordinar a considerações de ordem puramente económica». O Tribunal de Justiça declarou igualmente, no n.o 55 do seu Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack (C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570), que considerações relativas à necessidade de proteger os interesses financeiros da União não podem, em nenhuma circunstância, ser invocadas para justificar uma lesão do referido direito a férias anuais remuneradas. Daqui decorre que tais objetivos não podem justificar uma lesão ao direito a férias anuais, garantido pelo artigo 31.o, n.o 2 da Carta. Por conseguinte, no caso em apreço, o objetivo de uma melhor relação custo‑eficiência dos funcionários e agentes afetados em países terceiros, reduzindo custos, não pode constituir um objetivo legítimo que justifique a redução da duração das férias anuais dos recorrentes.

103    No entanto, segundo os próprios termos do considerando 27 do Regulamento n.o 1023/2013, o objetivo prosseguido era igualmente o de «modernizar as condições de trabalho dos funcionários empregados em países terceiros».

104    A Comissão, bem como o Parlamento e o Conselho não parecem, no entanto, ter uma compreensão inequívoca deste objetivo.

105    A Comissão e o Parlamento explicam, por sua vez que, entre 2004 e 2014, a situação que justificou em parte o regime anterior evoluiu devido ao facto de as comunicações através da Internet e os voos a baixos preços terem tido um desenvolvimento significativo. O Conselho, por sua vez, indica que um período de férias anuais de 42 dias úteis expunha as pequenas delegações a dificuldades, na medida em que, como consequência das férias e ausências por outros motivos, estas nem sempre dispunham de pessoal suficiente para assegurar o seu bom funcionamento.

106    Além disso, a Comissão e o Parlamento não conseguiram precisar em que é que, tendo em conta a finalidade das férias anuais, o aumento das viagens a baixo preço e a possibilidade de utilizar em mais larga medida do que anteriormente as comunicações pela Internet justificavam uma redução do período de férias. Em especial, o crescimento de voos a baixos preços parece, quando muito, poder fundamentar uma redução do tempo de viagem a que se refere o artigo 7.o do anexo V do Estatuto, ao passo que esses prazos são, pelo contrário, suscetíveis de serem aumentados para o pessoal afetado em países terceiros, como a própria Comissão reconhece.

107    Quanto à fundamentação apresentada pelo Conselho, os recorrentes observam, acertadamente, que a mesma não é válida para todas as delegações. Ora, o Conselho não apresentou nenhum elemento que permita considerar que a situação das pequenas delegações era tão significativa que o legislador pudesse ter considerado que uma redução global do número de dias de férias constituía a única solução que se impunha. Além disso, não se afigura que o legislador tenha verificado a pertinência da referida justificação tendo em conta a possibilidade oferecida pelo artigo 9.o, n.o 1, do anexo X do Estatuto de recusar férias por razões que se prendem com as necessidades do serviço, ainda que, ao adotar o artigo 1.o, n.o 70, alínea d), do Regulamento n.o 1023/2013, reduziu de catorze dias úteis a duas semanas o período de licença que deveria, no mínimo, ser tomada uma vez por ano.

108    Em segundo lugar, quanto à questão de saber se o novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto é proporcionado ao objetivo prosseguido, nada indica que, previamente à sua adoção, o legislador tenha analisado as consequências da redução do número de dias de férias anuais sobre a saúde e a segurança dos funcionários e agentes afetados em países terceiros nem que examinou outras modalidades de redução, apesar de as férias anuais remuneradas contribuírem diretamente para a melhoria da proteção da segurança e da saúde dos trabalhadores (v., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2013, Reapreciação Comissão/Strack, C‑579/12 RX‑II, EU:C:2013:570, n.o 44).

109    Além disso, ao limitar formalmente, no novo artigo 6.o, primeiro parágrafo, do anexo X do Estatuto, as férias anuais dos funcionários e agentes afetados num país terceiro a 24 dias úteis a partir de 2016, não se afigura que o legislador tenha tido em conta, enquanto tal, a circunstância de que, por força do artigo 57.o do Estatuto, os funcionários e agentes afetados na União beneficiam de um período de férias que pode ir até 30 dias úteis em função da sua idade e do seu grau.

110    Do mesmo modo, não se afigura que o legislador tenha, no que lhe diz respeito, procurado saber se o teor do artigo 8.o, primeiro parágrafo, do anexo X do Estatuto, relativo ao período de recuperação, garantia, como tal, a todos os funcionários e agentes afetados num país terceiro e colocado numa situação particularmente difícil uma proteção adequada da sua saúde e da sua segurança, mesmo que, nos termos desta disposição, o período de recuperação só pode ser excecional e deve ser objeto de uma decisão especial e fundamentada.

111    Por último, a Comissão sustenta erradamente que o legislador teve em consideração as dificuldades inerentes à situação do pessoal afeto a países terceiros tendo em conta especificamente o direito a férias anuais ao remeter para o artigo 7.o, primeiro parágrafo, do anexo X do Estatuto, sendo certo que, como já foi exposto (ver n.o 92, supra), esta disposição, alterada pelo artigo 1.o, n.o 71, alínea b), do Regulamento n.o 1023/2013, pelo contrario, equipara o regime dos interessados ao dos outros funcionários e agentes ao reduzir o número de dias de férias a que tinham direito em caso de entrada em serviço ou de cessação de funções no decurso do ano.

112    Com base no que precede, impõe‑se constatar que não se afigura que o legislador da União tenha verificado, quando da adoção do novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto, se este era efetivamente justificado por um objetivo de interesse geral e se não constituía, tendo em conta o objetivo prosseguido, uma intervenção desmedida no direito a férias anuais dos funcionários e agentes afetados em países terceiros. Por conseguinte, a Comissão não podia basear‑se validamente no novo artigo 6.o do anexo X do Estatuto para adotar as decisões impugnadas.

113    Daqui resulta que o primeiro fundamento é procedente e que há que anular as decisões impugnadas, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos dos recorrentes.

IV.    Quanto às despesas

114    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

115    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, os Estados‑Membros e as instituições que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas.

116    No caso em apreço, tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas, bem como as despesas efetuadas pelos recorrentes, em conformidade com os pedidos destes. Por outro lado, enquanto instituições intervenientes, o Parlamento e o Conselho suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Quarta Secção alargada)

decide:

1)      As decisões que reduzem em 2014 o número de dias de férias anuais de Francisco Carreras Sequeros e dos outros funcionários ou agentes da Comissão Europeia cujos nomes figuram em anexo são anuladas.

2)      A Comissão é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas por F. Carreras Sequeros e pelos outros funcionários ou agentes da Comissão cujos nomes figuram em anexo.

3)      O Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia suportarão as suas próprias despesas,

Kanninen

Schwarcz

Iliopoulos

Calvo‑Sotelo Ibáñez‑Martín

 

Reine


Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 4 dezembro 2018.

O Secretário

 

      O Presidente

E. Coulon


*      Língua do processo: francês.


1      A lista das outras partes recorrentes só está anexada à versão notificada às partes.