Language of document : ECLI:EU:T:2005:167

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

11 de Maio de 2005 (*)

«Marca comunitária – Processo de declaração de nulidade – Artigo 51.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.° 40/94 – Marca figurativa que inclui a representação de uma espada de um jogo de cartas – Marca figurativa que inclui a representação de um valete de paus de um jogo de cartas – Marca figurativa que inclui a representação de um rei de espadas de um jogo de cartas – Motivos absolutos de recusa – Artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) e c), do Regulamento n.° 40/94»

Nos processos apensos T‑160/02 a T‑162/02,

Naipes Heraclio Fournier, SA, com sede em Vitoria (Espanha), representada por E. Armijo Chávarri, advogado,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), inicialmente representado por J. Crespo Carrillo e em seguida por O. Montalto e I. de Medrano Caballero, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte no processo na Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal de Primeira Instância,

France Cartes SAS, com sede em Saint Max (França), representada por C. de Haas, advogado,

que têm por objecto um recurso interposto de três decisões da Segunda Câmara de Recurso do IHMI de 28 de Fevereiro de 2002 (processos R 771/2000‑2, R 770/2000‑2 e R 766/2000‑2), relativas aos processos de anulação entre a Naipes Heraclio Fournier, SA e a France Cartes SAS,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Terceira Secção),

composto por: M. Jaeger, presidente, V. Tiili e O. Czúcz, juízes,

secretário: I. Natsinas, administrador,

vistas as petições e a réplica apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, respectivamente, em 17 de Maio de 2002 e 16 de Junho de 2003,

vistas as contestações e a tréplica do IHMI apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, respectivamente, em 22 de Novembro de 2002 e 5 de Agosto de 2003,

vistas as contestações e a tréplica da interveniente apresentadas na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, respectivamente, em 22 de Novembro de 2002 e 7 de Novembro de 2003,

vista a apensação dos presentes processos para efeitos da fase escrita, da audiência e do acórdão, nos termos do artigo 50.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância,

na sequência da audiência de 30 de Novembro de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 1 de Abril de 1996, a recorrente apresentou três pedidos de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) ao abrigo do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), tal como alterado.

2        No processo T‑160/02, a marca cujo registo foi pedido é um sinal figurativo reproduzido a seguir que, de acordo com a descrição constante do pedido, tem as cores azul, azul pálida, amarela e vermelha e representa uma «espada».

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3        No processo T‑161/02, a marca cujo registo foi pedido é o sinal figurativo reproduzido a seguir que, de acordo com a descrição constante do pedido, tem as cores vermelha, amarela, verde, ocre, castanha, azul e azul pálida.

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4        No processo T‑162/02, a marca cujo registo foi pedido é o sinal figurativo reproduzido a seguir que, de acordo com a descrição constante do pedido, tem as cores amarela, ocre, branca, vermelha, azul e verde.

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5        Os produtos para os quais foram pedidos os registos integram‑se na classe 16 do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, na sua redacção revista e alterada, e correspondem à descrição seguinte: «cartas de jogar».

6        As marcas pedidas foram registadas em 15 de Abril de 1998.

7        Resulta do processo que a recorrente obteve, em 1998, o registo, como marca comunitária, de 23 marcas figurativas representando cartas de jogar espanholas ou símbolos que figuram nessas cartas, entre as quais as três marcas acima descritas.

8        Resulta também do processo que a recorrente era titular de direitos de autor, até 10 de Fevereiro de 2000, sobre a representação de todas as 48 cartas do baralho espanhol.

9        Em 7 de Fevereiro de 1999, a interveniente pediu que fosse declarada a nulidade destes registos por força do artigo 51.°, alíneas a) e b), do Regulamento n.° 40/94, porque, por um lado, os registos são abrangidos pelos motivos absolutos de recusa previstos no artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) a e), iii), do referido regulamento e, por outro, porque a recorrente agiu de má fé aquando da apresentação dos pedidos de marca.

10      Em 15 de Junho de 2000, a Divisão de Anulação rejeitou os pedidos de nulidade das marcas em causa, declarando que os registos tinham base jurídica e condenou a interveniente nas despesas.

11      Em 19 de Julho de 2000, a interveniente interpôs três recursos no IHMI, ao abrigo dos artigos 57.° a 62.° do Regulamento n.° 40/94.

12      Por decisões de 28 de Fevereiro de 2002 (processos R 771/2000‑2, R 770/2000‑2 e R 766/2000‑2) (a seguir «decisões impugnadas»), notificadas à recorrente em 9 de Março de 2002, a Segunda Câmara de Recurso deu provimento aos recursos da interveniente e anulou as decisões da Divisão de Anulação de 15 de Junho de 2000. A Câmara de Recurso considerou que os sinais em causa estavam tanto desprovidos de carácter distintivo, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, como eram descritivos, na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do mesmo regulamento, uma vez que são compreendidos pelo utilizador médio de cartas de jogar como representando características das cartas de jogar espanholas.

 Pedidos das partes

13      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular as decisões impugnadas;

–        condenar o IHMI nas despesas.

14      O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento aos recursos;

–        condenar a recorrente nas despesas.

15      A interveniente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        confirmar as decisões impugnadas;

–        declarar nulas as marcas comunitárias em causa;

–        condenar a recorrente nas despesas efectuadas pela interveniente nos processos de anulação e de recurso.

 Quanto à admissibilidade dos pedidos e dos fundamentos da interveniente

16      A recorrente alega que os pedidos e os fundamentos da interveniente não podem ser tomados em consideração pelo Tribunal de Primeira Instância na medida em que não visam a anulação ou a alteração das decisões impugnadas. Segundo a recorrente, o Tribunal não pode, ao mesmo tempo, confirmar as decisões impugnadas e julgar procedentes os pedidos de que declare a nulidade das marcas em causa devido a outros motivos de recusa além dos considerados nas decisões impugnadas.

17      A este propósito, o Tribunal de Primeira Instância lembra que, por força do artigo 134.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, os intervenientes dispõem dos mesmos direitos processuais que as partes principais. Podem intervir em apoio dos pedidos de uma parte principal e formular pedidos e invocar fundamentos autónomos em relação aos das partes principais. Por força do n.° 3 do mesmo artigo, os intervenientes podem, na resposta, formular pedidos de anulação ou de alteração da decisão da instância de recurso relativamente a pontos não suscitados na petição e apresentar fundamentos nela não invocados.

18      Por isso, a interveniente tinha o direito de apresentar pedidos e fundamentos distintos dos das partes principais. A interveniente concluiu a sua resposta nos seguintes termos: «Pede‑se, pois, ao Tribunal de Primeira Instância que confirme [as decisões impugnadas] na parte em que anularam a[s] decis[ões] da Primeira Divisão de Anulação; que declare nula[s] a[s] marca[s] [em causa] e que condene a [recorrente] nas despesas dos processos de anulação e de recurso da [interveniente].» Segundo a recorrente, não resulta expressamente dos pedidos da interveniente que a mesma queira que o Tribunal de Primeira Instância reforme ou altere as decisões impugnadas por aplicação do disposto no artigo 7.°, n.° 1, alíneas a), d) e e), iii), do Regulamento n.° 40/94 e, subsidiariamente, no artigo 51.°, n.° 1, alínea b), do mesmo regulamento.

19      Há que interpretar os pedidos da interveniente, expostos no n.° 62 das suas respostas, em conjugação com os n.os 8 e 9. Segundo o n.° 8, «[p]ede‑se ao Tribunal que confirme [as decisões impugnadas] na parte em que a[s] mesma[s] considerara[m] que o[s] sina[is] estava[m] desprovido[s] de carácter distintivo para designar cartas de jogar em toda a Comunidade, com base no artigo 7.°, [n.° 2], e [no artigo 7.°, n.° 1], [alíneas] b) e c), [do Regulamento n.° 40/94]; e que declare que a[s] marca[s] [são] nula[s] com base no artigo 7.°, [n.° 1], [alínea] a), [alíneas] d) e e), iii), do [Regulamento n.° 40/94] e, subsidiariamente, com base no artigo 51.°, [n.° 1], [alínea] b), do [Regulamento n.° 40/94]». De acordo com o n.° 9, «[c]ontudo, pede‑se ao Tribunal que altere a[s] decis[ões] [impugnadas] na parte em que considerou que o[s] sina[is] [têm] carácter distintivo em Espanha e, eventualmente, em Itália».

20      Resulta claramente dos articulados da interveniente referidos no n.° 19, supra, que esta se limita a contestar alguns dos motivos considerados pela Câmara de Recurso e a propor ao Tribunal de Primeira Instância que considere motivos complementares que justificam, em seu entender, que seja declarada a nulidade das marcas em causa. Ao mesmo tempo, a interveniente não contesta o alcance das decisões impugnadas, que declararam a nulidade das marcas. Por conseguinte, não se pode considerar que a interveniente tenha pedido a anulação das decisões impugnadas na acepção do artigo 63.° do Regulamento n.° 40/94.

21      Por outro lado, a interveniente pede, no essencial, que o Tribunal ordene ao IHMI que declare a nulidade das marcas em questão.

22      Recorde‑se, a este propósito, que, nos termos do artigo 63.°, n.° 6, do Regulamento n.° 40/94, o IHMI deve tomar as medidas necessárias à execução do acórdão do juiz comunitário. Por isso, não cabe ao Tribunal dirigir uma injunção ao IHMI para agir. Com efeito, incumbe a este tirar as consequências do dispositivo e dos fundamentos dos acórdãos do Tribunal [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Janeiro de 2001, Mitsubishi HiTec Paper Bielefeld/IHMI (Giroform), T‑331/99, Colect., p. II‑433, n.° 33; de 27 de Fevereiro de 2002, Eurocool Logistik/IHMI (EUROCOOL), T‑34/00, Colect., p. II‑683, n.° 12, e de 3 de Julho de 2003, Alejandro/IHMI – Anheuser‑Busch (BUDMEN), T‑129/01, Colect., p. II‑2251, n.° 22]. Os pedidos da interveniente de que o Tribunal ordene ao IHMI que declare a nulidade das marcas em questão são, portanto, inadmissíveis.

23      Por último, a interveniente pede que a recorrente seja condenada nas despesas do processo de anulação e de recurso.

24      Importa lembrar que, nos termos do artigo 136.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, as «despesas indispensáveis efectuadas pelas partes para efeitos do processo perante a instância de recurso e as despesas efectuadas com a produção das traduções das respostas ou outras peças processuais na língua de processo, nos termos do n.° 4, segundo parágrafo, do artigo 131.°, são consideradas despesas reembolsáveis». Daí resulta que as despesas efectuadas com o processo de nulidade não podem ser consideradas despesas reembolsáveis. Os pedidos da interveniente de condenação da recorrente nas despesas, na parte relativa às efectuadas com o processo de nulidade, devem ser declarados inadmissíveis.

 Quanto ao mérito

25      Em apoio dos seus recursos de anulação, a recorrente invoca dois fundamentos baseados, respectivamente, em violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e em violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do mesmo regulamento.

26      Importa começar pela apreciação do segundo fundamento.

 Quanto ao segundo fundamento, baseado em violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94

 Argumentos das partes

27      A recorrente sustenta que a proibição prevista no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 visa as indicações que são habitualmente utilizadas para descrever as características principais do produto ou do serviço, bem como as indicações que são razoavelmente susceptíveis de preencherem esta função de informação. Esta proibição tem assim como única finalidade evitar o registo de marcas de sinais ou de indicações que, devido à sua semelhança com meios que servem habitualmente para designar os produtos, serviços ou características destes, não permitem preencher a função de identificação das empresas que os comercializam.

28      No caso vertente, a Câmara de Recurso considerou, erradamente, que as marcas em questão são compostas exclusivamente por sinais descritivos das características dos produtos que visam. A recorrente considera que a Câmara de Recurso se limitou a estudar os naipes de espadas e de paus do jogo de cartas à luz das disposições do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94.

29      Ao fazê‑lo, a Câmara de Recurso não formulou um raciocínio autónomo e independente quanto à alegada violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 pelas marcas em causa.

30      Além disso, a Câmara de Recurso estendeu de um modo excessivo o âmbito de aplicação da proibição prevista nesta disposição. Os sinais que representam o valete de paus e o rei de espadas não são constituídos exclusivamente por elementos descritivos.

31      Com efeito, no que toca ao valete de paus, a marca contém um primeiro elemento alegadamente descritivo, no caso o pau que o valete empunha, e um segundo elemento que não pode, de modo algum, ser abrangido por esta definição, no caso o desenho do valete, adquirindo este mais importância e conferindo à marca um carácter singular e distintivo que vai além da dimensão alegadamente descritiva de cada elemento tomado isoladamente. As mesmas considerações valem para o desenho do rei de espadas, sendo o elemento alegadamente descritivo a espada empunhada pelo rei.

32      A Câmara de Recurso não tomou em consideração o facto de que os motivos que compõem as marcas em causa não são sinais que sirvam para identificar um tipo particular de produtos, tais como as cartas de jogar espanholas dos naipes de espadas ou de paus, mas antes que se trata de motivos singulares e particulares, de entre muitos outros, que servem para designar uma espada ou uma carta deste jogo. A recorrente observa que existem centenas de representações diferentes para identificar as dez ou doze cartas dos naipes de espadas ou de paus que fazem parte do jogo de cartas espanhol, que tem 40 ou 48 cartas. No que se refere à espada, o desenho que compõe a marca em causa não corresponde a nenhuma das cartas do jogo espanhol, porque se trata de um motivo de fantasia. Os documentos apresentados no IHMI demonstram não existir qualquer regra ou restrição quanto à forma, à cor ou aos pormenores que caracterizam as figuras do jogo de cartas espanhol.

33      A recorrente contesta a tese da Câmara de Recurso de que o público‑alvo que reside fora do território espanhol ou italiano reconhecerá as marcas como um dos naipes do jogo de cartas espanhol. Com efeito, é improvável que o público que reside fora dos territórios já referidos saiba que o jogo de cartas espanhol tem quatro naipes, entre os quais espadas e paus, e conheça as diferentes cartas do mesmo. De todo o modo, é improvável que o consumidor reconheça o aspecto do pau do valete de paus ou da espada do rei de espadas e estabeleça um nexo directo entre o sinal em causa e os diferentes naipes do jogo de cartas espanhol.

34      Segundo a recorrente, quando o utilizador potencial de cartas de jogar estiver perante as representações gráficas em causa, não considerará estes sinais como uma alusão a um dos naipes do jogo de cartas espanhol (tratando‑se do motivo que representa uma pequena espada) ou a uma das cartas do jogo espanhol (no caso dos símbolos que representam o valete de paus e o rei de espadas), antes os reconhecerá como sinais associados a um dado fabricante de cartas de jogar.

35      O IHMI sustenta que a Câmara de Recurso aplicou correctamente o Regulamento n.° 40/94, porque não considerou de modo algum que os dois motivos absolutos de recusa previstos no artigo 7.°, n.° 1, respectivamente alíneas b) e c), do referido regulamento sejam independentes nem negou que cada um destes motivos tenha um âmbito de aplicação próprio. Isso não obsta a que, a partir de uma mesma argumentação, a Câmara de Recurso tenha chegado à conclusão de que os sinais em questão entram no âmbito deste dois motivos absolutos de recusa.

36      Por conseguinte, a Câmara de Recurso entendeu correctamente que a espada simples e banal e as cartas simples e banais com a representação do valete de paus e do rei de espadas remetem imediata e directamente para os produtos que estes sinais devem identificar e concluiu correctamente que os sinais são descritivos, porque serão compreendidos pelo consumidor médio como representando as características das cartas de jogar espanholas.

37      A interveniente alega que as marcas em questão são constituídas exclusivamente por sinais que descrevem as características dos produtos em causa, a saber: carta de jogar do tipo espanhol do naipe de espadas e de valor 1; carta de jogar do tipo espanhol do naipe de paus e com a figura do valete; carta de jogar do tipo espanhol do naipe de espadas e com a figura do rei. Estes sinais não podem em caso algum ser reconhecidos como designando uma outra carta de jogar. Por conseguinte, o público‑alvo é imediatamente informado do tipo de produto (carta de jogar), da finalidade deste produto (elemento de um baralho de cartas de jogar) e da qualidade, da quantidade e do valor deste produto.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

38      Importa recordar que, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, será recusado o registo «[d]e marcas compostas exclusivamente por sinais ou indicações que possam servir, no comércio, para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica ou a época de fabrico do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dest[a]s». Além disso, o artigo 7.°, n.° 2, do mesmo regulamento dispõe que «[o] n.° 1 é aplicável mesmo que os motivos de recusa apenas existam numa parte da Comunidade».

39      O artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 impede que os sinais ou as indicações por ele visados sejam reservados a uma única empresa com base no seu registo como marca. Esta disposição prossegue, assim, um fim de interesse geral, que exige que esses sinais ou indicações possam ser livremente utilizados por todos (v., por analogia, acórdãos do Tribunal de Justiça de 4 de Maio de 1999, Windsurfing Chiemsee, C‑108/97 e C‑109/97, Colect., p. I‑2779, n.° 25; de 8 de Abril de 2003, Linde e o., C‑53/01 a C‑55/01, Colect., p. I‑3161, n.° 73; de 6 de Maio de 2003, Libertel, C‑104/01, Colect., p. I‑3793, n.° 52; de 12 de Fevereiro de 2004, Campina Melkunie, C‑265/00, ainda não publicado na Colectânea, n.° 35, e Koninklijke KPN Nederland, C‑363/99, ainda não publicado na Colectânea, n.° 95).

40      Os sinais e as indicações referidas no artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 são, assim, os que podem servir, numa utilização normal do ponto de vista do consumidor, para designar, seja directamente seja por referência a uma das suas características essenciais, um produto ou um serviço como aquele para o qual é pedido o registo (acórdão do Tribunal de Justiça de 20 de Setembro de 2001, Procter & Gamble/IHMI, C‑383/99 P, Colect., p. I‑6251, n.° 39).

41      A apreciação do carácter descritivo de um sinal só pode ser feita, por um lado, em relação aos produtos ou aos serviços para os quais é pedido o registo do sinal e, por outro, em relação à compreensão que dele tem um público‑alvo que é constituído pelo consumidor desses produtos ou serviços [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, DaimlerChrysler/IHMI (CARCARD), T‑356/00, Colect., p. II‑1963, n.° 25].

42      No caso vertente, há que notar, antes de mais, que os produtos designados pelas marcas em causa são cartas de jogar. É pacífico que se trata, designadamente, das chamadas cartas de jogar espanholas, correntemente utilizadas em Espanha, se bem que a recorrente pretenda também utilizar as marcas em causa para outros tipos de cartas de jogar.

43      Resulta do processo que o jogo de cartas espanhol («la baraja española») tem 40 ou 48 cartas, que vão do ás ao sete ou ao nove, seguido da dama («sota»), do valete («caballo») e do rei («rey»). Os quatro naipes são ouros («oros»), copas («copas»), paus («bastos») e espadas («espadas»).

44      É, portanto, indiscutível que duas das três marcas em questão representam duas das cartas espanholas: o valete de paus (processo T‑161/02) e o rei de espadas (T‑162/02). No que se refere à representação da espada (processo T‑160/02), ela não corresponde, enquanto tal, à representação de uma destas cartas, antes consiste num elemento, num símbolo, que é utilizado como representativo do naipe para as cartas de espadas. Não representa o valor 1 ou «ás» das cartas do naipe de espadas, contrariamente ao que alega a interveniente. Com efeito, resulta do processo que a carta que representa o ás de espadas é diferente do símbolo reproduzido no n.° 2, supra.

45      No que se refere ao público‑alvo, deve observar‑se que se trata de todos os consumidores potenciais, designadamente espanhóis, de cartas de jogar. Os produtos em causa destinam‑se ao consumo geral e não unicamente aos profissionais ou amadores de jogos de cartas, uma vez que qualquer pessoa é susceptível, num momento ou noutro, de adquirir tais produtos, quer regular quer pontualmente. Por conseguinte, o público‑alvo é o consumidor médio normalmente atento e informado, designadamente em Espanha.

46      Assim, importa, em primeiro lugar, para efeitos da aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, examinar se existe, do ponto de vista do público‑alvo, uma relação suficientemente directa e concreta entre as marcas figurativas que representam o valete de paus e o rei de espadas e as categorias de produtos para os quais o registo foi concedido [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, DaimlerChrysler/IHMI (TELE AID), T‑355/00, Colect., p. II‑1939, n.° 28].

47      A este propósito, há que salientar que os desenhos do valete de paus e do rei de espadas evocam directamente cartas de jogar para o público‑alvo, mesmo que uma parte deste público não conheça necessariamente as cartas de jogar espanholas. Com efeito, todos os que tenham jogado com qualquer tipo de cartas identificam nestes desenhos a representação de uma carta de jogar, uma vez que o rei e o valete são símbolos correntemente utilizados nas cartas de jogar. Esta conclusão não é infirmada pelo facto de a parte do público que não conhece as cartas de jogar espanholas não ser necessariamente capaz de estabelecer um nexo directo entre estes desenhos e o naipe e o valor específico de cada uma destas duas cartas.

48      De todo o modo, no espírito do público espanhol, os desenhos em questão designam directamente o naipe e o valor preciso de duas cartas de jogar espanholas. Com efeito, o consumidor potencial espanhol de cartas de jogar conhece cada um dos sinais em causa como alusivos a uma carta específica.

49      A este propósito, há que declarar que, muito embora existam numerosas representações diferentes que permitem identificar as cartas de um determinado naipe, como sustenta a recorrente, todas as empresas que fabricam e comercializam cartas de jogar espanholas utilizam necessariamente os símbolos do valete e do naipe de paus para identificar a carta que corresponde ao valor onze do naipe de paus ou os do rei e da espada para identificar a carta correspondente ao valor doze do naipe de espadas. Por conseguinte, o argumento da recorrente de que não existe qualquer regra ou restrição quanto à forma, ao naipe ou aos pormenores que caracterizam as figuras do jogo de cartas espanhol não pode ser acolhido.

50      Além disso, importa lembrar que embora o artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94 preveja que, para ser abrangida pelo motivo de recusa do registo aí referido, a marca deve ser composta «exclusivamente» por sinais ou indicações que possam servir para designar características dos produtos ou serviços em questão, o mesmo não exige, ao invés, que estes sinais ou indicações sejam um modo exclusivo de designação das referidas características (v., por analogia, acórdãos Campina Melkunie, já referido, n.° 42, e Koninklijke KPN Nederland, já referido, n.° 57). Por conseguinte, a possibilidade de desenhar um pouco diferentemente um valete, um rei, espadas ou paus nada retira ao facto de que as marcas em questão são descritivas de características das cartas de jogar.

51      Assim, designadamente para o público espanhol, existe uma relação directa e concreta entre as marcas em questão e as cartas de jogar.

52      Em segundo lugar, importa examinar se existe, do ponto de vista do público‑alvo, uma relação suficientemente directa e concreta entre a marca figurativa no que toca à representação da espada e as categorias de produtos para as quais o registo foi concedido.

53      Há que dizer que o consumidor potencial, utilizador das cartas de jogar, pelo menos em Espanha, compreenderá o sinal em questão como aludindo a um dos naipes do jogo de cartas espanhol. Assim, pelo menos para o público espanhol, existe um nexo directo e concreto entre a marca em questão e os produtos respectivos, isto é, as cartas de jogar.

54      Além disso, qualquer empresa que fabrique e comercialize cartas de jogar espanholas utiliza necessariamente o símbolo das espadas para identificar as cartas do naipe de espadas.

55      Uma vez que basta existir um motivo absoluto de recusa numa parte da Comunidade para justificar a recusa de registo de uma marca requerida, basta que a marca figurativa que consiste na representação de uma espada seja descritiva em Espanha.

56      Em terceiro lugar, contrariamente ao que alega a recorrente, o registo dos sinais em causa pode ter por efeito impedir o registo ou a utilização de outros desenhos de naipes de espadas ou de cartas de jogar correspondentes ao valete de paus e ao rei de espadas das cartas de jogar espanholas.

57      Nestas circunstâncias, importa sublinhar que as marcas em questão são descritivas das características dos produtos designados.

58      Quanto ao argumento da recorrente de que a Câmara de Recurso não expôs um qualquer raciocínio autónomo e independente quanto à alegada violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94, é de declarar que cada um dos motivos de recusa de registo enumerados no artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94 é independente dos outros e exige um exame separado. Além disso, há que interpretar os referidos motivos de recusa à luz do interesse geral subjacente a cada um deles. O interesse geral tomado em consideração no exame de cada um desses motivos de recusa pode, ou mesmo deve, reflectir considerações diferentes, consoante o motivo de recusa em causa (acórdãos do Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2004, Henkel/IHMI, C‑456/01 P e C‑457/01 P, ainda não publicado na Colectânea, n.os 45 e 46, e de 16 de Setembro de 2004, SAT.1/IHMI, C‑329/02 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 25).

59      No entanto, existe uma sobreposição evidente dos respectivos âmbitos de aplicação dos motivos enunciados no artigo 7.°, n.° 1, alíneas b) a d), do Regulamento n.° 40/94. Em especial, uma marca que seja descritiva das características de produtos ou serviços na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do referido regulamento é, por esse facto, necessariamente desprovida de carácter distintivo relativamente a esses mesmos produtos ou serviços na acepção da mesma disposição, alínea b). Uma marca pode, contudo, estar destituída de carácter distintivo relativamente a produtos ou a serviços por razões diferentes do seu eventual carácter descritivo (v., por analogia, acórdãos Campina Melkunie, já referido, n.os 18 e 19, e Koninklijke KPN Nederland, já referido, n.os 85 e 86).

60      No caso vertente, o facto de a Câmara de Recurso ter concluído que os sinais em questão estavam simultaneamente desprovidos de carácter distintivo na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e eram descritivos na acepção do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do mesmo regulamento, por serem compreendidos pelo utilizador médio destas cartas de jogar como representando características das cartas de jogar espanholas, não pode constituir violação do artigo 7.°, n.° 1, do Regulamento n.° 40/94. Contrariamente ao alegado pela recorrente na audiência, o raciocínio em que assentam as decisões impugnadas não é contrário aos princípios enunciados no acórdão SAT.1/IHMI, já referido, uma vez que se verifica a condição de aplicação do artigo 7.°, n.° 1, alínea c), do Regulamento n.° 40/94.

61      Por conseguinte, improcede o segundo fundamento invocado pela recorrente.

62      Nestas circunstâncias e uma vez que basta que um dos motivos absolutos de recusa enumerados se aplique para que o sinal não possa ser registado como marca comunitária [acórdão do Tribunal de Justiça de 19 de Setembro de 2002, DKV/IHMI, C‑104/00 P, Colect., p. I‑7561, n.° 29; acórdão Giroform, já referido, n.° 30, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Novembro de 2003, Quick/IHMI (Quick), T‑348/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 37], não há que examinar o primeiro fundamento da recorrente.

63      Assim, de todo o exposto resulta que deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

64      Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas efectuadas pelo IHMI e pela interveniente, à excepção das despesas efectuadas por esta no processo na Divisão de Anulação, em conformidade com os pedidos destes.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Terceira Secção)

decide:

1)      É negado provimento aos recursos.

2)      Os pedidos da interveniente de condenação da recorrente nas despesas são julgados inadmissíveis no que se refere às despesas efectuadas com o processo na Divisão de Anulação.

3)      A recorrente é condenada nas despesas efectuadas pelo Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) e quanto ao resto das despesas da interveniente.

4)      Os restantes pedidos da interveniente são julgados improcedentes.

Jaeger

Tiili

Czúcz

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 11 de Maio de 2005.

O secretário

 

      O presidente

H. Jung

 

      M. Jaeger


* Língua do processo: espanhol.