Language of document : ECLI:EU:T:2005:177

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

25 de Maio de 2005 (*)

«Marca comunitária – Processo de declaração de nulidade – Marca nominativa comunitária TELETECH GLOBAL VENTURES – Marca nominativa nacional TELETECH INTERNATIONAL – Direito de ser ouvido – Artigo 8.°, n.° 1, alínea b), e artigo 52.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento (CE) n.º 40/94»

No processo T‑288/03,

TeleTech Holdings, Inc., com sede em Denver, Colorado (Estados Unidos), representada por E. Armijo Chávarri e A. Castán Pérez‑Gómez, advogados,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por I. de Medrano Caballero e S. Laitinen, na qualidade de agentes,

recorrido,

sendo a outra parte no processo perante a Câmara de Recurso do IHMI, interveniente no Tribunal de Primeira Instância,

Teletech International SA, com sede em Paris (França), representada por J.‑F. Adelle e F. Zimeray,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão da Primeira Câmara de Recurso do IHMI, de 28 de Maio de 2003, rectificada (R 412/2001‑1), relativa ao processo de declaração de nulidade que opõe a Teletech International SA à TeleTech Holdings, Inc.,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Segunda Secção),

composto por: J. Pirrung, presidente, A. W. H. Meij e I. Pelikánová, juízes,

secretário: B. Pastor, secretária adjunta,

vista a petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 13 de Agosto de 2003,

vista a resposta do IHMI apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 16 de Dezembro de 2003,

vista a resposta da interveniente apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 9 de Janeiro de 2004,

vista a réplica apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 26 de Abril de 2004,

após a audiência de 30 de Novembro de 2004, em que a interveniente não participou,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 22 de Abril de 1999, a recorrente obteve o registo da marca nominativa comunitária TELETECH GLOBAL VENTURES no Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI).

2        A marca, cuja data de prioridade é 1 de Abril de 1996, designa, nomeadamente, serviços abrangidos pelas classes 35 e 38 do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, revisto e alterado. Estes serviços correspondem à seguinte descrição em cada uma das classes:

–        classe 35: «Serviços de atendimento telefónico; serviços de agência de emprego; serviços de publicidade; serviços de assistência na direcção de negócios que consistem em serviços de gestão de instalações e de selecção de locais e em serviços de cliente multimédia para clientes de outras empresas que fornecem serviços telefónicos, de correio electrónico e de rede informática mundial para dar assistência a outras empresas nas vendas dos seus produtos e serviços; serviços de contratação de pessoal e assistência na direcção de negócios e instalações em situações de emergência; assistência a outras empresas na oferta dos seus produtos e serviços, para venda ou aluguer, por telefone, por correio electrónico e por rede informática mundial; recepção e resposta a informações pedidas por clientes de outras empresas; fornecimento de assistência técnica a clientes que utilizam produtos de outras empresas; fornecimento de pessoal temporário»;

–        classe 38: «Serviços de telecomunicações.»

3        Em 29 de Setembro de 1999, a interveniente apresentou um pedido de anulação desta marca comunitária com base no artigo 55.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 13 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), alterado.

4        A marca anterior invocada em apoio do pedido de anulação é o sinal nominativo TELETECH INTERNATIONAL, pedido em 10 de Janeiro de 1996, e registado em França para designar os serviços seguintes, abrangidos pelas classes 35 e 38 do Acordo de Nice: «serviços de engenharia relacionados com a gestão de negócios comerciais ou publicitários e gestão de centros de relações com os clientes e/ou de chamadas telefónicas (gestão de ficheiros de clientes, de serviços, de encomendas, de assistência informática, de assistência técnica, organização de centros de chamadas telefónicas) e todos os serviços ligados ao que precede» (a seguir «marca francesa anterior»).

5        O pedido de anulação baseou‑se no artigo 52.°, n.° 1, alínea a), do Regulamento n.° 40/94 e visava todos os serviços designados pela marca anterior. Segundo a redacção do pedido, visava os serviços seguintes designados pela marca comunitária: «gestão de negócios comerciais para serviços de engenharia e centros de relações com os clientes e/ou de chamadas telefónicas» abrangidos pela classe 35, e «serviços de telecomunicações», abrangidos pela classe 38.

6        Por decisão de 22 de Fevereiro de 2001, a divisão de anulação deu provimento parcial ao pedido de anulação, baseando-se no artigo 52.°, n.° 1, alínea a), e no artigo 8.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Por consequência, a divisão de anulação anulou parcialmente a marca comunitária, ou seja, os serviços seguintes: «serviços de atendimento telefónico, serviços de assistência na direcção de negócios que consistem em serviços de gestão de instalações e de selecção de locais e em serviços de cliente multimédia para clientes de outras empresas que fornecem serviços telefónicos, correio electrónico e de rede informática mundial para dar assistência a outras empresas nas vendas dos seus produtos e serviços; assistência a outras empresas na oferta dos seus produtos e serviços, para venda ou aluguer, por telefone, correio electrónico e por rede informática mundial; recepção e resposta a informações pedidas por clientes de outras empresas», abrangidos pela classe 35, e «serviços de telecomunicações», abrangidos pela classe 38.

7        Em 23 de Abril de 2001, a recorrente interpôs recurso para o IHMI da decisão da divisão de anulação.

8        Por decisão da Primeira Câmara de Recurso do IHMI de 28 de Maio de 2003 (a seguir a «decisão impugnada»), o recurso foi julgado parcialmente procedente no que se refere aos «serviços de assistência na direcção de negócios que consistem em serviços de gestão de instalações e de selecção de locais», por considerar, em substância, que estes serviços não estavam abrangidos pelo pedido de anulação. Quanto ao mais, foi negado provimento ao recurso.

9        A Câmara de Recurso considerou que o público‑alvo era um público de profissionais franceses do sector comercial, cujo nível de atenção é superior ao do consumidor médio. Considerou, em substância, que, na percepção deste público, os sinais são semelhantes, pois o respectivo elemento dominante, que consiste na palavra «teletech», é idêntico. Além disso, os serviços objecto do pedido de anulação eram em parte idênticos e em parte similares. Assim, concluiu que havia um risco de confusão entre as marcas em conflito que justificava a anulação parcial da marca comunitária.

 Tramitação processual e pedidos das partes

10      A recorrente conclui pedindo ao Tribunal de Primeira Instância que anule a decisão impugnada, a título principal, por violação dos «princípios de coexistência e de comparação das marcas comunitárias com as marcas e sinais distintivos nacionais» e por violação dos direitos de defesa da recorrente e, a título subsidiário, por violação do artigo 8.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento n.º 40/94.

11      Na audiência, a recorrente pediu também ao Tribunal de Primeira Instância que condene o IHMI no pagamento das despesas.

12      O IHMI e a interveniente concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

13      Em apoio do seu recurso, a recorrente invoca, a título principal, dois fundamentos, o primeiro relativo à violação dos «princípios da coexistência e de comparação das marcas comunitárias com as marcas e sinais distintivos nacionais», o segundo relativo à violação dos direitos de defesa. A título subsidiário, a recorrente considera que a Câmara de Recurso violou o artigo 8.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento n.º 40/94.

 Quanto aos fundamentos invocados a título principal

 Quanto ao fundamento relativo à violação dos «princípios de coexistência e de comparação das marcas comunitárias com as marcas e sinais distintivos nacionais»

–       Argumentos das partes

14      A recorrente alega ser titular, desde 1992, de uma marca notoriamente conhecida, na acepção do artigo 6.º bis da Convenção de Paris para a Protecção da Propriedade Industrial, de 20 de Março de 1883, revista e modificada, na União Europeia e, portanto, em França. Esta marca notoriamente conhecida consiste no sinal nominal TELTECH GLOBAL VENTURES (a seguir «marca notoriamente conhecida»).

15      Segundo a recorrente, esta marca deve ser considerada prioritária relativamente à marca anterior em virtude da legislação francesa, do artigo 6.º bis da Convenção de Paris e do artigo 16.º do Acordo sobre os aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados com o comércio, de 15 de Abril de 1994 (JO 1994, L 336, p. 214, a seguir «acordo ADPIC»).

16      O princípio da coexistência das marcas comunitárias com as nacionais exige, segundo a recorrente, que, no quadro do processo de anulação da marca comunitária, seja tomado em conta este direito anterior à marca anterior francesa em causa. Na audiência, a recorrente precisou, em resposta a uma questão do Tribunal, que estas duas marcas coexistiram pacificamente no mercado francês e que não detectou qualquer razão para contestar a marca anterior francesa nos tribunais franceses.

17      A recorrente considera que o Regulamento n.º 40/94 deve ser interpretado em conformidade com o referido princípio de coexistência das marcas comunitárias com as nacionais. Esta interpretação implicaria uma aplicação por analogia do artigo 106.º do Regulamento n.º 40/94. Daí resultaria que a existência de uma marca notoriamente conhecida num Estado‑Membro e idêntica à marca comunitária impugnada pode ser invocada pelo titular destas duas marcas no quadro de um pedido de anulação da marca comunitária, quando a marca anterior em que se baseia o pedido de anulação estiver registada nesse mesmo Estado e a data de prioridade dessa marca anterior se situar entre a da marca notoriamente conhecida e a da marca comunitária impugnada.

18      Segundo a recorrente, no n.º 21 da decisão impugnada, a Câmara de Recurso admitiu expressamente a sua tese, ao indicar que o prestígio de uma marca pode ser invocado no quadro de um argumento destinado a demonstrar uma forma juridicamente eficaz de coexistência. Ora, contrariamente a esta afirmação, a Câmara de Recurso não analisou a existência do prestígio da marca notória invocado pela recorrente.

19      O IHMI refuta os argumentos da recorrente e afirma ainda que a recorrente, no processo administrativo perante a divisão de anulação e perante a Câmara de Recurso, não alegou nem comprovou a existência de um sinal distintivo notoriamente conhecido em França desde 1992.

20      Relativamente a este ponto, a recorrente responde que invocou, tanto nas suas observações apresentadas na divisão de anulação como no seu requerimento apresentado na Câmara de Recurso, que era a titular de um sinal distintivo notoriamente conhecido desde 1992 na União Europeia. Dado que o território relevante é o da França, a recorrente, por definição, só podia referir‑se à protecção deste sinal notoriamente conhecido no mercado francês.

21      A interveniente salienta que a marca francesa TELETECH INTERNATIONAL tem uma data de prioridade anterior à da marca comunitária em causa. A existência de uma pretensa marca notoriamente conhecida da recorrente não tem portanto relevância. Além disso, a interveniente contesta a existência desse direito anterior da recorrente.

–       Apreciação do Tribunal

22      O primeiro fundamento principal refere‑se a um argumento sobre o qual a Câmara de Recurso se pronunciou no n.º 21 da decisão impugnada. Este número tem a seguinte redacção:

«[It] is [of no] assistance to the [Community trade mark] proprietor to attempt to rely on a claimed reputation for its mark [TELETECH GLOBAL VENTURES], whether in countries outside or even inside the Member States of the European Community. As the proprietor of a Community trade mark registration, it is obliged to give way in cancellation proceedings to an earlier mark which is held to come within any one of the categories described in Article 52 [of Regulation n.º 40/94] unless reputation is claimed as part of an argument intended to demonstrate a legally effective form of co‑existence. This is not the case here.» («É inútil para o titular da [marca comunitária] tentar basear‑se no pretenso prestígio da sua marca [TELETECH GLOBAL VENTURES] em países terceiros ou mesmo em Estados‑Membros da Comunidade Europeia. Enquanto titular de uma marca comunitária, é obrigado a ceder, num recurso de anulação, perante uma marca anterior que cumpra os critérios de aplicação do artigo 52.° [do Regulamento n.° 40/94], salvo se o prestígio for invocado no quadro de uma argumentação que vise demonstrar uma forma legalmente efectiva de coexistência. Ora, não é esse o caso.»)

23      A título liminar, deve salientar‑se que a formulação utilizada pela Câmara de Recurso no n.º 21 da decisão impugnada parece incluir diversos aspectos diferentes. Em primeiro lugar, este número pode significar que a Câmara de Recurso considerou que a coexistência da marca anterior francesa com a marca notoriamente conhecida poderia influenciar a apreciação do risco de confusão, mas que a recorrente não se baseou em tal efeito. Em segundo lugar, pode ser interpretado no sentido de que a Câmara de Recurso considerou que a recorrente não indicou factos susceptíveis de demonstrar essa coexistência. Em terceiro lugar, é possível considerar que a Câmara de Recurso entendeu que a simples existência de uma marca notoriamente conhecida era irrelevante no quadro do processo de anulação que lhe foi submetido. Relativamente ao seu alcance assim destacado, a formulação do n.º 21 da decisão impugnada é muito sucinta.

24      Por força do artigo 73.º, primeira frase, do Regulamento n.º 40/94, as decisões do IHMI devem ser fundamentadas. Esta obrigação tem o mesmo alcance que a consagrada no artigo 235.° CE [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 28 de Abril de 2004, Sunrider/IHMI –Vitakraft‑Werke Wührmann e Friesland Brands (VITATASTE e METABALANCE 44), T‑124/02 e T‑156/02, Colect., p. II‑0000, n.º 72]. Trata‑se de uma questão de ordem pública de que o Tribunal pode conhecer oficiosamente.

25      Segundo jurisprudência constante, o dever de fundamentar as decisões individuais tem por objectivo permitir, por um lado, aos interessados conhecer as justificações da medida adoptada para defenderem os seus direitos e, por outro lado, ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão (acórdão VITATASTE e METABALANCE 44, já referido, n.º 73 e jurisprudência aí indicada). A fundamentação deverá explicitar, de forma clara e inequívoca, o raciocínio do autor do acto.

26      Ao aplicar estes critérios, o Tribunal de Primeira Instância considera que a decisão impugnada é suficiente para se compreender o raciocínio seguido pela Câmara de Recurso. Com efeito, mesmo que o alcance exacto do n.º 21 da decisão impugnada não seja fácil de determinar, não é menos certo que dele decorre claramente que a Câmara de Recurso considerou que, no caso em apreço, os argumentos baseados na existência de uma pretensa marca notoriamente conhecida não tinham qualquer consequência sobre o resultado da apreciação do risco de confusão. A substância deste raciocínio é suficientemente clara para que a recorrente o possa contestar. Não há, portanto, que anular a decisão impugnada por violação do dever de fundamentação.

27      Nos termos do artigo 52.°, n.º 1, alínea a), do Regulamento n.º 40/94, uma marca comunitária é declarada nula, a pedido apresentado no IHMI, quando exista uma marca anterior referida no artigo 8.°, n.º 2, do mesmo regulamento e que as condições enunciadas no artigo 8.°, n.º 1, alínea b), deste regulamento estejam preenchidas.

28      Nos termos do artigo 8.°, n.º 2, alíneas a), i) e ii), do Regulamento n.º 40/94, para o qual o artigo 52.°, n.º 1, alínea a), remete expressamente, deve entender‑se por «marca anterior», designadamente, as marcas comunitárias e as marcas registadas num Estado‑Membro ou no Instituto Benelux de Marcas, desde que a sua data de depósito seja anterior à da marca comunitária impugnada. Além disso, o artigo 8.°, n.º 2, alínea b), do Regulamento n.º 40/94 estabelece que, sob reserva do respectivo registo, os pedidos de marcas são igualmente considerados «marcas anteriores».

29      Embora o IHMI, no quadro do processo de anulação, seja obrigado a verificar a existência do direito anterior em que se baseia o pedido de anulação, nenhuma disposição do regulamento prevê que o IHMI proceda, quanto a ele, à análise prévia de causas de nulidade ou de prescrição susceptíveis de invalidar esse direito [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Outubro de 2002, Matratzen Concord/IHMI – Hukla Germany (MATRATZEN), T‑6/01, Colect., p. II‑4335, n.º 55]. Além disso, o Regulamento n.º 40/94 não prevê que a existência, no mesmo território, de uma marca cuja data de prioridade é anterior à da marca anterior, em que se baseia o pedido de nulidade e que é idêntica à marca comunitária impugnada, possa validar esta última, mesmo que exista uma causa de nulidade relativa da referida marca comunitária.

30      Por consequência, mesmo que se admita que a recorrente é titular, desde 1992, de uma marca notoriamente conhecida em França constituída pelo sinal nominativo TELETECH GLOBAL VENTURES, esta circunstância não tem qualquer consequência jurídica tendo em conta o teor do Regulamento n.º 40/94.

31      A recorrente opõe‑se a esta interpretação literal dos artigos 8.° e 52.° do Regulamento n.º 40/94, pois considera que esta conduz «a resultados absurdos», designadamente na medida em que o titular da marca notoriamente conhecida não conseguirá transformar a sua marca comunitária em marca nacional precisamente no país em que, devido à sua marca notoriamente conhecida, tem o direito de utilizar o referido sinal.

32      O Tribunal declara, em primeiro lugar, que o direito à pretensa marca notoriamente conhecida continua a ser protegido a nível nacional, qualquer que seja a decisão tomada no final do processo de anulação da marca comunitária impugnada. Assim, mesmo que a recorrente não possa transformar a marca comunitária em marca nacional francesa devido à existência da marca francesa anterior TELETECH INTERNATIONAL, poderá, de qualquer forma, utilizar uma marca anterior a esta de que é titular em França.

33      Deve salientar‑se, em segundo lugar, que, quando o titular da marca comunitária impugnada possui um direito anterior susceptível de invalidar a marca anterior em que se baseia o pedido de anulação, lhe cabe requerer, se for caso disso, à autoridade ou ao tribunal nacional competente, se assim o entender, a anulação desta marca.

34      Por conseguinte, o argumento segundo o qual o teor do Regulamento n.º 40/94 conduz a «resultados absurdos» deve ser rejeitado.

35      A recorrente considera ainda que a solução adoptada na decisão impugnada é contrária ao «princípio da coexistência de marcas comunitárias e nacionais», princípio que exige, segundo afirma, a aplicação analógica do artigo 106.° do Regulamento n.º 40/94 relativo à proibição do uso de marcas comunitárias.

36      A este respeito, deve salientar‑se que a situação regulada pelo artigo 106.° do Regulamento n.º 40/94 não é comparável à que está subjacente ao presente litígio. Resulta do teor desta disposição que ela apenas diz respeito «a acções […] por violação de direitos anteriores» (n.º 1) e a «acções que tenham por objectivo a proibição do uso de uma marca comunitária» (n.º 2). Não visa portanto o processo administrativo ou judicial que tenha por objecto o cancelamento do registo de uma marca impugnada. Assim, nos termos do artigo 106.°, n.º 1, do Regulamento n.º 40/94, a interveniente podia, se fosse caso disso, utilizar a sua marca anterior para intentar, em França, uma acção por contrafacção relativamente à marca comunitária impugnada. Em contrapartida, a questão de saber se a recorrente, por seu lado, se podia defender invocando a sua marca notoriamente conhecida é da competência exclusiva do direito interno francês. O artigo 106.° do Regulamento n.º 40/94 não contém qualquer disposição a este respeito e não permite, portanto, uma aplicação analógica.

37      Deve acrescentar‑se que o Regulamento n.º 40/94 não atribui ao IHMI, enquanto organismo comunitário, o poder de registar ou de invalidar as marcas nacionais. Esta competência só poderia ser atribuída ao IHMI por atribuição expressa do direito derivado e com a condição de essa atribuição de competência ser permitida pelo Tratado. Ora, impor ao IHMI que não aceitasse como marca anterior, na acepção do artigo 8.°, n.º 2, do Regulamento n.º 40/94, uma marca nacional existente A, por existir uma marca B cuja data de prioridade precede à da marca anterior, protegida no território desse mesmo Estado‑Membro, traduzir‑se‑ia em atribuir ao IHMI competência para invalidar, pelo menos nas relações entre as partes, esta marca anterior A sem a intervenção das autoridades nacionais competentes.

38      Daqui decorre que o argumento baseado na aplicação analógica do artigo 106.° do Regulamento n.º 40/94 deve ser rejeitado.

39      Por consequência, a eventual existência de uma marca notoriamente conhecida em França desde 1992, que consiste no sinal nominativo TELETECH GLOBAL VENTURES, não é, em princípio, relevante no quadro do processe de anulação em causa.

40      A recorrente alega ainda que este resultado está em contradição com o artigo 6.° bis da Convenção de Paris e com o artigo 16 do acordo ADPIC.

41      O artigo 6.° bis, n.º 1, da Convenção de Paris estabelece:

«Os países da União comprometem‑se a recusar ou invalidar, quer oficiosamente, se a lei do país o permitir, quer a pedido de quem nisso tiver interesse, o registo e a proibir o uso de marca de fábrica ou de comércio que constitua reprodução, imitação ou tradução, susceptíveis de estabelecer confusão, de uma marca que a autoridade competente do país de registo ou do uso considere que nele é notoriamente conhecida como sendo já marca de uma pessoa a quem a presente convenção aproveita e utilizada para produtos idênticos ou semelhantes. O mesmo sucederá quando a parte essencial da marca constituir reprodução de marca notoriamente conhecida ou imitação susceptível de estabelecer confusão com esta.»

42      O artigo 16.° do acordo ADPIC, intitulado «Direitos conferidos», tem a seguinte redacção:

«1.      O titular de uma marca registada disporá do direito exclusivo de impedir que qualquer terceiro, sem o seu consentimento, utilize no âmbito de operações comerciais sinais idênticos ou semelhantes para produtos ou serviços idênticos ou semelhantes àqueles relativamente aos quais a marca foi registada, caso essa utilização possa dar origem a confusão. No caso de utilização de um sinal idêntico para produtos ou serviços idênticos, presumir‑se‑á da existência de um risco de confusão. Os direitos acima descritos não prejudicarão quaisquer direitos anteriores existentes nem afectarão a possibilidade de os membros subordinarem a existência deles à utilização.

2.      O disposto no artigo 6.º bis da Convenção de Paris (1967) aplicar‑se‑á, mutatis mutandis, aos serviços. A fim de determinar se uma marca é notoriamente conhecida, os membros terão em conta o conhecimento da marca entre o público directamente interessado, incluindo o conhecimento existente no membro em questão que tenha resultado da promoção da marca.

3.      O disposto no artigo 6.º bis da Convenção de Paris (1967) aplicar‑se‑á, mutatis mutandis, aos produtos ou serviços que não sejam semelhantes àqueles relativamente aos quais uma marca foi registada, desde que a utilização dessa marca para esses produtos ou serviços indique a existência de uma relação entre esses produtos ou serviços e o titular da marca registada, e na condição de essa utilização ser susceptível de prejudicar os interesses do titular da marca registada.»

43      Como salientou, com razão, o IHMI, o artigo 8.º, n.º 2, alínea c), do Regulamento n.º 40/94 é conforme ao artigo 6.º bis da Convenção de Paris ao permitir ao titular de uma marca notoriamente conhecida, na acepção dessa disposição, opor‑se ou, nos termos do artigo 52.º do Regulamento n.º 40/94, invalidar o registo de uma marca comunitária posterior cujo uso implique um risco de confusão. Em contrapartida, o artigo 6.º bis da Convenção de Paris não exige que a propriedade de uma marca anterior notoriamente conhecida seja susceptível de validar uma marca registada do mesmo titular no quadro de uma acção de anulação contra o referido registo. Basta, para satisfazer os requisitos do artigo 6.º bis da referida convenção, que o titular de uma marca notoriamente conhecida possa apresentar um pedido de anulação de uma marca nacional posterior, baseando‑se no seu direito à marca notoriamente conhecida junto das autoridades nacionais competentes.

44      O artigo 16.º do acordo ADPIC também não é relevante no caso em apreço. O n.º 1 desta disposição, como o artigo 6.º bis da Convenção de Paris, atribui apenas ao titular de uma marca anterior o direito de impedir o uso de sinais idênticos ou semelhantes posteriores, mas não o direito de validar uma das suas marcas posteriores que seja impugnada por um pedido de anulação. Os n.os 2 e 3 dessa disposição estendem a aplicação do artigo 6.º bis da Convenção de Paris, sem modificarem o conteúdo normativo descrito no número anterior.

45      Resulta de tudo o que precede que a Câmara de Recurso não cometeu qualquer erro de direito ao afastar, por inoperante, o argumento da recorrente baseado na prioridade de uma pretensa marca notoriamente conhecida em França desde 1992.

46      Além disso, resulta dos autos que a recorrente também não demonstrou a existência da marca notoriamente conhecida de que é pretensamente titular.

47      No processo de anulação, a recorrente alegou, em primeiro lugar, ser titular de uma marca conhecida nos Estados Unidos. Esta afirmação foi reiterada num requerimento da recorrente de 16 de Fevereiro de 2000 e no processo na Câmara de Recurso.

48      O argumento baseado na existência de uma marca conhecida nos Estados Unidos é, no entanto, completamente irrelevante no quadro do presente litígio, visto que, de qualquer forma, uma marca notoriamente conhecida no mercado americano, na acepção do artigo 6.º bis da Convenção de Paris, não pode invalidar uma marca nacional francesa, mesmo posterior.

49      No que se refere à Comunidade Europeia, a recorrente limitou‑se a invocar, no recurso que interpôs da decisão da divisão de anulação de 22 de Junho de 2001, o seguinte:

«A TeleTech Holdings, Inc. has used the trademark TELETECH GLOBAL VENTURES and parts thereof in the European Union since at least as early as 1992.

TeleTech Europe (TeleTech Holidngs, Inc.’s European arm) has grown to 10 costumer interaction centers including physical sites in the U.K., Spain and Germany employing 4 700 and serving more than 80 clients in 15 European nations. Its total EU revenues in 2000 amounted to US$ 82 700 000.00, a full 10,7% of its worldwide revenues of US$ 885 000 000,00. As a result of its earnings and growth, and its listing on the NASDAQ stock exchange since 1996 TeleTech Holdings and its names and marks enjoy worldwide recognition.»

(«TeleTech Holdings, Inc. utiliza a marca TELETECH GLOBAL VENTURES e elementos desta na União Europeia desde pelo menos 1992.

TeleTech Europe (a filial europeia da TeleTech Holdings, Inc.) expandiu‑se e possui dez centros de relações de clientela, incluindo instalações físicas no Reino Unido, Espanha e Alemanha, empregando 4 700 pessoas e servindo mais de 80 clientes em quinze países europeus. Em 2000, o seu volume de negócios realizado na Europa foi de 82 700 000 USD, ou seja, 10,7% do seu volume de negócios mundial que foi de 885 000 000 USD. Devido aos seus lucros, ao seu crescimento e à sua inscrição no índice NASDAQ em 1996, a TeleTech Holdings bem como os seus nomes e marcas gozam de prestígio mundial.»)

50      O Tribunal declara, em primeiro lugar, que este texto não faz qualquer referência ao território francês. Além disso, embora decorra do parágrafo citado que a recorrente tem clientes em quinze países europeus, não é possível daí inferir que a França é um deles. O facto de a recorrente estar activa no território da União Europeia não significa necessariamente que seja titular de uma marca notoriamente conhecida na totalidade desse território, incluindo a França. Além disso, a extensa actividade da recorrente, mesmo que abrangesse a totalidade do território comunitário, não implica automaticamente o conhecimento de uma marca TELETECH GLOBAL VENTURES pelo público no mercado comunitário ou, mais especificamente, no mercado francês.

51      Assim, mesmo admitindo que as afirmações da recorrente sejam exactas, delas não decorre a existência de uma marca notoriamente conhecida em França desde 1992. Conclui‑se que a recorrente não apresentou factos que permitam concluir pela existência de uma marca TELETECH GLOBAL VENTURES notoriamente conhecida em França.

52      Quanto à questão de saber se a recorrente pôde apresentar todos os factos e provas úteis para demonstrar a existência da marca notoriamente conhecida invocada na resposta ao pedido de anulação, é uma questão que não integra o presente fundamento, mas sim o da violação dos direitos de defesa.

53      Resulta do que precede que o primeiro fundamento não é procedente, devendo, portanto, ser rejeitado.

 Quanto ao fundamento relativo à violação dos direitos de defesa

–       Argumentos das partes

54      A recorrente considera que, se a Câmara de Recurso não ficou convencida de que a marca notoriamente conhecida TELETECH GLOBAL VENTURES existia no mercado francês, devia tê‑la convidado a apresentar a prova desse facto ou a desenvolver a sua argumentação. A Câmara de Recurso violou os direitos de defesa da recorrente bem como o princípio de continuidade funcional entre as Câmaras de Recurso e as instâncias do IHMI que decidem em primeira instância, como consagrado, designadamente, no acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 23 de Setembro de 2003, Henkel/IHMI‑LHS (UK) (KLEENCARE) (T‑308/01, Colect., p. II‑3253).

55      O IHMI sublinha que a recorrente teve a oportunidade de apresentar todas as provas que considerava necessárias e relevantes em apoio dos diferentes fundamentos invocados nas observações que apresentou em resposta ao pedido de anulação.

–       Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

56      Por força do artigo 73.º, segundo período, do Regulamento n.º 40/94, as decisões do IHMI só podem basear‑se em motivos a respeito dos quais as partes tenham podido pronunciar‑se.

57      Estes motivos podem ser apresentados não apenas pelo IHMI mas também por qualquer parte no processo.

58      No caso concreto, a Câmara de Recurso considerou, no n.º 21 da decisão impugnada, que o pretenso prestígio da marca TELETECH GLOBAL VENTURES em França era irrelevante.

59      A recorrente teve efectivamente a possibilidade de tomar posição sobre esta questão.

60      Em primeiro lugar, foi a recorrente que invocou o argumento baseado na pretensa existência de uma marca notoriamente conhecida TELETECH GLOBAL VENTURES. Assim, tivera já a possibilidade de expor todos os elementos de facto ou de direito que lhe pareceram úteis para esse efeito.

61      Em segundo lugar, a interveniente alegou, no quadro do processo de anulação, que, em sua opinião, a recorrente não produziu a prova de que a marca TELETECH GLOBAL VENTURES fosse conhecida em França. Por carta de 14 de Junho de 2000, o IHMI convidou a recorrente a tomar posição sobre as observações da interveniente, o que a recorrente fez por documento de 14 de Agosto de 2000, sem que, no entanto, tenha apresentado elementos de prova suplementares.

62      Além disso, na medida em que o fundamento deva ser interpretado no sentido de que censura o IHMI por não ter examinado oficiosamente o argumento baseado na preexistência de uma marca notoriamente conhecida, ou de não ter convidado a recorrente a apresentar mais provas a esse respeito, deve acrescentar‑se o seguinte.

63      Em primeiro lugar, como resulta do n.º 45 supra, a questão de saber se existe ou não uma marca notoriamente conhecida TELETECH GLOBAL VENTURES, anterior à marca anterior TELETECH INTERNATIONAL, é destituída de relevância para a solução do presente litígio. Segue‑se que o IHMI não era obrigado examiná‑la.

64      Em segundo lugar, nos termos do artigo 74.º, n.º 1, in fine, do Regulamento n.º 40/94, num processo referente a motivos relativos de recusa de registo, o exame do IHMI está limitado aos fundamentos invocados e aos pedidos apresentados pelas partes.

65      Embora o teor desta disposição possa eventualmente ser interpretado no sentido de que apenas visa os processos de oposição, as causas de nulidade relativa, consagradas no artigo 52.º do Regulamento n.º 40/94, remetem expressamente para o artigo 8.º do mesmo regulamento, o qual define os motivos relativos de recusa de registo. Como os motivos relativos de recusa de registo nos processos de oposição, as causas de nulidade relativa só são examinadas pelo IHMI a pedido do titular da marca anterior em causa. Por consequência, o processo de anulação com base numa causa de nulidade relativa é, em princípio, regido pelos mesmos princípios que os processos de oposição. Há que, designadamente, deixar às partes o ónus de carrear os elementos de facto e de prova úteis. Por conseguinte, o artigo 74.º, n.º 1, in fine, do Regulamento n.º 40/94 aplica‑se igualmente aos processos de anulação com base numa causa de nulidade relativa por força do artigo 52.° do mesmo regulamento.

66      Resulta do artigo 74.º, n.º 1, in fine, do Regulamento n.º 40/94 que o IHMI não é obrigado a tomar em consideração, oficiosamente, factos que não tenham sido invocados pelas partes. Decorre dos n.os 46 a 51 supra que a recorrente não demonstrou, nem sequer alegou, a existência em França de uma marca notoriamente conhecida desde 1992.

67      Daqui decorre que o IHMI não era obrigado a examinar oficiosamente se a recorrente era titular de uma marca notoriamente conhecida em França, anterior à marca francesa TELETECH INTERNATIONAL.

68      O argumento invocado na réplica, baseado no princípio da continuidade funcional, é, neste contexto, inoperante.

69      Segundo o acórdão KLEENCARE, já referido, decorre do princípio da continuidade funcional entre as Câmaras de Recurso e as unidades do IHMI que decidem em primeira instância que aquelas são obrigadas a examinar, à luz de todos os elementos de direito e de facto relevantes, se uma nova decisão com a mesma parte decisória que a decisão objecto de recurso pode ou não ser legalmente tomada no momento em que se pronuncia sobre o recurso (acórdão KLEENCARE, já referido, n.º 29). Em contrapartida, no quadro dos processos referentes a motivos relativos de recusa de registo ou a causas de nulidade relativas, a continuidade funcional não implica nem a obrigação nem mesmo a possibilidade de a Câmara de Recurso alargar o seu exame de uma causa de nulidade relativa a factos, provas ou fundamentos que as partes não invocaram nem na divisão de anulação nem na Câmara de Recurso. Ora, como decorre dos n.os 46 a 51 supra, a recorrente não invocou nenhum elemento de facto nem apresentou prova suficiente para permitir à Câmara de Recurso poder concluir pela existência em França de uma marca notoriamente conhecida TELETECH GLOBAL VENTURES.

70      Por consequência, sendo o segundo fundamento igualmente improcedente, há que rejeitar os fundamentos a título principal pela recorrente e examinar o fundamento a título subsidiário.

 Quanto ao fundamento invocado a título subsidiário, relativo à violação do artigo 8.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento n.º 40/94

 Argumentos das partes

71      A recorrente admitiu, na audiência, que o público relevante era constituído por profissionais franceses do sector comercial.

72      A recorrente alega que os serviços designados pelas marcas em causa não são idênticos, porque o teor da lista dos produtos também não o é. Reconhece, no entanto, que são «próximos».

73      A recorrente considera que os sinais em causa são suficientemente diferentes para excluírem um risco de confusão no espírito do público relevante. Em primeiro lugar, embora a palavra «teletech» esteja presente nos dois sinais, as palavras «global ventures», por um lado, e «international», por outro, são inteiramente diferentes nos planos visual e fonético. Além disso, a palavra «teletech» está escrita com os mesmos caracteres utilizados nas outras palavras, de forma que estes não podem ser considerados subsidiários no plano visual. Em segundo lugar, a recorrente considera que os sinais são diferentes no plano conceptual. Embora a palavra francesa «international» tenha o mesmo significado que a palavra inglesa, a palavra francesa «global» não significa «international», mas antes «completo [ou] total». A recorrente concede, no entanto, que estas palavras podem ter uma certa semelhança conceptual. Contudo, segundo a recorrente, essa semelhança desaparece devido ao facto de o público francês não compreender a palavra inglesa «ventures». Sendo a palavra «ventures» em francês um termo de fantasia, deve ser considerado o elemento dominante do sinal nominativo TELETECH GLOBAL VENTURES.

74      O IHMI e a interveniente refutam os argumentos da recorrente e adoptam, em substância, o ponto de vista da Câmara de Recurso.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

75      A causa de nulidade relativa resultante do artigo 52.º, n.º 1, alínea a), lido em conjugação com o artigo 8.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento n.º 40/94 corresponde ao motivo relativo de recusa de registo consagrado nesta última disposição. Por conseguinte, a jurisprudência relativa ao risco de confusão, na acepção do artigo 8.º, n.º 1, alínea b), deste regulamento, é igualmente pertinente no presente contexto [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de 9 de Julho de 2003, Laboratorios RTB/IHMI – Giorgio Beverly Hills (GIORGIO AIRE), T‑156/01, Colect., p. II‑2789, n.os 61 a 64].

76      Segundo jurisprudência constante, constitui risco de confusão o risco de que o público possa crer que os produtos ou serviços em causa provêm da mesma empresa ou, eventualmente, de empresas ligadas economicamente.

77      Segundo esta mesma jurisprudência, o risco de confusão deve ser apreciado globalmente, segundo a percepção que o público relevante tem dos sinais e dos produtos ou dos serviços em causa e tendo em conta todos os factores relevantes do caso em apreço, designadamente, a interdependência entre a semelhança dos sinais e a dos produtos ou serviços designados [v. acórdão do Tribunal de 9 de Julho de 2003, Laboratorios RTB/IHMI – Giorgio Beverly Hills (GIORGIO BEVERLY HILLS), T‑162/01, Colect., p. II‑2821, n.os 31 a 33, e jurisprudência citada].

–       Quanto ao público‑alvo

78      As partes estão de acordo quanto ao facto de que os consumidores dos serviços designados pelas marcas em causa são dirigentes ou quadros de pequenas ou grandes empresas em França.

79      O Tribunal considera, à semelhança do IHMI, que os consumidores visados têm um conhecimento do inglês superior à média, tendo em conta o facto de esta língua ser hoje largamente utilizada nos meios de negócios.

–       Quanto à semelhança dos serviços

80      A recorrente não contesta seriamente que os serviços em causa sejam pelo menos semelhantes.

81      No que diz respeito aos «serviços de atendimento telefónico, serviços telefónicos para dar assistência a outras empresas nas vendas dos seus produtos e serviços, assistência a outras empresas na oferta dos seus produtos e serviços, para venda ou aluguer, por telefone, a recepção e resposta a pedidos de clientes de outras empresas formulados por telefone», designados pela marca comunitária, a recorrente não precisou em que é que estes serviços não eram idênticos aos serviços de «gestão de centros de relações com os clientes e/ou de chamadas telefónicas (gestão de ficheiros de clientes, de serviços, de encomendas, de assistência informática, de assistência técnica, organização de centros de chamadas telefónicas)», designados pela marca anterior francesa TELETECH INTERNATIONAL. O simples facto de o teor da lista dos serviços não ser o mesmo não é suficiente para demonstrar a falta de identidade dos serviços, a menos que daí resulte à primeira vista e sem necessidade de explicações suplementares que não se trata da mesma actividade.

82      O Tribunal considera que, pelas razões expostas nos n.os 30 e 42 da decisão impugnada, o teor das listas dos serviços em causa não exclui, à primeira vista, que se trate de actividades idênticas. Assim, não tendo a recorrente apresentado argumentos em apoio da sua acusação, esta deve ser rejeitada.

–       Quanto à semelhança dos sinais

83      Como resulta de jurisprudência constante, a apreciação global do risco de confusão, no que se refere à semelhança visual, fonética ou conceptual dos sinais em conflito, deve basear‑se na impressão de conjunto por eles produzida, tendo em conta, designadamente, os seus elementos distintivos e dominantes [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Outubro de 2003, Phillips‑Van Heusen/IHMI – Pash Textilvertrieb und Einzelhandel (BASS), T‑292/01, Colect., p. II‑4335, n.º 47, e jurisprudência citada].

84      No plano visual, a primeira palavra dos sinais em causa, ou seja, «teletech», é idêntica. As palavras seguintes («global ventures» e «international») são diferentes. Uma certa preponderância do termo «teletech» decorre do facto de se tratar da primeira palavra numa sequência de palavras relativamente longa, de forma que o grau de atenção do consumidor é mais elevado quando apreende o início dos sinais do que quando lê a sua parte final. Em contrapartida, o comprimento dos dois sinais e, designadamente, das palavras «global ventures» e «international» diminui o peso da palavra «teletech» na impressão visual global dos sinais.

85      A mesma conclusão é válida, mutatis mutandis, para a impressão fonética global produzida pelas duas marcas.

86      No que se refere à semelhança conceptual, o Tribunal recorda que, regra geral, o público não considera o elemento descritivo de uma marca complexa como o elemento distintivo e dominante na impressão de conjunto por ela produzida [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 3 de Julho de 2003, Alejandro/IHMI – Anheuser Busch (BUDMEN), T‑129/01, Colect., p. II‑2251, n.º 53]. Contudo, em presença de vários elementos mais ou menos evocativos ou descritivos dos produtos ou dos serviços designados por uma marca complexa, não se exclui que um desses elementos, mesmo evocativo ou descritivo, não seja mesmo assim apreendido como elemento dominante, se os outros elementos do sinal ainda forem menos característicos do que aquele.

87      No caso concreto, o Tribunal observa, em primeiro lugar, que os elementos «tele» e «tech» aludem respectivamente ao prefixo «télé» presente, designadamente, nas palavras «télécomunications» e «téléphone», assim como na palavra francesa «technologie». Por conseguinte, a palavra «teletech» é, em certa medida, evocadora dos serviços designados pelas marcas em causa.

88      Contudo, isto não altera o facto de a palavra «teletech» ser um termo de fantasia sem significado concreto. Não se exclui, portanto, que este termo constitua o elemento dominante dos sinais.

89      No que se refere à marca francesa anterior, consiste num termo de fantasia («teletech») e na palavra «international». Esta existe, com significado idêntico, tanto em francês como em inglês. Por consequência, será apreendida, pelo público visado, como um elemento descritivo que indica o carácter internacional da prestação de serviços ou da clientela a que se destinam. Assim, na marca anterior, o elemento preponderante é a palavra «teletech».

90      Quanto à marca comunitária, deve salientar‑se que a palavra «global» tem dois significados em francês. O primeiro corresponde a «completo [ou] total». O segundo é um anglicismo que significa «mundial». O segundo significado tem evidentemente um conteúdo conceptual próximo do da palavra «internacional». Qualquer que seja a compreensão do termo pelo consumidor alvo, o significado da palavra «global» não é apto para constituir o elemento dominante do sinal TELETECH GLOBAL VENTURES uma vez que, em qualquer hipótese, se trata de um elemento descritivo.

91      Ora, segundo a recorrente, o termo «ventures» constitui o elemento dominante do sinal. Mas esta tese não é convincente.

92      Em primeiro lugar, a palavra «venture» é um termo corrente na linguagem económica, que é particularmente permeável aos anglicismos. A expressão «joint venture» ou «joint‑venture» é normalmente conhecida pelo público pertinente. Por conseguinte, mesmo que o consumidor dos serviços em causa não conheça o significado exacto da palavra inglesa «ventures», atribuir‑lhe‑á um sentido aproximadamente correspondente aos termos «projecto» ou «empresa».

93      Em segundo lugar, como a palavra «ventures» não existe em francês, o público‑alvo apreenderá a marca como sendo uma sequência de palavras estrangeiras, ou mesmo inglesas. Com efeito, o uso de marcas compostas por palavras inglesas é particularmente frequente. Os empresários e quadros franceses visados que têm conhecimentos de inglês suficientes para saber que, nesta língua, o adjectivo não vem depois do substantivo, mas, em regra, antes, entenderão a palavra «global» como sendo reportada ao termo «ventures».

94      Daqui decorre que as palavras «global ventures» são entendidas como significando aproximadamente «projectos mundiais, empresas mundiais». Trata‑se de um significado descritivo da natureza ou do destino dos serviços, mesmo que o sentido concreto permaneça vago. O consumidor decomporá portanto o sinal comunitário em «teletech», por um lado, e «global ventures», por outro.

95      Em terceiro lugar, estando a palavra «ventures» posicionada no final do sinal, não se presta, no caso concreto, a que o consumidor a entenda como sendo o elemento que caracteriza a marca.

96      Decorre de tudo o que precede que a palavra «teletech» será apreendida, pelos consumidores visados, como sendo o elemento dominante da marca comunitária e da marca anterior francesa. Assim, a Câmara de Recurso considerou, com razão, que os dois sinais são semelhantes.

–       Quanto ao risco de confusão

97      Sendo os serviços designados pelas marcas em causa parcialmente idênticos e parcialmente semelhantes e os sinais em conflito igualmente semelhantes, a Câmara de Recurso concluiu sem incorrer em erro de direito que existia um risco de confusão entre as marcas em causa. Com efeito, um consumidor, confrontado com as marcas em questão, reterá delas sobretudo a palavra «teletech», presente nos dois sinais em conflito e que figura no início de ambos. Assim, o consumidor poderá confundi‑los directamente.

98      Esta conclusão não é posta em causa pela pretensa preexistência de uma marca notoriamente conhecida da recorrente, independentemente da questão de saber se essa preexistência é susceptível de influir no risco de confusão.

99      Por um lado, a recorrente, no quadro do seu fundamento subsidiário, não se baseou nesse argumento. Invocou a coexistência das marcas em confronto apenas no quadro do primeiro fundamento.

100    Por outro, mesmo que o primeiro fundamento devesse ser entendido no sentido de que visa igualmente a apreciação do risco de confusão, deve observar‑se que a existência desse prestígio anterior da marca TELETECH GLOBAL VENTURES não foi demonstrada pela recorrente no processo perante o IHMI, como decorre dos n.os 46 a 51 e 56 a 69 supra, embora tenha tido a oportunidade de apresentar todos os factos e provas que considerasse úteis para esse efeito.

101    Por consequência, deve ser igualmente rejeitado o fundamento subsidiário da recorrente.

102    Não sendo procedentes os fundamentos invocados pela recorrente, deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

103    Por força do disposto no artigo 87.°, n.º 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas, se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos do IHMI e da interveniente.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Segunda Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A recorrente é condenada nas despesas.

Pirrung

Meij

Pelikánová

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 5 de Maio de 2005.

O secretário

 

       O presidente

H. Jung

 

       J. Pirrung

Índice


Antecedentes do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto aos fundamentos invocados a título principal

Quanto ao fundamento relativo à violação dos «princípios de coexistência e de comparação das marcas comunitárias com as marcas e sinais distintivos nacionais»

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal

Quanto ao fundamento relativo à violação dos direitos de defesa

– Argumentos das partes

– Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto ao fundamento invocado a título subsidiário, relativo à violação do artigo 8.º, n.º 1, alínea b), do Regulamento n.º 40/94

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

– Quanto ao público‑alvo

– Quanto à semelhança dos serviços

– Quanto à semelhança dos sinais

– Quanto ao risco de confusão

Quanto às despesas


* Língua do processo: espanhol.