Language of document : ECLI:EU:C:2005:87

C1203PTARRPVConversion2-30DEFEDIÇÃO PROVISÓRIA DE 17/01/20050Document13.0.1 3/05/2005 20:15:42JP@TRA-DOC-PT-ARRET-C-0012-2003-200407824-05_00«»
ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

15 de Fevereiro de 2005 (NaN)

«Recurso de decisão do Tribunal de Primeira Instância – Concorrência – Regulamento (CEE) n.° 4064/89 – Decisão que declara incompatível com o mercado comum uma concentração de tipo ‘conglomerado’ – Efeito de alavanca – Extensão da fiscalização jurisdicional – Elementos a tomar em consideração – Compromissos de comportamento»

No processo C‑12/03 P,

que tem por objecto um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância nos termos do artigo 49.° do Estatuto (CE) do Tribunal de Justiça, entrado em 8 de Janeiro de 2003,

Comissão das Comunidades Europeias, representada por M. Petite, A. Whelan e P. Hellström, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Tetra Laval BV, com sede em Amesterdão (Países Baixos), representada por A. Vandencasteele, D. Waelbroeck e M. Johnsson, advocaten, bem como por A. Weitbrecht e S. Völcker, Rechtsanwälte,

recorrente em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: P. Jann, presidente da Primeira Secção, exercendo funções de presidente, C. W. A. Timmermans e A. Rosas (relator), presidentes de secção, C. Gulmann, J.‑P. Puissochet, R. Schintgen, N. Colneric, S. von Bahr e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado‑geral: A. Tizzano,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 27 de Janeiro de 2004,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral apresentadas na audiência de 25 de Maio de 2004,

profere o presente

Acórdão

1
Com o presente recurso, a Comissão das Comunidades Europeias pede a anulação do acórdão do Tribunal de Primeira Instância das Comunidades Europeias de 25 de Outubro de 2002, Tetra Laval/Comissão (T‑5/02, Colect., p. II‑4381, a seguir «acórdão recorrido»), através do qual o Tribunal de Primeira Instância anulou a Decisão 2004/124/CE da Comissão, de 30 de Outubro de 2001, que declara uma operação de concentração incompatível com o mercado comum e com o Acordo EEE (Processo COMP/M.2416 – Tetra Laval/Sidel) (JO 2004, L 43, p. 13, a seguir «decisão controvertida»).


O Regulamento (CEE) n.° 4064/89

2
O artigo 2.° do Regulamento (CEE) n.° 4064/89 do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, relativo ao controlo das operações de concentração de empresas (JO L 395, p. 1, rectificado no JO 1990, L 257, p. 13), na versão resultante do Regulamento (CE) n.° 1310/97 do Conselho, de 30 de Junho de 1997 (JO L 180, p. 1, a seguir «regulamento»), dispõe:

«1.    As operações de concentração abrangidas pelo presente regulamento serão apreciadas de acordo com as disposições que se seguem, com vista a estabelecer se são ou não compatíveis com o mercado comum.

Nessa apreciação, a Comissão terá em conta:

a)
A necessidade de preservar e desenvolver uma concorrência efectiva no mercado comum, atendendo, nomeadamente, à estrutura de todos os mercados em causa e à concorrência real ou potencial de empresas situadas no interior ou no exterior da Comunidade;

b)
A posição que as empresas em causa ocupam no mercado e o seu poder económico e financeiro, as possibilidades de escolha de fornecedores e utilizadores, o seu acesso às fontes de abastecimento e aos mercados de escoamento, a existência, de direito ou de facto, de barreiras à entrada no mercado, a evolução da oferta e da procura dos produtos e serviços em questão, os interesses dos consumidores intermédios e finais, bem como a evolução do progresso técnico e económico, desde que tal evolução seja vantajosa para os consumidores e não constitua um obstáculo à concorrência.

2.      Devem ser declaradas compatíveis com o mercado comum as operações de concentração que não criem ou não reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste.

3.      Devem ser declaradas incompatíveis com o mercado comum as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste.

[...]»


A decisão controvertida

3
Resulta da decisão controvertida que são utilizadas quatro tipos de embalagens para os líquidos alimentares: as embalagens em cartão e em plástico (sendo os materiais o polietileno tereftalato, a seguir «PET», e o polietileno de alta densidade, a seguir «PEAD»), a embalagem metálica e as embalagens em vidro. Vários factores determinam o tipo de embalagem utilizada para um produto. As características técnicas do produto, as do material de embalagem e as da técnica de embalagem são, a este respeito, elementos importantes.

4
Os produtos mais especialmente visados pela decisão controvertida são os produtos ditos «sensíveis». Trata‑se do leite e dos produtos lácteos líquidos (a seguir «PLL»), dos sumos de frutas e dos néctares, das bebidas não gasosas com aromas de frutas (a seguir «BAF») e das bebidas à base de chá ou café. Segundo os casos, estes produtos devem ser protegidos da luz, como o leite, ou do oxigénio, como os sumos de frutas e, em menor medida, as BAF e as bebidas à base de chá ou café. Sendo o PET uma resina porosa ao oxigénio e que deixa passar a luz, é menos adequado para estes produtos do que o cartão. No entanto, estão em curso pesquisas tecnológicas no que respeita aos tratamentos ditos «barreira», ou seja, aqueles que permitem assegurar uma protecção contra o oxigénio e a luz.

5
A técnica de embalagem também é um elemento importante para a escolha da embalagem. Determinados produtos ácidos, como o leite e os sumos de frutas, devem, com efeito, ser embalados em condições de assepsia que, a não se verificarem, obrigam a que sejam distribuídos refrigerados. Ora, resulta dos autos que a embalagem deste tipo de produto em cartão permite preservar melhor as condições de assepsia, desde que a operação de embalagem seja efectuada numa só etapa pela empresa produtora do líquido alimentar em questão. Na maior parte dos casos, essa empresa possui uma linha de embalagem integrada. Compra o cartão em rolos e procede ao corte, à formatação, ao enchimento e ao fecho da embalagem.

6
No entanto, a embalagem de um produto líquido em PET é efectuada a maioria das vezes em várias etapas, o que dificulta o respeito das condições de assepsia. Antes de mais, é preciso produzir uma pré‑forma, ou seja, um tubo de plástico realizado a partir de resina, em seguida, formar a garrafa vazia colocando a pré‑forma numa máquina dita «Strech Blow Moulding» («estiramento, sopragem e moldagem», a seguir «máquinas SBM») que contém o molde próprio para a forma pretendida e, só no fim, encher e fechar a garrafa. Estas diferentes etapas podem ser realizadas por empresas diferentes. Existem assim «conversores», cuja actividade consiste em fabricar e fornecer embalagens vazias aos produtores de líquidos. No entanto, estão em vias de desenvolvimento linhas de produção integradas bem como técnicas de produção que permitem assegurar mais facilmente a embalagem em condições de assepsia.

7
Através da decisão controvertida, a Comissão declarou incompatível com o mercado comum e com o Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de Maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3), a aquisição da sociedade Sidel SA pela Tetra Laval BV (a seguir «concentração notificada»). A Tetra Laval BV (a seguir «Tetra») é uma sociedade financeira do grupo Tetra, que inclui também a sociedade Tetra Pak, empresa preeminente a nível mundial no domínio da embalagem em cartão e considerada detentora de uma posição dominante nesse mercado no que respeita à embalagem asséptica, ao passo que a Sidel SA (a seguir «Sidel») é uma empresa preeminente na produção e no fornecimento de máquinas SBM e activa na técnica de tratamento «barreira». A referida decisão foi adoptada nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do regulamento.

8
Na decisão controvertida, a Comissão chegou à conclusão de que os mercados dos sistemas de embalagem relativos ao cartão e ao PET são mercados distintos, embora estreitamente ligados e potencialmente convergentes, que incluem, designadamente, uma clientela comum em expansão. Também considerou que existem, em especial, mercados distintos para as máquinas SBM de, respectivamente, fraca e forte capacidade e que estes se subdividem, por sua vez, entre os produtos sensíveis e os não sensíveis. Esta distinção em função da utilização final explica‑se pelas diferenças de especificações das referidas máquinas, podendo os seus fabricantes exercer uma discriminação pelos preços em função dessa utilização final, que pode ser determinada no momento da compra, não podendo tal discriminação ser evitada pela arbitragem.

9
Segundo a Comissão, a operação de concentração notificada incita a Tetra a servir‑se, mediante o exercício de um «efeito de alavanca», da sua posição dominante no mercado dos equipamentos e dos produtos consumíveis para embalagens de cartão, para persuadir os seus clientes nesse mercado, que passam a utilizar o PET para a embalagem de determinados produtos sensíveis, a optarem pelas máquinas SBM da Sidel, excluindo assim os concorrentes muito mais pequenos e transformando a preeminência da Sidel no mercado das máquinas SBM para produtos sensíveis em posição dominante. Para esse comportamento da Tetra, contribuem a sua relação estreita e continuada com os seus clientes, o seu poder financeiro, o seu saber‑fazer, bem como a sua reputação no domínio asséptico e ultralimpo, a força, a tecnologia e a reputação de qualidade que caracterizam actualmente a Sidel e a situação de integração vertical de que beneficiará a entidade resultante da concentração notificada (a seguir «nova entidade») para três sistemas de embalagem (cartão, PET e PEAD).

10
A Comissão também chegou à conclusão de que, tendo em conta a fraca concorrência nos mercados dos equipamentos e dos produtos consumíveis para embalagens de cartão, a fusão da Tetra com o primeiro produtor no mercado em expansão dos equipamentos PET, mercado estreitamente ligado ao do cartão, elimina uma fonte importante de concorrência potencial. Isto reforça a posição dominante da Tetra nos mercados das embalagens de cartão e reduz a sua incitação para ajustar os seus preços e para inovar a fim de fazer face à ameaça que o PET implica para a sua posição.

11
A Tetra assumiu determinados compromissos, entre os quais o de manter a Tetra e a Sidel separadas durante dez anos, não fazer ofertas relativas simultaneamente a produtos de cartão e a máquinas SBM fabricadas pela Sidel e respeitar as obrigações que lhe incumbem por força da Decisão 92/163/CEE da Comissão, de 24 de Julho de 1991, relativa a um processo de aplicação do artigo 86.° do Tratado CEE (IV/31.043 – Tetra Pak II) (JO 1992, L 72, p. 1). A Comissão considerou que tais compromissos são insuficientes para resolver os problemas estruturais de concorrência suscitados pela operação de concentração notificada e alega que é quase impossível fiscalizar o seu respeito. Por conseguinte, no artigo 1.° da decisão controvertida, declarou essa operação incompatível com o mercado comum e com o funcionamento do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu.


O acórdão recorrido

12
Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 15 de Janeiro de 2002, a Tetra interpôs recurso de anulação da decisão controvertida. No acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que a Comissão tinha cometido erros manifestos de apreciação nas suas conclusões relativas ao efeito de alavanca e ao reforço da posição dominante da Tetra no sector do cartão e, em consequência, anulou a referida decisão.

13
No que respeita às alegações da Comissão segundo as quais a concentração notificada tem efeitos de conglomerado anticoncorrenciais e, em especial, dá à nova entidade a capacidade e a oportunidade de exercer um efeito de alavanca, explorando a sua posição global no sector do cartão de modo a atingir uma posição dominante no mercado das máquinas SBM, o Tribunal de Primeira Instância referiu que, segundo a própria Comissão, essa posição dominante não resulta da própria concentração, mas do comportamento previsível da referida entidade. No entanto, o Tribunal de Primeira Instância recordou que quando a Comissão considera que uma operação de concentração deve ser proibida porque vai criar ou reforçar, num período previsível, uma posição dominante, compete‑lhe apresentar provas sólidas em defesa de tal conclusão.

14
Além disso, o Tribunal de Primeira Instância referiu que, para avaliar a previsibilidade do comportamento da nova entidade, a Comissão devia examinar todas as circunstâncias susceptíveis de determinar esse comportamento. Dado que, no que respeita a uma empresa dominante como a Tetra, o exercício de um suposto efeito de alavanca pode ser constitutivo de abuso da posição dominante preexistente, o Tribunal de Primeira Instância decidiu que a Comissão devia analisar a probabilidade de adopção de comportamentos anticoncorrenciais, tendo em conta incitações à adopção de tais comportamentos, mas também elementos susceptíveis de reduzir ou até de eliminar essas incitações, como as probabilidades de serem movidas acções contra os referidos comportamentos e de se aplicarem sanções. Não tendo a Comissão procedido a tal exame, as suas conclusões não podiam ser confirmadas. Em consequência, o Tribunal de Primeira Instância analisou a questão de saber se, não existindo essas conclusões, a Comissão podia contudo demonstrar a justeza da sua tese.

15
O Tribunal de Primeira Instância concluiu que, em princípio, era possível à nova entidade exercer um efeito de alavanca. No entanto, também concluiu que a Comissão sobrestimou o crescimento provável do ramo PET e que, pelas razões referidas, os métodos utilizados para exercer um efeito de alavanca a analisar pelo Tribunal de Primeira Instância estavam limitados aos que não violavam o direito comunitário. Concluiu que a Comissão, globalmente, não tinha cumprido a sua obrigação de demonstrar que o eventual exercício de um efeito de alavanca teria levado à criação ou ao reforço de uma posição dominante nos mercados em causa em 2005. No que respeita, em especial, às máquinas SBM, o Tribunal de Primeira Instância concluiu que a decisão controvertida não contém elementos de prova suficientes para justificar a definição, dada pela Comissão, de mercados das máquinas SBM distintos para os produtos sensíveis e não sensíveis.

16
No que respeita à alegação da Comissão de que «a posição dominante actual da [Tetra] no ramo da embalagem em cartão» seria reforçada pela eliminação de uma fonte de condicionalismos que afecta a concorrência dos mercados vizinhos, devido à eliminação da concorrência da Sidel no mercado da embalagem PET, o Tribunal de Primeira Instância referiu que esse reforço devia ser provado pela Comissão e não resultava automaticamente da existência de uma posição dominante. O Tribunal de Primeira Instância considerou que a Comissão não tinha cumprido a sua obrigação de produzir tal prova.


O presente recurso

17
Em apoio do seu recurso, a Comissão apresenta cinco fundamentos. O primeiro baseia‑se num erro de direito no que respeita ao nível de prova que lhe é exigido e à extensão da fiscalização jurisdicional do Tribunal de Primeira Instância. O segundo baseia‑se em violação dos artigos 2.° e 8.° do regulamento, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância exigiu à Comissão, por um lado, que tomasse em consideração a incidência da ilegalidade de determinados comportamentos sobre as incitações da nova entidade a utilizar um efeito de alavanca e, por outro, que apreciasse, como medida correctiva eventual, os compromissos de não adoptar comportamentos abusivos. O terceiro fundamento baseia‑se num erro de direito cometido pelo Tribunal de Primeira Instância devido à utilização de um critério de fiscalização jurisdicional errado e em violação do artigo 2.° do mesmo regulamento, na medida em que não confirmou a definição de mercados distintos entre as máquinas SBM em função da respectiva utilização final. O quarto fundamento baseia‑se em violação do referido artigo 2.°, em distorção dos factos e na não tomada em consideração dos argumentos da Comissão, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância não reconheceu a justeza da apreciação desta última, segundo a qual a Tetra reforçaria a sua posição dominante no sector do cartão. O quinto fundamento baseia‑se em violação do artigo 2.°, n.° 3, do regulamento, na medida em que o Tribunal de Primeira Instância rejeitou as conclusões da Comissão relativas à criação de uma posição dominante no mercado das máquinas SBM.

18
Na sua resposta, a Tetra pediu que, como diligência de instrução, fosse ordenada a apresentação da versão francesa da petição. O Tribunal de Justiça indeferiu esse pedido por despacho de 24 de Julho de 2003.

Quanto ao primeiro fundamento

19
Através do seu primeiro fundamento, a Comissão censura ao Tribunal de Primeira Instância o facto de, embora tenha afirmado que aplicava o critério do erro manifesto de apreciação, ter, na realidade, aplicado um critério diferente que consistiu em exigir a produção de «provas sólidas» («convincing evidence»). Ao agir deste modo, o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 230.° CE, na medida em que não respeitou a margem de apreciação de que beneficia a Comissão no que respeita às questões de facto e às questões económicas complexas. Também violou o artigo 2.°, n.os 2 e 3, do regulamento, na medida em que aplicou uma presunção de legalidade a respeito das concentrações com efeito de conglomerado. Tomando como exemplo a fiscalização da previsão, pela Comissão, de um crescimento significativo da utilização das embalagens PET para os produtos sensíveis, a Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou os factos, não fundamentou suficientemente a refutação dos seus argumentos e não atendeu a considerações, argumentos e elementos de prova que a Comissão invocou na decisão controvertida e na contestação, não os referindo sequer.

20
No n.° 119 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância recordou, nos seguintes termos, os critérios da fiscalização jurisdicional de uma decisão da Comissão em matéria de concentração:

«Há que recordar, de imediato, que as regras materiais do regulamento, em especial o seu artigo 2.°, conferem à Comissão um certo poder discricionário, designadamente no que respeita às apreciações de ordem económica. Consequentemente, o controlo pelo órgão jurisdicional comunitário do exercício desse poder, que é essencial na definição das regras em matéria de concentrações, deve ser efectuado tendo em conta a margem de apreciação subjacente às normas de carácter económico que fazem parte do regime das concentrações (acórdão do Tribunal de Justiça de 31 de Março de 1998, França e o./Comissão, dito ‘Kali & Salz’, C‑68/94 e C‑30/95, Colect., p. I‑1375, n.os 223 e 224; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Março de 1999, Gencor/Comissão, T‑102/96, Colect., p. II‑753, n.os 164 e 165, e de 6 de Junho de 2002, Airtours/Comissão, T‑342/99, Colect., p. II‑2585, n.° 64).»

21
No n.° 120 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância interpretou, do seguinte modo, o artigo 2.°, n.° 3, do regulamento:

«Há também que recordar que, nos termos do artigo 2.°, n.° 3, do regulamento, devem ser declaradas incompatíveis com o mercado comum as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste. A contrário, a Comissão é obrigada a declarar compatível com o mercado comum qualquer operação de concentração notificada que caia no âmbito de aplicação do regulamento quando as duas condições previstas pela referida disposição não estejam preenchidas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Maio de 1994, Air France/Comissão, T‑2/93, Colect., p. II‑323, n.° 79; v. também, neste sentido, acórdão Gencor/Comissão, já referido, n.° 170, e Airtours/Comissão, já referido, n.os 58 e 82). Na ausência de criação ou reforço de uma posição dominante, a operação deve portanto ser autorizada sem que seja necessário examinar os efeitos da operação na concorrência efectiva (acórdão Air France/Comissão, já referido, n.° 79).»

22
O primeiro fundamento invocado pela Comissão abrange vários números do acórdão recorrido. No entanto, tem pertinência reproduzir os excertos deste, relativos à natureza de conglomerado da concentração notificada, definida no n.° 142 do referido acórdão como «efectuada entre empresas que não têm, no essencial, relação concorrencial preexistente quer enquanto concorrentes directos, quer enquanto fornecedores ou clientes», concentração que não implica verdadeiras sobreposições horizontais entre as actividades das partes na referida concentração nem relações verticais entre as partes em sentido estrito, e, por conseguinte, não se pode presumir, de modo geral, que produza efeitos anticoncorrenciais.

23
No n.° 146 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância interpretou, do seguinte modo, o regulamento no que respeita à sua aplicação aos conglomerados:

«Em primeiro lugar, há que observar que o regulamento, em especial no seu artigo 2.°, n.os 2 e 3, não faz qualquer distinção entre, por um lado, operações de concentração com efeitos horizontais e verticais e, por outro, as que têm um efeito de conglomerado. Daí resulta que, sem distinção entre estes tipos de operações, uma concentração só pode ser proibida se os dois critérios previstos no artigo 2.°, n.° 3, estiverem reunidos (v. n.° 120, supra). Assim, uma concentração com efeito de conglomerado deve, como qualquer outra concentração (v. n.° 120, supra), ser autorizada pela Comissão se não for demonstrado que a mesma cria ou reforça uma posição dominante no mercado comum ou numa parte substancial deste e que tem como consequência que uma concorrência efectiva será entravada de modo significativo.»

24
Em relação aos efeitos na concorrência de uma operação de concentração com efeito de conglomerado e à análise da Comissão a este respeito, o Tribunal de Primeira Instância considerou o seguinte:

«148
Antes de mais, há que examinar se uma operação de concentração que cria uma estrutura concorrencial não conduzindo no imediato a uma posição dominante da entidade resultante da operação pode ser proibida com base no artigo 2.°, n.° 3, do regulamento quando permite, com toda a probabilidade, a essa entidade através do exercício pela parte adquirente de um efeito de alavanca a partir do mercado em que é já dominante, adquirir, num futuro relativamente próximo, uma posição dominante num outro mercado em que a parte adquirida detém actualmente uma posição preeminente, e quando a aquisição em causa tem efeitos concorrenciais significativos nos mercados em questão.

[...]

150
O Tribunal indica que, a priori, uma concentração entre empresas activas em mercados distintos não é normalmente susceptível de conduzir, desde o início, à criação ou ao reforço de uma posição dominante pelo cúmulo das partes de mercado detidas pelas partes na fusão. Com efeito, os elementos significativos das posições relativas dos concorrentes num dado mercado encontram‑se geralmente nesse próprio mercado, ou seja, em especial as partes de mercado detidas pelos concorrentes e as condições de concorrência no referido mercado. Daqui não resulta, no entanto, que as condições de concorrência num mercado não possam nunca ser afectadas por factores externos a esse mercado.

151
Assim, a título de exemplo, numa situação em que os mercados em questão são vizinhos e em que uma das partes numa operação de concentração detém já uma posição dominante num deles, pode acontecer que os meios e capacidades reunidos por esta operação criem imediatamente condições permitindo à nova entidade, através de um efeito de alavanca, alcançar, num futuro relativamente próximo, uma posição dominante no outro mercado. Em especial, pode ser esse o caso quando os mercados em causa tendem a convergir e quando, além de uma posição dominante detida por uma das partes na operação, a outra, ou uma das outras partes na operação, ocupa uma posição preeminente no segundo mercado.

152
Qualquer outra interpretação do artigo 2.°, n.° 3, do regulamento poderia privar a Comissão da possibilidade de exercer um controlo das operações de concentração tendo única ou principalmente um efeito de conglomerado.

153
Por conseguinte, no quadro de uma análise prospectiva dos efeitos de uma operação de concentração de tipo conglomerado, se a Comissão puder concluir, por causa dos efeitos de conglomerado verificados, que uma posição dominante será, com toda a probabilidade, criada ou reforçada num futuro relativamente próximo e terá como consequência que a concorrência efectiva no mercado em causa seja entravada de forma significativa, deve proibi‑la (v., neste sentido, acórdãos Kali & Salz, já referido, n.° 221; Gencor/Comissão, já referido, n.° 162, e Airtours/Comissão, já referido, n.° 63).

154
Neste contexto, há também que distinguir entre, por um lado, uma situação em que uma concentração com um efeito de conglomerado altera imediatamente as condições de concorrência no segundo mercado e conduz à criação ou ao reforço de uma posição dominante neste devido à posição dominante já detida no primeiro mercado e, por outro, uma situação em que a criação ou o reforço de uma posição dominante no segundo mercado não resulta imediatamente da concentração mas só se produzirá, nesta hipótese, após algum tempo e resultará dos comportamentos adoptados pela nova entidade no primeiro mercado onde detém já uma posição dominante. Neste último caso, não é a própria estrutura resultante da operação de concentração que cria ou reforça uma posição dominante, na acepção do artigo 2.°, n.° 3, do regulamento, mas sim os futuros comportamentos em questão.

155
A análise da Comissão a respeito de uma concentração que produz um efeito de conglomerado é condicionada por exigências análogas às definidas pela jurisprudência no que respeita à criação de uma situação dominante colectiva (acórdãos Kali & Salz, já referido, n.° 222, e Airtours/Comissão, já referido, n.° 63). Assim, a análise da Comissão a respeito de uma operação de concentração cujo efeito de conglomerado anticoncorrencial se prevê pressupõe um exame especialmente atento das circunstâncias que se revelam pertinentes para a apreciação desse efeito no funcionamento da concorrência no mercado de referência. Como o Tribunal de Primeira Instância já confirmou, quando a Comissão considere que tal operação deve ser proibida porque vai criar ou reforçar, num período previsível, uma posição dominante, compete‑lhe apresentar provas sólidas em defesa de tal conclusão (acórdão Airtours/Comissão, já referido, n.° 63). Sendo os efeitos de uma concentração de tipo conglomerado geralmente considerados neutros, e até benéficos, à luz da concorrência nos mercados afectados, tal como foi reconhecido, no caso vertente, pela doutrina económica citada em análises anexadas aos articulados das partes, a demonstração de efeitos de conglomerado anticoncorrenciais de uma tal concentração exige um exame preciso, assente em provas sólidas, das circunstâncias pretensamente constitutivas dos referidos efeitos (v., por analogia, acórdão Airtours/Comissão, já referido, n.° 63).»

Argumentos das partes

25
A Comissão defende que, tanto pela natureza da fiscalização jurisdicional exercida pelo Tribunal de Primeira Instância como pelo nível de prova que lhe é exigido, este último afastou‑se dos princípios definidos pelo Tribunal de Justiça no acórdão Kali & Salz, já referido. A este respeito, indica que os números pertinentes deste acórdão são os seguintes:

«220
Tal como foi anteriormente indicado, nos termos do artigo 2.°, n.° 3, do regulamento, devem ser declaradas incompatíveis com o mercado comum as operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante de que resultem entraves significativos à concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste.

221
Tratando‑se de uma alegada posição dominante colectiva, a Comissão deve, portanto, apreciar, segundo uma análise prospectiva do mercado de referência, se a operação de concentração que lhe é notificada leva a uma situação em que sejam causados entraves significativos à concorrência efectiva no mercado em causa por parte das empresas que intervêm na operação de concentração e por uma ou mais empresas terceiras que, em conjunto, e designadamente em função dos factores de correlação que existam entre as mesmas, possam adoptar a mesma linha de acção no mercado e agir em medida apreciável, independentemente dos outros concorrentes, da sua clientela e, em última análise, dos consumidores.

222
Esta diligência exige uma análise atenta, designadamente, das circunstâncias que, segundo cada caso concreto, se mostrem relevantes para a apreciação dos efeitos da operação de concentração sobre o funcionamento da concorrência no mercado de referência.

223
A esse respeito, há, no entanto, que referir que as regras materiais do regulamento, em especial o seu artigo 2.°, conferem à Comissão um certo poder discricionário, designadamente no que respeita às apreciações de ordem económica.

224
Consequentemente, o controlo pelo órgão jurisdicional comunitário do exercício desse poder, que é essencial na definição das regras em matéria de concentrações, deve ser efectuado tendo em conta a margem de apreciação subjacente às normas de carácter económico que fazem parte do regime das concentrações.»

26
A Comissão conclui, com base nos princípios enunciados no acórdão Kali & Salz, já referido, bem como na fiscalização exercida pelo Tribunal de Justiça no processo que originou esse acórdão, que é obrigada a examinar atentamente o mercado em causa, a tomar em consideração todos os factores pertinentes, a basear a sua apreciação em elementos de prova que reflictam a realidade dos factos, que não sejam claramente insignificantes e que sejam susceptíveis de alicerçar as conclusões que deles se retiram, e que deve, além disso, chegar a conclusões baseadas num raciocínio coerente.

27
A este respeito, considera, antes de mais, que a exigência de «provas sólidas» («convincing evidence») difere materialmente, em grau e em natureza, tanto da obrigação de fornecer elementos «significativos e coerentes», que resulta do acórdão Kali & Salz, já referido, como do princípio segundo o qual a apreciação da Comissão deve ser admitida se não se demonstrar que é manifestamente errada. O grau de prova é diferente porque, contrariamente à exigência de provas sólidas («convincing evidence»), a exigência de elementos significativos e coerentes não exclui a possibilidade de outro organismo chegar a uma conclusão diferente se tiver competência para decidir da questão. A natureza das provas exigidas também é diferente na medida em que transforma os órgãos jurisdicionais comunitários noutro tipo de órgão competente para apreciar o processo em toda a sua complexidade, órgão esse que pode substituir a perspectiva da Comissão pelo seu próprio ponto de vista. O Tribunal de Primeira Instância entra em contradição, uma vez que invoca o critério do erro manifesto de apreciação, embora utilize outro critério.

28
Em seguida, a Comissão alega que uma margem de apreciação é inerente a qualquer análise prospectiva. Com efeito, há que determinar a probabilidade de certas evoluções do mercado num lapso de tempo previsível, com base na situação actual do mercado, nas tendências observáveis assim como noutros indicadores apropriados. Exigir que a apreciação da Comissão assente, de facto, em provas não contestadas ou quase unívocas, independentemente do valor destas, privaria a Comissão da sua função que consiste em avaliar os elementos de prova e atribuir, por razões justificáveis, mais peso a determinadas fontes do que a outras.

29
Por último, a Comissão alega que o critério relativo à prova acolhido pelo Tribunal de Primeira Instância levaria a que ela fosse obrigada a autorizar a operação nos casos em que as provas não apresentassem o nível exigido, o que equivale, de facto, a uma presunção geral de legalidade de determinadas operações de concentração ou, pelo menos, a instituir um precedente que lhes é favorável. Ora, o artigo 2.°, n.os 2 e 3, do regulamento impõe à Comissão uma dupla obrigação que tem por objecto proibir a operação de concentração se esta criar ou reforçar uma posição dominante, ou, de maneira simétrica mas oposta, autorizar essa concentração se ela não criar ou reforçar tal posição. Essa obrigação traduz a vontade de o legislador comunitário proteger de forma igual, por um lado, os interesses privados das partes na concentração e, por outro, o interesse público que representa a manutenção de uma concorrência efectiva e a protecção dos consumidores. Esta dupla obrigação simétrica impõe o recurso a um critério simétrico quanto ao nível de prova exigido à Comissão, uma vez que esta deve provar a justeza da sua análise tanto num caso como no outro.

30
Como exemplo da fiscalização jurisdicional efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido, a Comissão invoca, designadamente, a apreciação da utilização crescente de embalagens PET para os produtos sensíveis. Quanto a este aspecto, o Tribunal de Primeira Instância pronunciou‑se nos seguintes termos:

«210
Na audiência, a Comissão precisou que o seu raciocínio não assenta na exactidão precisa das suas previsões na medida em que se aceita que existirá um crescimento futuro significativo. Também admitiu que, vistas as incertezas subsistentes quanto à aplicabilidade comercial das técnicas de tratamento barreira necessárias, não pode insistir num crescimento significativo do PET para o mercado do leite [não aromatizado] UHT e que mesmo o fraco crescimento previsto na decisão [controvertida] pode revelar‑se exagerado. No entanto, salientou o carácter plausível das suas previsões quanto a um verosímil importante crescimento na utilização desse material até 2005 para os segmentos do leite fresco, dos sumos, das BAF e, em especial, para os segmentos das bebidas à base de chá ou café.

211
O Tribunal verifica que não se pode aceitar que a utilização do PET conhecerá um verdadeiro crescimento para o leite UHT e, por conseguinte, para aproximadamente metade do mercado dos PLL.

212
Em relação ao resto do mercado dos PLL, há que observar que o relatório PCI, o único estudo independente que se concentra no mercado do PLL [intitulado ‘O potencial do PET na embalagem de produtos lácteos líquidos – 2001’ (‘The potential for PET in the Packing of liquid Dairy Products – 2001’] prevê um crescimento na sequência do qual a utilização do PET atingirá 9,2% do mercado para o leite fresco não aromatizado em 2005 (PCI, p. 64). A tal acresce o facto de que, no que respeita à embalagem asséptica, o relatório Warrick [intitulado ‘Relatório Warrick sobre os mercados da embalagem – Mercados da embalagem asséptica no mundo e na Europa Ocidental – 2000’ (‘Warrick Research Report Packaging Markets World and Western Europe – 2000’)] considera que apenas haverá um crescimento mínimo para o leite aromatizado, ou seja, 1%, e um ligeiro recuo para as outras bebidas à base de leite, enquanto o relatório Pictet [intitulado ‘Relatório de análise Pictet – Máquinas para embalagem na Europa, o movimento para o PET – Setembro de 2000’ (‘Analysts Report Pictet – European Packaging Machinery Move into PET’)] não apresenta previsões específicas relativas aos PLL. Com base nestes elementos, conclui‑se que a Comissão não demonstrou, quando o alegou na contestação, que as suas previsões no que respeita aos PLL assentam numa análise prudente dos estudos independentes ou num conjunto sólido e coerente das provas por ela obtidas através do seu estudo de mercado. As estimativas de crescimento que daí retirou (supra, n.° 209) não são, com efeito, muito convincentes. Em contrapartida, do relatório PCI resulta que só a previsão de uma parte de mercado para o PET de 25% para as outras bebidas à base de leite (ou seja, o leite aromatizado, as bebidas à base de leite e de iogurte) até 2005 é fundada numa base relativamente sólida (PCI, pp. 63 e 64). No entanto, se esse crescimento se realizar, o volume em questão só aumentará 62 000 toneladas em 2000, atingindo 92 800 toneladas em 2005, aumento que não é muito significativo em relação aos 120 milhões de toneladas, aproximadamente, de leite produzido na Comunidade em cada ano (PCI, p. 9). Mais geralmente, a decisão [controvertida] não explica de modo adequado como é que o PET pode ultrapassar o PEAD como principal material concorrencial para o cartão, sobretudo no importante sector da embalagem de leite fresco, até 2005. A este respeito, há que observar que a Comissão não contesta nem os números globais relativos à utilização do PEAD, de 17,33% para os PLL, fornecidos pela Canadean [gabinete de investigação] para o ano 2000 [v. quadro 3, considerando (66)], nem a previsão segundo a qual os mesmos poderão atingir 19,5% até 2005 [v. quadro 5 no considerando (105)].

213
Quanto aos sumos, a previsão da Comissão é ainda menos convincente. Tendo ela própria admitido que o crescimento em questão dizia principalmente respeito a uma passagem do vidro para o PET, não procede a nenhuma análise do mercado do vidro. Face à inexistência de tal análise, o Tribunal não pode validar as previsões da Comissão no que respeita aos sumos. Essa análise é indispensável para permitir ao Tribunal verificar o nível de verosimilhança da mudança do vidro para, designadamente, o cartão, o PET e o PEAD. Esta análise é muito importante vistas as diferenças, quanto ao nível de crescimento e aos períodos de análise escolhidos, entre as previsões pertinentes feitas nos estudos Canadean e Warrick, por um lado, e as do estudo Pictet, por outro.

214
Daqui resulta que as previsões de crescimento anunciadas pela Comissão na decisão [controvertida] no que respeita aos PLL e aos sumos não são suficientemente demonstradas. É verdade que é provável um certo crescimento nesses segmentos, sobretudo para os produtos topo de gama, mas não existem provas convincentes da importância desse crescimento.

215
Em contrapartida, resulta dos estudos independentes que existirá até 2005, com toda a probabilidade, um aumento não negligenciável da utilização do PET para acondicionar as BAF e as bebidas à base de chá ou café, incluindo as bebidas isotónicas. Não tendo o nível de crescimento previsto na decisão [controvertida] sido seriamente posto em questão na audiência pela recorrente e não sendo sobreavaliado em relação ao enunciado nos referidos estudos, há que concluir que a Comissão não cometeu erros na matéria.»

31
No essencial, a Comissão censura ao Tribunal de Primeira Instância o facto de não ter demonstrado que as estimativas da Comissão relativas à utilização crescente do PET se baseiam, em primeiro lugar, em erros de facto, em segundo lugar, em conclusões não demonstradas ou baseadas em elementos manifestamente insignificantes, em terceiro lugar, em incoerências ou erros de raciocínio ou ainda, em quarto lugar, na omissão de considerações pertinentes. O Tribunal de Primeira Instância rejeitou, sem justificação, a apreciação dos elementos de prova efectuada pela Comissão, desvirtuou elementos de facto, por exemplo, ao referir, no n.° 213 do acórdão recorrido, que esta não procedeu a uma análise do mercado do vidro, e impôs as suas próprias apreciações, contrárias às da Comissão e manifestamente erradas, por exemplo, ao decidir, no n.° 289 do referido acórdão, que «o leite fresco não é um produto para o qual as vantagens em matéria de comercialização de que goza o PET tenham uma importância especial», ou ainda ao considerar, nos n.os 288 e 328 do mesmo acórdão, que o custo do PET é superior ao do cartão.

32
A Tetra alega que o primeiro fundamento invocado pela Comissão mais não é do que um debate semântico sobre os termos utilizados no acórdão recorrido e não sobre o exame de mérito que o Tribunal de Primeira Instância efectuou. O argumento da Comissão é inútil, uma vez que não existe terminologia coerente no que respeita ao grau de prova admitido.

33
A Tetra refere também que a terminologia utilizada pelo Tribunal de Justiça no acórdão Kali & Salz, já referido, que a Comissão invoca a propósito do regime de prova, não impediu o Tribunal de Justiça, no processo que originou esse acórdão, de analisar aprofundadamente tanto os elementos de facto que eram invocados pela Comissão em apoio dos seus argumentos como as conclusões que esta deles retirou na decisão em causa.

34
Segundo a Tetra, o Tribunal de Primeira Instância respeitou a margem de apreciação da Comissão e não excedeu o âmbito da sua fiscalização jurisdicional pelo facto de ter rejeitado a fundamentação da decisão controvertida, tendo simplesmente considerado que a Comissão não provou a existência de um efeito de alavanca.

35
A Tetra alega que a Comissão interpreta de forma errada o n.° 153 do acórdão recorrido, ao inferir que o mesmo impõe um nível de prova assimétrico e uma presunção de legalidade, de facto, das operações de concentração. O Tribunal de Primeira Instância limitou‑se a expor neste número as modalidades do exercício da obrigação de produzir a prova dos efeitos de tais operações.

36
Em relação ao exemplo invocado pela Comissão no que respeita à análise, pelo Tribunal de Primeira Instância, da utilização crescente do PET para a embalagem dos produtos sensíveis, a Tetra procede a uma análise comparada do presente recurso e do acórdão recorrido, com vista a demonstrar que a Comissão faz uma leitura errada ou falaciosa deste acórdão, incluindo retirando determinadas citações do seu contexto.

Apreciação do Tribunal de Justiça quanto ao primeiro fundamento

37
Com o seu primeiro fundamento, a Comissão contesta o acórdão recorrido na parte em que o Tribunal de Primeira Instância lhe exige, quando adopta uma decisão que declara uma operação de concentração incompatível com o mercado comum, um nível de prova e uma qualidade dos elementos de prova apresentados em apoio da sua argumentação incompatíveis com o amplo poder de que dispõe quando procede a apreciações de natureza económica. Assim, acusa o Tribunal de Primeira Instância de violação do artigo 230.° CE, por ter ultrapassado o nível de fiscalização que lhe é reconhecido pela jurisprudência e, em resultado disso, de ter, no caso vertente, aplicado erradamente o artigo 2.°, n.os 2 e 3, do regulamento, criando uma presunção de legalidade de determinadas operações de concentração.

38
A este respeito, há que referir que, no n.° 119 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância recordou correctamente os requisitos da fiscalização jurisdicional de uma decisão da Comissão em matéria de concentrações, conforme formulados no acórdão Kali & Salz, já referido. Nos n.os 223 e 224 deste último acórdão, o Tribunal de Justiça indicou que as regras materiais do regulamento, em especial o seu artigo 2.°, conferem à Comissão um certo poder discricionário, designadamente no que respeita a apreciações de ordem económica, e que, consequentemente, a fiscalização pelo tribunal comunitário do exercício desse poder, que é essencial na definição das regras em matéria de concentrações, deve ser efectuada tendo em conta a margem de apreciação subjacente às normas de carácter económico que fazem parte do regime das concentrações.

39
Embora o Tribunal de Justiça reconheça à Comissão uma margem de apreciação em matéria económica, tal não implica que o tribunal comunitário se deva abster de fiscalizar a interpretação que a Comissão faz de dados de natureza económica. Com efeito, o tribunal comunitário deve, designadamente, verificar não só a exactidão material dos elementos de prova invocados, a sua fiabilidade e a sua coerência, mas também fiscalizar se estes elementos constituem a totalidade dos dados pertinentes que devem ser tomados em consideração para apreciar uma situação complexa e se são susceptíveis de fundamentar as conclusões que deles se retiram. Essa fiscalização ainda é mais necessária quando se trata de uma análise prospectiva exigida pelo exame de um projecto de concentração que produz um efeito de conglomerado.

40
Por conseguinte, é com razão que, ao fazer referência, designadamente, ao acórdão Kali & Salz, já referido, o Tribunal de Primeira Instância indicou, no n.° 155 do acórdão recorrido, que a análise da Comissão a respeito de uma concentração que produz um efeito de conglomerado é condicionada por exigências análogas às definidas pela jurisprudência no que respeita à criação de uma situação dominante colectiva que pressupõe um exame atento das circunstâncias que se revelam pertinentes para a apreciação desse efeito no funcionamento da concorrência no mercado de referência.

41
Embora o Tribunal de Primeira Instância tenha referido, no mesmo n.° 155, que a demonstração de efeitos de conglomerado anticoncorrenciais de uma concentração do tipo da notificada exige um exame preciso, assente em provas sólidas («convincing evidence»), das circunstâncias pretensamente constitutivas dos referidos efeitos, não acrescentou, de modo nenhum, uma condição relativa ao grau de prova exigido, tendo simplesmente recordado a função essencial da prova, que é a de convencer da justeza de uma tese ou, como no caso vertente, de uma decisão em matéria de concentrações.

42
Uma análise prospectiva, como as que são necessárias em matéria de fiscalização das concentrações, necessita de ser efectuada com grande atenção, uma vez que não se trata de analisar acontecimentos do passado, a respeito dos quais se dispõe frequentemente de numerosos elementos que permitem compreender as suas causas, nem mesmo acontecimentos presentes, mas sim prever os acontecimentos que se produzirão no futuro, segundo uma probabilidade mais ou menos forte, se não for adoptada nenhuma decisão que proíba ou que precise as condições da concentração prevista.

43
Assim, a análise prospectiva consiste em examinar de que modo uma operação de concentração pode alterar os factores que determinam a situação da concorrência num dado mercado, para verificar se daí resulta um entrave significativo a uma concorrência efectiva. Essa análise exige que se imaginem os vários encadeamentos de causa e efeito, a fim de ter em conta aqueles cuja probabilidade é maior.

44
A análise de uma operação de concentração do tipo «conglomerado» é uma análise prospectiva em que a tomada em consideração de um lapso de tempo que se projecta no futuro, por um lado, e o efeito de alavanca necessário para que haja um entrave significativo a uma concorrência efectiva, por outro, implicam que os encadeamentos de causa e efeito sejam dificilmente reconhecíveis, incertos e difíceis de demonstrar. Neste contexto, a qualidade dos elementos de prova apresentados pela Comissão para demonstrar a necessidade de uma decisão que declara a operação de concentração incompatível com o mercado comum é especialmente importante, devendo esses elementos corroborar as apreciações da Comissão segundo as quais, se essa decisão não fosse tomada, o cenário de evolução económica em que essa instituição se baseia seria plausível.

45
Resulta destes diferentes elementos que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao recordar os critérios da fiscalização jurisdicional que exerce ou ao definir a qualidade dos elementos de prova que devem ser apresentados pela Comissão quando deve demonstrar que as condições do artigo 2.°, n.° 3, do regulamento estão preenchidas.

46
Em relação à fiscalização jurisdicional concreta efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância no presente processo, não resulta do exemplo invocado pela Comissão, relativo à utilização crescente das embalagens PET para os produtos sensíveis, que o Tribunal de Primeira Instância excedeu os limites próprios à fiscalização de uma decisão administrativa pelo tribunal comunitário. Contrariamente ao que a Comissão defende, o n.° 211 do acórdão recorrido é apenas uma reformulação mais concisa, sob a forma de uma constatação do Tribunal de Primeira Instância, do reconhecimento pela Comissão na audiência, sintetizado no n.° 210 do mesmo acórdão, do carácter exagerado da sua previsão, explicitada na decisão controvertida, da utilização crescente do PET para a embalagem do leite UHT. No n.° 212 do referido acórdão, o Tribunal de Primeira Instância justificou por que razão considerou que os elementos de prova apresentados pela Comissão não tinham fundamento, observando que, nos três relatórios independentes referidos por esta última, apenas o relatório PCI contém um dado relativo à utilização do PET para a embalagem do leite. O Tribunal de Primeira Instância prosseguiu, no mesmo n.° 212, demonstrando o carácter pouco convincente das provas fornecidas pela Comissão, salientando o carácter pouco significativo do crescimento previsto neste relatório PCI, bem como a falta de concordância entre a previsão da Comissão quanto à utilização do PET e os dados não contestados dos outros relatórios no que respeita à utilização do PEAD. Quanto ao n.° 213 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância limita‑se a referir o carácter incompleto da análise da Comissão, que impossibilita a validação das previsões desta última tendo em conta as diferenças assinaladas entre essas previsões e as dos outros relatórios.

47
Entre os outros exemplos que invoca, a Comissão contesta a afirmação do Tribunal de Primeira Instância, no n.° 289 do acórdão recorrido, segundo a qual «o leite fresco não é um produto para o qual as vantagens em matéria de comercialização de que goza o PET tenham uma importância especial», bem como as conclusões do Tribunal relativas ao custo do PET em comparação com o custo do cartão, explicitadas nos n.os 288 e 328 do acórdão recorrido. A este respeito, há que referir que se trata de apreciações de facto, que não estão sujeitas à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância. Por conseguinte, sem que o Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a justeza da conclusão do Tribunal de Primeira Instância a este respeito, basta referir que este pôde fundamentar a sua convicção em diversos elementos da decisão controvertida.

48
Resulta destes exemplos que o Tribunal de Primeira Instância procedeu à fiscalização que lhe incumbia e que está descrita no n.° 39 do presente acórdão. Explicitou e fundamentou as razões por que as conclusões da Comissão lhe pareceram viciadas por inexactidão na medida em que se baseiam em elementos insuficientes, incompletos, pouco significativos e discordantes.

49
Desta forma, o Tribunal de Primeira Instância respeitou os critérios da fiscalização jurisdicional exercida pelo tribunal comunitário e, portanto, respeitou o artigo 230.° CE.

50
Em consequência, não resulta das análises anteriores que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 2.°, n.os 2 e 3, do regulamento.

51
Resulta das considerações expostas que o primeiro fundamento não é procedente.

Quanto ao segundo fundamento

52
Através do seu segundo fundamento, a Comissão acusa o Tribunal de Primeira Instância de ter violado os artigos 2.° e 8.° do regulamento na medida em que lhe exigiu que tivesse em consideração a incidência da ilegalidade de determinados comportamentos sobre as incitações para que a nova entidade utilizasse um efeito de alavanca e que apreciasse, como medida correctiva eventual, o compromisso de não adoptar comportamentos abusivos.

53
Os elementos contestados do acórdão recorrido figuram na sua parte consagrada ao exame do fundamento baseado na inexistência de efeito de conglomerado previsível, uma vez que o Tribunal de Primeira Instância analisou em especial, nessa parte, a probabilidade de um efeito de alavanca. Segundo a argumentação da Comissão, a nova entidade teve capacidade para tirar partido da sua situação de posição dominante no mercado do cartão asséptico e foi incitada a fazê‑lo com o intuito de, através de um efeito de alavanca, transformar em posição dominante a posição preeminente que detém nos mercados dos equipamentos PET, em especial, no das máquinas SBM de fraca e de forte capacidade utilizadas para os produtos sensíveis.

54
Os modos de exercício do efeito de alavanca são descritos, nos seguintes termos, no considerando 364 da decisão controvertida (reproduzidos no n.° 49 do acórdão recorrido):

«Ao utilizar de várias formas esta posição a Tetra/Sidel terá a possibilidade de vincular as vendas de equipamentos e de produtos consumíveis para as embalagens cartão com as vendas de equipamentos de embalagem PET e eventualmente também de pré‑formas (designadamente as pré‑formas tratadas com a tecnologia ‘barreira’). A Tetra/Sidel pode também recorrer a pressões ou a medidas de incitação (como preços de dumping ou uma guerra de preços e descontos de fidelidade) para que os seus clientes cartão comprem equipamentos PET e, eventualmente, pré‑formas à Tetra/Sidel e não aos seus concorrentes ou conversores.»

55
A fim de responder às críticas da Comissão, a Tetra propôs‑se assumir vários compromissos. No entanto, a Comissão considerou que estes não podiam eliminar de forma efectiva os problemas de concorrência por ela identificados. Em relação aos compromissos de comportamento, a fundamentação da decisão controvertida, que consta dos seus n.os 429 a 432, intitulada «Separação entre Sidel e a Tetra e compromissos ao abrigo do artigo 82.°», é a seguinte:

«429
O compromisso em matéria de conduta, nomeadamente a separação da Sidel da Tetra Pak, e a confirmação dos compromissos ao abrigo do artigo 82.° preexistentes procuram responder, sobretudo, à preocupação relativa à capacidade de a entidade resultante da concentração utilizar a sua posição dominante no mercado das embalagens de cartão para conquistar uma posição dominante no mercado do equipamento de embalagem PET. Este compromisso e os compromissos ao abrigo do artigo 82.° anteriormente assumidos prendem‑se, no entanto, exclusivamente com a conduta da empresa. Por esse motivo, não são de molde a restaurar, em permanência, condições de efectiva concorrência (188), na medida em que não afectam a mudança permanente da estrutura do mercado gerada pela operação notificada e que está na base destas preocupações.

430
A ‘separação’ entre a Sidel e a Tetra Pak não altera o facto de, como é explicitamente reconhecido no próprio compromisso, o conselho de administração da Sidel ‘responder directamente perante o conselho de administração do Grupo Tetra Laval’. Não se pode esperar que esta separação impeça a Sidel de executar a estratégia comercial do Grupo Tetra Laval. Além disso, o estatuto jurídico da Sidel pode ser alterado, ou seja, a Sidel pode ser transformada numa empresa privada, como a Tetra Laval, o que tornaria o acompanhamento de eventuais ‘barreiras de fogo’ praticamente impossível.

431
O compromisso de não ‘agrupar’, bem como a confirmação dos compromissos anteriormente assumidos ao abrigo do artigo 82.° do Tratado, constituem meras promessas de não actuar de uma determinada forma, nomeadamente de não violar a legislação comunitária. Estas promessas em matéria de conduta são contrárias à política da Comissão em matéria de medidas correctivas e ao próprio regulamento das concentrações […], sendo extremamente difícil, se não impossível, controlar efectivamente o seu cumprimento.

432
Globalmente, e para além de o seu cumprimento e respectivo acompanhamento serem complexos, estes compromissos não podem ser considerados susceptíveis de solucionar efectivamente os problemas de concorrência identificados.»

56
Através da sua argumentação, a Comissão contesta os n.os 156 a 162 do acórdão recorrido, imediatamente subsequentes aos n.os 148 a 155 do mesmo, igualmente criticados por esta última e que foram analisados pelo Tribunal de Justiça no âmbito do primeiro fundamento. Nos referidos números, o Tribunal de Primeira Instância pronunciou‑se da seguinte forma:

«156
No caso vertente, a superveniência do efeito de alavanca exercido a partir dos mercados do cartão asséptico, descrito na decisão [controvertida], traduzir‑se‑ia, para além da possibilidade de a nova entidade recorrer a diversas práticas consistentes em associar as vendas de equipamentos e de produtos consumíveis para as embalagens cartão à dos equipamentos de embalagem PET, inclusive recorrendo às vendas forçadas [considerandos (345) e (356)], em primeiro lugar, pela fixação provável por esta entidade de preços predatórios [‘predatory pricing’, considerando (364), referido no n.° 49, supra], em segundo lugar, através do recurso a uma guerra de preços e, em terceiro, pela concessão de descontos de fidelidade. O recurso a estas práticas permitiria à nova entidade assegurar‑se de que os seus clientes dos mercados do cartão se abastecem, tanto quanto possível, quanto às suas eventuais necessidades em equipamentos PET, junto da Sidel. A este respeito, há que observar que a decisão [controvertida] verifica a existência de uma posição dominante da Tetra nos mercados do cartão asséptico, ou seja, os mercados dos sistemas de embalagem de cartão asséptica e dos cartões assépticos [considerando (231), v. n.° 40, supra], e que tal facto não é contestado pela recorrente.

157
Recorde‑se que, segundo jurisprudência assente, quando uma empresa se encontra em posição dominante, é obrigada a adaptar eventualmente o seu comportamento, a fim de não afectar a concorrência efectiva no mercado, independentemente da eventual adopção pela Comissão de uma decisão para esse efeito (acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, 322/81, Recueil, p. 3461, n.° 57; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1990, Tetra Pak/Comissão, T‑51/89, Colect., p. II‑309, n.° 23, e de 22 de Março de 2000, Coca Cola/Comissão, T‑125/97 e T‑127/97, Colect., p. II‑1733, n.° 80).

158
Além disso, assinale‑se que, em resposta às questões colocadas pelo Tribunal na audiência, a Comissão não negou que o exercício pela Tetra de um efeito de alavanca através dos comportamentos expostos supra poderia ser constitutivo de abuso da posição dominante preexistente que a Tetra detém nos mercados do cartão asséptico. Poderia ser também esse o caso, segundo as apreensões expressas pela Comissão na contestação, na hipótese de eventuais recusas da nova entidade em participar na instalação e na transformação eventual das máquinas SBM da Sidel, em fornecer um serviço pós‑venda e em respeitar as garantias relativas a essas máquinas quando elas são vendidas por conversores. No entanto, segundo a Comissão, o facto de um comportamento poder constituir uma violação autónoma do artigo 82.° CE não impede que esse comportamento seja tido em conta no quadro de uma apreciação efectuada pela Comissão de todos os modos de exercício de um efeito de alavanca tornados possíveis por uma operação de concentração.

159
A este respeito, há que observar que, embora o regulamento preveja a proibição das operações de concentração que criem ou reforcem uma posição dominante com significativos efeitos anticoncorrenciais, essas condições não pressupõem a demonstração de um comportamento abusivo e, por conseguinte, ilegal da entidade saída da operação como resultado dessa concentração. Por conseguinte, se não pode ser presumido que o direito comunitário não será respeitado pelas partes numa operação de concentração de tipo conglomerado, tal possibilidade não pode ser excluída pela Comissão no exercício do seu controlo das concentrações. Assim, quando a Comissão, ao analisar os efeitos de uma tal concentração, se baseia em comportamentos previsíveis susceptíveis de constituir eles próprios abusos de uma posição dominante existente, compete‑lhe apreciar se, apesar da proibição destes comportamentos, é no entanto verosímil que a entidade resultante da operação se comportará de tal maneira ou se, pelo contrário, o carácter ilegal do comportamento e/ou o risco de detecção de tal comportamento torna essa estratégia pouco provável. No quadro de tal apreciação, embora seja apropriado ter em conta as incitações à adopção de comportamentos anticoncorrenciais, como os que resultam no caso vertente para a Tetra das vantagens comerciais previsíveis nos mercados dos equipamentos PET [considerando (359)], a Comissão também deve examinar em que medida as referidas incitações seriam reduzidas, ou até mesmo eliminadas, devido à ilegalidade dos comportamentos em questão, da probabilidade da sua detecção, da sua punição pelas autoridades competentes, tanto a nível comunitário como nacional, e das sanções pecuniárias que daí poderiam resultar.

160
Não tendo a Comissão efectuado tal apreciação na decisão [controvertida], daí resulta que, na medida em que a apreciação da Comissão se baseia na possibilidade, ou mesmo na probabilidade, da adopção pela Tetra de tal comportamento nos mercados dos cartões assépticos, as suas conclusões a este respeito devem ser afastadas.

161
Além disso, a circunstância de a recorrente ter proposto, no caso vertente, compromissos relativos ao seu comportamento futuro é também um elemento que a Comissão devia necessariamente ter tido em conta para apreciar se era verosímil que a nova entidade se comportará de uma maneira que torne possível a criação de uma posição dominante num ou em vários mercados dos equipamentos PET em causa. Ora, não resulta da decisão [controvertida] que a Comissão tomou em consideração as implicações dos referidos compromissos na sua análise relativa à criação no futuro de tal posição através do exercício do efeito de alavanca previsto.

162
Resulta do exposto que há que examinar se a Comissão baseou a sua análise prospectiva da probabilidade de um efeito de alavanca a partir dos mercados do cartão asséptico, bem como das consequências de tal efeito para a nova entidade, em provas suficientemente sólidas. No quadro do referido exame, há, no caso vertente, que ter em conta apenas os comportamentos que, pelo menos verosimilmente, não são ilegais. Além disso, como a posição dominante prevista só se concretizaria após algum lapso de tempo, segundo a Comissão até 2005, a análise prospectiva desta última deve, sem prejuízo da sua margem de apreciação, ser especialmente plausível.»

57
Analisando de forma aprofundada os modos de exercício do efeito de alavanca, o Tribunal de Primeira Instância concluiu o seguinte:

«217
Os modos de exercício do efeito de alavanca que são enumerados no considerando (364) da decisão [controvertida] (citado no n.° 49, supra) assentam na posição dominante detida pela Tetra nos mercados do cartão asséptico. Tendo em conta, designadamente, o compromisso da Tetra relativo à cessão das suas actividades no domínio das pré‑formas, o efeito de alavanca produzir‑se‑á através de duas categorias de medidas: por um lado, por pressões originando vendas ligadas ou agrupadas de equipamentos e de consumíveis para as embalagens de cartão com equipamentos de embalagem PET. Estas pressões podem ser exercidas sobre a clientela da Tetra que necessite de continuar a utilizar embalagens de cartão para uma parte da sua produção e sobretudo sobre os clientes que têm acordos a longo prazo com a Tetra para as suas necessidades de embalagem de cartão [considerando (365), citado no n.° 50, supra]. Por outro lado, poderiam ser adoptadas medidas de incitação, tais como preços predatórios, uma guerra de preços e descontos de fidelidade.

218
No entanto, o recurso a pressões, como vendas forçadas, ou a incitações, como preços predatórios ou descontos de fidelidade não objectivamente justificados, por uma empresa que detém uma posição dominante como a que a Tetra detém nos mercados do cartão asséptico constitui normalmente um abuso dessa posição. Como o Tribunal já verificou, o possível recurso a tais estratégias não pode ser presumido pela Comissão, como fez na decisão [controvertida], para justificar uma decisão proibindo uma operação de concentração que lhe é notificada nos termos do regulamento (v. n.os 154 a 162, supra). Daqui resulta que os modos de exercício de um efeito de alavanca que podem ser tomados em consideração pelo Tribunal estão limitados àqueles que, pelo menos provavelmente, não constituem um abuso de posição dominante nos mercados do cartão asséptico.

219
Há, assim, que considerar, em resumo, as estratégias relativas às vendas ligadas ou agrupadas que não são em si próprias forçadas, aos descontos de fidelidade objectivamente justificados nos mercados do cartão ou às ofertas vantajosas de preços para os equipamentos de embalagem de cartão ou PET que não são predatórios na acepção da jurisprudência assente (acórdão do Tribunal de Justiça de 3 de Julho de 1991, AKZO/Comissão, C‑62/86, Colect., p. I‑3359, designadamente n.os 102, 115, 156 e 157; acórdão de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, já referido [C‑333/94 P, Colect., p. I‑5951], n.os 41 a 44, que confirma o acórdão [do Tribunal de Primeira Instância] de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, já referido [T‑83/91, Colect., p. II‑755], e conclusões do advogado‑geral N. Fennelly no processo Compagnie maritime belge transports e o./Comissão, acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Março de 2000, C‑395/96 P e C‑396/96 P, Colect., pp. I‑1365, I‑1371, designadamente n.os 123 a 130). Neste contexto, há que examinar se a Comissão teve em conta o compromisso relativo à separação entre a Sidel e as sociedades incluídas no grupo Tetra Pak, acordado em princípio para um período de dez anos, segundo o qual não será apresentada nenhuma proposta incidindo conjuntamente sobre os produtos cartão Tetra Pak e as máquinas SBM Sidel.

220
Além disso, como resulta da decisão [controvertida], a Tetra pediu à Comissão para tomar nota das suas obrigações existentes por força do artigo 3.°, n.° 3, da Decisão 92/163[…], que dispõe:

‘A Tetra Pak não praticará preços eliminatórios nem discriminatórios e não concederá a qualquer cliente, sob qualquer forma que seja, reduções sobre os seus produtos ou condições mais favoráveis de pagamento que não sejam justificadas por uma contrapartida objectiva. Deste modo, relativamente aos cartões, as reduções devem apenas dizer respeito a reduções de quantidade na encomenda, não cumuláveis no que diz respeito a cartões de tipos diferentes.’

221
Daí resulta que a Tetra assinalou claramente a sua vontade de respeitar plenamente as obrigações especiais que o artigo 82.° CE lhe impõe em consequência da posição dominante que detém nos mercados do cartão asséptico. Também reiterou a sua aceitação de todas as obrigações pertinentes que lhe foram impostas na sequência da verificação na Decisão 92/163 de uma violação do artigo 82.° CE relativa a esses mercados. Além disso, comprometeu‑se, no âmbito do presente processo, a não fazer nenhuma proposta conjunta incidindo sobre os seus produtos cartões e sobre as máquinas SBM da Sidel.

222
Por conseguinte, os únicos modos de vendas ligadas ou agrupadas efectivamente praticáveis pela nova entidade consistiriam em propostas feitas pela Tetra aos seus actuais clientes dos mercados do cartão que não podem ser obrigatórias ou forçadas e que só podem dizer respeito aos equipamentos de embalagem de cartão e/ou aos produtos cartão, por um lado, e aos equipamentos de embalagem PET com excepção das máquinas SBM, por outro. Há também que observar a este respeito que, não obstante a tónica colocada pela Comissão na decisão [controvertida] [considerandos (177) e (369)], nos seus articulados e nas suas alegações, sobre a importância da capacidade da nova entidade em oferecer quase todo o equipamento necessário para a instalação de uma linha PET integrada, resulta dos compromissos que não seria possível a esta última fazer uma proposta conjunta a um cliente incidindo sobre equipamentos de embalagem de cartão e uma linha PET integrada, pelo menos na medida em que esta última conteria uma máquina SBM da Sidel.

223
Por outro lado, se a conclusão da decisão [controvertida] quanto à discriminação pelos preços pretensamente praticada no passado pela Sidel não está, com base nos articulados das partes e nas alegações da Comissão relativas à análise econométrica que lhe serve de base, viciada por um erro manifesto de apreciação, também não pode constituir uma prova suficientemente sólida da continuação de um comportamento semelhante pela nova entidade. Esta última, ao contrário da Sidel antes da concentração, está vinculada não apenas pelos compromissos mas também pelas diversas obrigações que limitam o comportamento da Tetra.

224
Conclui‑se assim que as possibilidades de a nova entidade exercer um efeito de alavanca são bastante circunscritas. O exame das consequências previsíveis de um eventual recurso por esta a um tal comportamento deve ter em conta esse factor.»

Argumentos das partes

58
Em primeiro lugar, a Comissão defende que a abordagem adoptada pelo Tribunal de Primeira Instância no que respeita aos efeitos de conglomerado e ao comportamento ilegal da Tetra é contrária ao artigo 2.° do regulamento e à fiscalização das concentrações em geral.

59
Antes de mais, alega que essa abordagem é contrária à interpretação racional do referido artigo 2.° Com efeito, se o artigo 82.° CE tivesse sido suficiente para prevenir os abusos, não teria sido necessário prever uma fiscalização a priori das concentrações. A Comissão contesta especialmente o n.° 218 do acórdão recorrido, onde o Tribunal de Primeira Instância decidiu que «o possível recurso a tais estratégias [abusivas] não pode ser presumido pela Comissão», entendendo, pelo contrário, que a presunção de que uma empresa em posição dominante possa considerar racional excluir concorrentes e/ou explorar clientes e, portanto, em certos casos, violar o artigo 82.° CE está inscrita no regulamento.

60
Em seguida, a Comissão considera que a abordagem do Tribunal de Primeira Instância está errada, na medida em que se baseia em distinções entre diferentes tipos de concentrações que são injustificadas e contrárias ao artigo 2.° do regulamento. A este respeito, critica o n.° 154 do acórdão recorrido, no qual o Tribunal de Primeira Instância considera que não é a estrutura resultante da própria operação de concentração que cria ou reforça uma posição dominante, na acepção do artigo 2.°, n.° 3, do regulamento, mas sim os futuros comportamentos da nova entidade. Alega que tal afirmação é contrária ao n.° 94 do acórdão Gencor/Comissão, já referido, onde o Tribunal de Primeira Instância decidiu que uma concentração teve um efeito imediato quando a «criação das condições que tornam não só possível mas também economicamente racional este género de comportamentos [abusivos] [foi] a consequência directa e imediata da concentração, uma vez que esta [constituiu] um entrave significativo à concorrência efectiva que existe no mercado, ao modificar a estrutura dos mercados relevantes de forma durável». Alega que não se justifica distinguir, como faz o Tribunal de Primeira Instância no acórdão recorrido, consoante a criação da posição dominante no segundo mercado ocorra imediatamente ou a médio prazo. Caso contrário, existiria o risco de as concentrações verticais ou com efeito de conglomerado escaparem à aplicação do referido regulamento, uma vez que são os tipos de concentrações que dão à nova entidade a capacidade de utilizar a – e de abusar da – sua posição dominante num mercado, bem como as incitações para esse efeito a fim de excluir os seus concorrentes num segundo mercado. A Comissão conclui que, no caso vertente, havia que considerar que a concentração implicava uma alteração imediata da estrutura e das condições da concorrência.

61
Por último, a Comissão alega que existem obstáculos jurídicos e práticos insuperáveis à análise da força dissuasiva da natureza ilegal de determinadas práticas comerciais abusivas. Ela deve analisar, não características estruturais mas a propensão de uma empresa para respeitar a lei. Essa análise violaria o princípio da igualdade e a presunção de inocência. O critério é igualmente inutilizável, uma vez que o risco dificilmente pode ser quantificável e varia em função da intensidade da política de concorrência em cada Estado‑Membro. Tendo em conta o nível de prova exigido pelo Tribunal de Primeira Instância, a Comissão conclui que não teria a possibilidade de fiscalizar correctamente, nos termos do regulamento, as concentrações verticais e com efeito de conglomerado.

62
Em segundo lugar, a Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância violou os artigos 2.° e 8.°, n.° 2, do referido regulamento, ao considerar que ela devia ter tido em conta os compromissos de comportamento subscritos pela Tetra. Contrapõe a posição do Tribunal de Primeira Instância, expressa no n.° 161 do acórdão recorrido, à acolhida nos n.os 316 e 317 do acórdão Gencor/Comissão, já referido, nos quais o Tribunal de Primeira Instância excluiu a tomada em consideração de compromissos de comportamento quando resulte que a operação de concentração pode criar ou reforçar uma posição dominante. Considera que, mesmo que, em determinados casos, possam ser aceitáveis compromissos não estruturais, compromissos que se reduzam a uma simples promessa de se comportar de determinado modo, por exemplo, não abusar de uma posição dominante criada ou reforçada por um projecto de concentração, não são, enquanto tais, considerados susceptíveis de tornar uma concentração compatível com o mercado comum.

63
A Comissão considera que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou a decisão controvertida ao decidir, no n.° 161 do acórdão recorrido, que não resulta dessa decisão que a Comissão tinha tomado em consideração na sua análise as implicações dos compromissos da Tetra. A Comissão salienta que analisou os compromissos desta sociedade, mas que os afastou (n.os 423 a 451 dos fundamentos da decisão controvertida). O Tribunal de Primeira Instância não pode legalmente afirmar que a referida decisão está viciada por um erro manifesto de apreciação na medida em que conclui que a concentração devia ser proibida, sem analisar previamente os argumentos da Comissão segundo os quais esses compromissos não são viáveis e são, de qualquer forma, insuficientes para resolver os problemas de concorrência suscitados pela concentração notificada.

64
Pelo contrário, a Tetra considera, em primeiro lugar, que o Tribunal de Primeira Instância não cometeu nenhum erro de direito ao impor à Comissão que tomasse em consideração a ilegalidade do comportamento abusivo. O critério acolhido pelo Tribunal de Primeira Instância, no n.° 159 do acórdão recorrido, é o do comportamento racional e previsível de uma empresa. Esse comportamento deve ser analisado tendo em conta, ao mesmo tempo, as incitações para adoptar um comportamento ilegal, mas também os factores susceptíveis de diminuir, ou até eliminar, tais incitações.

65
A Tetra salienta que as comparações com o processo que originou o acórdão Gencor/Comissão, já referido, não são pertinentes. Na sua opinião, neste último processo, a posição dominante colectiva foi criada imediatamente pela fusão horizontal, o que não é o caso do presente processo, em que a posição dominante só pode aparecer depois de um certo lapso de tempo e necessita de um comportamento abusivo prévio.

66
Segundo a Tetra, a interpretação do regulamento pela Comissão assenta na hipótese errada de que este tem por objectivo impedir os abusos. Ora, resulta dos termos do artigo 2.°, n.° 2, deste regulamento que este tem por objectivo proibir a criação de qualquer posição dominante que, por si própria e sem existir qualquer abuso, leve à instituição de um entrave significativo da concorrência.

67
A Tetra não vê as razões por que existiriam obstáculos jurídicos e práticos insuperáveis à apreciação da incidência da natureza ilegal de determinados comportamentos, nem de que forma essa apreciação apresentaria dificuldades diferentes das relativas à análise das incitações a adoptar um comportamento abusivo. Observa que a Comissão se considera perfeitamente capaz de quantificar a probabilidade da detecção de uma infracção aos artigos 81.° CE e 82.° CE e que tem essa apreciação em conta na fixação do montante das coimas.

68
Em relação, em segundo lugar, à tomada em consideração dos compromissos da Tetra, esta salienta que o n.° 161 do acórdão recorrido afirma, quando muito, que a Comissão devia ter tido em conta as propostas de compromisso, ao apreciar o comportamento previsível futuro da nova entidade. Indica que o próprio Tribunal de Primeira Instância não procedeu a uma avaliação dos compromissos propostos e que em nenhum número do acórdão recorrido é imposto à Comissão, contrariamente ao que esta alega, «ter em conta compromissos de comportamento que consistem em simples promessas de não adoptar comportamentos abusivos».

69
A Tetra alega que a interpretação feita pela Comissão do acórdão Gencor/Comissão, já referido, é incorrecta. Contrariamente a esta interpretação, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 319 deste acórdão, declarou que a classificação dos compromissos é desprovida de pertinência e que compromissos de natureza comportamental podem igualmente ser de natureza a impedir a emergência ou o reforço de uma posição dominante.

70
Por último, a Tetra refere que, contrariamente ao que afirma a Comissão, esta não apreciou concretamente a incidência dos compromissos propostos por esta sociedade, contentando‑se em alegar uma objecção de princípio contra a equiparação de compromissos de comportamento a medidas susceptíveis de remediar validamente a criação de uma posição dominante na acepção do regulamento.

Apreciação do Tribunal de Justiça quanto ao segundo fundamento

71
Há que salientar de imediato que os n.os 148 a 162 do acórdão recorrido, que a Comissão contesta tanto no primeiro como no segundo fundamento do recurso, formam um conjunto no qual o Tribunal de Primeira Instância descreve determinados aspectos específicos dos efeitos de conglomerado, designadamente aspectos temporais, e daí infere determinadas normas gerais quanto à prova que a Comissão deve fornecer quando considera que o projecto de concentração deve ser declarado incompatível com o mercado comum.

72
É neste contexto do recordar da necessidade de uma «prova sólida» («convincing evidence») que o Tribunal de Primeira Instância salientou a obrigação de se examinar todos os dados pertinentes.

73
Esse exame deve ser efectuado à luz do objectivo do regulamento, que é prevenir a criação ou o reforço de posições dominantes susceptíveis de entravar de forma significativa a concorrência efectiva no mercado comum ou numa parte substancial deste.

74
Uma vez que a adopção dos comportamentos referidos no n.° 364 dos fundamentos da decisão controvertida é, segundo a decisão, uma etapa essencial do exercício de um efeito de alavanca, foi com razão que o Tribunal de Primeira Instância considerou que a probabilidade dessa adopção devia ser examinada de forma completa, ou seja, tomando em consideração, tal como exprime no n.° 159 do acórdão recorrido, tanto as incitações a adoptar tais comportamentos como os factores susceptíveis de diminuir, ou até de eliminar, tais incitações, incluindo o carácter eventualmente ilegal destes comportamentos.

75
No entanto, seria contrário ao objectivo de prevenção do regulamento exigir que a Comissão, tal como foi decidido no n.° 159, último período, do acórdão recorrido, examinasse, em relação a cada projecto de concentração, em que medida as incitações a adoptar comportamentos anticoncorrenciais seriam reduzidas, ou mesmo eliminadas, devido à ilegalidade dos comportamentos em questão, à probabilidade da sua detecção, às acções que lhe poderiam ser movidas pelas autoridades competentes, tanto a nível comunitário como nacional, e às sanções que daí poderiam resultar.

76
Com efeito, uma análise tal como a exigida pelo Tribunal de Primeira Instância obriga a um exame exaustivo e detalhado das legislações dos vários ordenamentos jurídicos que se podem aplicar e da política repressiva praticada nos mesmos. Além disso, para ser útil, tal análise pressupõe um elevado grau de probabilidade quanto aos factos considerados passíveis de serem criticados, uma vez que fazem parte de um comportamento anticoncorrencial.

77
Daí resulta que, na fase da apreciação do projecto de concentração, uma análise com vista a demonstrar a existência provável de uma violação ao artigo 82.° CE e a assegurar que esta será objecto de sanção em vários ordenamentos jurídicos seria demasiado especulativa e não permitiria à Comissão basear a sua apreciação em todos os elementos factuais pertinentes a fim de verificar se sustentam a descrição de um cenário de evolução económica tal como um efeito de alavanca.

78
Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao afastar as conclusões da Comissão relativas à adopção, pela nova entidade, de comportamentos anticoncorrenciais susceptíveis de produzir um efeito de alavanca pelo simples motivo de que esta instituição não apreciou a probabilidade da adopção desses comportamentos tendo em consideração o seu carácter ilegal e, por conseguinte, a probabilidade da sua detecção e de lhe serem movidas acções pelas autoridades competentes, tanto a nível comunitário como nacional, e as sanções pecuniárias que daí poderiam resultar. No entanto, uma vez que o acórdão recorrido se baseia igualmente na não tomada em consideração dos compromissos propostos pela Tetra, há que prosseguir o exame do segundo fundamento.

79
No que diz respeito ao argumento baseado numa alteração da abordagem do Tribunal de Primeira Instância em relação à adoptada no acórdão Gencor/Comissão, já referido, há que observar que, contrariamente ao que alega a Comissão, o Tribunal de Primeira Instância não se afastou da posição que explicitou no n.° 94 deste acórdão, segundo a qual existe um entrave significativo à concorrência efectiva na medida em que a estrutura dos mercados em causa é modificada de forma durável quando uma concentração tem como consequência directa e imediata a criação das condições que tornam possíveis e economicamente racionais comportamentos abusivos.

80
A esse respeito, há que referir que a situação no processo que originou o acórdão Gencor/Comissão, já referido, era completamente diferente da referida na decisão controvertida. Como resulta do n.° 91 deste acórdão, o resultado da operação de concentração foi a criação de uma posição dominante duopolística nos mercados da platina e do ródio, sendo consequência dessa operação um entrave da concorrência efectiva de maneira significativa no mercado comum.

81
Por conseguinte, foi a operação de concentração que modificou de forma durável a estrutura dos mercados em causa no referido processo, tornando assim possíveis e economicamente racionais comportamentos abusivos.

82
No caso vertente, é certo que a concentração notificada podia modificar ligeiramente a estrutura do mercado do cartão na medida em que a nova entidade podia reforçar a posição dominante que a Tetra detinha há muito tempo nesse mercado, posição que, além disso, tinha sido objecto de uma decisão da Comissão nos termos do artigo 82.° CE. No entanto, não é tanto a concorrência efectiva no mercado do cartão que a Comissão pretendia proteger ao proibir a referida concentração, mas a concorrência no mercado dos equipamentos PET, em especial o das máquinas SBM de fraca e de forte capacidade utilizadas para os produtos sensíveis.

83
A este respeito, há que referir que a estrutura deste último mercado não foi imediata e directamente afectada pela concentração notificada, mas só poderia sê‑lo na sequência do efeito de alavanca e, designadamente, dos comportamentos abusivos da nova entidade no mercado do cartão.

84
Resulta das considerações expostas que a situação analisada no processo que originou o acórdão Gencor/Comissão, já referido, não é suficientemente comparável àquela sobre a qual o Tribunal de Primeira Instância se pronunciou no acórdão recorrido, para que este último possa daí retirar indicações úteis. A estrutura do mercado no qual a Comissão pretendia, através da decisão controvertida, preservar uma concorrência efectiva era, no processo que originou o referido acórdão Gencor/Comissão, directamente modificada pela operação de concentração, ao passo que, no presente caso, só podia ser modificada pelo exercício do efeito de alavanca.

85
Em relação à tomada em consideração dos compromissos de comportamento da Tetra, foi com razão que o Tribunal de Primeira Instância referiu, no n.° 161 do acórdão recorrido, que a circunstância de esta última ter proposto, no caso vertente, compromissos relativos ao seu comportamento futuro é um elemento que a Comissão devia necessariamente ter em conta para apreciar se era verosímil que a nova entidade se comportaria de uma maneira que tornasse possível a criação de uma posição dominante num ou em vários mercados dos equipamentos PET em causa.

86
A este respeito, o Tribunal de Justiça recorda as considerações expressas pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 318 e 319 do acórdão Gencor/Comissão, já referido. Contrariamente ao que a Comissão sustenta, não resulta deste acórdão que o Tribunal de Primeira Instância tenha excluído a tomada em consideração de compromissos de comportamento. Pelo contrário, o Tribunal de Primeira Instância, no n.° 318, estabeleceu o princípio segundo o qual os compromissos propostos pelas empresas em causa devem permitir à Comissão concluir que a operação de concentração em causa não cria nem reforça uma posição dominante na acepção do artigo 2.°, n.os 2 e 3, do regulamento. Em seguida, no n.° 319, deduziu de tal princípio que é indiferente que o compromisso proposto possa ser qualificado como compromisso de comportamento ou como compromisso estrutural, e que não se pode excluir, a priori, que compromissos à primeira vista de natureza comportamental, como a não utilização de uma marca durante um certo período ou a colocação à disposição de terceiros concorrentes de uma parte da capacidade de produção da empresa resultante da concentração, ou mais genericamente o acesso a uma infra‑estrutura essencial em condições não discriminatórias, sejam, também eles, de natureza a impedir a emergência ou o reforço de uma posição dominante.

87
Em relação ao exame da tomada em consideração pela Comissão dos compromissos de comportamento, o Tribunal de Primeira Instância limitou‑se a referir, no n.° 161 do acórdão recorrido, que não resulta da decisão controvertida que a Comissão tomou em consideração as implicações dos referidos compromissos na sua análise relativa à criação no futuro de uma posição dominante através do exercício do efeito de alavanca previsto.

88
No entanto, não resulta que o Tribunal de Primeira Instância tenha desvirtuado a decisão controvertida ou fundamentado insuficientemente o acórdão recorrido quanto a esse ponto. Com efeito, resulta dos n.os 429 a 432 dos fundamentos da referida decisão, que são os únicos números desta relativos aos compromissos de comportamento subscritos pela Tetra, que a Comissão recusou, por afirmações de princípio, aceitar tais compromissos, ao considerar, no n.° 429, que «não são de molde a restaurar, em permanência, condições de efectiva concorrência […], na medida em que não afectam a mudança permanente da estrutura do mercado gerada pela operação notificada», e, no n.° 431, que «[e]stas promessas em matéria de conduta são contrárias à política da Comissão em matéria de medidas correctivas e ao próprio regulamento das concentrações […], sendo extremamente difícil, se não impossível, controlar efectivamente».

89
Resulta do exame do segundo fundamento que se o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao afastar as conclusões da Comissão relativas à adopção, pela nova entidade, de comportamentos susceptíveis de produzir um efeito de alavanca, foi, no entanto, com razão que declarou, no n.° 161 do acórdão recorrido, que a Comissão devia ter tido em conta os compromissos subscritos pela Tetra a respeito do comportamento futuro da referida entidade. Por conseguinte, embora este fundamento seja parcialmente procedente, não pode no entanto levar a que o acórdão recorrido seja posto em causa na parte em que este anulou a decisão controvertida, na medida em que essa anulação se fundamenta designadamente na recusa de a Comissão tomar em consideração os referidos compromissos.

Quanto ao terceiro fundamento

90
Através do seu terceiro fundamento, a Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito devido à utilização de um critério de fiscalização jurisdicional errado e à violação do artigo 2.° do mesmo regulamento, na medida em que declarou, no n.° 269 do acórdão recorrido, que «a decisão [controvertida] não fornece elementos suficientes para justificar a definição de submercados distintos entre as máquinas SBM segundo a sua utilização final» e que, «[d]este modo, os únicos submercados a considerar são os das máquinas de fraca e de forte capacidade».

Argumentos das partes

91
A Comissão recorda que a definição dos mercados para as máquinas SBM constitui um elemento fundamental da decisão controvertida. Alega que a proporção do mercado em causa, representado por uma clientela comum para o PET e para o cartão, em relação à qual a Tetra pode explorar a sua posição dominante nos mercados do cartão através do recurso a um efeito de alavanca, terá influência de forma determinante na probabilidade de uma eliminação dos concorrentes e de um domínio deste mercado pela nova entidade.

92
A Comissão indica que, nos n.os 176 a 183 dos fundamentos da decisão controvertida, completados pelos n.os 347 a 358 e 381 a 383 dos fundamentos da mesma, definiu mercados distintos para as máquinas SBM, conforme sejam utilizadas para embalar produtos sensíveis ou produtos não sensíveis, baseando‑se em factores ligados simultaneamente à oferta e à procura. Relativamente a esta, o n.° 178 dos referidos fundamentos tem a seguinte redacção:

«De qualquer forma, um grupo de clientes distinto do produto relevante pode constituir um mercado do produto distinto, mais pequeno, no caso de ser objecto de discriminação de preços. Tal é normalmente o caso quando se encontram reunidas duas condições: a) é possível identificar claramente o grupo a que pertence um dado cliente no momento em que este adquire os produtos relevantes; e b) não é viável o comércio entre clientes ou a arbitragem de terceiros.»

93
No n.° 259 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância sintetizou, do seguinte modo, a argumentação desenvolvida na decisão controvertida pela Comissão, sem que essa síntese seja contestada por esta última:

«Em primeiro lugar, a Comissão verifica, na decisão [controvertida], que, ‘mesmo para um equipamento pretensamente 'genérico' como uma máquina SBM, se justifica examinar o mercado dos equipamentos em função dos segmentos de consumo final’, o que é ‘ainda mais indica[do] quando se comparam entre si sistemas de embalagem completos, com vista a determinar se os mesmos podem ou não fazer parte do mesmo mercado de produtos’ [considerando (43)]. Em seguida, a Comissão indica que cada produto líquido destinado a ser embalado tem as suas próprias ‘características que dão ou não a possibilidade de utilizar uma dada forma de embalagem’, antes de concluir em favor do recurso à segmentação pela utilização final como instrumento de análise dos mercados dos equipamentos de embalagem de líquidos alimentares [considerando (44)], referido no n.° 30, supra]. Faz assim a distinção entre os produtos sensíveis pertencentes aos ‘segmentos dos produtos comuns’ e os outros produtos, com base na capacidade dos primeiros em ser embalados, pelo menos do ponto de vista técnico, tanto em cartão como em PET, contrariamente aos produtos não sensíveis como as águas minerais e as bebidas gasosas que não podem ser embaladas em cartão [considerando (58)]. Admitindo que ‘as máquinas SBM são, na sua maioria, 'genéricas'’ [considerando (177)], a Comissão alega, no mesmo considerando, que ‘uma linha de embalagem PET, de que a máquina SBM constitui apenas um elemento, é em geral especialmente adaptada aos produtos acondicionados pelo cliente’, o que é em particular o caso para os produtos sensíveis, argumento reiterado na apreciação das consequências do efeito de alavanca [considerando (369)]. Cita o exemplo da ‘SRS G Combi’ da Sidel, ‘concebida para o acondicionamento de bebidas gasosas e que não pode constituir uma solução de substituição para um produtor de bebidas que deseje acondicionar sumos’ [considerando (177)], para o qual será necessária uma máquina ‘Combi SRA’ asséptica. Referindo a sua comunicação de 9 de Dezembro de 1997 relativa à definição de mercado relevante para efeitos do direito comunitário da concorrência (JO C 372, p. 5, n.° 43), afirma em seguida que as duas condições normalmente requeridas para a verificação da existência de um grupo distinto de clientes, e assim de um mercado de produtos mais estreito, se encontram aqui preenchidas: ou seja, a possibilidade de determinar precisamente a que grupo pertence um dado cliente no momento em que compra uma máquina SBM e o facto de que as trocas entre clientes ou a arbitragem por terceiros relativas a estas máquinas não são realizáveis [considerando (178)].»

94
Nos n.os 260 a 269 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância declarou o seguinte:

«260
O Tribunal verifica, em primeiro lugar, que a tónica posta, na decisão [controvertida], nos produtos sensíveis pertencentes aos ‘segmentos dos produtos comuns’ se baseia num critério objectivo, ou seja, a pertença destes produtos à categoria dos produtos embalados em cartão e a capacidade, pelo menos técnica, de os acondicionar em PET, capacidade que, dado o nível de crescimento que se pode considerar (v. n.os 201 a 216, supra), se tornará, provavelmente, uma realidade comercial bastante divulgada até 2005, pelo menos para as BAF e para as bebidas à base de chá ou café.

261
No entanto, a decisão [controvertida] não fornece provas suficientemente sólidas para demonstrar as características pretensamente específicas das máquinas SBM utilizadas para o acondicionamento dos produtos sensíveis. É um facto que uma máquina combinada especificamente concebida para o enchimento das bebidas gasosas não pode ser utilizada para os sumos. No entanto, tal está longe de demonstrar que máquinas SBM de fraca e de forte capacidade, mesmo se foram adaptadas antes da sua venda segundo os desejos dos seus compradores, não continuam a ser, como alega essencialmente a recorrente, máquinas genéricas, ou seja, aptas a embalar vários tipos de produtos.

262
Quanto à pretensa especificidade das pré‑formas de embalagem consoante os produtos visados, invocada a este respeito pela Comissão, quando a recorrente não contesta que o número de pré‑formas determina a capacidade da máquina, tal especificidade não demonstra que as máquinas SBM, de que as pré‑formas apenas constituem uma parte, se distinguem umas das outras de forma significativa. Resulta da notificação que a duração média de uma pré‑forma é só de cerca de três anos, enquanto para uma máquina SBM a duração de vida é de quinze anos (n.° 304). A Sidel fabrica as suas próprias pré‑formas mas a decisão [controvertida] não contesta as informações fornecidas na notificação quanto ao mercado das pré‑formas, segundo a qual a Sidel não está activa neste mercado (enquanto fornecedora de pré‑formas a terceiros) e segundo a qual a concorrência entre empresas activas nesse mercado é muito forte, em especial a da SIG que, no seu sítio da Internet, pretende estar em posição preeminente (n.° 309).

263
Além disso, a decisão [controvertida] também não põe em causa a afirmação feita na notificação segundo a qual um cliente pode utilizar, numa grande instalação, várias máquinas SBM de modo a combiná‑las para satisfazer as suas diferentes necessidades de produção. A decisão [controvertida] não inclui um exame da questão de saber se a flexibilidade pedida por alguns clientes quanto às pré‑formas de máquinas SBM se pode explicar por necessidades relacionadas com tais utilizações.

264
Na contestação, a Comissão refere‑se a uma série de modificações que podem ser feitas a uma máquina SBM de modo a torná‑la mais rentável ou mais útil numa cadeia PET integrada, como o acrescentamento de um sistema especial de filtragem do ar de sopragem ou um tratamento através de lâmpadas ultravioletas para reduzir o risco de contaminação antes de as pré‑formas aí entrarem. Na audiência, a Comissão precisou que estas modificações demonstram que uma máquina SBM utilizada numa cadeia de montagem PET tem características muito especiais, a que a decisão [controvertida] se refere [considerando (177)]. A Tetra, embora contestando a atribuição pela Comissão das especificidades de outros elementos de uma cadeia PET às máquinas SBM, salientou todavia que estas modificações não representam mais do que 5% do custo de uma máquina SBM.

265
Em primeiro lugar, verifica‑se que não é feita nenhuma referência a estas informações na decisão [controvertida]. Embora esta decisão coloque correctamente a tónica na importância das exigências especiais de clientes que necessitam, designadamente, de uma linha de enchimento PET asséptica, ou seja, essencialmente de uma garantia de assepsia, este elemento não justifica a definição de um submercado distinto para as máquinas SBM utilizadas numa linha de enchimento dos produtos sensíveis em questão. Com efeito, o simples facto de cada máquina SBM dever ser instalada numa cadeia PET de modo a ser útil ao seu comprador não justifica que a especificidade de outros equipamentos PET desta cadeia e, designadamente, os do enchimento PET asséptico, se reflicta nas próprias máquinas SBM.

266
O carácter genérico das máquinas SBM deve ser aceite tanto mais que a Comissão não conseguiu inverter, na audiência, a afirmação da Tetra quanto ao custo relativamente modesto, em relação ao custo de uma máquina SBM dita ‘standard’, sobretudo quanto se trata de uma máquina SBM de forte capacidade, das modificações, sendo caso disso, desejadas para tornar tal máquina mais compatível com a utilização de máquinas de enchimento PET asséptico e não asséptico, e, eventualmente, com as máquinas de enchimento asséptico capazes de passar do PET para o PEAD.

267
Além disso, é pacífico entre as partes que as máquinas combinadas, cuja utilização para o enchimento asséptico continua muito limitada (v. n.os 248 e 249, supra), não constituem um mercado distinto, como resulta também da decisão [controvertida].

268
Quanto às possibilidades de determinar precisamente a que grupo pertence um dado cliente no momento em que compra uma máquina SBM e à inexistência ou não, pelo menos hoje em dia no [Espaço Económico Europeu], de possibilidades de um tal cliente procurar um preço melhor recorrendo à arbitragem entre os fornecedores disponíveis, é claro que estas possibilidades, se existirem, se aplicam tanto às máquinas SBM utilizadas para produtos não sensíveis como às utilizadas para o acondicionamento de produtos sensíveis. A possibilidade de a nova entidade identificar o grupo a que pertence um cliente reside no facto de que muitos clientes dos mercados do cartão que passarão para o PET serão actuais clientes da Tetra. No entanto, esta possível vantagem, que resulta da vantagem ‘primeiro a chegar’ detida de forma previsível pela nova entidade, não exclui que estes clientes se possam voltar para outros fornecedores de máquinas SBM se deixarem de estar satisfeitos com as condições oferecidas pela referida entidade.

269
Com base nos elementos fornecidos na decisão [controvertida], a Comissão cometeu assim um erro, por um lado, ao declarar que as máquinas SBM são ‘na sua maioria 'genéricas'’ [considerando (177)] e, por outro, ao distingui‑las segundo a sua utilização final. Com efeito, a decisão [controvertida] não fornece elementos suficientes para justificar a definição de submercados distintos entre as máquinas SBM segundo a sua utilização final. Deste modo, os únicos submercados a considerar são os das máquinas de fraca e de forte capacidade.»

95
A Comissão considera que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao exigir, no n.° 265 do acórdão recorrido, que ela explicitasse na decisão controvertida todas as informações técnicas recolhidas no decurso do seu inquérito. A este respeito, recorda que a questão de saber se a fundamentação de uma decisão satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não apenas da sua redacção mas também do seu contexto e, designadamente, do grau de conhecimento prévio dos factos pertinentes e do prazo disponível para tomar essa decisão.

96
Além disso, o Tribunal de Primeira Instância violou os limites da fiscalização jurisdicional, desvirtuou a decisão controvertida e substituiu a apreciação da Comissão pela sua, sem sequer fundamentar a rejeição da análise desta última, ao considerar, no mesmo n.° 265, que a exigência de uma garantia de condições de assepsia não justificava a definição de um submercado para as máquinas SBM utilizadas numa linha de enchimento dos produtos sensíveis em questão. Do mesmo modo, no n.° 266 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância rejeitou a apreciação da Comissão relativa à importância das alterações a efectuar nas máquinas SBM para as tornar utilizáveis com vista à embalagem asséptica, baseando‑se apenas no elemento relativo ao custo da adaptação necessária, sem examinar os outros elementos que ela tomou em consideração, designadamente o de saber se os fornecedores dessas máquinas aos clientes tradicionais dos sectores da água e das bebidas gasosas não alcoolizadas dispõem dos conhecimentos necessários para proceder a tais alterações e oferecer as garantias necessárias.

97
A Comissão contesta também a rejeição da sua argumentação segundo a qual a discriminação pelos preços pode constituir uma prova da existência de submercados distintos. Com efeito, no n.° 223 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância considerou que essa discriminação, alegadamente praticada no passado pela Sidel, não podia constituir uma prova suficientemente sólida da continuação de um comportamento semelhante pela nova entidade, uma vez que esta última, ao contrário da Sidel antes da concentração, está vinculada não apenas pelos compromissos mas também pelas diversas obrigações que limitam o comportamento da Tetra. Considera que o Tribunal de Primeira Instância cometeu, a este respeito, um erro de direito por três razões. A primeira está relacionada com o facto de a discriminação pelos preços ser precisamente a prova da existência de condições distintas, no plano da oferta e da procura, para a venda de um produto a clientes diferentes e, portanto, a prova da existência de mercados distintos. A segunda razão resulta do facto de o Tribunal de Primeira Instância impor à Comissão que não tivesse em consideração uma conduta ilegal, mesmo quando esta era economicamente racional. A terceira razão consiste em defender que, como resulta dos n.os 161 e 162 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância não tomou em consideração a posição dominante da Tetra no mercado do cartão, mas partiu da conclusão de que a nova entidade não deterá uma posição dominante no mercado do PET e que, portanto, uma discriminação pelos preços neste mercado não pode constituir um abuso de posição dominante na acepção do artigo 82.° CE.

98
A Comissão critica por último a conclusão do Tribunal de Primeira Instância, segundo a qual os clientes têm a possibilidade de se dirigir a fornecedores diferentes da Tetra. Considera que o Tribunal de Primeira Instância ignorou os seus argumentos relativos à impossibilidade de arbitragem para as máquinas de um mesmo fornecedor (compra de máquinas em segunda mão e transferência, na mesma empresa, de uma máquina de uma divisão «produtos não sensíveis» para uma divisão «produtos sensíveis»).

99
A Tetra alega, de modo geral, que esse fundamento deve ser declarado inadmissível na medida em que tem por objecto apreciações de facto.

100
Recorda que a própria Comissão reconheceu, no n.° 177 dos fundamentos da decisão controvertida, que as máquinas SBM são «genéricas», mas que a linha de embalagem PET é que é especialmente adaptada aos produtos acondicionados pelo cliente. Defende que é em vão que a Comissão invoca elementos que não constam da referida decisão, uma vez que, como resulta da jurisprudência, uma decisão deve conter todos os elementos de facto e de direito em que a Comissão se baseou, de modo a permitir uma fiscalização jurisdicional efectiva dessa decisão. Ora, a decisão controvertida não contém nenhuma referência à necessidade de se considerar a máquina SBM um elemento de uma cadeia de embalagem de um tipo especial. De qualquer forma, o Tribunal de Primeira Instância respondeu aos argumentos desenvolvidos pela Comissão durante o processo jurisdicional. Assim, o n.° 266 do acórdão recorrido é uma resposta a um novo argumento invocado pela Comissão na sua contestação.

101
A Tetra considera que a Comissão retirou do seu contexto o n.° 223 do acórdão recorrido. Com efeito, neste número, o Tribunal de Primeira Instância não se referiu à possibilidade de invocar a discriminação como meio de prova da existência de mercados distintos, mas limitou‑se a analisar se o comportamento passado da Sidel constitui uma prova suficientemente sólida da continuação de um comportamento semelhante pela nova entidade. Foi apenas nos n.os 258 a 269 do referido acórdão que o Tribunal de Primeira Instância analisou a definição do mercado.

Apreciação do Tribunal de Justiça quanto ao terceiro fundamento

102
Antes de mais, há que rejeitar, porque inoperante, o argumento extraído pela Comissão do facto de o Tribunal de Primeira Instância ter declarado, no n.° 265 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida não faz referência a um determinado número de explicações técnicas relativas às alegadas características muito especiais das máquinas SBM utilizadas em cadeias de enchimento PET, explicações que só foram desenvolvidas pela Comissão na sua contestação e na audiência. Com efeito, resulta da leitura dos n.os 266 e 267 do mesmo acórdão que o Tribunal de Primeira Instância não baseou a sua apreciação apenas na insuficiência, na referida decisão, de provas sólidas das características alegadamente especiais dessas máquinas, mas tomou em consideração os argumentos apresentados pela Comissão na contestação e na audiência e respondeu a esses argumentos.

103
Do mesmo modo, há que rejeitar, por impertinência, o argumento baseado na alegada rejeição, pelo Tribunal de Primeira Instância, de uma discriminação pelos preços como prova da existência de submercados distintos. Com efeito, resulta da leitura dos n.os 259, último período, e 268 do acórdão recorrido que, no âmbito da determinação de mercados distintos, o Tribunal de Primeira Instância não se pronunciou sobre a prova directa de uma discriminação pelos preços, mas concentrou a sua análise nas condições em que a prova de uma possibilidade de discriminação pelos preços pode ser efectuada, sendo essas condições definidas no n.° 178 dos fundamentos da decisão controvertida, ou seja, a possibilidade de determinar precisamente a que grupo pertence um dado cliente e a impossibilidade de recorrer às trocas entre clientes ou à arbitragem por terceiros.

104
Em relação aos outros argumentos invocados pela Comissão em apoio do seu terceiro fundamento, através dos quais esta última contesta a apreciação do Tribunal de Primeira Instância sobre o carácter genérico das máquinas SBM, a possibilidade de identificar a que grupo pertence um cliente e a impossibilidade de recorrer às trocas entre clientes ou à arbitragem por terceiros no que respeita a essas máquinas, há que declará‑los inadmissíveis, uma vez que põem em causa a apreciação de elementos de prova pelo Tribunal de Primeira Instância, apreciação que não pode ser sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.

105
Resulta destas considerações que o terceiro fundamento é parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Quanto ao quarto fundamento

106
Pelo seu quarto fundamento, a Comissão sustenta que o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 2.° do regulamento, desvirtuou os factos e não teve em conta alguns dos seus argumentos, ao não reconhecer a procedência da sua conclusão segundo a qual a Tetra reforçaria a sua posição dominante no sector do cartão.

107
Os n.os 390 a 401 dos fundamentos da decisão controvertida visam demonstrar que a posição dominante que a Tetra detém no sector do cartão poderia ser reforçada pela concentração notificada, devido à eliminação, no mercado da embalagem dos produtos sensíveis, da concorrência potencial que constitui o maior fornecedor do mercado do PET, ou seja a Sidel. Sujeita desta forma a uma concorrência menos forte, a Tetra não seria incitada a baixar os preços das suas embalagens cartão e poderia ser levada a cessar de inovar.

108
Tal como o Tribunal de Primeira Instância referiu nos n.os 311 e 317 do acórdão recorrido, a Comissão invocou o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, já referido, confirmado em recurso pelo acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Novembro de 1996, Tetra Pak/Comissão, já referido (a seguir «jurisprudência Tetra Pak II»), em apoio da sua argumentação segundo a qual um enfraquecimento da concorrência potencial permitiria à Tetra sentir‑se menos ameaçada nos mercados do cartão asséptico, o que deveria ser considerado um reforço da sua posição dominante nestes mercados, na acepção do artigo 2.° do regulamento.

109
No n.° 312 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância decidiu do seguinte modo:

«[...] quando a Comissão se apoia na eliminação ou na redução significativa de uma concorrência potencial, mesmo de uma concorrência susceptível de crescer, de modo a justificar a proibição de uma concentração [notificada], os elementos constitutivos do reforço de uma posição dominante identificados devem assentar em provas sólidas. O simples facto de que a empresa adquirente ocupa já uma posição dominante muito nítida no mercado em questão, embora constituindo um elemento importante, como afirma a decisão [controvertida], não basta em si próprio para justificar a conclusão de que uma redução da concorrência potencial que esta empresa deve enfrentar constitui um reforço da sua posição».

110
No n.° 322 do mesmo acórdão, o Tribunal de Primeira Instância observou que não existe, em princípio, nenhum impedimento à aplicação, no âmbito do controlo das concentrações, da teoria das «relações de conexão», que foi reconhecida no âmbito de aplicação do artigo 82.° CE pela jurisprudência Tetra Pak II. O processo que deu origem a esta jurisprudência dizia respeito a um comportamento num dado mercado, comportamento que foi considerado constitutivo de um abuso de posição dominante num mercado conexo. No presente processo, trata‑se de mercados vizinhos. No entanto, o Tribunal de Primeira Instância considerou, no n.° 323 do mesmo acórdão, que a referência a essa jurisprudência não é pertinente, uma vez que «o presente processo diz respeito muito simplesmente aos efeitos da eliminação, ou da redução significativa, de uma concorrência potencial que é, segundo a Comissão, importante e crescente».

111
No mesmo n.° 323, o Tribunal de Primeira Instância recordou, a este respeito, que «entre os critérios do artigo 2.°, n.° 1, do regulamento que se impõem à Comissão no quadro da sua apreciação das operações de concentração notificadas consta ‘a estrutura de todos os mercados em causa e da concorrência [...] potencial de empresas [...]’». O Tribunal de Primeira Instância prosseguiu decidindo do seguinte modo:

«Consequentemente, a Comissão não cometeu nenhum erro ao examinar o significado de uma redução da concorrência potencial proveniente dos mercados dos equipamentos PET nos mercados do cartão. No entanto, incumbe‑lhe demonstrar que uma tal redução, se existir, seria susceptível de reforçar a posição dominante da Tetra face aos seus concorrentes nos mercados do cartão asséptico.»

112
No n.° 324 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância recordou que, como resulta da sua própria análise, o crescimento da utilização do PET na embalagem de produtos sensíveis seria provavelmente muito menos claro do que a Comissão considera. Por conseguinte, já não seria possível, com base nos elementos invocados na decisão [controvertida], determinar, com a certeza exigida para justificar a proibição de uma concentração, se a implementação da concentração [notificada] colocaria a Tetra numa situação em que ela poderia ser mais independente que no passado em relação aos seus concorrentes nos mercados do cartão asséptico.

113
No n.° 325 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância analisou os dois elementos de facto relativos ao comportamento futuro da Tetra em que se apoia a Comissão a fim de demonstrar os alegados efeitos negativos da concentração notificada nos mercados do cartão asséptico.

114
Nos n.os 326 a 328 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância analisou os elementos relativos à concorrência sobre os preços apresentados pela Comissão e declarou, no referido n.° 328, último período, que a conclusão da decisão controvertida segundo a qual a Tetra seria exposta a menos pressão para baixar os preços do cartão, caso fosse autorizada a adquirir a Sidel, não assenta em elementos convincentes.

115
Nos n.os 329 a 331 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância analisou os elementos apresentados pela Comissão para sustentar que a concentração notificada implica uma diminuição da incitação à inovação por parte da Tetra. No n.° 332 do mesmo acórdão, considerou que não resulta de modo suficiente da decisão controvertida que a nova entidade é menos incitada à inovação do que o é actualmente a Tetra no sector do cartão.

116
No n.° 333 do acórdão recorrido, o Tribunal de Primeira Instância concluiu o seguinte:

«Daí resulta que os elementos invocados na decisão [controvertida] não demonstram suficientemente que os efeitos da concentração [notificada] na posição ocupada pela Tetra, principalmente nos mercados do cartão asséptico, eliminando a Sidel como potencial concorrente, sejam tais que as condições do artigo 2.°, n.° 3, do regulamento estariam preenchidas. Com efeito, resulta do exposto que não foi demonstrado que a posição da nova entidade seria reforçada face aos seus concorrentes no mercado do cartão.»

Argumentos das partes

117
Através do seu quarto fundamento, que é composto por várias partes, a Comissão contesta os n.os 312 e 323 do acórdão recorrido. Antes de mais, considera que o modo como o Tribunal de Primeira Instância apresentou a questão da importância da concorrência potencial conduz à desvirtuação dos factos. Segundo a Comissão, a concorrência potencial não tem relação com o vínculo concorrencial que existe entre a empresa considerada dominante e outras empresas presentes no mercado em causa. A questão determinante é a de saber se a eliminação estrutural de uma fonte importante de concorrência potencial torna a empresa dominante ainda mais livre de qualquer obrigação, designadamente face aos seus clientes e consumidores.

118
A Comissão alega em seguida que os dois elementos mencionados no n.° 312 do acórdão recorrido, ou seja, a eliminação ou a redução significativa da concorrência potencial e o facto de a empresa em proveito da qual é realizada a concentração ocupar já uma posição dominante no mercado em questão, bastam para justificar a afirmação do reforço de tal posição.

119
Além disso, considera que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito ao rejeitar a sua apreciação do crescimento provável da utilização do PET no acondicionamento de produtos sensíveis e ao basear‑se exclusivamente na sua própria previsão segundo a qual «este crescimento seria […] provavelmente muito menos claro do que a Comissão considera».

120
Por último, a Comissão alega que o Tribunal de Primeira Instância cometeu um erro de direito, nos n.os 316 a 328 do acórdão recorrido, ao não ter em conta os seus argumentos relativos aos efeitos em matéria de preços induzidos pela eliminação da Sidel e, nos n.os 329 a 332 do mesmo acórdão, ao rejeitar a sua conclusão segundo a qual a nova entidade seria menos incitada a inovar no sector do cartão do que a Tetra é actualmente.

121
A Tetra considera que o n.° 312 do acórdão recorrido não está viciado por erro. Salienta que, segundo o regulamento, uma concentração pode ser proibida se conduzir à criação ou ao reforço de uma posição dominante. Dado que, por definição, uma posição dominante diz respeito à posição de uma empresa dominante num dado mercado, ou seja, em relação aos seus concorrentes, seria incompreensível que a Comissão se considere capaz de dissociar a posição dominante da empresa dominante da dos seus concorrentes no mesmo mercado.

122
Segundo a Tetra, defender que os dois factores referidos no n.° 312 do acórdão recorrido bastam para justificar a afirmação do reforço de uma posição dominante, como faz a Comissão, equivale a estabelecer uma norma per se por força da qual qualquer redução da concorrência potencial reforçará sempre uma posição dominante. Ora, o artigo 2.°, n.° 3, do regulamento exige que se demonstre não só que uma posição dominante é reforçada na sequência da concentração mas também que a concorrência efectiva será sensivelmente entravada devido a esse reforço. Não se pode presumir que não está reunida nenhuma dessas condições, em especial num processo em que, como no caso vertente, a concorrência potencial evocada é aquela que um primeiro mercado exerce sobre um segundo, distinto mas vizinho.

123
De qualquer forma, a Comissão invocou vários factores na decisão controvertida e, portanto, não pode censurar ao Tribunal de Primeira Instância o facto de ter analisado esses factores no acórdão recorrido. Relativamente ao crescimento provável da utilização do PET, a Tetra remete para a argumentação que já desenvolveu a esse respeito.

124
Por último, em relação aos argumentos baseados no facto de o Tribunal de Primeira Instância não ter acolhido as conclusões da Comissão relativas aos efeitos da operação sobre os incitamentos da Tetra no que respeita aos preços e à inovação, esta última alega que a Comissão critica apreciações de facto efectuadas pelo Tribunal de Primeira Instância, que escapam à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.

Apreciação do Tribunal de Justiça quanto ao quarto fundamento

125
Como resulta do artigo 2.°, n.° 1, do regulamento, para apreciar a compatibilidade de uma operação de concentração com o mercado comum, a Comissão tem em conta um conjunto de elementos como a estrutura dos mercados em causa, a concorrência real ou potencial de empresas, a posição e o poder económico e financeiro das empresas em causa, as possibilidades de escolha dos fornecedores e dos utilizadores, a existência de barreiras à entrada e a evolução da oferta e da procura.

126
Por conseguinte, foi com razão e sem violar o artigo 2.° do regulamento que o Tribunal de Primeira Instância recordou, no n.° 312 do acórdão recorrido, que o simples facto de a empresa adquirente já ocupar uma posição dominante muito nítida no mercado em questão, embora constitua um elemento importante, como declara a decisão controvertida, não basta só por si para justificar a conclusão de que uma redução da concorrência potencial que esta empresa deve enfrentar constitui um reforço da sua posição.

127
Com efeito, a concorrência potencial que representa um produtor de produtos de substituição numa parte do mercado em causa, ou seja, no caso vertente, a concorrência da Sidel, na sua qualidade de fornecedora de embalagens PET, na parte do mercado dos produtos sensíveis relativamente à embalagem de cartão asséptico, é apenas um dos elementos entre os que devem ser tomados em consideração para apreciar se existe o risco de uma operação de concentração ter por efeito o reforço de uma posição dominante. A este respeito, não se pode excluir que uma redução dessa concorrência potencial seja compensada por outros elementos, uma vez que o resultado dessa compensação é que a posição concorrencial da empresa que já ocupava uma posição dominante continue inalterada.

128
Resulta da síntese dos argumentos das partes, efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância nos n.os 313 a 320 do acórdão recorrido, que a Tetra contestou a tese do reforço da posição dominante da nova entidade nos mercados do cartão asséptico, alegando designadamente que a inexistência de inovação no sector do cartão aproveitaria essencialmente aos concorrentes actuais da Tetra nos mercados do cartão. Por conseguinte, foi com razão que, no âmbito da discussão e da apreciação dos argumentos das partes quanto a esse ponto, o Tribunal de Primeira Instância recordou, no n.° 323 do referido acórdão, que incumbe à Comissão demonstrar que uma redução da concorrência potencial, se existir, seria susceptível de reforçar a posição dominante da Tetra face aos seus concorrentes nos mercados do cartão asséptico.

129
Assim, o Tribunal de Primeira Instância baseou‑se nas reacções potenciais dos concorrentes da Tetra nos mercados do cartão, que também actuam no mercado do PET, para refutar, no n.° 327 do acórdão recorrido, a afirmação da Comissão segundo a qual essa sociedade poderia ser incitada, uma vez realizada a concentração, a aumentar os seus preços nos mercados do cartão asséptico, e, no n.° 330 do referido acórdão, a argumentação segundo a qual a nova entidade poderia decidir inovar menos.

130
Por conseguinte, não se pode considerar procedente a parte do quarto fundamento na qual a Comissão sustenta que a concorrência potencial não está relacionada com o vínculo concorrencial existente entre a empresa considerada dominante e outras empresas presentes no mercado em causa.

131
Em relação à apreciação do crescimento provável da utilização do PET no acondicionamento de produtos sensíveis, há que recordar que a argumentação da Comissão a este respeito foi analisada no âmbito do primeiro fundamento de recurso, no n.° 46 do presente acórdão, com vista a verificar se o Tribunal de Primeira Instância violou o artigo 230.° CE na medida em que não aplicou o critério do erro manifesto de apreciação e não respeitou a margem de apreciação de que beneficia a Comissão no que respeita à matéria de facto e às questões económicas complexas. Na medida em que, nesta parte do fundamento, esta última contesta as conclusões do Tribunal de Primeira Instância a esse respeito, há que referir que se trata de uma crítica à apreciação de elementos de prova efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância, apreciação que não pode ser sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância.

132
O mesmo se diga relativamente à parte do fundamento mediante a qual a Comissão contesta os n.os 316 a 328 e 329 a 332 do acórdão recorrido, nos quais o Tribunal de Primeira Instância apreciou os elementos de prova produzidos por esta última, relativos, respectivamente, aos efeitos em matéria de preços induzidos pela eliminação da Sidel e à menor incitação à inovação no sector do cartão da nova entidade.

133
Resulta destas considerações que o quarto fundamento é parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Quanto ao quinto fundamento

134
Através do quinto fundamento, a Comissão censura ao Tribunal de Primeira Instância o facto de ter violado o artigo 2.°, n.° 3, do regulamento, ao afastar as suas conclusões relativas à criação de uma posição dominante no mercado das máquinas SBM.

Argumentos das partes

135
A Comissão defende que a conclusão do Tribunal de Primeira Instância, no n.° 307 do acórdão recorrido, segundo a qual «a decisão [controvertida] não demonstra suficientemente que a nova entidade poderia conquistar até 2005 uma posição dominante nos mercados de máquinas de fraca e de forte capacidade», se baseia em erros de direito criticados no âmbito dos fundamentos anteriores, ou seja, a inclusão das máquinas SBM para produtos não sensíveis e para a cerveja no mesmo mercado das máquinas SBM para produtos sensíveis e o facto de considerar suficiente o compromisso da Tetra de não ligar a venda das referidas máquinas à dos produtos cartão. Para completar a sua argumentação, a Comissão considera necessário demonstrar os erros cometidos pelo Tribunal de Primeira Instância no que respeita à criação de uma posição dominante no mercado das máquinas SBM.

136
Em relação às máquinas SBM de fraca capacidade, a Comissão sustenta, antes de mais, que o Tribunal de Primeira Instância não tomou em consideração determinados elementos pertinentes constantes da decisão controvertida, tais como a melhoria, em partes de mercado, da posição da Sidel (n.° 266 dos fundamentos desta decisão) e o imediato reforço da sua posição graças à combinação, por um lado, da sua posição preeminente em termos de partes de mercado e, por outro, do poder financeiro, da força de venda, da superioridade estabelecida na embalagem asséptica, da vantagem do primeiro a chegar à clientela do sector da embalagem de cartão e da posição dominante de que já beneficia a Tetra neste sector (n.os 376 a 387 da referida decisão).

137
Além disso, a Comissão sustenta que o Tribunal de Primeira Instância se baseou em elementos de facto desprovidos de pertinência. Assim, a importância das máquinas SBM de fraca capacidade para a embalagem de produtos não sensíveis não é um elemento pertinente se devesse ser admitida a definição de mercado proposta pela Comissão. Do mesmo modo, a afirmação do Tribunal de Primeira Instância, no n.° 279 do acórdão recorrido, segundo a qual «uma proporção importante das máquinas SBM utilizadas para o acondicionamento de produtos sensíveis se refere, com toda a probabilidade, a máquinas de fraca capacidade», não é pertinente para apreciar a possibilidade de a Tetra se apoiar na sua posição dominante no sector da embalagem de cartão para adquirir uma posição dominante no sector das máquinas SBM de fraca capacidade.

138
Em relação às máquinas de forte capacidade, a Comissão sustenta que o Tribunal de Primeira Instância não teve o cuidado de tomar em consideração elementos pertinentes e, designadamente, no n.° 284 do acórdão recorrido, o crescimento da parte de mercado da Sidel graças à concentração notificada. Considera também que foi sem razão que o Tribunal de Primeira Instância tomou em consideração a possibilidade de um crescimento inferior às previsões da utilização do PET para os produtos sensíveis, bem como a eventualidade de os clientes que fabricam produtos sensíveis recorrerem ao PEAD, em vez de ao PET, quando estes elementos são desprovidos de pertinência para determinar se a Tetra beneficia de uma vantagem de primeiro a chegar nas suas relações com os clientes que escolhem o PET.

139
Do mesmo modo, no que respeita aos clientes que abandonam o acondicionamento em vidro, o raciocínio do Tribunal de Primeira Instância não teve em conta determinados elementos e desvirtua os factos. Com efeito, por um lado, este último não teve em consideração o facto de um cliente que utiliza este tipo de embalagem só raramente acondicionar os seus produtos exclusivamente neste material. Por outro, o Tribunal de Primeira Instância apresenta de forma errada os factos quando afirma que os concorrentes da Tetra/Sidel presentes no sector da embalagem em vidro beneficiam da vantagem de primeiro a chegar, uma vez que, ao fazê‑lo, descura o facto de os fornecedores de equipamentos de vidro e metal não terem laços estreitos e permanentes com os produtores de bebidas porque a quase totalidade do fabrico das embalagens em vidro e em metal é efectuada por conversores.

140
Em relação à posição dos concorrentes, a Comissão considera que o Tribunal de Primeira Instância desvirtuou a decisão controvertida ao declarar, no n.° 294 do acórdão recorrido, que esta não continha uma análise adequada da concorrência no mercado das máquinas de forte capacidade que a Sidel deve enfrentar e subestimava a concorrência representada pelos três principais concorrentes desta sociedade. Segundo a Comissão, a referida decisão contém uma análise aprofundada das posições relativas da nova entidade e dos seus concorrentes, designadamente nos n.os 232 a 248, 293 a 300, 303 a 310 e 369 a 387 dos seus fundamentos. Além disso, o apuramento dos factos feito pelo Tribunal de Primeira Instância é inexacto, uma vez que este último afirma, por um lado, que o concorrente SIG dispõe de uma vantagem porque está presente no mercado a jusante das pré‑formas, quando, segundo a Comissão, não está presente a jusante enquanto fornecedor de pré‑formas que propõe os seus produtos a empresas que recorrem ao engarrafamento PET, e, por outro, que esta mesma sociedade beneficia de uma vantagem de primeiro a chegar devido às suas actividades no sector do vidro, quando, na verdade, fabrica máquinas e não está presente no mercado a jusante das garrafas de vidro.

141
Por último, a Comissão considera que a afirmação do Tribunal de Primeira Instância, no n.° 305 do acórdão recorrido, segundo a qual «a conclusão quanto à dependência dos conversores face à Sidel não é convincente», afirmação baseada exclusivamente no «nível actual da concorrência existente», não contém uma fundamentação clara ou suficiente para invalidar a apreciação complexa desenvolvida pela Comissão a este respeito nos n.os 303 a 310 dos fundamentos da decisão controvertida.

142
A Tetra alega que as várias críticas, aparentemente sem ligação entre elas, formuladas pela Comissão no seu quinto fundamento devem ser declaradas inadmissíveis por duas razões. Com efeito, por um lado, a Comissão invoca elementos que não eram mencionados na decisão controvertida e, por outro, contesta directamente a apreciação dos factos feita pelo Tribunal de Primeira Instância.

Apreciação do Tribunal de Justiça quanto ao quinto fundamento

143
Resulta da análise dos argumentos apresentados pela Comissão que a sua maioria diz respeito à apreciação de elementos de prova pelo Tribunal de Primeira Instância, apreciação que não está sujeita à fiscalização do Tribunal de Justiça no âmbito do recurso de uma decisão do Tribunal de Primeira Instância. É esse o caso quando a Comissão censura a este último o facto de não ter tomado em consideração determinados elementos que ela considera pertinentes, ou de ter tido em conta outros elementos que ela considera desprovidos de pertinência, quer seja no que respeita às máquinas SBM de fraca ou forte capacidade ou ainda a respeito da tomada em consideração dos clientes que abandonaram a embalagem em vidro.

144
Através de outros argumentos invocados em apoio do seu quinto fundamento, a Comissão contesta explicitamente o apuramento ou a apreciação dos factos feita pelo Tribunal de Primeira Instância. É esse, designadamente, o caso do argumento relativo aos concorrentes da Tetra/Sidel no que respeita à embalagem em vidro, ou da análise da posição do concorrente SIG.

145
Em relação à alegada desvirtuação da decisão controvertida que foi efectuada no n.° 294 do acórdão recorrido, há que referir que a Comissão não indica nenhum ponto preciso dos fundamentos dessa decisão cujo conteúdo tenha sido desvirtuado pelo Tribunal de Primeira Instância e que este argumento tem por objecto, na realidade, a apreciação dos factos e dos elementos de prova efectuada pelo Tribunal de Primeira Instância.

146
Por último, no que respeita ao elemento baseado em falta de fundamentação da conclusão, que consta do n.° 305 do acórdão recorrido, segundo a qual a dependência dos conversores face à Sidel não foi demonstrada de maneira convincente, basta referir que o Tribunal de Primeira Instância fundamentou sucintamente, mas de forma suficiente, essa apreciação no último período deste mesmo n.° 305.

147
Resulta destas considerações que o quinto fundamento é parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

Conclusão

148
Não sendo nenhum dos fundamentos invocados pela Comissão em apoio do presente recurso susceptíveis de serem acolhidos, há que os julgar improcedentes.


Quanto às despesas

149
Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável ao processo de recurso de decisões do Tribunal de Primeira Instância por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida deve ser condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a Tetra pedido a condenação da Comissão e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) decide:

1)
É negado provimento ao recurso.

2)
A Comissão das Comunidades Europeias é condenada nas despesas.


Assinaturas


NaN
Língua do processo: inglês.