Language of document : ECLI:EU:C:2024:61

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção)

18 de janeiro de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Livre circulação de mercadorias — Artigos 34.o e 36.o TFUE — Propriedade intelectual — Marca da União Europeia — Regulamento (CE) n.o 207/2009 — Artigo 13.o — Regulamento (UE) 2017/1001 — Artigo 15.o — Esgotamento do direito conferido pela marca — Colocação no mercado da União ou no Espaço Económico Europeu (EEE) — Consentimento do titular da marca — Lugar onde os produtos foram colocados no mercado pela primeira vez pelo titular ou com o seu consentimento — Ónus da prova»

No processo C‑367/21,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia), por Decisão de 1 de abril de 2021, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 14 de junho de 2021, no processo

Hewlett Packard Development Company LP

contra

Senetic S. A.,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Décima Secção),

composto por: M. Ilešič (relator), exercendo funções de presidente da Décima Secção, I. Jarukaitis e D. Gratsias, juízes,

advogado‑geral: G. Pitruzzella,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Hewlett Packard Development Company LP, por A. Jodkowski e K. Zielińska‑Piątkowska, adwokaci,

–        em representação da Senetic S. A., por S. Dudzik e E. Rumak, radcowie prawni,

–        em representação do Governo Polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

–        em representação da Comissão Europeia, por É. Gippini Fournier, S. L. Kalėda e B. Sasinowska, na qualidade de agentes,

vista a decisão tomada, ouvido o advogado‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 36.o, segundo período, TFUE, em conjugação com o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia (JO 2017, L 154, p. 1), e com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, bem como dos artigos 34.o, 35.o e 36.o TFUE.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Hewlett Packard Development Company LP, com sede nos Estados Unidos da América (a seguir «Hewlett Packard»), à Senetic S. A., com sede na Polónia, a respeito da comercialização, por esta última, de produtos de equipamento informático que ostentam marcas da União Europeia de que a Hewlett Packard é titular.

 Quadro jurídico

 Direito da União

 Regulamento (CE) n.o 207/2009

3        O considerando 9 do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca [da União Europeia] (JO 2009, L 78, p. 1), enunciava:

«Decorre do princípio da livre circulação de mercadorias que o titular de uma marca [da União Europeia] não pode impedir a sua utilização por terceiros relativamente a produtos que tenham sido postos em circulação na [União Europeia], sob essa marca, pelo próprio titular ou com o seu consentimento, a menos que motivos legítimos justifiquem a sua oposição à comercialização posterior dos produtos.»

4        O artigo 9.o deste regulamento, com a epígrafe «Direito conferido pela marca [da União Europeia]», previa:

«1.      A marca [da União Europeia] confere ao seu titular um direito exclusivo. O titular fica habilitado a proibir um terceiro de utilizar, sem o seu consentimento, na vida comercial:

a)      Um sinal idêntico à marca [da União Europeia] para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais esta foi registada;

[…]

2.      Pode nomeadamente ser proibido, se estiverem preenchidas as condições enunciadas no n.o 1:

[…]

b)      Oferecer os produtos, colocá‑los no comércio ou possuí‑los para esses fins, ou oferecer ou prestar serviços sob esse sinal;

c)      Importar ou exportar produtos sob esse sinal;

[…]»

5        O artigo 13.o do referido regulamento, com a epígrafe «Esgotamento do direito conferido pela marca [da União Europeia]», tinha a seguinte redação:

«1.      O direito conferido pela marca [da União Europeia] não permite ao seu titular proibir a sua utilização para produtos comercializados na [União] sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.

2.      O n.o 1 não é aplicável sempre que motivos legítimos justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado dos produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»

6        O Regulamento n.o 207/2009 foi revogado e substituído, com efeitos a partir de 1 de outubro de 2017, pelo Regulamento 2017/1001.

 Regulamento 2017/1001

7        Nos termos do considerando 17 do Regulamento 2017/1001:

«A fim de conciliar a necessidade de assegurar o cumprimento efetivo dos direitos conferidos pelas marcas com a necessidade de evitar os entraves ao livre fluxo de trocas comerciais de produtos legítimos, os direitos do titular da marca da [União Europeia] deverão caducar se, no decurso do processo subsequente instaurado no tribunal de marcas da União Europeia (“tribunal de marcas da [União Europeia]”) competente para decidir se existiu infração da marca da [União Europeia], o declarante ou o detentor dos produtos conseguir provar que o titular da marca da [União Europeia] não tem o direito de proibir a colocação dos produtos no mercado no país de destino final.»

8        O considerando 22 deste regulamento enuncia:

«Decorre do princípio da livre circulação de mercadorias que é essencial que o titular de uma marca da [União Europeia] não possa impedir a sua utilização por terceiros relativamente a produtos que tenham sido postos em circulação no Espaço Económico Europeu, sob essa marca, pelo próprio titular ou com o seu consentimento, a menos que motivos legítimos justifiquem a sua oposição à comercialização posterior dos produtos.»

9        O artigo 9.o do referido regulamento, com a epígrafe «Direitos conferidos por uma marca da [União Europeia]», prevê:

«1.      O registo de uma marca da [União Europeia] confere ao seu titular direitos exclusivos.

2.      Sem prejuízo dos direitos dos titulares adquiridos antes da data de depósito ou da data de prioridade da marca da [União Europeia], o titular dessa marca da [União Europeia] fica habilitado a proibir que terceiros, sem o seu consentimento, façam uso, no decurso de operações comerciais, de qualquer sinal em relação aos produtos ou serviços caso o sinal seja:

a)      Idêntico à marca da [União Europeia] e seja utilizado para produtos ou serviços idênticos àqueles para os quais marca da [União Europeia] foi registada;

[…]

3.      Ao abrigo do n.o 2, pode ser proibido, nomeadamente:

[…]

b)      Oferecer os produtos, colocá‑los no mercado ou armazená‑los para esses fins, ou oferecer ou prestar serviços sob o sinal;

c)      Importar ou exportar produtos sob o sinal;

[…]»

10      O artigo 15.o do mesmo regulamento, com a epígrafe «Esgotamento do direito conferido pela marca da [União Europeia]», dispõe:

«1.      A marca da [União Europeia] não confere ao seu titular o direito de proibir a sua utilização para produtos que tenham sido comercializados no Espaço Económico Europeu sob essa marca pelo titular ou com o seu consentimento.

2.      O n.o 1 não é aplicável sempre que motivos legítimos justifiquem que o titular se oponha à comercialização posterior dos produtos, nomeadamente sempre que o estado dos produtos seja modificado ou alterado após a sua colocação no mercado.»

 Diretiva 2004/48/CE

11      Nos termos do artigo 1.o da Diretiva 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual (JO 2004, L 157, p. 45; e retificação no JO 2004, L 195, p. 16), que tem por epígrafe «Objeto»:

«A presente diretiva estabelece as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual. Para efeitos da presente diretiva, a expressão “direitos de propriedade intelectual” engloba os direitos da propriedade industrial.»

12      O artigo 2.o desta diretiva, com a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê, no seu n.o 1:

«Sem prejuízo dos meios já previstos ou que possam vir a ser previstos na legislação [da União] ou nacional e desde que esses meios sejam mais favoráveis aos titulares de direitos, as medidas, procedimentos e recursos previstos na presente diretiva são aplicáveis, nos termos do artigo 3.o, a qualquer violação dos direitos de propriedade intelectual previstos na legislação [da União] e/ou na legislação nacional do Estado‑Membro em causa.»

13      O capítulo II da referida diretiva, sob a epígrafe «Medidas, procedimentos e recursos» inclui, nomeadamente, o artigo 3.o, com a epígrafe «Obrigação geral», que dispõe, no seu n.o 2:

«As medidas, procedimentos e recursos também devem ser eficazes, proporcionados e dissuasivos e aplicados de forma a evitar que se criem obstáculos ao comércio lícito e a prever salvaguardas contra os abusos.»

14      O artigo 6.o da mesma diretiva, com a epígrafe «Prova», prevê, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros devem garantir que, a pedido da parte que tiver apresentado provas razoavelmente disponíveis e suficientes para fundamentar as suas alegações e especificado as provas suscetíveis de as apoiar que se encontram sob o controlo da parte contrária, as autoridades judiciais competentes podem ordenar que esses elementos de prova sejam apresentados pela parte contrária, desde que a proteção das informações confidenciais seja salvaguardada. Para efeitos do presente número, os Estados‑Membros podem estabelecer que as autoridades judiciais competentes considerem que uma amostra razoável de um número substancial de cópias de uma obra ou de qualquer outro objeto protegido constitui um elemento de prova razoável.»

 Direito polaco

15      O artigo 325.o da ustawa — Kodeks postępowania cywilnego (Lei que aprova o Código de Processo Civil), de 17 de novembro de 1964, na versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «Código de Processo Civil»), tem a seguinte redação:

«O dispositivo da sentença deve conter a denominação do tribunal, o nome dos juízes, do secretário e do procurador do Ministério Público, se este tiver intervindo no processo, a data e o local da audiência e da prolação da sentença, o nome das partes e o objeto do processo, bem como a decisão do tribunal sobre os pedidos das partes.»

16      O artigo 758.o do Código de Processo Civil prevê:

«Os [sądy rejonowe (tribunais de primeira instância, Polónia)] e os oficiais de justiça adstritos a esses tribunais são competentes em matéria de execução.»

17      Nos termos do artigo 767.o deste código:

«1.      Salvo disposição legal em contrário, os atos do oficial de justiça podem ser objeto de recurso para o tribunal de primeira instância. É igualmente possível interpor recurso da omissão de um ato por parte do oficial de justiça. O recurso é apreciado pelo tribunal do foro do gabinete do oficial de justiça.

2.      O recurso pode ser interposto por uma das partes ou por outra pessoa cujos direitos tenham sido violados ou ameaçados pelo ato ou pela omissão do oficial de justiça.

[…]»

18      O artigo 840.o do referido código dispõe, no seu n.o 1:

«O devedor pode pedir, através de recurso, a anulação total ou parcial ou a limitação do efeito executório do título executivo quando:

1)      contestar os factos que justificaram a aposição da fórmula executória, nomeadamente quando impugnar a existência da obrigação declarada por título executivo simples diferente de uma decisão judicial ou quando impugnar a transmissão de uma obrigação apesar da existência de um documento formal que a certifique;

2)      após a emissão de um título executivo simples, tiver ocorrido um facto que implique a extinção da obrigação ou a impossibilidade de a executar; se o título for uma decisão judicial, o devedor pode igualmente basear o seu recurso em factos ocorridos após o encerramento da discussão, na exceção de execução da prestação, quando a invocação dessa exceção no processo em causa fosse inadmissível ex lege, bem como na exceção de compensação.

[…]»

19      O artigo 843.o do mesmo código prevê, no seu n.o 3:

«No recurso, o recorrente deve apresentar todas as alegações que possam ser invocadas nessa fase, sob pena de preclusão do direito de as invocar posteriormente no processo.»

20      O artigo 1050.o do Código de Processo Civil dispõe:

«1.      Quando o devedor for obrigado a praticar um ato que não possa ser praticado por outra pessoa e cuja prática dependa exclusivamente da sua vontade, o tribunal em cuja circunscrição o ato deva ser praticado, a pedido do credor e ouvidas as partes, fixará ao devedor um prazo para praticar o ato, sob pena de multa, se não o fizer no prazo estabelecido.

[…]

3.      Se o prazo concedido ao devedor para praticar um ato tiver expirado sem que o devedor o tenha praticado, o tribunal aplicará ao devedor, a pedido do credor, uma multa e fixará simultaneamente um novo prazo para a prática do ato, sob pena de multa agravada.»

21      O artigo 1051.o deste código tem a seguinte redação, no seu n.o 1:

«Se o devedor estiver vinculado pela obrigação de não praticar ou obstaculizar os atos do credor, o tribunal em cuja circunscrição o devedor não cumpriu a sua obrigação, a pedido do credor, condena‑o a pagar uma multa, ouvidas as partes e depois de declarar que o devedor não cumpriu a sua obrigação. O tribunal procede do mesmo modo em caso de novo pedido por parte do credor.»

 Litígio no processo principal e questão prejudicial

22      A Hewlett Packard é titular dos direitos exclusivos sobre as marcas nominativa e figurativa da União Europeia HP, registadas, respetivamente, sob os números 000052449 e 008579021.

23      Esta última comercializa produtos de equipamento informático que ostentam essas marcas por intermédio de representantes autorizados que se comprometem a não vender esses produtos a pessoas que não são membros da sua rede de distribuição, exceto aos utilizadores finais. Esses representantes autorizados são, além disso, obrigados a adquirir esses produtos unicamente a outros representantes autorizados ou à própria Hewlett Packard.

24      Cada exemplar destes produtos tem um número de série que permite identificá‑lo. A Hewlett Packard dispõe de uma ferramenta informática que inclui, entre outros, uma base de dados que classifica todos os exemplares de um produto, bem como o mercado a que estes se destinam. Em contrapartida, esses exemplares não dispõem de um sistema de marcação que permita, por si só, determinar se um exemplar se destina ou não ao mercado do Espaço Económico Europeu (EEE).

25      A Senetic exerce a atividade de distribuição de material informático. Esta última introduziu na Polónia produtos que ostentam as marcas da União Europeia de que a Hewlett Packard é titular. Adquiriu esses produtos a vendedores, estabelecidos no território do EEE, diferentes dos distribuidores oficiais dos produtos da Hewlett Packard, após ter obtido desses vendedores a garantia de que a comercialização desses produtos no EEE não prejudicava os direitos exclusivos desta última. Além disso, a Senetic pediu, em vão, aos representantes autorizados da Hewlett Packard que lhe confirmassem que os referidos produtos podiam ser comercializados no EEE sem violar os seus direitos exclusivos.

26      A Hewlett Packard intentou nos órgãos jurisdicionais polacos uma ação destinada a fazer cessar a violação dos direitos que lhe são conferidos pelas marcas da União Europeia de que é titular, proibindo a Senetic, de modo geral, de proceder à importação, à exportação, à publicidade e ao armazenamento para os fins acima referidos dos produtos de equipamento informático, designados pelas referidas marcas, que não foram, anteriormente, colocados no mercado no EEE por ela própria ou com o seu consentimento. Além disso, a Hewlett Packard pediu que fosse ordenado à Senetic que retirasse esses produtos do mercado.

27      Em sua defesa, a Senetic invoca o esgotamento dos direitos conferidos pelas mencionadas marcas da União Europeia, alegando que os produtos em causa tinham anteriormente sido colocados no mercado do EEE pela Hewlett Packard ou com o seu consentimento.

28      O Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia, Polónia), o órgão jurisdicional de reenvio, salienta que, na falta de sistema de marcação dos produtos da Hewlett Packard, é, na prática, muito difícil para um distribuidor independente identificar o mercado de destino de cada um dos produtos designados pelas marcas da União Europeia em causa, sendo ainda mais difícil fazer prova de que esses produtos foram colocados no mercado do EEE pelo titular dessas marcas ou com o seu consentimento.

29      Segundo esse órgão jurisdicional, a Senetic poderia teoricamente dirigir‑se aos seus fornecedores para obter informações sobre a identidade dos operadores intervenientes a montante da cadeia de distribuição. No entanto, como o Tribunal de Justiça reconheceu no seu Acórdão de 8 de abril de 2003, Van Doren + Q (C‑244/00, EU:C:2003:204), seria pouco provável que a Senetic conseguisse obter este tipo de informações, uma vez que os fornecedores se mostram geralmente reticentes em divulgar as suas fontes de abastecimento.

30      Ora, em primeiro lugar, os tribunais polacos têm por prática, no dispositivo das suas decisões que julgam procedente uma ação por contrafação de uma marca da União Europeia, fazer referência aos «produtos que não tenham sido anteriormente colocados no mercado [do] EEE pelo demandante (titular da marca da União Europeia) ou com o seu consentimento». Esta formulação não permite, na fase do processo executivo, identificar os produtos visados nesse processo e diferenciá‑los dos que são abrangidos pela exceção relativa ao esgotamento do direito conferido pela marca. Assim, o dispositivo dessas decisões não impõe, na realidade, às partes de que são destinatárias uma obrigação diferente da que já decorre das disposições da lei.

31      Devido a esta prática judicial, a demandada numa ação por contrafação não está em condições de executar voluntariamente uma decisão que declara a contrafação e expõe‑se ao risco de que lhe sejam aplicadas as sanções previstas nos artigos 1050.o e 1051.o do Código de Processo Civil. Além disso, esta prática conduz, na maior parte das vezes, à apreensão de todos os produtos, incluindo os que circulam sem violação do direito conferido por uma marca da União Europeia.

32      Do mesmo modo, como resulta, nomeadamente, dos artigos 767.o, 840.o e 843.o do Código de Processo Civil, no âmbito dos procedimentos cautelares e executivos, a demandada numa ação por contrafação confronta‑se com vários obstáculos jurídicos, a fim de se poder opor, com sucesso, às medidas ordenadas neste âmbito e apenas dispõe de garantias processuais limitadas.

33      Primeiro, nos termos do artigo 767.o deste código, conforme interpretado pelos tribunais polacos, o recurso de um ato de um oficial de justiça só é possível se este não tiver respeitado as normas processuais que regem o processo executivo. Assim, tal recurso não permite determinar se um produto que ostenta uma marca da União Europeia foi colocado no mercado do EEE pelo titular dessa marca ou com o seu consentimento.

34      Segundo, a demandada numa ação por contrafação não dispõe da faculdade de deduzir oposição, com base no artigo 840.o do Código de Processo Civil, dado que esse meio processual não pode servir para esclarecer o conteúdo da decisão judicial que constitui título executivo.

35      Terceiro, de acordo com a opinião dominante na doutrina polaca, é certo que o órgão jurisdicional competente para a execução pode ouvir as partes, mas, com base no artigo 1051.o do Código de Processo Civil, só pode determinar se a demandada na ação por contrafação agiu em conformidade com o conteúdo do título executivo à luz dos elementos resultantes da audição das partes, sem poder proceder à produção da prova.

36      Quarto, por força do artigo 843.o, n.o 3, do Código de Processo Civil, quando interpõe recurso no âmbito do processo executivo, o devedor deve indicar todas as alegações que puder deduzir, sob pena de preclusão do direito de as deduzir posteriormente no processo.

37      Por conseguinte, na opinião do órgão jurisdicional de reenvio, existe o risco de a proteção jurisdicional efetiva no domínio da livre circulação de mercadorias ser restringida devido à prática judicial polaca relativa à formulação do dispositivo das decisões que declaram verificada a contrafação.

38      Em segundo lugar, esse órgão jurisdicional salienta que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a proteção dos direitos exclusivos em matéria de propriedade intelectual não tem caráter absoluto. Por um lado, com efeito, esta proteção limita‑se à situação em que a utilização de uma marca por uma pessoa diferente do seu titular viola a função da marca. Por outro lado, o exercício dos direitos exclusivos está sujeito à procura de um equilíbrio entre esses direitos e a proteção das liberdades do mercado interno, entre as quais figura, nomeadamente, a livre circulação de mercadorias.

39      Assim, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a possibilidade de, nas circunstâncias factuais do litígio que lhe foi submetido, aplicar a inversão do ónus da prova operada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 8 de abril de 2003, Van Doren + Q (C‑244/00, EU:C:2003:204), ou mesmo de excluir a faculdade de o titular da marca invocar a proteção conferida pelo artigo 9.o e pelo artigo 102.o do Regulamento n.o 207/2009, atuais, respetivamente, artigo 9.o e artigo 130.o do Regulamento 2017/1001.

40      Nestas condições, o Sąd Okręgowy w Warszawie (Tribunal Regional de Varsóvia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1.      Devem o artigo 36.o, segundo período, TFUE, em conjugação com o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento [2017/1001], bem como com o artigo 19.o, n.o 1, segundo parágrafo, TUE, ser interpretados no sentido de que se opõem a uma prática de órgãos jurisdicionais nacionais dos Estados‑Membros segundo a qual esses órgãos jurisdicionais:

–        ao apreciarem um pedido do titular de uma marca requerendo a proibição da importação, da exportação, da publicidade de produtos que ostentam uma marca da União Europeia ou que seja ordenada a retirada desses produtos do mercado,

–        ao pronunciar‑se num processo de medidas provisórias sobre a apreensão de produtos que ostentam uma marca da União,

fazem referência, nas suas decisões, aos “produtos que não foram comercializados no [EEE] pelo titular da marca ou com o seu consentimento”, pelo que a determinação de quais os produtos abrangidos pela marca da União Europeia que são objeto das injunções e proibições impostas (isto é, a determinação de quais os produtos que não foram comercializados no [EEE] pelo titular da marca ou com o seu consentimento) é, atendendo à formulação geral da decisão, deixada à autoridade de execução, a qual, ao efetuar essa determinação, se baseia nas declarações do titular da marca da União Europeia ou nos instrumentos fornecidos pelo mesmo (incluindo ferramentas informáticas e bases de dados), ao passo que a admissibilidade da impugnação da referida determinação efetuada pela autoridade de execução perante um órgão jurisdicional num processo quanto ao mérito está excluída ou limitada pela natureza das vias de recurso de que a demandada dispõe no processo de medidas provisórias ou executivo?

2.      Devem as disposições dos artigos 34.o, 35.o e 36.o [TFUE] ser interpretadas no sentido de que excluem a possibilidade de o titular de uma marca comunitária (atualmente da União Europeia) invocar o registo para obter a proteção prevista nos artigos 9.o e 102.o do Regulamento [n.o 207/2009] (atuais artigos 9.o e 130.o do Regulamento [2017/1001]), quando:

–        o titular do registo comunitário (marca da União Europeia) efetua, dentro e fora do [EEE], a distribuição de produtos que ostentam essa marca por intermédio de distribuidores autorizados, que podem proceder à revenda dos produtos que ostentam a marca a entidades que não são os destinatários finais desses produtos, que pertencem exclusivamente à rede oficial de distribuição — e simultaneamente os distribuidores autorizados são obrigados a adquirir exclusivamente os produtos junto de outros distribuidores autorizados ou do titular da marca;

–        os produtos que ostentam a marca não têm uma identificação ou outras características distintivas que permitam estabelecer o local da sua colocação no mercado pelo titular da marca ou com o seu consentimento;

–        a demandada adquiriu produtos que ostentam a marca no [EEE];

–        a demandada recebeu declarações do vendedor dos produtos que ostentam a marca segundo as quais esses produtos podiam, em conformidade com a lei, ser comercializados no território do [EEE];

–        o titular do registo da marca da União Europeia não disponibiliza nenhuma ferramenta informática (ou outra) nem utiliza um sistema de identificação que permita ao potencial comprador do produto que ostenta a marca verificar ele próprio a legalidade da comercialização desses produtos no [EEE] antes da aquisição do produto — e recusa proceder a essa verificação a pedido do comprador?»

 Tramitação processual no Tribunal de Justiça

41      Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 29 de novembro de 2021, a instância no presente processo ficou suspensa até à prolação do Acórdão de 17 de novembro de 2022, Harman International Industries (C‑175/21, EU:C:2022:895).

42      Na sequência de uma Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 28 de novembro de 2022, a Secretaria do Tribunal de Justiça notificou esse acórdão ao órgão jurisdicional de reenvio, perguntando‑lhe se, à luz deste, pretendia manter o pedido de decisão prejudicial, nomeadamente no que respeita à primeira questão submetida. No referido acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, em conjugação com o artigo 36.o, segundo período, TFUE, o artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a Diretiva 2004/48, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a uma prática judicial segundo a qual o dispositivo da decisão que julga procedente uma ação por contrafação de uma marca da União Europeia é redigido em termos que, devido ao seu caráter geral, deixam a cargo da autoridade competente para a execução dessa decisão a determinação de quais os produtos a que a referida decisão se aplica, desde que, no âmbito do processo executivo, seja permitido ao demandado contestar a determinação dos produtos visados nesse processo e um órgão jurisdicional possa examinar e decidir, na observância do disposto na Diretiva 2004/48, que produtos foram efetivamente colocados no mercado do EEE pelo titular da marca ou com o seu consentimento.

43      Por carta de 3 de fevereiro de 2023, que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Justiça no mesmo dia, o órgão jurisdicional de reenvio informou o Tribunal de Justiça de que desistia da sua primeira questão, mas que mantinha a segunda.

 Quanto à questão prejudicial

44      A título preliminar, importa recordar que, no âmbito do processo de cooperação entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, instituído pelo artigo 267.o TFUE, cabe a este dar ao juiz nacional uma resposta útil que lhe permita decidir o litígio que lhe foi submetido. Nesta ótica, incumbe ao Tribunal de Justiça, se necessário, reformular as questões que lhe são submetidas. Além disso, o Tribunal de Justiça pode ser levado a tomar em consideração disposições de direito da União a que o órgão jurisdicional nacional não fez referência no enunciado da sua questão (v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 2022, Impexeco e PI Pharma, C‑253/20 e C‑254/20, EU:C:2022:894, n.o 40 e jurisprudência referida).

45      No caso em apreço, com a sua questão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio solicita a interpretação dos artigos 34.o, 35.o e 36.o TFUE, a fim de saber se estas disposições se opõem a que, em determinadas circunstâncias que enumera, o titular de uma marca da União Europeia possa invocar a proteção conferida pelo artigo 9.o do Regulamento n.o 207/2009, ou pelo artigo 9.o do Regulamento 2017/1001.

46      A este respeito, importa, todavia, sublinhar que o artigo 13.o do Regulamento n.o 207/2009 e o artigo 15.o do Regulamento 2017/1001 regulam de modo completo a questão do esgotamento do direito conferido pela marca no que respeita aos produtos comercializados na União ou no EEE, respetivamente.

47      Por outro lado, como resulta do n.o 39 do presente acórdão, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, mais especificamente, sobre se, em circunstâncias como as do litígio no processo principal, o ónus da prova do esgotamento dos direitos conferidos pelas marcas da União Europeia em causa pode recair exclusivamente sobre a demandada na ação por contrafação.

48      Nestas condições, há que considerar que, com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 e o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, lidos em conjugação com os artigos 34.o e 36.o TFUE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que o ónus da prova do esgotamento do direito conferido por uma marca da União Europeia recaia exclusivamente sobre a demandada na ação por contrafação, quando os produtos que ostentam essa marca, não tendo sido objeto de uma identificação que permita a terceiros determinar o mercado em que os mesmos se destinam a ser comercializados, e que são distribuídos através de uma rede de distribuição seletiva cujos membros só os podem revender a outros membros dessa rede ou a utilizadores finais, foram comprados por essa demandada na União, ou no EEE, depois de ter obtido a garantia dos vendedores de que podiam aí ser legalmente comercializados, e sendo que o próprio titular da referida marca se recusa a proceder a essa verificação a pedido do comprador.

49      O artigo 9.o do Regulamento n.o 207/2009, atual artigo 9.o do Regulamento 2017/1001, confere ao titular da marca da União Europeia um direito exclusivo que lhe permite proibir que qualquer terceiro, designadamente, importe produtos que ostentem a sua marca, os ofereça, os coloque no mercado ou os detenha para esse fim, sem o seu consentimento (Acórdão de 17 de novembro de 2022, Harman International Industries, C‑175/21, EU:C:2022:895, n.o 37 e jurisprudência referida).

50      O artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009, atual artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, prevê uma exceção a esta regra, na parte em que prevê que o direito do titular fica esgotado quando os produtos tiverem sido colocados no mercado da União ou no EEE sob esta marca pelo próprio titular ou com o seu consentimento (v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 2022, Harman International Industries, C‑175/21, EU:C:2022:895, n.o 38 e jurisprudência referida). Esta disposição visa conciliar os interesses fundamentais da proteção do direito conferido pela referida marca, por um lado, com os da livre circulação de mercadorias na União ou no EEE, por outro (v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 2022, Harman International Industries, C‑175/21, EU:C:2022:895, n.o 40 e jurisprudência referida).

51      A fim de assegurar um justo equilíbrio entre esses interesses fundamentais, a possibilidade de invocar o esgotamento do direito conferido pela marca da União Europeia, enquanto exceção a esse direito, está delimitada em vários aspetos (Acórdão de 17 de novembro de 2022, Harman International Industries, C‑175/21, EU:C:2022:895, n.o 41).

52      Em especial, o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 e o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001 consagram o princípio do esgotamento dos direitos conferidos pela marca da União Europeia unicamente em relação aos produtos colocados, respetivamente, no mercado da União ou no do EEE pelo titular ou com o seu consentimento (v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 2022, Harman International Industries, C‑175/21, EU:C:2022:895, n.o 42 e jurisprudência referida).

53      Daqui resulta que a colocação no mercado dos produtos que ostentam essa marca fora da União, ou fora do EEE, não esgota o direito de o titular se opor, nomeadamente, à importação e à colocação no mercado da União, ou no EEE, desses produtos sem o seu consentimento, permitindo‑lhe assim controlar a primeira comercialização na União, ou no EEE, dos produtos que ostentam a referida marca (v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 2022, Harman International Industries, C‑175/21, EU:C:2022:895, n.o 43 e jurisprudência referida).

54      Assim, o direito conferido pela mesma marca só se esgota em relação aos exemplares de um dado produto que tenham sido comercializados no território da União ou do EEE com o consentimento do titular. A este respeito, o facto de o titular da marca já ter comercializado, na União ou no EEE, outros exemplares do mesmo produto, ou de produtos similares àqueles que foram importados e para os quais se invoca o esgotamento, não é suficiente (v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 2022, Harman International Industries, C‑175/21, EU:C:2022:895, n.o 45 e jurisprudência referida).

55      Quanto à questão de saber sobre que parte recai o ónus da prova do esgotamento do direito conferido pela marca da União Europeia, importa salientar, por um lado, que esta questão não é regulada pelo artigo 13.o do Regulamento n.o 207/2009, nem pelo artigo 15.o do Regulamento 2017/1001, nem por nenhuma outra disposição destes dois regulamentos.

56      Por outro lado, enquanto os aspetos processuais do respeito pelos direitos de propriedade intelectual, incluindo o direito exclusivo previsto no artigo 9.o do Regulamento n.o 207/2009, atual artigo 9.o do Regulamento 2017/1001, são regulados, em princípio, pelo direito nacional, conforme harmonizado pela Diretiva 2004/48, a qual, como resulta, especialmente, dos seus artigos 1.o a 3.o, estabelece as medidas, procedimentos e recursos necessários para assegurar o respeito pelos direitos de propriedade intelectual (v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 2022, Harman International Industries, C‑175/21, EU:C:2022:895, n.o 56), há que constatar que esta diretiva, especialmente os seus artigos 6.o e 7.o, que integram o capítulo II, secção 2, da referida diretiva, sob a epígrafe «Provas», não regula a questão do ónus da prova do esgotamento do direito conferido pela marca.

57      Todavia, o Tribunal de Justiça declarou reiteradamente que um operador que detenha produtos colocados no mercado do EEE sob uma marca da União Europeia pelo titular dessa marca ou com o seu consentimento retira direitos da livre circulação de mercadorias, garantida pelos artigos 34.o e 36.o TFUE e pelo artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, que os órgãos jurisdicionais nacionais devem proteger (Acórdão de 17 de novembro de 2022, Harman International Industries, C‑175/21, EU:C:2022:895, n.o 69 e jurisprudência referida).

58      A este respeito, embora o Tribunal de Justiça tenha declarado, em princípio, compatível com o direito da União uma regra do direito nacional de um Estado‑Membro por força da qual o esgotamento do direito conferido por uma marca constitui um meio de defesa, pelo que o ónus da prova incumbe ao demandado que invoca esse fundamento, este também esclareceu que as exigências decorrentes da proteção da livre circulação de mercadorias podem exigir que essa regra probatória seja sujeita a adaptações (v., neste sentido, Acórdão de 8 de abril de 2003, Van Doren + Q, C‑244/00, EU:C:2003:204, n.os 35 a 37).

59      Assim, as modalidades nacionais de administração e de apreciação da prova do esgotamento do direito conferido por uma marca devem respeitar as exigências decorrentes do princípio da livre circulação de mercadorias e, portanto, devem ser adaptadas quando permitam ao titular dessa marca compartimentar os mercados nacionais, favorecendo desse modo a manutenção das diferenças de preços existentes entre os Estados‑Membros (v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 2022, Harman International Industries, C‑175/21, EU:C:2022:895, n.o 50 e jurisprudência referida).

60      Por conseguinte, quando o demandado na ação por contrafação conseguir demonstrar que existe um risco real de compartimentação dos mercados nacionais se ele próprio tiver de suportar o ónus da prova da comercialização dos produtos na União, ou no EEE, pelo titular da marca ou com o seu consentimento, incumbe ao órgão jurisdicional nacional chamado a pronunciar‑se proceder a uma adaptação da repartição do ónus da prova do esgotamento do direito conferido pela marca (v., neste sentido, Acórdão de 8 de abril de 2003, Van Doren + Q, C‑244/00, EU:C:2003:204, n.o 39).

61      No caso em apreço, resulta do pedido de decisão prejudicial que o titular das marcas da União Europeia em causa explora um sistema de distribuição seletiva no âmbito do qual os produtos que ostentam essas marcas não contêm nenhuma identificação que permita a terceiros determinar o mercado em que se destinam a ser comercializados, que o titular recusa comunicar essa informação a terceiros e que os fornecedores da demandada não estão dispostos a revelar as suas próprias fontes de abastecimento.

62      A este último respeito, há que salientar que, nesse sistema de distribuição, o fornecedor se compromete geralmente a vender os bens ou os serviços contratuais, direta ou indiretamente, apenas a distribuidores selecionados com base em critérios definidos, ao passo que esses distribuidores se comprometem a não vender esses bens ou esses serviços a distribuidores não autorizados no território delimitado pelo fornecedor para a implementação desse sistema de distribuição.

63      Em tais circunstâncias, fazer recair sobre a demandada na ação por contrafação o ónus da prova do lugar onde os produtos que ostentam a marca que comercializa foram colocados pela primeira vez no mercado pelo titular dessa marca, ou com o seu consentimento, poderia permitir ao referido titular combater as importações paralelas dos produtos que ostentam a referida marca, quando a restrição à livre circulação de mercadorias daí resultante não se justificaria pela proteção do direito conferido por essa mesma marca.

64      Com efeito, a demandada na ação por contrafação teria dificuldades consideráveis em fazer essa prova, devido à relutância compreensível dos seus fornecedores em revelar as suas fontes de abastecimento dentro da rede de distribuição do titular das marcas da União Europeia em causa.

65      Além disso, ainda que a demandada na ação por contrafação conseguisse demonstrar que os produtos que ostentam as marcas da União Europeia em causa provêm da rede de distribuição seletiva do titular dessas marcas na União ou no EEE, o referido titular estaria em condições de impedir qualquer possibilidade futura de abastecimento junto do membro da sua rede de distribuição que não tivesse cumprido as suas obrigações contratuais (v., neste sentido, Acórdão de 8 de abril de 2003, Van Doren + Q, C‑244/00, EU:C:2003:204, n.o 40).

66      Por conseguinte, em circunstâncias como as descritas no n.o 61 do presente acórdão, caberá ao órgão jurisdicional nacional a quem foi submetido o processo proceder a uma adaptação da repartição do ónus da prova do esgotamento dos direitos conferidos pelas marcas da União Europeia em causa, fazendo recair sobre o titular destas o ónus de provar que realizou ou autorizou a primeira colocação em circulação dos exemplares dos produtos em causa fora do território da União, ou do território do EEE. Se for feita essa prova, caberá à demandada na ação por contrafação provar que esses mesmos exemplares foram posteriormente importados no EEE pelo titular da marca ou com o seu consentimento (v., neste sentido, Acórdão de 8 de abril de 2003, Van Doren + Q, C‑244/00, EU:C:2003:204, n.o 41 e jurisprudência referida).

67      Tendo em conta todas as considerações que precedem, há que responder à questão submetida que o artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 207/2009 e o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento 2017/1001, lidos em conjugação com os artigos 34.o e 36.o TFUE, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que o ónus da prova do esgotamento do direito conferido por uma marca da União Europeia recaia exclusivamente sobre a demandada na ação por contrafação, quando os produtos que ostentam essa marca, não tendo sido objeto de uma identificação que permita a terceiros determinar o mercado em que os mesmos se destinam a ser comercializados, e que são distribuídos através de uma rede de distribuição seletiva cujos membros só os podem revender a outros membros dessa rede ou a utilizadores finais, foram comprados por essa demandada na União, ou no EEE, depois de ter obtido a garantia dos vendedores de que podiam aí ser legalmente comercializados, e sendo que o próprio titular da referida marca se recusa a proceder a essa verificação a pedido do comprador.

 Quanto às despesas

68      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Décima Secção) declara:

O artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 207/2009 do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, sobre a marca [da União Europeia], e o artigo 15.o, n.o 1, do Regulamento (UE) 2017/1001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia, lidos em conjugação com os artigos 34.o e 36.o TFUE,

devem ser interpretados no sentido de que:

se opõem a que o ónus da prova do esgotamento do direito conferido por uma marca da União Europeia recaia exclusivamente sobre a demandada na ação por contrafação, quando os produtos que ostentam essa marca, não tendo sido objeto de uma identificação que permita a terceiros determinar o mercado em que os mesmos se destinam a ser comercializados, e que são distribuídos através de uma rede de distribuição seletiva cujos membros só os podem revender a outros membros dessa rede ou a utilizadores finais, foram comprados por essa demandada na União Europeia, ou no Espaço Económico Europeu, depois de ter obtido a garantia dos vendedores de que podiam aí ser legalmente comercializados, e sendo que o próprio titular da referida marca se recusa a proceder a essa verificação a pedido do comprador.

Assinaturas


*      Língua do processo: polaco.