Language of document : ECLI:EU:C:2016:677

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

MELCHIOR WATHELET

apresentadas em 13 de setembro de 2016 (1)

Processo C104/16 P

Conselho da União Europeia

contra

Frente Popular para a Libertação de Saguiaelhamra e Rio de Oro (Frente Polisário)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Acordo sob forma de troca de cartas entre a União Europeia e o Reino de Marrocos — Liberalização recíproca em matéria de produtos agrícolas, de produtos agrícolas transformados, de peixes e de produtos da pesca»






Índice



I  —Introdução

II  —Antecedentes do litígio

III  —Recurso no Tribunal Geral e acórdão recorrido

IV  —Tramitação processual no Tribunal de Justiça

V  —Quanto à admissibilidade do recurso

A  —Argumentação das partes

B  —Apreciação

VI  —Quanto ao mérito do recurso

A  —A título principal

1. Quanto à primeira parte do segundo fundamento do recurso, na medida em que respeita à aplicação do acordo de liberalização ao Sara Ocidental

a) Argumentação das partes

b) Apreciação

i) Estatuto do Sara Ocidental tal como determinado pelo artigo 73.o da Carta das Nações Unidas e suas consequências

ii) Falta de reconhecimento, por parte da União e dos seus EstadosMembros, da soberania do Reino de Marrocos sobre o Sara Ocidental

iii) Que dizer de uma aplicação de facto ao território do Sara Ocidental que constituiria «uma prática seguida posteriormente»?

iv) Efeito relativo dos Tratados (pacta tertiis nec nocent nec prosunt)

B  —A título subsidiário

1. Quanto ao primeiro fundamento, respeitante a erros de direito relativos à capacidade processual da Frente Polisário perante os órgãos jurisdicionais da União

a) Argumentação das partes

b) Apreciação

2. Quanto ao segundo fundamento, respeitante a erros de direito relativos à legitimidade ativa da Frente Polisário

a) Quanto à primeira parte, na medida em que diz respeito à natureza da decisão controvertida

i) Argumentação das partes

ii) Apreciação

b) Quanto à segunda parte, relativa à afetação direta da Frente Polisário

i) Argumentação das partes

ii) Apreciação

— Quanto à questão de saber se os recorrentes não privilegiados podem ser «diretamente afetados» pelas decisões do Conselho relativas à celebração de acordos internacionais

— Quanto aos conceitos de afetação direta e de efeito direto

c) Quanto à terceira parte, relativa à afetação individual da Frente Polisário

i) Argumentação das partes

ii) Apreciação

C  —A título ainda mais subsidiário

1. Quanto ao terceiro fundamento, respeitante a um erro de direito relativo à fiscalização, por parte do Tribunal Geral, do poder de apreciação de que goza o Conselho no domínio das relações económicas externas

a) Argumentação das partes

b) Apreciação

2. Quanto ao quarto fundamento, relativo ao facto de o Tribunal Geral ter decido ultra petita

a) Argumentação das partes

b) Apreciação

3. Quanto ao quinto fundamento, respeitante a erros de direito relativos à aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais

a) Quanto à primeira parte, relativa à obrigação de examinar a questão do respeito dos direitos fundamentais

i) Argumentação das partes

ii) Apreciação

— Quanto à admissibilidade do fundamento do pedido de anulação da Frente Polisário relativo à violação dos direitos fundamentais

— Quanto à alegação relativa a uma interpretação e a uma aplicação erradas da Carta dos Direitos Fundamentais

b) Quanto à segunda parte, relativa à obrigação de examinar a questão da conformidade do acordo de liberalização com o artigo 73.o da Carta das Nações Unidas e com o princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais

i) Argumentação das partes

ii) Apreciação

4. Quanto ao sexto fundamento, respeitante a um erro de direito relativo ao alcance da anulação da decisão controvertida

a) Argumentação das partes

b) Apreciação

VII  —Quanto às despesas

A  —A título principal e a título subsidiário

B  —A título ainda mais subsidiário

VIII  —Conclusão


I –    Introdução

1.        Com o seu recurso, o Conselho da União Europeia pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 10 de dezembro de 2015, Frente Polisário/Conselho (T‑512/12, EU:T:2015:953, a seguir «acórdão recorrido»), pelo qual este anulou parcialmente a Decisão 2012/497/UE do Conselho, de 8 de março de 2012, relativa à celebração do Acordo sob forma de Troca de Cartas entre a União Europeia e o Reino de Marrocos respeitante às medidas de liberalização recíprocas em matéria de produtos agrícolas, de produtos agrícolas transformados, de peixe e de produtos da pesca, à substituição dos Protocolos n.os 1, 2 e 3 e seus anexos e às alterações do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro (2) (a seguir «decisão controvertida»), «na parte em que aprova a aplicação do referido acordo ao Sara Ocidental».

2.        O presente processo assume uma grande importância, uma vez que coloca várias questões difíceis. Em primeiro lugar, o Tribunal de Justiça terá oportunidade de precisar se uma organização, como a Frente Popular para a Libertação de Saguia‑el‑hamra e Rio de Oro (Frente Polisário), dispõe de capacidade processual, interesse em agir e legitimidade ativa no sentido do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE. Neste contexto, o Tribunal de Justiça deverá pronunciar‑se sobre a questão de saber se o Sara Ocidental está abrangido pelo âmbito de aplicação territorial do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro, assinado em Bruxelas em 26 de fevereiro de 1996 e aprovado em nome das referidas Comunidades pela Decisão 2000/204/CE, CECA do Conselho e da Comissão, de 24 de janeiro de 2000 (3) (a seguir «acordo de associação»), e do Acordo sob forma de troca de cartas entre a União Europeia e o Reino de Marrocos respeitante às medidas de liberalização recíprocas em matéria de produtos agrícolas, de produtos agrícolas transformados, de peixes e de produtos da pesca, à substituição dos Protocolos n.os 1, 2 e 3 e seus anexos e às alterações do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro, assinado em Bruxelas em 13 de dezembro de 2010 (4) (a seguir «acordo de liberalização»).

3.        Em segundo lugar, o Tribunal de Justiça pode ser levado a esclarecer a intensidade da fiscalização jurisdicional exercida pelos órgãos jurisdicionais da União em domínios como o das relações económicas externas, em que o Conselho goza de um amplo poder de apreciação, bem como a tomar posição sobre os elementos que o Conselho deve ter em conta antes de aprovar um acordo internacional celebrado com um país terceiro. Neste contexto, o Tribunal de Justiça deve abordar questões complexas de direito internacional público relativas ao estatuto do Sara Ocidental e ao direito do seu povo à autodeterminação.

4.        Importa também não perder de vista a importância que o presente processo assume para a comunidade internacional e para o futuro dos investimentos marroquinos e outros no Sara Ocidental. Com efeito, tal foi assinalado pelo secretário‑geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki‑moon, na secção intitulada «Direitos do Homem» do seu relatório de 19 de abril de 2016, relativo à situação do Sara Ocidental (5).

II – Antecedentes do litígio

5.        A Frente Polisário é, nos termos do artigo 1.o dos seus estatutos, «um movimento de libertação nacional, fruto da longa resistência sarauí contra as várias formas de ocupação estrangeira», criado em 10 de maio de 1973.

6.        O contexto histórico e internacional no qual foi criada e a subsequente evolução da situação do Sara Ocidental são apresentados nos n.os 1 a 16 do acórdão recorrido.

7.        Conforme resulta destes números, o Sara Ocidental é um território situado no noroeste de África, que foi colonizado pelo Reino de Espanha no século XIX antes de se tornar uma província espanhola e ser então inscrito na lista dos territórios não autónomos na aceção do artigo 73.o da Carta das Nações Unidas, na qual figura até ao presente (6).

8.        Em 20 de dezembro de 1966, a Assembleia‑Geral da ONU adotou a Resolução 2229 (XXI) sobre a questão do Ifni e do Sara espanhol, tendo reafirmado o «direito inalienável d[o] pov[o] […] do Sara espanhol à autodeterminação». Pediu que, enquanto potência administrativa, o Reino de Espanha «adote o mais rapidamente possível, em conformidade com as aspirações da população autóctone do Sara espanhol, e em consulta com os Governos de Marrocos e da Mauritânia e com qualquer outra parte interessada, as modalidades de organização de um referendo a organizar sob os auspícios da [ONU] para permitir que a população autóctone do território exerça livremente o seu direito à autodeterminação».

9.        Em 20 de agosto de 1974, o Reino de Espanha informou a ONU de que propunha organizar, sob os seus auspícios, um referendo no Sara Ocidental.

10.      Em 16 de outubro de 1975, na sequência de um pedido neste sentido apresentado pela Assembleia‑Geral da ONU, o Tribunal Internacional de Justiça proferiu o seu parecer consultivo relativo ao Sara Ocidental (TIJ, Recueil 1975, p. 12), em cujo n.o 162 concluiu o seguinte:

«Os elementos e informações que foram fornecidos ao Tribunal de Justiça demonstram a existência, no momento da colonização espanhola, de elos jurídicos de subordinação entre o sultão de Marrocos e algumas das tribos que vivem no território do Sara Ocidental. Demonstram igualmente a existência de direitos, incluindo determinados direitos relativos à terra, que constituíam elos jurídicos entre a Mauritânia, no sentido em que o Tribunal de Justiça a entende, e o território do Sara Ocidental. Em contrapartida, o Tribunal de Justiça conclui que os elementos e informações que lhe foram fornecidos não estabelecem a existência de qualquer elo de soberania territorial entre o território do Sara Ocidental, por um lado, e o Reino de Marrocos ou a Mauritânia, por outro. Assim sendo, o Tribunal de Justiça não constatou a existência de elos jurídicos suscetíveis de alterar a aplicação da [Resolução 1514 (XV) da Assembleia‑Geral da ONU, de 14 de dezembro de 1960, sobre a concessão da independência aos países e povos colonizados (a seguir “Resolução 1514 (XV)”)] quanto à descolonização do Sara Ocidental e, em particular, a aplicação do princípio da autodeterminação graças à expressão livre e autêntica da vontade das populações do território.»

11.      Em 14 de novembro de 1975, o Reino de Espanha, o Reino de Marrocos e a República Islâmica da Mauritânia assinaram uma declaração que previa a transferência dos poderes e das responsabilidades do Reino de Espanha, enquanto potência administrativa do Sara Ocidental, para uma Administração tripartida temporária.

12.      Durante o outono de 1975, a situação no Sara Ocidental deteriorou‑se. Num discurso que pronunciou no mesmo dia em que foi publicado o acima referido parecer do Tribunal Internacional de Justiça, o Rei Hassan II de Marrocos, considerando que «todos» tinham reconhecido que o Sara Ocidental pertencia a Marrocos e que apenas restava aos marroquinos «ocupar [o seu] território», apelou à organização de uma «marcha pacífica» para o Sara Ocidental, na qual participaram 350 000 pessoas.

13.      O Conselho de Segurança da ONU (a seguir «Conselho de Segurança») apelou a que as partes em causa e os interessados dessem prova de ponderação e moderação. Também expressou a sua preocupação face à grave situação na região em três resoluções sobre o Sara Ocidental, concretamente, as Resoluções 377 (1975), 379 (1975) e 380 (1975). Na última destas resoluções, condenou a realização da marcha anunciada pelo Rei de Marrocos e pediu ao Reino de Marrocos a retirada imediata do território do Sara Ocidental de todos os participantes na referida marcha.

14.      Em 26 de fevereiro de 1976, o Reino de Espanha informou o secretário‑geral da ONU de que, a partir dessa data, poria fim à sua presença no território do Sara Ocidental e de que considerava estar isento de qualquer responsabilidade internacional relativa à administração do mesmo.

15.      Entretanto começara um conflito armado entre o Reino de Marrocos, a República Islâmica da Mauritânia e a Frente Polisário.

16.      Em 10 de agosto de 1979, a República Islâmica da Mauritânia celebrou um acordo com a Frente Polisário, nos termos do qual renunciou a qualquer reivindicação territorial no Sara Ocidental.

17.      Na sua Resolução 34/37, de 21 de novembro de 1979, sobre a questão do Sara Ocidental, a Assembleia‑Geral da ONU reafirmou «o direito inalienável do povo do Sara Ocidental à autodeterminação e à independência» e congratulou‑se com o acordo mauritano‑sarauí, assinado em Argel em 10 de agosto de 1979 entre a República Islâmica da Mauritânia e a Frente Polisário. Condenou, além disso, «o agravamento da situação decorrente da manutenção da ocupação do Sara Ocidental por Marrocos e do alargamento desta ocupação ao território recentemente desocupado pela Mauritânia». Pediu ao Reino de Marrocos que também se comprometesse com a dinâmica da paz e recomendou, para esse efeito, que a Frente Polisário, «representante do povo do Sara Ocidental, participasse plenamente em qualquer busca de uma situação política justa, durável e definitiva da questão do Sara Ocidental».

18.      O conflito armado entre a Frente Polisário e o Reino de Marrocos prosseguiu até que, em 30 de agosto de 1988, as partes celebraram um acordo de princípio sobre as propostas de regulamento apresentadas, nomeadamente, pelo secretário‑geral da ONU e que previam, em particular, a proclamação de um cessar‑fogo, bem como a organização de um referendo de autodeterminação sob a égide da ONU.

19.      Até ao presente, este referendo não se realizou.

20.      Atualmente, a maioria do território do Sara Ocidental é controlada pelo Reino de Marrocos que considera ter soberania sobre o Sara Ocidental, ao passo que a Frente Polisário controla uma parte de pequena dimensão e muito pouco povoada, a leste do território. O território controlado pela Frente Polisário é separado do território controlado pelo Reino de Marrocos por um muro de areia construído por este e que é vigiado pelo exército marroquino. Um elevado número de refugiados originários do Sara Ocidental vivem em campos administrados pela Frente Polisário, situados em território argelino, perto do Sara Ocidental.

III – Recurso no Tribunal Geral e acórdão recorrido

21.      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 19 de novembro de 2012, a Frente Polisário interpôs um recurso que tem por objeto a anulação da decisão controvertida e a condenação do Conselho nas despesas.

22.      Em apoio dos seus pedidos, a Frente Polisário invocou onze fundamentos relativos, o primeiro, à violação do dever de fundamentação, o segundo, à não observância do «princípio da consulta», o terceiro, à violação dos direitos fundamentais, o quarto, à «violação do princípio da coerência da política da União», o quinto, à «violação dos valores que fundam a União e dos princípios que presidem à sua ação externa», o sexto, ao «incumprimento do objetivo de desenvolvimento durável», o sétimo, à «violação dos princípios e objetivos da ação externa da União no domínio da cooperação para o desenvolvimento», o oitavo, à violação do princípio da proteção da confiança legítima, o nono, ao facto de a decisão controvertida ser «contrária a vários acordos celebrados pela União», o décimo, à violação do direito internacional geral, e, o décimo primeiro, à violação das «normas em matéria de responsabilidade internacional em direito da União».

23.      Na sua contestação, o Conselho pede que o recurso seja declarado inadmissível ou, subsidiariamente, que lhe seja negado provimento e a condenação da Frente Polisário nas despesas.

24.      Por despacho do presidente da Oitava Secção do Tribunal Geral de 6 de novembro de 2013, foi admitida a intervenção da Comissão Europeia em apoio dos pedidos do Conselho.

25.      No acórdão recorrido, o Tribunal Geral examinou, em primeiro lugar, os argumentos do Conselho e da Comissão segundo os quais o recurso devia ser julgado inadmissível com o fundamento de que a Frente Polisário não tinha demonstrado a sua personalidade jurídica nem a sua legitimidade ativa, por um lado, e que a decisão controvertida não lhe dizia respeito nem direta nem individualmente, por outro. Estes dois fundamentos de inadmissibilidade foram respetivamente afastados nos n.os 34 a 60 e 61 a 114 do acórdão recorrido.

26.      Em segundo lugar, o Tribunal Geral analisou os fundamentos de anulação invocados pela Frente Polisário em apoio dos seus pedidos referindo, antes de mais, que, no essencial, esta «invoc[ava] a ilegalidade da decisão [controvertida] por violação do direito da União e do direito internacional» (7). O Tribunal Geral acrescenta que «todos os fundamentos de recurso colocam a questão da existência de uma proibição absoluta de celebração, em nome da União, de um acordo internacional suscetível de ser aplicado a um território que, na prática, é controlado por um Estado terceiro, sem que, contudo, a soberania desse Estado sobre esse território seja reconhecida pela União e pelos seus Estados‑Membros ou, em geral, por todos os outros Estados (a seguir “território disputado”), bem como, sendo caso disso, a questão da existência de um poder de apreciação das instituições da União a este respeito, dos limites deste poder e das condições do seu exercício» (8).

27.      Em seguida, o Tribunal Geral examinou cada um dos onze fundamentos de anulação invocados pela Frente Polisário e julgou cada um deles improcedente ou, num caso, inadmissível, nos n.os 127, 139, 148, 158, 167, 172, 175, 178, 199, 211 e 214 do acórdão recorrido.

28.      No âmbito deste exame, considerou, nomeadamente, que nenhum dos argumentos invocados pela Frente Polisário permitia «concluir que o direito da União ou o direito internacional proíbe em absoluto a celebração com um Estado terceiro de um acordo que poderia ser aplicado num território disputado» (9).

29.      Simultaneamente, o Tribunal Geral reservou o exame de uma série de argumentos invocados pela Frente Polisário em apoio do seu primeiro, terceiro, quinto, sexto, nono e décimo fundamentos e que, no essencial, estão relacionados, em seu entender, com a questão subsidiária de saber quais as condições em que as instituições da União podiam aprovar a celebração de um acordo suscetível de ser aplicado num território disputado (10).

30.      Por último, o Tribunal Geral procedeu à análise desta questão nos n.os 223 a 247 do acórdão recorrido. A este respeito, considerou, no essencial, que, ao gozar de um amplo poder de apreciação no âmbito da condução das relações externas da União, o Conselho tinha a obrigação, quando previa aprovar um acordo internacional aplicável a um território disputado e destinado a facilitar a exportação para a União de produtos originários deste território, de examinar previamente todos os elementos pertinentes do processo principal e, em particular, de garantir que a exploração destes produtos não era efetuada em detrimento do povo do referido território e não implicava violações dos seus direitos fundamentais. O Tribunal Geral afirmou igualmente que, no caso em apreço, o Conselho não tinha cumprido esta obrigação.

31.      Estas considerações levaram o Tribunal Geral a concluir, no n.o 247 do acórdão recorrido, que o «Conselho não respeitou a sua obrigação de analisar todos os elementos do caso vertente antes da adoção da decisão [controvertida]» e, consequentemente, a anular essa decisão «na parte em que aprova a aplicação do acordo [de liberalização] ao Sara Ocidental».

IV – Tramitação processual no Tribunal de Justiça

32.      Com o presente recurso, entrado no Tribunal de Justiça em 19 de fevereiro de 2016, o Conselho pede ao Tribunal de Justiça que:

–        anule o acórdão recorrido;

–        decida a título definitivo o litígio e negue provimento ao recurso; e

–        condene a Frente Polisário nas despesas efetuadas pelo Conselho tanto em primeira instância como em sede de recurso.

33.      Com a sua contestação, apresentada no Tribunal de Justiça em 9 de maio de 2016, a Frente Polisário pede ao Tribunal de Justiça que:

–        a título principal, declare o recurso inadmissível;

–        a título subsidiário, negue provimento ao recurso;

–        a título ainda mais subsidiário, se o Tribunal de Justiça deferir os pedidos do Conselho na parte em que visam a anulação do acórdão recorrido, decida a título definitivo o litígio anulando a decisão controvertida com base nos fundamentos julgados improcedentes pelo Tribunal Geral, e

–        condene o Conselho nas despesas efetuadas pela Frente Polisário tanto em primeira instância como em sede de recurso.

34.      Com a sua contestação, apresentada no Tribunal de Justiça em 3 de maio de 2016, a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que dê provimento ao recurso.

35.      Por requerimento separado apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça no momento da interposição do seu recurso, o Conselho pediu que o processo fosse submetido à tramitação acelerada prevista no artigo 133.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

36.      Por despacho de 7 de abril de 2016, o presidente do Tribunal de Justiça deferiu este pedido.

37.      Por decisões do presidente do Tribunal de Justiça de 2, 13, 18 e 24 de maio de 2016, foi admitida a intervenção do Reino da Bélgica, da República Federal da Alemanha, do Reino de Espanha, da República Francesa e da República Portuguesa em apoio dos pedidos do Conselho. Todavia, a República Federal da Alemanha não apresentou alegações de intervenção nem participou na audiência.

38.      Por despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 9 de junho de 2016, foi admitida a intervenção da Confederação Marroquina da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (Comader) em apoio dos pedidos do Conselho.

39.      Foi realizada uma audiência em 19 de julho de 2016, na qual o Conselho, a Comader, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Portuguesa, a Frente Polisário e a Comissão apresentaram as suas observações orais.

V –    Quanto à admissibilidade do recurso

A –    Argumentação das partes

40.      A Frente Polisário contesta a admissibilidade do presente recurso alegando que o Conselho não tinha interesse em interpô‑lo. A este respeito, salienta, em primeiro lugar, que o acórdão recorrido apenas anulou a decisão controvertida «na parte em que aprova a aplicação do acordo [de liberalização] ao Sara Ocidental». Em segundo lugar, defende que nem o Reino de Marrocos nem a União são competentes para celebrar um acordo aplicável ao Sara Ocidental. Daí conclui que o Conselho não pode retirar qualquer benefício de uma eventual reintegração do Sara Ocidental no âmbito de aplicação do acordo de liberalização.

41.      O Conselho e a Comissão contestam o mérito desta argumentação referindo, a título principal, que as instituições da União podem interpor um recurso sem terem de fazer prova de um interesse em agir e, a título subsidiário, que este requisito está preenchido no caso em apreço. Além disso, o Conselho alega que a argumentação da Frente Polisário relativa à inadmissibilidade do recurso é ela própria inadmissível, uma vez que equivale a pedir a alteração do n.o 220 do acórdão recorrido e que, nos termos do artigo 174.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, não tem cabimento numa contestação.

B –    Apreciação

42.      Nos termos do artigo 56.o, segundo parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, «[o] recurso pode ser interposto por qualquer das partes que tenha sido total ou parcialmente vencida».

43.      É claramente este o caso do Conselho que, no Tribunal Geral, defendia que o recurso da Frente Polisário era inadmissível ou, subsidiariamente, improcedente.

44.      Tendo o Tribunal Geral rejeitado os argumentos do Conselho sobre a admissibilidade do recurso da Frente Polisário e tendo parcialmente anulado a decisão controvertida, o Conselho foi parcialmente vencido. Assim, tem direito de interpor recurso do acórdão recorrido.

45.      Em qualquer caso, conforme o Tribunal de Justiça declarou no âmbito de litígios distintos dos que opõem a União aos seus agentes, as instituições da União não têm de fazer prova de interesse em agir para poder interpor recurso de um acórdão do Tribunal Geral (11), exceto quando requerem uma substituição de fundamentos (12).

46.      É certo que o Tribunal de Justiça declarou no n.o 46 do acórdão de 19 de julho de 2012, Conselho/Zhejiang Xinan Chemical Industrial Group (C‑337/09 P, EU:C:2012:471), que «[podia] julgar inadmissível um recurso de uma decisão do Tribunal Geral, quando um facto posterior ao acórdão do Tribunal Geral retira[va] a este o seu caráter prejudicial para o recorrente[, no caso em apreço, o Conselho]».

47.      Todavia, a Frente Polisário não refere qualquer facto posterior ao acórdão recorrido que possa ter retirado a este o seu caráter prejudicial. Apenas parece dizer que o dispositivo do acórdão recorrido, segundo o qual a decisão controvertida é anulada «na parte em que aprova a aplicação do […] acordo [de liberalização] ao Sara Ocidental», não contradiz a sua tese de que nem as instituições da União nem o Reino de Marrocos têm competência para celebrar um acordo aplicável ao Sara Ocidental (13).

48.      Mesmo que não vise contestar de forma alguma o n.o 220 do acórdão recorrido (14) (o que, de resto, seria impossível fora de um recurso subordinado), esta argumentação é incapaz de fundamentar a exceção de inadmissibilidade da Frente Polisário. Por conseguinte, a exceção de inadmissibilidade da Frente Polisário deve ser julgada improcedente.

VI – Quanto ao mérito do recurso

A –    A título principal

49.      Sendo o cerne do problema a aplicação ou não do acordo de liberalização ao Sara Ocidental, abordarei em primeiro lugar a primeira parte do segundo fundamento do recurso, na medida em que respeita à aplicação do referido acordo. Com efeito, se a resposta a esta questão for negativa, haverá que anular o acórdão do Tribunal Geral, que terá cometido um erro de direito ao se basear na hipótese contrária e declarar inadmissível o recurso da Frente Polisário por falta de interesse em agir e de legitimidade ativa.

1.      Quanto à primeira parte do segundo fundamento do recurso, na medida em que respeita à aplicação do acordo de liberalização ao Sara Ocidental

a)      Argumentação das partes

50.      O Conselho salienta que, para se pronunciar sobre a legitimidade da Frente Polisário, o Tribunal Geral examinou, a título preliminar, nos n.os 73 a 103 do acórdão recorrido, a questão de saber se o acordo de liberalização era ou não aplicável ao Sara Ocidental. Considera que, no n.o 73 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral efetuou este exame com base numa presunção segundo a qual uma resposta afirmativa a tal questão tinha como consequência automática tornar a decisão controvertida suscetível de dizer direta e individualmente respeito à Frente Polisário. Acrescenta que esta presunção é juridicamente incorreta, uma vez que a decisão controvertida não pode criar direitos e obrigações cujo alcance exceda o âmbito de aplicação territorial dos Tratados e, por conseguinte, é desprovida de qualquer efeito jurídico no território do Sara Ocidental.

51.      Por seu turno, a Comissão considera, por um lado, que a circunstância de o acordo de liberalização ser aplicado de facto ao Sara Ocidental (15) não permite considerar que existe uma «prática seguida posteriormente», na aceção do artigo 31.o da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969 (16) (a seguir «Convenção de Viena»), que justifique interpretar o artigo 94.o do acordo de associação no sentido de que torna este acordo e o acordo de liberalização aplicáveis ao território do Sara Ocidental.

52.      Por outro lado, segundo a Comissão, seria contrário ao princípio do efeito relativo dos Tratados (pacta tertiis nec nocent nec prosunt) codificado no artigo 34.o da Convenção de Viena, ao direito do povo do Sara Ocidental à autodeterminação e à inexistência de um alargamento expresso dos referidos acordos ao Sara Ocidental considerar que tais acordos lhe são aplicáveis.

53.      Em resposta, a Frente Polisário observa que o Tribunal Geral examinou a questão da aplicação do acordo de liberalização ao Sara Ocidental não para daí retirar qualquer presunção quanto à admissibilidade do recurso, mas para determinar o contexto factual e jurídico em que a sua legitimidade ativa devia ser entendida. Com efeito, o Conselho e a Comissão sustentaram durante muito tempo que este acordo não era aplicável ao referido território, antes de reconhecerem que era efetivamente aplicado aos produtos originários do mesmo. Ora, este elemento é precisamente um dos que distinguem o referido acordo dos dois acordos comparáveis celebrados pelo Reino de Marrocos com os Estados Unidos da América, por um lado, e os Estados‑Membros da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA), por outro.

b)      Apreciação

54.      A questão do âmbito de aplicação territorial do acordo de liberalização (que depende do âmbito de aplicação territorial do acordo de associação que alterou) tem uma importância primordial no presente processo, uma vez que afeta todo o recurso de anulação interposto pela Frente Polisário, incluindo as questões de mérito (17), além da questão da sua legitimidade ativa (e do seu interesse em agir).

55.      A este respeito, o Conselho afirma que, ao decidir, no n.o 73 do acórdão recorrido, examinar se a Frente Polisário podia ser afetada direta e individualmente pela decisão controvertida em função da aplicação ou não do acordo de liberalização ao Sara Ocidental, o Tribunal Geral «[fez] da aplicação do acordo celebrado em virtude da decisão [controvertida] no caso em apreço a um território fora da União uma condição prévia para que a referida decisão diga individual e diretamente respeito à [Frente Polisário]» (18). Segundo o Conselho, isto é contrário aos n.os 90, 91 e 94 do despacho de 3 de julho de 2007, Commune de Champagne e o./Conselho e Comissão (T‑212/02, EU:T:2007:194), no qual o Tribunal Geral declarou que a decisão de aprovação de um acordo internacional apenas podia produzir efeitos no território da União.

56.      Na minha opinião, este argumento deve ser rejeitado pela simples razão de que no processo que deu origem ao despacho de 3 de julho de 2007, Commune de Champagne e o./Conselho e Comissão (T‑212/02, EU:T:2007:194), o alcance do âmbito de aplicação territorial do acordo em causa neste processo não era contestado. Assim, o Tribunal Geral limitou‑se a examinar se a decisão de aprovação deste acordo comportava «efeitos jurídicos vinculativos que [afetassem] os interesses dos recorrentes alterando de forma caracterizada a sua situação jurídica» (19).

57.      Ainda que, ao decidir assim, o Tribunal Geral pareça estar a fundir os conceitos de ato impugnável e de legitimidade ativa, não é menos verdade que, no presente processo, o Tribunal Geral não se pôde pronunciar sobre a afetação direta e individual da Frente Polisário sem antes decidir se o Sara Ocidental fazia ou não parte do âmbito de aplicação territorial dos acordos de associação e de liberalização. Evidentemente, caso o Sara Ocidental não estivesse abrangido pelo âmbito de aplicação territorial dos referidos acordos, a afetação direta e individual da Frente Polisário seria excluída, na medida em que todos os seus argumentos neste caso se baseiam nessa aplicação.

58.      Por conseguinte, é necessário examinar os argumentos da Comissão segundo os quais a decisão controvertida não alterou de forma manifesta a situação jurídica da Frente Polisário, uma vez que o acordo de associação e, consequentemente, o acordo de liberalização não eram aplicáveis ao Sara Ocidental. Considera assim que, nos n.os 88 a 104 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral fez uma interpretação errada do artigo 94.o do acordo de associação (20).

59.      Importa precisar, antes de mais, que não é necessário tomar posição sobre a questão de saber se o Reino de Marrocos pode, sem violar o direito internacional, celebrar um acordo internacional aplicável ao Sara Ocidental, o que, na minha opinião, não está claramente demonstrado (21) e é, de resto, fortemente contestado pela Frente Polisário.

60.      Com efeito, para efeitos do presente processo, basta responder à questão distinta de saber se os acordos em causa são aplicáveis ao Sara Ocidental por força do artigo 94.o do acordo de associação que dispõe que «[o acordo de associação] é aplicável, por um lado, [ao território da União] e, por outro, ao território do Reino de Marrocos» (22).

61.      Saliento, a este propósito, que a expressão «território do Reino de Marrocos» não é definida nos acordos em causa.

62.      A este respeito, o artigo 29.o da Convenção de Viena dispõe que, «[s]alvo se o contrário resultar do tratado ou tenha sido de outro modo estabelecido, a aplicação de um tratado estende‑se à totalidade do território de cada uma das Partes» (23).

63.      Há duas visões distintas sobre este aspeto.

64.      Por um lado, apesar das suas diferentes motivações, a Frente Polisário e a Comissão entendem que o Sara Ocidental é um território não autónomo na aceção do artigo 73.o da Carta das Nações Unidas e que, enquanto tal, não pode fazer parte do território do Reino de Marrocos na aceção do artigo 94.o do acordo de associação. Nenhuma delas reconhece a soberania do Reino de Marrocos sobre o Sara Ocidental.

65.      Embora a Comissão reconheça que os acordos de associação e de liberalização foram aplicados aos produtos provenientes do Sara Ocidental, sublinhou na audiência que se tratava apenas de uma simples tolerância, que não contestou, o que poderia ter feito com base no artigo 86.o do acordo de associação, acrescentando que o facto de não ter recorrido não constituía uma prova da sua aceitação.

66.      Por outro lado, o Conselho e o Reino de Marrocos consideram que o acordo de liberalização é aplicável ao Sara Ocidental mas por razões diferentes. Como afirmou o Tribunal Geral no n.o 100 do acórdão recorrido, segundo «o Reino de Marrocos […], o Sara Ocidental é parte integrante do seu território».

67.      Quanto ao Conselho, defendeu, no decurso do processo no Tribunal de Justiça e na audiência, teses divergentes, ou mesmo contraditórias. Cito aqui a última versão da sua interpretação do âmbito de aplicação dos acordos em causa que o Conselho expressou na sua réplica na audiência. Segundo esta tese, «o Conselho não aceitou tacitamente a interpretação do [Reino de] Marrocos segundo a qual o acordo [de liberalização] é aplicável ao Sara Ocidental como parte do seu território, o que pode constituir um indício de reconhecimento indireto [da sua soberania]. Tacitamente aceitou que o acordo [de liberalização] é igualmente aplicável […] a um território não autónomo que o Reino de Marrocos administra, o que não implica nem reconhecimento, nem aquiescência, nem aceitação. O Reino de Marrocos e a União estão conscientes de que possuem uma interpretação diferente. They agree to disagree. Têm uma compreensão mútua segundo a qual a União admite a aplicação do acordo no território do Sara Ocidental e o [Reino de] Marrocos não retira daí argumentos em apoio da reivindicação da sua soberania». A sua tese pode ser brevemente resumida como sendo a de uma «aplicação sem reconhecimento», acrescentando o Conselho que «quando o acordo foi celebrado […], não havia qualquer dúvida entre [os seus] membros […] sobre o facto de que [o Reino de Marrocos considerava o Sara Ocidental parte do seu território]». Todavia, segundo o Conselho, esperar que o acordo em causa seja aplicado ao Sara Ocidental não implica da sua parte que tome partido sobre a questão da soberania no território do Sara Ocidental.

68.      Na minha opinião, raciocinando apenas com base do artigo 94.o do acordo de associação, o Sara Ocidental não faz parte do território do Reino de Marrocos na aceção deste artigo, e isto pelos seguintes motivos.

i)      Estatuto do Sara Ocidental tal como determinado pelo artigo 73.o da Carta das Nações Unidas e suas consequências

69.      É certo que, como o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 46 do acórdão de 5 de julho de 1994, Anastasiou e o. (C‑432/92, EU:C:1994:277), a respeito do acordo de associação entre a União e a República do Chipre (24), «[a União] deve ter particularmente em consideração a posição da outra parte no acordo quando proceda à sua interpretação e aplicação».

70.      No entanto, isto não implica que a União deva aceitar qualquer visão da outra parte contratante sobre a interpretação e a aplicação do acordo de associação, sobretudo quando a outra parte defende posições que a comunidade internacional e a União nunca aceitaram.

71.      Ora, como o Sara Ocidental está, desde 1963, inscrito pela ONU na sua lista dos territórios não autónomos na aceção do artigo 73.o da Carta das Nações Unidas (25), daqui resulta que, nesta qualidade, está abrangido pela aplicação da Resolução 1514 (XV) sobre a concessão da independência aos países e povos coloniais (26), como declarou o Tribunal Internacional de Justiça no n.o 162 do seu parecer consultivo de 16 de outubro de 1975 sobre o Sara Ocidental (27).

72.      Neste sentido, não partilho do ponto de vista do Tribunal Geral expressado no n.o 56 do acórdão recorrido, e reiterado pelo Conselho na audiência, segundo o qual «o Sara Ocidental é um território cujo estatuto internacional é atualmente indeterminado» (28). O que está atualmente indeterminado não é o seu estatuto mas o seu futuro.

73.      Também não partilho da caracterização do Sara Ocidental pelo Tribunal Geral como «território disputado», nos n.os 117, 141, 142, 165, 198, 205, 210, 211, 215, 217, 220, 222, 223 e 227 do acórdão recorrido.

74.      Contrariamente ao processo que deu origem ao acórdão de 6 de julho de 1995, Odigitria/Conselho e Comissão (T‑572/93, EU:T:1995:131) (29), no qual figuravam as expressões «zone litigieuse» em francês mas «zone in dispute» em inglês (o que pode explicar a troca de vocabulário do Tribunal Geral no presente processo), não se trata aqui de um conflito de delimitação de fronteiras, mas da determinação das consequências a retirar do estatuto do Sara Ocidental enquanto território não autónomo na aceção do artigo 73.o da Carta das Nações Unidas (30).

75.      Nesta qualidade, o Sara Ocidental possui, em virtude da referida Carta, «um estatuto separado e distinto do estatuto do território do Estado que o administra […] enquanto o povo […] do território não autónomo não exercer o seu direito à autodeterminação em conformidade com a Carta […] e, em particular, com os seus objetivos e princípios» (31).

76.      Por conseguinte, como sustentou a Comissão no Tribunal Geral (32), o âmbito de aplicação territorial dos acordos em causa não pode abranger o Sara Ocidental, sem uma extensão expressa, inexistente neste caso (33).

77.      A este propósito, a prática dos Estados que têm ou assumem a responsabilidade de administrar os territórios não autónomos tem uma importância especial, uma vez que apenas os Estados podem desenvolver uma prática a este respeito (34).

78.      Neste contexto, a prática dos Estados Unidos da América, da Nova Zelândia, da República Francesa e do Reino Unido da Grã‑Bretanha e da Irlanda do Norte assume especial importância, porque são os quatro Estados (35) que figuram na lista das potências administradoras mantida pela ONU (36) e administram dezasseis dos dezassete territórios não autónomos que figuram na lista anexa ao referido relatório do Secretário‑Geral da ONU (37).

79.      Segundo a prática dos Estados Unidos da América, da Nova Zelândia e do Reino Unido (38), que constituem a maioria das potências administradoras e que administram a maioria dos territórios não autónomos, qualquer aplicação de Tratados ou de acordos aos territórios não autónomos está sujeita a uma extensão expressa no momento da sua ratificação (39).

80.      Ora, tendo em conta que a União considera o Sara Ocidental um território não autónomo, não foi prevista qualquer extensão expressa dos acordos de associação e de liberalização a seu respeito nem por estes acordos nem, no momento da sua ratificação, pelo Reino de Marrocos.

81.      Por outro lado, a minha tese é reforçada pela posição dos Estados Unidos da América, da República da Islândia, do Reino da Noruega e da Confederação Suíça, que consideram igualmente que o Sara Ocidental não está abrangido pelo âmbito de aplicação territorial dos acordos de comércio livre que celebraram com o Reino de Marrocos (40), mesmo que estes acordos, como o acordo de associação, não excluam explicitamente o Sara Ocidental do seu âmbito de aplicação territorial (41).

82.      Deduzo do exposto que o Sara Ocidental não pode fazer parte do território do Reino de Marrocos na aceção do artigo 94.o do acordo de associação. Por conseguinte, os acordos de associação e de liberalização não lhe são aplicáveis.

ii)    Falta de reconhecimento, por parte da União e dos seus Estados‑Membros, da soberania do Reino de Marrocos sobre o Sara Ocidental

83.      Conforme alegaram o Conselho e a Comissão no Tribunal Geral (42) e afirmaram no Tribunal de Justiça, a União e os seus Estados‑Membros nunca reconheceram que o Sara Ocidental fazia parte do território do Reino de Marrocos ou que estava sujeito à sua soberania.

84.      Por outro lado, o Conselho não explica de forma alguma como seria juridicamente possível aplicar num território determinado um acordo celebrado com um país sem reconhecer qualquer competência ou autoridade jurídica desse país sobre esse território, tudo isto sem invocar sequer os artigos 34.o a 36.o da Convenção de Viena nem demonstrar a sua aplicação ao caso concreto.

85.      Pelo contrário, na minha opinião, a aplicabilidade implica, necessária e inevitavelmente, o reconhecimento.

86.      Por outro lado, é‑me impossível aceitar a tese da «aplicação sem reconhecimento» do Conselho, que tenta conciliar a aplicabilidade ou aplicação dos acordos em causa ao Sara Ocidental e a vontade de não tomar posição sobre qualquer reconhecimento por parte da União e dos Estados‑Membros de que o Sara Ocidental faça parte do Reino de Marrocos. Esta falta de reconhecimento exclui de forma certa e definitiva a possibilidade de, ao negociar os acordos de associação e de liberalização, a União ter tido a intenção de tornar estes acordos aplicáveis ao Sara Ocidental.

iii) Que dizer de uma aplicação de facto ao território do Sara Ocidental que constituiria «uma prática seguida posteriormente»?

87.      No processo no Tribunal Geral, a Frente Polisário invocou a existência de uma prática segundo a qual os acordos de associação e de liberalização eram aplicados de facto ao território do Sara Ocidental, o que o Conselho e a Comissão confirmaram na audiência no Tribunal Geral (43) e repetiram no Tribunal de Justiça (44).

88.      Não me parece que isto seja suscetível de alargar o âmbito de aplicação dos referidos acordos ao Sara Ocidental, como aceitou o Tribunal Geral, no n.o 103 do acórdão recorrido.

89.      É verdade que, embora uma «prática seguida posteriormente» na aceção do artigo 31.o, n.o 3, alínea b), da Convenção de Viena (45) possa ser tida em conta como indício suplementar do sentido que deve ser dado ao texto de um acordo à luz à luz dos respetivos objeto e fim, esta prática não é em si mesma decisiva (46).

90.      Como sustenta a Comissão, os elementos relativos à prática seguida pela União e pelo Reino de Marrocos quanto à aplicação dos acordos em causa ao Sara Ocidental que o Tribunal Geral examinou nos n.os 78 a 87 do acórdão recorrido não a tornam uma «prática seguida posteriormente» na aceção do artigo 31.o, n.o 3, alínea b), da Convenção de Viena (47).

91.      A este respeito, não partilho da interpretação do direito internacional dada pelo Tribunal de Justiça no seu acórdão de 11 de março de 2015, Oberto e O’Leary (C‑464/13 e C‑465/13, EU:C:2015:163), no qual declarou que, «conforme resulta da jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça, a prática seguida posteriormente na aplicação de um tratado pode prevalecer sobre os termos claros desse tratado se essa prática traduzir o acordo das partes [TIJ, processo do templo de Préah Vihéar (Camboja c. Tailândia), acórdão de 15 de junho de 1962, Recueil 1962, p. 6]» (48).

92.      Saliento, antes de mais, que o acórdão do Tribunal Internacional de Justiça no processo do templo Préah Vihéar é anterior à Convenção de Viena, assinada em 1969. Assim, não podia dizer diretamente respeito à interpretação do artigo 31.o, n.o 3, alínea b), desta convenção, disposição que não existia nessa época.

93.      Em seguida, não vejo em nenhuma parte deste acórdão que o Tribunal Internacional de Justiça tenha dito, expressamente ou não, que a prática seguida posteriormente na aplicação de um Tratado podia prevalecer sobre os termos claros desse Tratado.

94.      Por último, na medida em que esta disposição reflete uma regra do direito internacional consuetudinário, importa observar que o Tribunal Internacional de Justiça não afirmou que uma prática seguida posteriormente podia prevalecer sobre os termos claros de um Tratado se esta prática refletisse o acordo das partes.

95.      Pelo contrário, o referido acórdão é um dos principais acórdãos do Tribunal Internacional de Justiça sobre o conceito de estoppel ou de aquiescência em direito internacional (49), que são conceitos completamente distintos do de «prática seguida posteriormente».

96.      Na minha opinião, afigura‑se impossível que uma «prática seguida posteriormente» contrária ao sentido normal dos termos de um acordo possa prevalecer sobre esses termos, exceto se for uma prática, conhecida e aceite pelas partes, suficientemente generalizada e com uma duração suficientemente longa para constituir, por si só, um novo acordo. Ora, os elementos que constam dos autos no presente processo e examinados pelo Tribunal Geral nos n.os 78 a 87 do acórdão recorrido não bastam para demonstrar tal prática.

97.      Em primeiro lugar, a resposta dada em nome da Comissão pela Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, vice‑presidente da Comissão, Catherine Ashton, às questões parlamentares com as referências E‑001004/11, P‑001023/11 e E‑002315/11 (JO 2011, C 286 E, p. 1), referida no n.o 78 do acórdão recorrido, não constitui, enquanto declaração, uma prática no sentido de constituir uma execução dos acordos de associação e de liberalização. Além disso, na audiência, o Conselho não apoiou a tese expressa nessa resposta, segundo a qual o Reino de Marrocos era a potência administradora de facto do Sara Ocidental.

98.      Em segundo lugar, as visitas efetuadas pelo Serviço Alimentar e Veterinário (SAV) da Comissão ao Sara Ocidental, às quais se refere o Tribunal Geral no n.o 79 do acórdão recorrido, também não constituem uma execução dos acordos em causa, uma vez que não estão previstas nestes e não podem, segundo a Comissão, ser tidas em conta como indício de interpretação, dado que dizem respeito a todos os produtos que entram no território da União, independentemente do regime aduaneiro que lhes for aplicável.

99.      Em terceiro lugar, o facto de 140 dos exportadores marroquinos autorizados pela Comissão ao abrigo do acordo de associação estarem radicados no Sara Ocidental, ao qual se refere o Tribunal Geral no n.o 80 do acórdão recorrido, também não constitui uma execução dos acordos em causa, tanto mais que esses exportadores estão igualmente radicados em Marrocos, como é reconhecido pela União e pelos seus Estados‑Membros, e têm o direito de beneficiar dos acordos em causa a esse título.

100. Por último, embora o Conselho e a Comissão tenham referido, como observou o Tribunal Geral no n.o 87 do acórdão recorrido, que o acordo de liberalização tinha sido de facto aplicado ao Sara Ocidental, o alcance e a duração desta aplicação permanecem desconhecidos. Ora, para que exista uma «prática seguida posteriormente» na aceção do artigo 31.o, n.o 3, alínea b), da Convenção de Viena, «é necessário que exista uma concordância indiscutível entre as posições das partes e que estas posições tenham podido determinar o sentido de uma disposição do tratado» (50). No caso em apreço, tal concordância não existe, uma vez que, como salientou o Tribunal Geral no n.o 100 do acórdão recorrido, «o Reino de Marrocos tem uma conceção totalmente diferente das coisas», que é distinta da conceção da União (51).

iv)    Efeito relativo dos Tratados (pacta tertiis nec nocent nec prosunt)

101. Na falta de uma extensão expressa, a aplicação ao Sara Ocidental dos acordos em causa seria igualmente contrária ao princípio geral de direito internacional do efeito relativo dos Tratados (pacta tertiis nec nocent nec prosunt) que, como declarou o Tribunal de Justiça no acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Brita (C‑386/08, EU:C:2010:91) (52), tem uma expressão especial no artigo 34.o da Convenção de Viena.

102. Tal como o artigo 94.o do acordo de associação em causa no presente processo, o artigo 83.o do acordo de associação UE‑Israel dispõe que «[se] aplica, por um lado, [ao território da União] e, por outro, ao território do Estado de Israel».

103. Recordo que, como no presente processo e apesar da opinião contrária do Estado de Israel sobre este assunto, a União e os seus Estados‑Membros não reconhecem nem a soberania do Estado de Israel sobre o território da Cisjordânia e da Faixa de Gaza nem a sua capacidade para o representar internacionalmente e celebrar acordos por sua conta e em seu nome, enquanto potência ocupante destes territórios (53).

104. Neste contexto, o Tribunal de Justiça declarou que os produtos originários da Cisjordânia não estavam abrangidos pelo âmbito de aplicação do acordo de associação UE‑Israel «por ter tomado em consideração, por um lado, o princípio de direito internacional geral do efeito relativo dos tratados […] (pacta tertiis nec nocent nec prosunt) […] e, por outro, o facto de a União também ter celebrado um acordo de associação com a [Organização de Libertação da Palestina (OLP)] atuando em representação da Autoridade [Nacional] Palestiniana da Cisjordânia e da Faixa de Gaza, sendo esse acordo nomeadamente aplicável, de acordo com a sua letra, ao território da Cisjordânia» (54).

105. Como o Sara Ocidental é um território não autónomo na aceção do artigo 73.o da Carta das Nações Unidas, constitui um terceiro (tertius) em relação à União e ao Reino de Marrocos.

106. É certo que o princípio pacta tertiis nec nocent nec prosunt também tem exceções, nomeadamente as que estão codificadas nos artigos 35.o e 36.o da Convenção de Viena, relativos aos Tratados que preveem obrigações ou direitos para terceiros Estados.

107. No caso em apreço, admitindo que o acordo de liberalização seja aplicável ao Sara Ocidental, confere‑lhe não uma obrigação mas um direito que consiste em poder exportar para a União, sob o regime aduaneiro preferencial instaurado por este acordo, os produtos originários do seu território abrangidos pelo referido acordo.

108. Ora, nos termos do artigo 36.o da Convenção de Viena, que diz respeito aos Tratados que preveem direitos para terceiros, um direito só nasce para um terceiro se este o consentir e este consentimento pode ser presumido enquanto não houver indicação em contrário da parte desse Estado. Além disso, é necessário que o possa expressar, mas como o Sara Ocidental é um território não autónomo e como o Reino de Marrocos não se considera vinculado pelo artigo 73.o da Carta das Nações Unidas, o seu consentimento não pode ser presumido sem consulta prévia do seu povo ou dos seus representantes, a qual não foi realizada.

109. Resulta do exposto que a exceção ao princípio geral de direito internacional do efeito relativo dos Tratados prevista no artigo 36.o da Convenção de Viena não é aplicável ao caso em apreço.

110. Por conseguinte, ao declarar, no n.o 97 do acórdão recorrido, que «[a]s circunstâncias do presente processo são diferentes, na medida em que, no caso vertente, a União não celebrou um acordo de associação relativo aos produtos com origem no Sara Ocidental, nem com a Frente Polisário, nem com outro Estado ou com outra entidade», o Tribunal Geral efetuou uma distinção entre o presente processo e o processo que deu origem ao acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Brita (C‑386/08, EU:C:2010:91), mas não concluiu daí que a aplicação dos acordos em causa ao Sara Ocidental seria contrária ao princípio geral do efeito relativo dos Tratados.

111. Ora, com fundamento no artigo 94.o do acordo de associação e no princípio do efeito relativo dos Tratados, o Tribunal Geral não podia basear‑se no facto de que «o acordo de associação […] não inclui nenhuma cláusula interpretativa e nenhuma outra disposição que tenha como resultado excluir o território do Sara Ocidental do seu âmbito de aplicação» (55). Também não podia declarar que o facto de as instituições da União não terem insistido na inclusão, «no texto do acordo aprovado pela [decisão controvertida], [de] uma cláusula que excluísse essa aplicação […] demonstra que aceitam […] a interpretação do acordo de associação […] segundo a qual esses acordos também se aplicam à parte do Sara Ocidental controlada pelo Reino de Marrocos» (56).

112. Por conseguinte, entendo que a primeira parte do segundo fundamento do recurso deve ser rejeitada, na medida em que respeita à aplicação do acordo de liberalização ao Sara Ocidental.

113. Com efeito, ao concluir, no n.o 103 do acórdão recorrido, que «o acordo [de liberalização], colocad[o] no seu contexto […], também é aplicável ao território do Sara Ocidental ou, mais precisamente, à maior parte deste território, controlada pelo Reino de Marrocos» (57), o Tribunal Geral cometeu um erro de direito que, em minha opinião, implica a anulação do acórdão recorrido.

114. Nesta hipótese, estando o litígio em condições de ser julgado na aceção do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recurso de anulação da Frente Polisário deve ser declarado inadmissível, por falta de interesse em agir e de legitimidade ativa, uma vez que, se o acordo de liberalização não é aplicável ao Sara Ocidental, a anulação da decisão controvertida não poderia proporcionar‑lhe qualquer benefício nem afetá‑lo direta e individualmente.

115. Para o caso de o Tribunal de Justiça não partilhar da minha conclusão de que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que os acordos de associação e de liberalização são aplicáveis ao Sara Ocidental, analisarei em seguida os outros fundamentos do recurso.

B –    A título subsidiário

1.      Quanto ao primeiro fundamento, respeitante a erros de direito relativos à capacidade processual da Frente Polisário perante os órgãos jurisdicionais da União

a)      Argumentação das partes

116. O Conselho e a Comissão sustentam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao concluir, no termo do raciocínio exposto nos n.os 34 a 60 do acórdão recorrido, que a Frente Polisário devia ser considerada uma pessoa coletiva com capacidade para pedir ao juiz da União a anulação da decisão controvertida.

117. A este respeito, sublinham, em substância, antes de mais, que a Frente Polisário não dispõe de personalidade jurídica nos termos do direito de um Estado‑Membro ou de um país terceiro. Em seguida, alegam que também não pode ser considerada um sujeito de direito internacional.

118. Por último, afirmam que, embora a jurisprudência (58) em que se baseou o Tribunal Geral para concluir, nos n.os 48 a 52 do acórdão recorrido, que a Frente Polisário tem capacidade processual abra, a título excecional, o acesso ao juiz da União a entidades que não dispõem de personalidade jurídica, sujeita a admissibilidade da sua ação ao cumprimento de dois requisitos cumulativos, dos quais a Frente Polisário não cumpre o segundo, a saber, ter sido tratada pela União e pelas suas instituições como um sujeito distinto, que pode ser titular de direitos que lhe são próprios ou estar sujeita a obrigações ou restrições (v. n.os 52, 55 a 59 do acórdão recorrido) (59).

119. Segundo o Conselho e a Comissão, o Tribunal Geral deveria ter constatado que o segundo requisito não estava cumprido, uma vez que a Frente Polisário não tinha sido objeto de nenhum ato das instituições da União nem «[reconhecida] como interlocutor[a] aquando das negociações» (60) por estas.

120. Nestas condições, o Tribunal Geral cometeu em seguida um erro de direito ao basear‑se, nos n.os 56 a 59 do acórdão recorrido, na qualidade de representante do povo do Sara Ocidental reconhecido à Frente Polisário pela Assembleia‑Geral da ONU e na participação desta entidade nas negociações relativas ao estatuto definitivo do Sara Ocidental conduzidas sob os auspícios da ONU para concluir pela admissibilidade do recurso.

121. Em resposta, a Frente Polisário alega, em primeiro lugar, que é um sujeito de direito internacional atendendo ao seu estatuto de movimento de libertação nacional.

122. Em segundo lugar, contesta que a conclusão do Tribunal Geral relativa à sua capacidade processual esteja ferida de um erro de direito. A este respeito, observa, primeiro, que o Conselho não contesta a conclusão do Tribunal Geral de que dispõe, em virtude dos seus estatutos, de uma estrutura interna que lhe assegura a autonomia necessária para agir como entidade responsável nas relações jurídicas.

123. Segundo, considera, em substância, que o Tribunal Geral pôde concluir que esta capacidade jurídica lhe permitia no caso em apreço dirigir‑se ao juiz da União, uma vez que Conselho e a Comissão reconheciam, eles próprios, a sua qualidade de representante do povo do Sara Ocidental, de parte nas negociações da ONU relativas ao futuro deste território, assim como de interlocutor legítimo da União a este respeito.

b)      Apreciação

124. Observo que o Conselho e a Comissão apenas contestam a parte do raciocínio em que o Tribunal Geral fundamentou a sua decisão de que a Frente Polisário tinha capacidade processual, mesmo que não tivesse personalidade jurídica. Neste sentido, não contestam que os estatutos da Frente Polisário lhe permitem agir como uma entidade responsável nas relações jurídicas.

125. Recordo que, em determinados casos, o direito da União reconhece capacidade processual às entidades que não têm personalidade jurídica. Como o Tribunal de Justiça declarou no n.o 114 do acórdão de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho (C‑229/05 P, EU:C:2007:32), «[a]s disposições do Estatuto do Tribunal de Justiça, designadamente o seu artigo 21.o, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, designadamente o seu artigo [120.o], e do Regulamento de Processo do Tribunal [Geral], designadamente o seu artigo [76.o], não foram concebidas com vista à interposição de recurso por organizações que não possuam personalidade jurídica […] [Numa] situação excecional, as regras processuais que regem a admissibilidade de um recurso de anulação devem ser aplicadas sendo adaptadas na medida do necessário às circunstâncias do caso em apreço».

126. A este respeito, não partilho da posição do Conselho expressa no n.o 17 do seu recurso e que se baseia no despacho de 3 de abril de 2008, Landtag Schleswig‑Holstein/Comissão (T‑236/06, EU:T:2008:91), segundo a qual «a capacidade processual pode ser atribuída pelo direito da União de forma autónoma apenas quando a situação jurídica do recorrente se rege exclusivamente pelo direito da União» (61).

127. Contrariamente ao que afirma o Conselho, no n.o 22 deste despacho, confirmado pelo despacho de 24 de novembro de 2009, Landtag Schleswig‑Holstein/Comissão (C‑281/08 P, não publicado, EU:C:2009:728), o Tribunal Geral declarou simplesmente que, «no caso de recursos interpostos por entidades infraestatais, o Tribunal Geral aprecia a existência de personalidade jurídica do recorrente segundo o direito público nacional».

128. Ora, a Frente Polisário não é uma entidade infraestatal à qual se possa aplicar esta jurisprudência e, de resto, não fundamenta a sua capacidade processual num direito nacional.

129. Embora o facto de a Frente Polisário dispor de estatutos e de uma estrutura interna que lhe assegura a autonomia necessária para agir como uma entidade responsável nas relações jurídicas não seja realmente contestado pelas partes, a questão consiste em saber se a União e as suas instituições trataram a Frente Polisário como um sujeito distinto, que pode ser titular de direitos que lhe são próprios ou ser sujeito a obrigações ou restrições na aceção da jurisprudência referida no n.o 52 do acórdão recorrido (62).

130. Antes de mais, importa observar que a questão da capacidade processual de uma organização reconhecida pela ONU como sendo o representante do povo de um território não autónomo ainda não foi abordada na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa à capacidade processual das entidades que não têm personalidade jurídica. Assim, é normal que, em certa medida, o caso da Frente Polisário não se enquadre estritamente nos casos a que se refere essa jurisprudência.

131. A este respeito, observo que o processo que deu origem ao acórdão de 28 de outubro de 1982, Groupement des Agences de voyages/Comissão (135/81, EU:C:1982:371), era relativo a uma sociedade de responsabilidade limitada luxemburguesa em formação cuja capacidade processual era contestada pela Comissão. No n.o 9 do seu acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que «[a Comissão] não [podia] […] contestar a capacidade processual de uma entidade cuja participação num concurso público [tinha admitido] e a quem [tinha] dirigido uma decisão negativa após um exame comparativo de todos os proponentes».

132. No presente processo, o Conselho nunca admitiu a participação da Frente Polisário no processo de negociação do acordo de liberalização.

133. De igual modo, o processo que deu origem ao acórdão de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho (C‑229/05 P, EU:C:2007:32), dizia respeito, nomeadamente, ao «Kurdistan Workers’ Party (PKK)», cuja própria existência era contestada mas que tinha sido objeto de medidas restritivas adotadas pela União.

134. O Tribunal de Justiça declarou que, «se […] o legislador [da União] considerou que o PKK continua a ter uma existência suficiente para ser objeto das medidas restritivas previstas pelo Regulamento […], a coerência e a justiça impõem que se reconheça que esta entidade continua a gozar de uma existência suficiente para contestar esta medida. Qualquer outra conclusão poderia conduzir a que uma organização pudesse ser incluída na lista controvertida sem poder interpor um recurso dessa decisão» (63).

135. No presente processo, a Frente Polisário não é visada pela decisão controvertida, que aprova um acordo internacional celebrado entre a União e o Reino de Marrocos.

136. Embora o caso da Frente Polisário não se insira nas hipóteses que são objeto dos acórdãos de 28 de outubro de 1982, Groupement des Agences de voyages/Comissão (135/81, EU:C:1982:371), e de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho (C‑229/05 P, EU:C:2007:32), parece‑me, em contrapartida, mais próximo da situação apreciada pelo acórdão de 8 de outubro de 1974, Union syndicale — Service public européen e o./Conselho (175/73, EU:C:1974:95).

137. No n.o 12 desse acórdão, que dizia respeito a um recurso de anulação de um sindicato sem personalidade jurídica contra as nomeações de certos funcionários, o Tribunal de Justiça enumerou um determinado número de elementos a tomar em consideração aquando da fiscalização da capacidade processual, entre os quais figurava o facto de «as instituições [da União] o [terem] reconhecido como interlocutor nas negociações sobre problemas respeitantes a interesses coletivos do pessoal», a saber, sobre um problema diferente (e mais amplo) do que o que era objeto do recurso.

138. De igual modo, ainda que o recurso de anulação da Frente Polisário no Tribunal Geral apenas tenha por objeto a decisão do Conselho relativa à celebração do acordo de liberalização, a Frente Polisário é um dos dois interlocutores reconhecidos pela ONU e, por conseguinte, por todos os Estados‑Membros e instituições da União (64), com vista à determinação do futuro do Sara Ocidental.

139. Além disso, com o seu recurso de anulação, a Frente Polisário pretende, enquanto representante do povo do Sara Ocidental reconhecido pela ONU, proteger os direitos que a este são concedidos pelo direito internacional, nomeadamente, o seu direito à autodeterminação e à sua soberania permanente sobre os recursos naturais (65) do Sara Ocidental (66).

140. Através destes acórdãos, fica demonstrado que o Tribunal de Justiça pretendeu adaptar a sua jurisprudência a circunstâncias muito diferentes, uma vez que a realidade é sempre mais rica do que a imaginação dos legisladores, afastando uma abordagem demasiado formalista ou demasiado rígida.

141. Esta interpretação da jurisprudência do Tribunal de Justiça não é posta em causa pelos argumentos do Conselho e da Comissão de que o caráter político das questões suscitadas pelo presente processo levaria o Tribunal de Justiça a efetuar análises políticas em vez de jurídicas.

142. Neste sentido, partilho da resposta do Tribunal Internacional de Justiça a este tipo de argumento apresentado num caso análogo: «o Tribunal considera que o facto de uma questão jurídica também apresentar aspetos políticos, “como é o caso, devido à natureza das coisas, de tantas questões que surgem na vida internacional”, não é suficiente para a privar do seu caráter de “questão jurídica” e para “retirar ao Tribunal uma competência que lhe é expressamente conferida pelo seu Estatuto […]”. Independentemente dos aspetos políticos da questão colocada, o Tribunal não pode recusar admitir o caráter jurídico de uma questão que o convida a realizar uma tarefa essencialmente judiciária […]» (67).

143. Por estes motivos, a Frente Polisário tem capacidade processual perante os órgãos jurisdicionais da União na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

144. Por conseguinte, não é necessário examinar se a Frente Polisário tem capacidade processual enquanto movimento nacional de libertação com personalidade e capacidade jurídica no direito internacional.

145. Todavia, importa sublinhar que o facto de a Frente Polisário não gozar do estatuto particular de movimento nacional de libertação na Assembleia‑Geral da ONU, como aera o caso da OLP, não implica necessária e automaticamente, como alegam o Conselho e a Comissão, que a Frente Polisário não tem personalidade jurídica em direito internacional.

146. Pelo contrário, o seu reconhecimento enquanto movimento nacional de libertação por vários Estados (68), de representante do povo do Sara Ocidental pela Assembleia‑Geral da ONU (69), a sua adesão como membro da organização internacional «União Africana», a celebração de acordos com a República Islâmica da Mauritânia e com o Reino de Marrocos (70) e o compromisso deste de respeitar as Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 para a proteção das vítimas da guerra, assumido nos termos do artigo 96.o, n.o 3, do protocolo adicional relativo à proteção das vítimas dos conflitos armados internacionais de 8 de junho de 1977, militam bastante a favor do reconhecimento da personalidade jurídica que o direito internacional reconhece aos movimentos nacionais de libertação.

147. Por conseguinte, o primeiro fundamento deve ser rejeitado.

2.      Quanto ao segundo fundamento, respeitante a erros de direito relativos à legitimidade ativa da Frente Polisário

148. Este fundamento tem três partes distintas, das quais analisei parcialmente a primeira. O meu raciocínio a título subsidiário pressupõe que o Tribunal de Justiça tenha rejeitado a minha conclusão.

a)      Quanto à primeira parte, na medida em que diz respeito à natureza da decisão controvertida

i)      Argumentação das partes

149. O Conselho salienta que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 70 e 71 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida era um ato legislativo. O Conselho considera que a decisão controvertida não é um ato legislativo uma vez que a sua base jurídica, isto é, o artigo 207.o, n.o 4, primeiro parágrafo, conjugado com o artigo 218.o, n.o 6, alínea a), TFUE, não faz uma referência explícita a um processo legislativo. Em sua opinião, também não é um ato regulamentar dado que não é de aplicação geral. Por conseguinte, não pode dizer direta e individualmente respeito a uma pessoa singular e coletiva.

150. Em resposta, a Frente Polisário rejeita a argumentação do Conselho ao considerar que o objetivo deste é subtrair a decisão controvertida às garantias conferidas pela ordem jurídica da União. Em seu entender, se a decisão controvertida não fosse um ato legislativo, seria certamente um ato regulamentar enquanto ato de alcance geral.

ii)    Apreciação

151. Como observa o Conselho, o artigo 207.o, n.o 4, e o artigo 108.o, n.o 6, alínea a), TFUE, que constituem as bases jurídicas da decisão controvertida, não fazem uma referência explícita a um processo legislativo, ordinário ou especial, como fazem, aliás, os artigos 203.o, 349.o e 352.o TFUE.

152. Todavia, esta constatação não é suficiente para estabelecer que a decisão controvertida, que tem o efeito de introduzir regras de alcance geral na ordem jurídica da União, não é um ato legislativo.

153. O artigo 289.o, n.o 3, TFUE define o conceito de atos legislativos como «[o]s atos jurídicos adotados por processo legislativo», a saber, o processo legislativo ordinário ou o processo legislativo especial.

154. Nos termos do artigo 289.o, n.o 2, TFUE, o processo legislativo especial consiste na «adoção […] de uma decisão […] pelo [Conselho] com a participação do Parlamento Europeu».

155. O artigo 218.o, n.o 6, alínea a), i), TFUE dispõe que «o Conselho adota a decisão de celebração do acordo […] [a]pós aprovação do Parlamento Europeu, n[o] cas[o] [dos] [a]cordos de associação».

156. Não vejo como é que a exigência de aprovação prévia do Parlamento não é considerada uma participação do Parlamento no processo.

157. O facto de o artigo 289.o, n.o 2, TFUE utilizar a expressão «[n]os casos específicos previstos pelos Tratados» não implica necessariamente que cada disposição do Tratado FUE que implique o processo legislativo especial deva anunciá‑lo explicitamente. Basta que a definição dada por esta disposição seja respeitada.

158. Isto é tanto mais verdade porquanto, como declarou o Tribunal de Justiça no n.o 55 do acórdão de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025), «o Tratado de Lisboa […] exigiu a aprovação do Parlamento para a celebração de um acordo internacional, precisamente para os acordos em domínios aos quais, no plano interno, se aplica o processo legislativo ordinário, previsto no artigo 294.o TFUE, ou o processo legislativo especial, mas apenas quando este exige a aprovação do Parlamento».

159. Em qualquer caso e ao contrário do que afirma o Conselho, se a decisão controvertida não fosse um ato legislativo, é certo que deveria ser necessariamente um ato regulamentar na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, conforme interpretado pelo Tribunal de Justiça nos n.os 58 e 61 do acórdão de 3 de outubro de 2003, Inuit Tapiriit Kanatami e o./Parlamento e Conselho (C‑583/11 P, EU:C:2013:625), dado ser, neste caso, um ato de alcance geral (na medida em que introduz um acordo internacional na ordem jurídica da União) (71) que não é um ato legislativo.

160. Isto não poderia ajudar o Conselho, uma vez que a Frente Polisário poderia ser então dispensada da obrigação de provar a sua afetação individual, caso se admitisse que a decisão controvertida não inclui uma medida de execução.

161. Por conseguinte, ao declarar nos n.os 70 e 71 do acórdão recorrido que a decisão controvertida constitui um ato legislativo adotado por via de processo legislativo especial, o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito.

b)      Quanto à segunda parte, relativa à afetação direta da Frente Polisário

i)      Argumentação das partes

162. O Conselho e a Comissão alegam que o Tribunal Geral cometeu vários erros de direito ao considerar, nos n.os 106 a 110 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida dizia diretamente respeito à Frente Polisário devido ao facto de o próprio acordo de liberalização incluir um conjunto de disposições que com efeitos diretos na situação jurídica do Sara Ocidental e respeitantes à Frente Polisário enquanto interlocutor do Reino de Marrocos no âmbito das negociações a realizar entre ambos sob os auspícios da ONU com vista a resolver o diferendo relativo ao referido território.

163. A este respeito, o Conselho sustenta, no essencial, que, mesmo admitindo‑o demonstrado, o efeito direto de determinadas disposições do acordo de liberalização que precisam as condições de importação na União de produtos originários do território a que este acordo é aplicável não permite considerar que a decisão controvertida diz diretamente respeito à situação jurídica da Frente Polisário, na aceção do artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE, tanto mais que, no caso em apreço, o Tribunal Geral salientou, no n.o 203 do acórdão recorrido, que o referido acordo não vinculava esta entidade. Efetivamente, os conceitos de «efeito direto» e de «afetação direta» são distintos e o primeiro não é pertinente ou, em todo o caso, não é decisivo no âmbito de um exame relativo ao segundo.

164. Além disso, segundo a Comissão, o acordo de liberalização não tem efeito direto na União, uma vez que foi necessário adotar o Regulamento de Execução (UE) n.o 812/2012 da Comissão, de 12 de setembro de 2012, que altera o Regulamento (CE) n.o 747/2001 do Conselho no que se refere aos contingentes pautais da União para determinados produtos agrícolas e produtos agrícolas transformados originários de Marrocos (72), para o pôr em prática.

165. Por último, os efeitos jurídicos sobre os territórios não sujeitos ao direito da União não são pertinentes no âmbito do exame exigido pelo artigo 263.o, quarto parágrafo, TFUE.

166. Em qualquer caso, o acórdão recorrido limita‑se a referir uma ligação indireta entre os alegados efeitos jurídicos das disposições do acordo de liberalização sobre o território do Sara Ocidental, sobre os produtos originários deste território, bem como sobre os seus exportadores ou importadores, por um lado, e a participação da Frente Polisário nas negociações políticas que visam resolver um diferendo relativo a este território, por outro. Na realidade, o Tribunal Geral deveria ter concluído que a decisão controvertida não podia, tendo em conta o seu objeto e a sua natureza, dizer diretamente respeito à Frente Polisário e, de forma mais ampla, a qualquer outro recorrente não privilegiado, mesmo tratando‑se de uma entidade que reivindica o território ao qual o acordo internacional aprovado por tal decisão se destina a ser aplicado.

167. Em resposta, a Frente Polisário considera que, tendo em conta o facto de o acordo de liberalização se aplicar aos produtos originários do Sara Ocidental, o Tribunal Geral concluiu acertadamente que a decisão controvertida lhe dizia diretamente respeito. A este propósito, sublinha, nomeadamente, que esta decisão visa produzir efeitos jurídicos e, por conseguinte, não se pode considerar que, pela sua natureza, não é suscetível de ser impugnada judicialmente. Em seguida, afirma que a referida decisão aprovou o acordo de liberalização e que, consequentemente, produziu, pelo simples facto de ter sido adotada, efeitos jurídicos sobre as condições de exportação para a União dos produtos originários do Sara Ocidental. Por último, alega, em substância, que, uma vez que a Assembleia‑Geral da ONU lhe reconheceu a qualidade de representante do povo do Sara Ocidental, que as negociações da ONU relativas ao Sara Ocidental visam permitir o exercício do direito à autodeterminação deste povo e que o controlo dos recursos naturais constitui um elemento fundamental deste direito, o Tribunal Geral podia validamente considerar que a decisão controvertida afetava diretamente a sua situação jurídica.

ii)    Apreciação

–       Quanto à questão de saber se os recorrentes não privilegiados podem ser «diretamente afetados» pelas decisões do Conselho relativas à celebração de acordos internacionais

168. Não posso partilhar da tese do Conselho segundo a qual as decisões relativas à celebração de um acordo internacional adotadas tendo por base jurídica o artigo 218.o, n.o 6, TFUE não podem, pela sua própria natureza, ser impugnadas por recorrentes não privilegiados, como a Frente Polisário.

169. Ao alegar que, devido à sua natureza, estas decisões não podem ter efeitos diretos e que, por conseguinte, apenas os recorrentes privilegiados que não têm de demonstrar o seu interesse em agir podem interpor um recurso de anulação contra elas, o Conselho parece confundir os conceitos de ato recorrível e de interesse em agir.

170. Recordo que «[r]esulta de jurisprudência constante que são considerados atos recorríveis na aceção do artigo 263.o TFUE todas as disposições adotadas pelas instituições, qualquer que seja a sua forma, que visem produzir efeitos jurídicos vinculativos» (73).

171. O facto de as decisões relativas à celebração dos acordos internacionais produzirem tais efeitos está há muito estabelecido na jurisprudência do Tribunal de Justiça (74), caso contrário «o exercício das competências atribuídas às instituições da [União] no domínio internacional [ficaria subtraído] ao controlo jurisdicional de legalidade previsto no artigo [263.o TFUE]» (75).

172. O caráter recorrível da decisão controvertida afigura‑se, assim, incontestável.

173. O mesmo se diga do interesse em agir da Frente Polisário.

174. Como o Tribunal de Justiça declarou no n.o 25 do acórdão de 17 de abril de 2008, Flaherty e o./Comissão (C‑373/06 P, C‑379/06 P e C‑382/06 P, EU:C:2008:230), «[d]e acordo com jurisprudência assente, o interesse em agir de um recorrente deve existir, tendo em conta o objeto do recurso, no momento da sua interposição, sob pena de este ser julgado inadmissível. Este objeto do litígio deve perdurar, assim como o interesse em agir, até à prolação da decisão jurisdicional, sob pena de ser declarada a inutilidade superveniente da lide, o que pressupõe que o recurso possa, pelo seu resultado, conferir um benefício à parte que o interpôs».

175. Na medida em que os acordos de associação e de liberalização são aplicáveis ao Sara Ocidental, é evidente que o recurso de anulação é suscetível de proporcionar um benefício à Frente Polisário, que considera que a aplicação destes acordos ao Sara Ocidental viola o direito do seu povo à autodeterminação, o princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais e o artigo 73.o da Carta das Nações Unidas.

–       Quanto aos conceitos de afetação direta e de efeito direto

176. Conforme declarou o Tribunal Geral no n.o 105 do acórdão recorrido, «resulta de jurisprudência constante que a condição segundo o qual o ato objeto de recurso deve dizer “diretamente respeito” a uma pessoa singular ou coletiva exige a reunião de dois critérios cumulativos, a saber, que a medida contestada, em primeiro lugar, produza efeitos diretos na situação jurídica da pessoa em questão e, em segundo lugar, que não deixe nenhum poder de apreciação aos respetivos destinatários encarregados da sua implementação, tendo esta caráter puramente automático e decorrendo apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermediárias».

177. Embora o Conselho e a Comissão não neguem uma certa conexão entre o segundo critério do conceito de afetação direta e o conceito de efeito direto (76), o Conselho contesta que o primeiro critério se verifique no presente processo, enquanto a Comissão contesta que se verifique o segundo.

178. No que respeita ao primeiro critério, segundo o qual a medida contestada deve produzir diretamente efeitos na situação jurídica da pessoa em questão, o Conselho alega que o critério de afetação direta deve ser examinado relativamente à pessoa em questão e não em relação ao território em causa. Baseia‑se assim no postulado de que a posição jurídica de um território não pode ser afetada pelas disposições de um acordo internacional, mesmo que tenham um efeito direto, o que, em seu entender, implica que há que apreciar os efeitos sobre a posição jurídica da pessoa em questão e não sobre a do território em causa.

179. Não partilho do postulado de partida em que assenta a posição do Conselho.

180. Antes de mais, o facto de a situação jurídica de territórios poder certamente ser afetada pelas disposições de um acordo internacional, independentemente da questão de saber se tais disposições produzem um efeito direto, está demonstrado, no caso em apreço nomeadamente, pelo parecer consultivo do Tribunal Internacional de Justiça de 16 de outubro de 1975 sobre o Sara Ocidental (77), no âmbito do qual o Reino de Marrocos apresentou, como prova do exercício da sua soberania sobre o Sara Ocidental, alguns atos internacionais que constituíam, em seu entender, o reconhecimento desta soberania por parte de outros Estados, uma vez que visavam o Sara Ocidental (78).

181. Como resulta do n.o 108 desse parecer, o Tribunal Internacional de Justiça examinou a questão de saber «se a sua análise da situação jurídica conforme resulta[va] do estudo dos atos internos invocados pelo [Reino de] Marrocos [estava] significativamente afetada pelos atos internacionais que, em seu entender, demonstravam que se reconhecia direta ou indiretamente que a soberania do Sultão se estendia ao [Sara Ocidental]» (79). Estes atos incluíam vários acordos internacionais celebrados pelo Estado xerifino (antiga designação do Reino de Marrocos) (80), assim como a correspondência diplomática sobre a interpretação de uma disposição de um Tratado (81).

182. Por conseguinte, como admitiu a Comissão no n.o 30 da sua contestação, a aplicação dos acordos de associação e de liberalização ao Sara Ocidental poderia ser interpretada como uma violação do direito de autodeterminação (82) do seu povo e, neste sentido, afetar a situação jurídica desse território, uma vez que confere alguma legitimidade à reivindicação de soberania do Reino de Marrocos (83).

183. Dito isto, é ainda necessário examinar a argumentação do Conselho apresentada na audiência que consiste em contestar a ligação entre a afetação direta do território do Sara Ocidental (admitindo que está demonstrada) e a da Frente Polisário. Esta ligação foi demonstrada pelo Tribunal Geral, no n.o 110 do acórdão recorrido, com base na participação da Frente Polisário, com o Reino de Marrocos, no processo de negociações, sob a égide da ONU, sobre o futuro do Sara Ocidental.

184. A este respeito, o Conselho considera que «o Tribunal Geral estabelece de forma arbitrária uma identidade absoluta entre o território e uma pessoa […] que emite reivindicações a seu propósito». Em sua opinião, «o raciocínio do Tribunal Geral só teria sentido se a Frente Polisário tivesse como objetivo intrínseco defender os interesses comerciais do Sara Ocidental, o que pressuporia que fosse a emanação institucional deste reconhecida no direito internacional ou, pelo menos, na prática internacional».

185. Partilho desta crítica do Conselho no sentido de que a Frente Polisário apenas é reconhecida pela ONU como o representante do povo do Sara Ocidental no processo político (84) destinado a resolver a questão da autodeterminação do povo deste território. É neste quadro político que é o representante do povo do Sara Ocidental, uma vez que o Reino de Marrocos é a outra parte no diferendo e o Reino de Espanha considera não ter qualquer responsabilidade de caráter internacional relativamente à administração do Sara Ocidental desde 26 de fevereiro de 1976.

186. Ora, o litígio em causa não faz parte do processo político em que a Frente Polisário exerce a missão de representante do povo do Sara Ocidental que lhe foi reconhecida pela ONU.

187. Por outro lado, o Conselho contesta a qualidade da Frente Polisário enquanto representante exclusivo do povo do Sara Ocidental. A própria Frente Polisário considera não ser a única entidade com capacidade para representar o povo do Sara Ocidental uma vez que, em seu entender, o Reino de Espanha continua a ser a potência administradora do Sara Ocidental (85).

188. É certo que o Reino de Espanha considera não ter qualquer responsabilidade de caráter internacional relativa à administração do Sara Ocidental desde 26 de fevereiro de 1976. Todavia, não se pode excluir categoricamente que, apesar da sua desistência, o Reino de Espanha tenha conservado no direito internacional a sua qualidade de potência administradora e que, nesta qualidade, seja a única entidade a ter a capacidade, ou mesmo a obrigação, de proteger, incluindo no plano jurídico, os direitos do povo do Sara Ocidental, nomeadamente o seu direito à autodeterminação e a sua soberania sobre os recursos naturais deste território.

189. Com efeito, e sem que seja necessário apreciar este aspeto no presente processo, os termos da obrigação imposta às potências administradoras pelo artigo 73.o, alíneas a) e b), da Carta das Nações Unidas (86) fazem‑me duvidar que se possam desonerar desta missão sem a terem completado, tendo em conta os interesses e as necessidades do povo do território não autónomo em causa.

190. Esta dúvida é reforçada pelo facto de a ONU continuar a considerar que o Reino de Espanha tem a obrigação de transmitir ao secretário‑geral da ONU informações sobre o Sara Ocidental, prevista no artigo 73.o, alínea e), da Carta das Nações Unidas (87).

191. Além disso, o Ministerio Fiscal (Ministério Público) do Reino de Espanha, assim como a Audiencia Nacional (Tribunal Central, Espanha) reconhecem a qualidade do Reino de Espanha como potência administradora do Sara Ocidental, que «enquanto tal, mantém, até ao fim do período de descolonização, as obrigações que decorrem dos artigos 73.o e 74.o da Carta das Nações Unidas, entre as quais figura a proteção, incluindo a proteção jurisdicional, dos seus cidadãos contra qualquer abuso» (88). Com este fundamento, o Reino de Espanha alargou a sua competência internacional em matéria penal aos crimes cometidos no Sara Ocidental (89).

192. Saliento que, na audiência, o Governo espanhol se absteve de comentar a posição dos órgãos jurisdicionais espanhóis, limitando‑se a referir que respeitava as decisões desses órgãos.

193. Concluindo sobre este aspeto, a ligação entre a decisão controvertida e a Frente Polisário afigura‑se demasiado indireta para fundamentar a afetação direta desta última.

194. Por conseguinte, considero que o n.o 110 do acórdão recorrido está ferido de um erro de direito, na medida em que reconhece a afetação direta da Frente Polisário.

195. Vista esta conclusão, é apenas por uma questão de exaustividade que irei analisar o segundo critério de afetação direta, a saber, que a decisão controvertida não deve deixar qualquer poder de apreciação aos seus destinatários que são responsáveis pela sua execução. A este propósito, não partilho da opinião da Comissão segundo a qual este critério não está preenchido no presente processo, devido ao Regulamento de Execução n.o 812/2012 que teve de adotar para aplicar o acordo de liberalização.

196. Em meu entender, o ato impugnado tem efetivamente «um caráter puramente automático e [decorre] apenas da regulamentação da União, sem aplicação de outras regras intermediárias» (90). A sua entrada em vigor permite o exercício dos direitos e a execução das obrigações previstas pelo acordo de liberalização.

197. O Regulamento de Execução n.o 812/2012 limita‑se a atualizar o Regulamento (CE) n.o 747/2001 do Conselho, de 9 de abril de 2001, relativo ao modo de gestão de contingentes pautais e de quantidades de referência comunitários para os produtos passíveis de beneficiar de preferências pautais por força dos acordos concluídos com determinados países mediterrânicos, e que revoga os Regulamentos (CE) n.o 1981/94 e (CE) n.o 934/95 (91), ao apresentar de forma concentrada (uma única disposição acompanhada de um quadro recapitulativo) algumas das reformas essenciais introduzidas pelo acordo de liberalização.

198. Com efeito, como resulta do artigo 2.o do protocolo n.o 1 que se encontra no anexo 1 do acordo de liberalização, este visa a importação na União «de produtos agrícolas, de produtos agrícolas transformados, de peixes e de produtos de pesca originários de Marrocos», ao passo que Regulamento de Execução n.o 812/2012 parece abranger apenas alguns destes produtos que são importados na União sob contingentes pautais (92). A inexistência de regulamento de execução não teria impedido de forma alguma a aplicação do acordo, tanto a estes produtos como a outros.

199. Na audiência, a Comissão não explicou de que modo é que o Regulamento de Execução n.o 812/2012 confere aplicação ao acordo de liberalização no que respeita a todos os outros produtos.

200. De todo o modo, mesmo no caso dos produtos visados pelo Regulamento de Execução n.o 812/2012 (por exemplo, os tomates) em relação aos quais existe um contingente pautal cujas modalidades são reguladas por este regulamento, há que observar que a Frente Polisário não alega, como faria um importador, ser diretamente afetada pelo contingente pautal previsto pelo acordo de liberalização. A sua alegação é relativa à própria aplicação deste acordo ao Sara Ocidental, questão que nada tem a ver com a sua eventual execução pelo referido regulamento.

201. Por conseguinte, considero que o segundo critério de afetação direta enunciado no n.o 105 do acórdão recorrido se verifica no presente processo.

c)      Quanto à terceira parte, relativa à afetação individual da Frente Polisário

202. Apenas analiso esta terceira parte para o caso de o Tribunal de Justiça concluir que a decisão controvertida diz diretamente respeito à Frente Polisário.

i)      Argumentação das partes

203. O Conselho e a Comissão alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, nos n.os 111 e 113 do acórdão recorrido, que a decisão controvertida dizia individualmente respeito à Frente Polisário porque participava em negociações internacionais destinadas a resolver o diferendo relativo ao Sara Ocidental e, a este título, que se encontrava numa situação que a caracterizava em relação a qualquer outra pessoa. Com efeito, mesmo admitindo a existência de tal situação, o raciocínio do Tribunal Geral não estabelece em que sentido, atendendo ao seu objeto, a decisão controvertida prejudica de alguma forma a Frente Polisário na aceção da jurisprudência. Em contrapartida, a participação desta nas negociações conduzidas sob os auspícios da ONU demonstra um simples interesse geral de ordem política, desprovido de qualquer ligação material e processual com a decisão controvertida e com o acordo de liberalização, uma vez que este tem exclusivamente por objeto questões de ordem comercial e aduaneira.

204. Pelo contrário, a Frente Polisário alega que nos n.os 111 e 113 do acórdão recorrido é acertadamente declarado que a decisão controvertida lhe diz individualmente respeito. A este propósito, observa, antes de mais, que é pacífico e incontestado que tem a qualidade de representante do povo do Sara Ocidental e que é a este título que constitui o único interlocutor do Reino de Marrocos no âmbito das negociações conduzidas sob a égide da ONU. Em seguida, afirma que estas negociações não têm por objeto encontrar uma simples solução política para um diferendo territorial, conforme alegam o Conselho e a Comissão, mas permitir efetivamente o exercício do direito à autodeterminação do povo do Sara Ocidental. Por último, sublinha que o acordo de liberalização se aplica ao Sara Ocidental e aos seus recursos naturais, cujo controlo faz parte do referido direito.

ii)    Apreciação

205. Mesmo que o presente processo não esteja abrangido pela jurisprudência do Tribunal de Justiça referida pela Comissão e relativa à legitimidade para recorrer e uma decisão da Comissão em matéria de auxílios de Estados de pessoas distintas do Estado‑Membro destinatário dessa decisão (93), nada exclui, em princípio, que a Frente Polisário possa satisfazer o critério de afetação individual, ainda que, devido às circunstâncias específicas que o caracterizam, o seu caso não se enquadre em nenhum precedente que o Tribunal de Justiça já tenha tido oportunidade de examinar.

206. Neste contexto, não partilho da opinião da Comissão segundo a qual o n.o 113 do acórdão recorrido contradiz o acórdão de 10 de abril de 2003, Comissão/Nederlandse Antillen (C‑142/00 P, EU:C:2003:217) (94), uma vez que a posição da Frente Polisário não é de modo algum comparável à das Antilhas Neerlandesas.

207. Com efeito, nos n.os 66 a 67 desse acórdão, o Tribunal de Justiça declarou que, mesmo se a maior parte das importações na União de arroz originário dos PTU provinha das Antilhas Neerlandesas, não só este setor constituía apenas 0,9% do produto nacional bruto das Antilhas Neerlandesas, como estas também não eram o único produtor de arroz dos PTU afetado pelos regulamentos em causa.

208. Com esse fundamento, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 68 do referido acórdão, que os regulamentos em causa não tinham acarretado consequências graves para um setor importante da economia das Antilhas Neerlandesas diferentemente de qualquer outro PTU nem que estas tinham sido afetadas pelas disposições em causa em razão de qualidades que as distinguiam de outros PTU igualmente abrangidos pelos referidos regulamentos.

209. A Frente Polisário está longe de estar numa situação análoga à das Antilhas Neerlandesas. Embora o Tribunal de Justiça tenha declarado no n.o 69 do referido acórdão que «o interesse geral que um PTU, enquanto entidade competente para as questões de ordem económica e social no seu território, pode ter em obter um resultado favorável para a prosperidade económica deste último não basta, por si só, para considerar que [um ato] lhe diz individualmente respeito», a missão da Frente Polisário não se refere de modo algum a questões de ordem económica e social.

210. Com efeito, a sua missão, conforme resulta do artigo 8.o dos seus estatutos, é bastante mais geral e consiste, em substância, em fazer com que o povo do Sara Ocidental, do qual é o representante reconhecido pela ONU (95), exerça o seu direito à autodeterminação.

211. Todavia, pelos mesmos motivos que apresentei nos n.os 185 a 194 das presentes conclusões, considero que os elementos anteriores não permitem aceitar a afetação individual da Frente Polisário.

212. Por conseguinte, ao declarar no n.o 113 do acórdão recorrido que a decisão controvertida diz individualmente à Frente Polisário, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

213. Assim, os n.os 110 a 114 do acórdão recorrido devem ser anulados, o que, em meu entender, conduz à anulação deste acórdão.

214. Nesta hipótese, estando o litígio em condições de ser julgado na aceção do artigo 61.o, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, o recurso de anulação da Frente Polisário deve ser declarado inadmissível, por não haver uma afetação direta e individual.

215. No caso de o Tribunal de Justiça não considerar que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar que o acórdão recorrido dizia direta e individualmente respeito à Frente Polisário, analisarei em seguida os outros fundamentos do recurso.

C –    A título ainda mais subsidiário

1.      Quanto ao terceiro fundamento, respeitante a um erro de direito relativo à fiscalização, por parte do Tribunal Geral, do poder de apreciação de que goza o Conselho no domínio das relações económicas externas

a)      Argumentação das partes

216. O Conselho e a Comissão alegam que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao considerar, no n.o 225 do acórdão recorrido, que o amplo poder de apreciação reconhecido ao Conselho para efeitos da celebração de acordos económicos com países terceiros tinha como contrapartida uma obrigação prévia de examinar todos os elementos pertinentes do caso concreto.

217. A este respeito, contestam, em primeiro lugar, o próprio princípio de tal obrigação. Com efeito, esta deve ser analisada como uma garantia processual assegurada pelo direito da União em contrapartida do poder de apreciação de que a autoridade decisora pode dispor no âmbito dos processos administrativos que visam executar, nos casos individuais, as regulamentações da União aplicáveis a domínios técnicos que implicam apreciações complexas. Atendendo à sua razão de ser, esta garantia processual não se destina a ser transposta para o exercício do amplo poder de apreciação de que goza o Conselho para efeitos da adoção de atos legislativos ou normativos, mesmo que este deva igualmente ter em conta os dados disponíveis neste âmbito. Em qualquer caso, num domínio político como a celebração de acordos internacionais, a fiscalização jurisdicional do amplo poder de apreciação reconhecido ao legislador deve limitar‑se a verificar que o ato realizado não foi manifestamente inadequado em relação ao objetivo prosseguido.

218. Em segundo lugar, o Conselho e a Comissão consideram que o Tribunal Geral cometeu erros de direito ao precisar as modalidades de execução da obrigação de exame prévio definida pelo acórdão recorrido. Com efeito, este último associa‑a à existência de dúvidas relativas ao respeito dos direitos do povo do Sara Ocidental, como confirmado por um relatório elaborado pelo Conselho da Frente Polisário, em vez de demonstrar a violação de uma regra de direito ou a existência de um erro manifesto de apreciação. Além disso, tal relatório não pode ser considerado uma prova válida atendendo à sua origem.

219. Segundo a Frente Polisário, a obrigação de exame prévio salientada pelo Tribunal Geral faz parte das garantias fundamentais que devem ser asseguradas, numa União de direito, nos casos em que uma instituição da União goza de um poder de apreciação e, por conseguinte, nomeadamente no domínio das relações económicas externas da União. Além disso, esta obrigação está relacionada com o princípio geral da boa administração, cujo respeito deve ser assegurado, segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (96), não só no âmbito dos processos administrativos, mas igualmente dos processos que conduzem à adoção de atos de alcance normativo. Com efeito, a referida obrigação contribui para que o Conselho possa exercer o seu poder de apreciação com conhecimento de causa, sem limitar em nada o alcance deste, assim como para permitir ao juiz assegurar‑se de que nenhum erro manifesto de apreciação viciou o seu exercício.

b)      Apreciação

220. De acordo com jurisprudência constante, «há que reconhecer ao legislador da União um amplo poder de apreciação em domínios que implicam, pela sua parte, opções de natureza política, económica e social, em que é chamado a efetuar apreciações complexas. [O Tribunal de Justiça] daí infere que só o caráter manifestamente inadequado de uma medida adotada nesses domínios, em relação ao objetivo que a instituição competente pretende prosseguir, pode afetar a legalidade de tal medida» (97).

221. A este respeito, como foi reconhecido pelos órgãos jurisdicionais da União, as suas instituições gozam deste amplo poder de apreciação no domínio das relações económicas externas, no qual se enquadram os acordos de associação e de liberalização (98).

222. É certo que, como sublinham o Conselho e a Comissão, a jurisprudência em que o Tribunal Geral se baseou, no n.o 225 do acórdão recorrido (99), para concluir pela existência de uma obrigação geral das instituições da União de «analis[arem], com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto […] que apoiam as conclusões deles extraídas», previamente à adoção do ato em causa, não é pertinente no domínio das relações económicas externas. Com efeito, esta jurisprudência impõe tal obrigação às instituições da União quando pretendem adotar, no âmbito de um processo administrativo (100), uma decisão que afeta os interesses de uma pessoa singular ou coletiva (101).

223. Todavia, não considero que a referência do Tribunal Geral aos acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München (C‑269/90, EU:C:1991:438), e de 22 de dezembro de 2010, Gowan Comércio Internacional e Serviços (C‑77/09, EU:C:2010:803), em vez da jurisprudência referida no n.o 220 das presentes conclusões, afete a sua conclusão, uma vez que os princípios aplicáveis nos processos administrativos são mutatis mutandis aplicáveis aos processos legislativos.

224. Com efeito, segundo jurisprudência constante, embora o legislador da União goze de um amplo poder de apreciação política na ponderação de diferentes interesses gerais no âmbito da adoção de um ato legislativo ou regulamentar, está sempre vinculado pela obrigação de ter em conta todos os «dados de base» pertinentes e os «elementos factuais» disponíveis (102). Neste contexto, o Tribunal de Justiça deve verificar se esse exercício foi efetivamente realizado (103) e que o ato adotado não é manifestamente inadequado (104).

225. A este respeito, considero que o acórdão de 16 de abril de 2013, Espanha e Itália/Conselho (C‑274/11 e C‑295/11, EU:C:2013:240), é particularmente importante uma vez que dizia respeito a uma decisão do Conselho que autorizava uma cooperação reforçada nos termos do artigo 329.o, n.o 1, TFUE, que, como a decisão controvertida, se enquadra no que a Comissão designou por «núcleo duro do poder de apreciação das instituições da União».

226. Na fiscalização da legalidade desta decisão, o Tribunal de Justiça reproduziu quase palavra por palavra o princípio enunciado nos acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München (C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14), e de 22 de dezembro de 2010, Gowan Comércio Internacional e Serviços (C‑77/09, EU:C:2010:803, n.o 57), e repetido pelo Tribunal Geral no n.o 225 do acórdão recorrido, ao declarar que, «no exercício da sua fiscalização da observância do requisito da adoção em último recurso de uma decisão que autoriza uma cooperação reforçada, [o Tribunal de Justiça deve] verificar se o Conselho apreciou com diligência e imparcialidade os elementos pertinentes a este respeito e se a conclusão a que este último chegou está suficientemente fundamentada» (105).

227. Se o Conselho está sujeito a estas exigências quando atua na qualidade de legislador, é difícil conceber que não o esteja quando recorre a um processo legislativo especial para celebrar um acordo internacional (106).

228. Pelos mesmos motivos que apresentei no n.o 142 das presentes conclusões, as referências efetuadas pela Comissão, nos n.os 12 a 14 da sua tréplica, à natureza política da questão do Sara Ocidental não são suscetíveis de impedir a fiscalização limitada que o Tribunal de Justiça deve exercer no domínio das relações internacionais, no qual as instituições da União gozam de um amplo poder de apreciação (107).

229. Por estes motivos, considero que o Tribunal Geral não cometeu um erro de direito ao declarar, no n.o 225 do acórdão recorrido, que, «nos casos em que uma instituição da União dispõe de um amplo poder de apreciação, para averiguar se a mesma cometeu um erro manifesto de apreciação, o juiz da União deve verificar se esta instituição analisou, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos pertinentes do caso concreto, elementos esses que apoiam as conclusões deles extraídas».

230. Por último, também não partilho da posição da Comissão, segundo a qual, em vez de vincular o exame prévio dos elementos pertinentes à existência de dúvidas relativas ao respeito dos direitos do povo do Sara Ocidental, tal como confirmado por um relatório elaborado pelo Conselho da Frente Polisário, o Tribunal Geral deveria ter demonstrado a violação de uma regra de direito ou a existência de um erro manifesto de apreciação.

231. Recordo que o Tribunal Geral baseou a anulação parcial da decisão controvertida numa conjugação de vários fundamentos da Frente Polisário, entre os quais, nomeadamente, o primeiro fundamento relativo a uma fundamentação insuficiente (108).

232. Neste contexto, o Tribunal Geral declarou, em primeiro lugar, que, previamente à adoção da decisão controvertida, o Conselho tinha a obrigação de efetuar um exame de todos os elementos pertinentes (109) e, em particular, neste processo, de tomar em conta o impacto que a celebração do acordo de liberalização podia ter sobre os direitos do Homem do povo do Sara Ocidental e sobre a exploração dos recursos naturais deste território (110).

233. Com esse fundamento, o Tribunal Geral declarou, no n.o 244 do acórdão recorrido, que «[n]ão decorre dos argumentos do Conselho nem dos elementos que este último juntou aos autos que o mesmo tenha procedido a [essa] análise».

234. Por conseguinte, deteve‑se antes de examinar e, a fortiori, de se pronunciar sobre a questão de saber se a decisão controvertida comportava ou contribuía para uma violação dos direitos do Homem no Sara Ocidental ou para uma exploração dos seus recursos naturais contrária ao direito internacional. É por este motivo que a jurisprudência referida pela Comissão (111) e relativa à fiscalização da legalidade de um ato da União à luz dos princípios do direito internacional consuetudinário não é aplicável ao caso concreto.

235. O Tribunal Geral também não tomou posição quanto à veracidade das alegações contidas no relatório do advogado da Frente Polisário, cujo valor probatório é contestado pela Comissão. O Tribunal Geral limitou‑se a observar que «o Conselho não fez nenhum comentário particular e não [o] desmentiu, o que leva a pensar que não analisou a questão de saber se a exploração dos recursos naturais do Sara Ocidental sob controlo marroquino era ou não feita em benefício da população deste território» (112).

236. Como o Conselho não cumpriu a sua obrigação de efetuar um exame de todos os elementos pertinentes antes da adoção da decisão controvertida num domínio em que goza de um amplo poder de apreciação, o Tribunal Geral declarou, em substância, que lhe era impossível exercer a sua fiscalização jurisdicional para determinar se a decisão controvertida era manifestamente inadequada ou não (113). Ao decidir neste sentido, não cometeu um erro de direito.

237. Por conseguinte, o terceiro fundamento do recurso deve ser rejeitado.

2.      Quanto ao quarto fundamento, relativo ao facto de o Tribunal Geral ter decido ultra petita

a)      Argumentação das partes

238. O Conselho e a Comissão alegam que o Tribunal Geral viciou o seu acórdão com um erro de direito ao analisar, nos n.os 227 e 241 do acórdão recorrido, se o Conselho não tinha cumprido a sua obrigação de examinar todos os elementos pertinentes do caso concreto antes de adotar a decisão controvertida e ao anular parcialmente tal decisão por esse motivo, no n.o 247 desse acórdão. Com efeito, ao contrário do que consta do n.o 226 do referido acórdão e do n.o 125 para o qual remete, a Frente Polisário não invocou nenhum fundamento a este respeito. Assim, ao pronunciar‑se sobre esta questão, o Tribunal Geral apreciou oficiosamente um fundamento que não era de ordem pública e, além disso, sem ouvir previamente o Conselho.

239. A Frente Polisário contesta o mérito deste fundamento alegando em substância, antes de mais, que o Tribunal Geral não decidiu ultra petita uma vez que o seu pedido visava efetivamente a anulação da decisão controvertida, na medida em que esta tinha aprovado a aplicação do acordo de liberalização ao Sara Ocidental, em seguida, que o fundamento de anulação em que se baseia o dispositivo do acórdão recorrido não foi apreciado oficiosamente, mas foi aduzido nos n.os 78 a 85 da sua petição apresentada no Tribunal Geral, e, por último, que, embora os argumentos invocados a este propósito tenham sido apresentados no âmbito de um fundamento relativo a uma fundamentação insuficiente, incumbia ao juiz da União restituir‑lhes a sua justa qualificação jurídica.

b)      Apreciação

240. Como afirma nos n.os 77 a 85 da sua petição apresentada no Tribunal Geral, a Frente Polisário contestou a validade da decisão controvertida por fundamentação insuficiente no âmbito do seu primeiro fundamento de anulação.

241. No n.o 79 desta petição, a Frente Polisário alega que «[o] Conselho […] tinha […] a obrigação de ter em conta todo o contexto jurídico e factual para garantir que o teor do acordo não podia de forma alguma contradizer o direito internacional ou pôr em causa de forma indireta os direitos do povo sarauí».

242. A este respeito, nos n.os 125 a 127 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral rejeitou o primeiro fundamento apenas parcialmente, reservando para depois o exame da alegação da Frente Polisário segundo a qual o Conselho não tinha examinado os elementos pertinentes do caso concreto antes da adoção da decisão controvertida. O Tribunal Geral efetuou esse exame nos n.os 226 a 247 do acórdão recorrido.

243. Além disso, o Tribunal Geral reservou o exame de uma série de argumentos invocados pela Frente Polisário em apoio do seu terceiro fundamento (violação dos direitos fundamentais), quinto fundamento (violação dos valores que fundam a União e dos princípios que presidem à sua ação externa), sexto fundamento (incumprimento do objetivo de desenvolvimento sustentável), nono fundamento (contradição da decisão controvertida com vários acordos celebrados pela União) e décimo fundamento (contradição da decisão controvertida com o direito internacional), na medida em que visavam contestar o exercício, por parte do Conselho, do seu amplo poder de apreciação (114).

244. Pelos motivos expostos, não considero que o Tribunal Geral tenha decidido ultra petita ao examinar a questão de saber se a decisão controvertida devia ser precedida de um exame de todas as circunstâncias do caso em apreço.

245. Por conseguinte, o quarto fundamento do recurso deve ser rejeitado.

3.      Quanto ao quinto fundamento, respeitante a erros de direito relativos à aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e do princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais

a)      Quanto à primeira parte, relativa à obrigação de examinar a questão do respeito dos direitos fundamentais

i)      Argumentação das partes

246. A Comissão afirma, em primeiro lugar, que a alegação relativa à violação da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, tal como foi aceite pelo Tribunal Geral, não tinha sido invocada de forma compreensível nos n.os 111 a 115 da petição apresentada em primeira instância.

247. O Conselho e a Comissão afirmam, em segundo lugar, que o raciocínio do Tribunal Geral, nos n.os 227, 228, 230 e 231 do acórdão recorrido, assenta numa interpretação e numa aplicação erradas da Carta dos Direitos Fundamentais. A este respeito, alegam, antes de mais, que o Tribunal Geral não concluiu que a decisão controvertida ou o acordo de liberalização contêm uma disposição contrária aos direitos fundamentais, mas critica estes atos por permitirem a exportação para a União de produtos obtidos em condições suscetíveis de violar os direitos fundamentais do povo do Sara Ocidental e, a este título, de encorajar indiretamente o desrespeito de alguns dos direitos consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais. Entendem, em seguida, que tal raciocínio equivale a fazer depender a legalidade de atos da União de comportamentos imputáveis a países terceiros com os quais esta celebra acordos internacionais. Consideram, por último, que o referido raciocínio implica que seja conferido um efeito extraterritorial à Carta dos Direitos Fundamentais, violando o seu artigo 51.o, que deveria ser entendido no sentido de que as instituições da União estão obrigadas a respeitar os direitos fundamentais dentro do âmbito de aplicação territorial do direito da União, tal como definido pelo artigo 51.o TUE, e pelo artigo 355.o TFUE, e não, salvo exceção, fora deste.

248. Em terceiro e último lugar, o Conselho e a Comissão alegam que a questão do respeito dos direitos do Homem é tida em conta, para efeitos da ação externa da União, num quadro processual distinto do definido pelo Tribunal Geral. Com efeito, nos termos do artigo 21.o TUE e do artigo 205.o TFUE, a promoção e o apoio dos direitos do Homem constituem, respetivamente, um princípio e um objetivo em que se baseia a ação da União na cena internacional. A este título, devem ser tidos em consideração pelo Conselho na condução das relações externas da União, podendo ser conjugados com outros princípios e objetivos, em virtude do amplo poder de apreciação reconhecido a esta instituição. Na prática, a situação dos direitos do Homem num país terceiro deve ser encarada como uma questão de ordem política que pode levar o Conselho a utilizar as cláusulas de vigilância previstas pelos acordos internacionais celebrados pela União, assim que estes acordos tenham entrado em vigor. Em contrapartida, o respeito dos direitos do Homem não constitui nem um elemento que deva ser objeto de um exame prévio do tipo definido pelo Tribunal Geral, nos n.os 228, 241 e 244 do acórdão recorrido, nem uma exigência material que condicione a celebração de um acordo internacional.

249. A Frente Polisário contesta a existência de erros de direito alegando, em substância, que o mérito dos fundamentos contestados pelo Conselho e a Comissão devia ser apreciado à luz do enquadramento jurídico e factual específico no qual o Tribunal Geral se pronunciou. A este respeito, este constatou, em primeiro lugar, que o Sara Ocidental se situava fora das fronteiras do Reino de Marrocos, conforme reconhecidas pela ONU, pela União e pelos seus Estados‑Membros, em segundo lugar, que o Reino de Marrocos não dispunha, por outro lado, de qualquer mandato internacional para o administrar e, em terceiro lugar, que, com a colaboração do Conselho e da Comissão, o acordo de liberalização aprovado pela decisão controvertida se aplicava, assim, a um território não autónomo.

250. Em seguida, o Tribunal Geral considerou que, no caso específico de um acordo internacional celebrado pela União se destinar a ser aplicado a um território disputado, a questão dos direitos fundamentais assume especial importância. Por último, concluiu que esta questão requeria um exame por parte do Conselho previamente à adoção da referida decisão. Esta abordagem é conforme ao artigo 51.o da Carta dos Direitos Fundamentais, uma vez que este artigo impõe que o Conselho respeite os direitos fundamentais quando exerce as competências que lhe são atribuídas pelos Tratados, como fez no caso em apreço. É igualmente coerente com o artigo 205.o TFUE, com o artigo 21.o TUE e com as disposições do acordo de associação que, no caso em apreço, impõem o respeito dos direitos do Homem.

251. Por outro lado, a Frente Polisário afirma que a Carta dos Direitos Fundamentais deve ser considerada aplicável de um ponto de vista tanto pessoal como material, uma vez que muitos sarauís nascidos durante o período denominado «de provincialização» do Sara Ocidental sob o Reino de Espanha têm nacionalidade espanhola, por um lado, e que a existência de violações dos seus direitos fundamentais está oficialmente demonstrada por vários documentos da ONU, assim como pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por outro.

ii)    Apreciação

–       Quanto à admissibilidade do fundamento do pedido de anulação da Frente Polisário relativo à violação dos direitos fundamentais

252. Não partilho da opinião da Comissão segundo a qual o terceiro fundamento do pedido de anulação da Frente Polisário, relativo a uma violação dos direitos fundamentais, é inadmissível por ser incompreensível.

253. Resulta claramente dos n.os 96 a 101 e 111 a 115 da petição apresentada pela Frente Polisário em primeira instância que, em seu entender, a decisão controvertida implicava a violação dos direitos fundamentais do povo do Sara Ocidental, em particular, dos artigos 6.o, 17.o, 37.o, 47.o e 53.o da Carta dos Direitos Fundamentais, uma vez que contribuiu para perpetuar a presença marroquina no Sara Ocidental.

–       Quanto à alegação relativa a uma interpretação e a uma aplicação erradas da Carta dos Direitos Fundamentais

254. Nos termos do artigo 3.o, n.o 5, do artigo 21.o, n.o 1, primeiro parágrafo, n.o 2, alínea b), e n.o 3, e do artigo 23.o TUE, assim como do artigo 205.o TFUE, os direitos do Homem e a sua proteção fazem parte dos princípios e dos valores essenciais da União que devem orientar a sua ação na cena internacional.

255. Com efeito, como o Tribunal de Justiça declarou recentemente a propósito de um acordo internacional aprovado por uma decisão do Conselho (115) que tem como base jurídica o artigo 37.o TUE, conjugado com o artigo 218.o, n.os 5 e 6, TFUE, «[o] respeito [dos princípios do Estado de direito e dos direitos do Homem e da dignidade do ser humano] [impõe‑se] a qualquer ação da União, incluindo no domínio da PESC, conforme resulta da conjugação das disposições do artigo 21.o, n.o 1, primeiro parágrafo, n.o 2, alínea b), e n.o 3, TUE e do artigo 23.o TUE» (116).

256. Além disso, resulta de jurisprudência constante que as competências da União devem ser exercidas no respeito do direito internacional (117). Daqui decorre que, exceto se na prática estiver desprovida de alcance, a questão da conformidade do acordo em causa com o direito internacional deve ser tida em conta no exame prévio de todos os elementos pertinentes que as instituições devem efetuar antes de celebrarem um acordo internacional.

257. Além da obrigação que decorre do direito da União de examinar a situação geral dos direitos do Homem na outra parte no acordo internacional e, mais precisamente, de estudar o impacto que este acordo pode ter nos direitos do Homem, o direito internacional impõe aos atores do direito internacional, nomeadamente aos Estados e às organizações internacionais, o respeito das normas imperativas do direito internacional (ius cogens) e das obrigações erga omnes.

258. A este respeito, o Tribunal Internacional de Justiça declarou que, «pela sua própria natureza, [as obrigações erga omnes] “dizem respeito a todos os Estados” e, “ [v]ista a importância dos direitos em causa, pode‑se considerar que todos os Estados têm um interesse jurídico em que estes direitos sejam protegidos”» (118). Com esse fundamento, afirmou que «todos os Estados têm a obrigação de não reconhecer a situação ilícita que decorre da [violação das obrigação erga omnes e] têm igualmente a obrigação de não prestarem auxílio ou assistência para a manutenção da situação criada por esta [violação]» (119).

259. Por conseguinte, antes de celebrar acordos internacionais, as instituições da União devem garantir o respeito da lista muito restrita das normas imperativas do direito internacional (ius cogens) (120) e das obrigações erga omnes (121), que incluem «a proibição dos atos de agressão e do genocídio, mas também dos princípios e das regras relativas aos direitos fundamentais da pessoa humana, incluindo a proteção contra a prática da escravatura e da discriminação racial» (122), assim como o direito à autodeterminação (123).

260. A este respeito, importa observar que o Conselho não contesta que a situação geral dos direitos do Homem na outra parte num acordo internacional é um dos elementos que deve ser tido em conta no momento da negociação e da celebração deste acordo. Ora, nos n.os 32 e 82 da petição que apresentou em primeira instância, a Frente Polisário censurava o Conselho por não ter efetuado, antes da celebração do referido acordo, um estudo de impacto do acordo de liberalização nos direitos do Homem.

261. Como a situação dos direitos do Homem no Sara Ocidental é um dos temas de controvérsia entre a Frente Polisário e o Reino de Marrocos e, a este título, constitui o objeto de um exame pelo Secretário‑Geral da ONU nos seus relatórios anuais sobre o Sara Ocidental (124), não é possível alegar que não existia matéria para um estudo de impacto.

262. Na minha opinião, nem o Conselho, nem a Comissão, nem nenhum dos intervenientes apresenta uma razão convincente pela qual, tendo em conta estas exigências, as instituições da União não estejam obrigadas a examinar, antes da celebração de um acordo internacional, a situação dos direitos do Homem na outra parte no acordo e o impacto que a celebração do acordo em causa poderia ter a este respeito.

263. Saliento que o Conselho e a Comissão colocaram a fasquia muito alta para si próprios ao decidirem «integrar os direitos do Homem nas análises de impacto, quando estas são efetuadas em relação a propostas legislativas e não legislativas […] e a acordos comerciais com consequências económicas, sociais e ambientais importantes» (125).

264. Assim, não é surpreendente que o Provedor de Justiça Europeu tenha constatado, através da sua decisão de 26 de fevereiro de 2016 no processo 1409/2014/MHZ, relativo ao incumprimento, pela Comissão, da sua obrigação de efetuar um estudo de impacto antes da celebração do acordo de comércio livre entre a União e a República Socialista do Vietname (126), que o facto de a Comissão não ter apresentado razões válidas para justificar a sua recusa em efetuar tal análise constituía um caso de má administração.

265. É verdade que, como observam o Conselho e a Comissão, os artigos 2.o, 3.o e 90.o do acordo de associação, assim como a declaração comum relativa ao artigo 90.o do acordo anexo ao ato final do referido acordo permitem que a União possa cumprir a sua obrigação contínua de respeitar e de promover o respeito dos direitos do Homem durante todo o período de vigência do referido acordo, do qual constituem um «elemento essencial» (127).

266. Todavia, como declarou o Provedor de Justiça Europeu no n.o 24 da sua decisão de 26 de fevereiro de 2016 no processo 1409/2014/MHZ, a única forma de o estudo de impacto poder ter um efeito útil é se for efetuado previamente à celebração do acordo internacional em causa, uma vez que é no momento da negociação deste que a União melhor pode promover os seus valores e objetivos, dos quais fazem parte o respeito e a proteção dos direitos do Homem.

267. Contrariamente ao que alegam o Conselho e a Comissão, a obrigação de efetuar um estudo de impacto do acordo de liberalização sobre os direitos do Homem não tem o efeito de fazer depender a legalidade dos atos da União de atos jurídicos de um Estado terceiro como o Reino de Marrocos.

268. Como declarou o Tribunal Geral no n.o 231 do acórdão recorrido, «se permitir a exportação para os seus Estados‑Membros de produtos provenientes deste outro país, fabricados ou obtidos em condições que não respeitam os direitos fundamentais da população do território do qual provêm, a União corre o risco de encorajar indiretamente essas violações ou de retirar benefícios delas».

269. Mesmo que se conteste a existência e a fiscalização jurisdicional de tal princípio em direito da União, é evidente que o direito internacional impõe uma obrigação clara à União e aos seus Estados‑Membros de não reconhecer uma situação ilícita decorrente da violação dos princípios e das regras respeitantes aos direitos fundamentais e de não auxiliar ou de não prestar assistência para a manutenção da situação criada por essa violação. Para o efeito, as instituições da União e os seus Estados‑Membros devem examinar o impacto que o acordo internacional em causa podia ter nos direitos do Homem.

270. Quanto à alegação do Conselho e da Comissão, segundo a qual ao basear‑se, no n.o 228 do acórdão recorrido, nos artigos 1.o a 3.o, 5.o, 15.o, 16.o, 17.o, 31.o e 32.o da Carta dos Direitos Fundamentais, o Tribunal Geral conferiu às suas disposições um efeito extraterritorial contrário ao artigo 51.o desta, é necessário observar, antes de mais, que, como é admitido pelo Reino da Bélgica e pela Comissão, os direitos fundamentais podem, em determinadas condições, produzir efeitos extraterritoriais. É certamente este o caso quando se trata de uma atividade regida pelo direito da União e realizada sob o controlo efetivo da União e/ou dos seus Estados‑Membros mas fora do território destes (128).

271. Todavia, como, no caso em apreço, nem a União nem os seus Estados‑Membros exercem controlo sobre o Sara Ocidental e este não faz parte dos territórios aos quais é aplicável o direito da União, não se pode colocar a questão da aplicação da Carta dos Direitos Fundamentais, mesmo que vários sarauís possuam, como alega a Frente Polisário, nacionalidade espanhola.

272. Por conseguinte, embora o Tribunal Geral tenha declarado corretamente, no n.o 228 do acórdão recorrido, que «o Conselho deve analisar, com cuidado e imparcialidade, todos os elementos relevantes para garantir que as atividades de produção dos produtos destinados à exportação não […] implicam violações dos […] direitos fundamentais [da população do Sara Ocidental]», não podia, no entanto, basear‑se nas disposições da Carta dos Direitos Fundamentais. O n.o 228 do acórdão recorrido enferma, assim, de erro de direito.

273. Todavia, se os fundamentos de um acórdão do Tribunal Geral revelarem uma violação do direito da União, mas a sua parte decisória se mostrar fundada por outros fundamentos jurídicos, tal violação não é suscetível de acarretar a anulação deste acórdão e os fundamentos devem ser substituídos (129).

274. É o que sucede no caso em apreço, uma vez que o facto de o Tribunal Geral se ter referido à Carta dos Direitos Fundamentais não afeta a obrigação das instituições da União, que decorre do direito da União e do direito internacional (130), de examinarem, previamente à adoção da decisão controvertida, a situação dos direitos do Homem no Sara Ocidental, bem como o impacto que a celebração do acordo em causa poderia ter a este respeito.

275. Recordo, neste sentido, que o raciocínio relativo ao poder de apreciação das instituições da União e aos elementos que devem ter em conta, desenvolvido pelo Tribunal Geral para fundamentar a anulação parcial da decisão controvertida, se baseava numa conjugação de vários fundamentos da Frente Polisário, entre os quais, nomeadamente, os relativos a uma fundamentação insuficiente, à violação dos direitos fundamentais, à violação dos valores que presidem a ação externa da União (artigos 21.o TUE e 205.o TFUE) e à violação do direito internacional.

276. Neste contexto, o Tribunal Geral deveria ter‑se referido aos princípios e às regras relativas aos direitos fundamentais da pessoa humana (131) que, segundo a jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça, constituem obrigações erga omnes do direito internacional que os Estados devem proteger, e estes devem abster‑se de prestar auxílio ou assistência para a manutenção das situações criadas pela sua violação (132).

277. É certo que o Tribunal de Justiça declarou no n.o 107 do acórdão Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864), que «os princípios de direito internacional consuetudinário […] podem ser invocados por um sujeito jurídico, para efeitos do exame da validade de um ato da União, pelo Tribunal de Justiça, na medida em que, por um lado, os referidos princípios sejam suscetíveis de pôr em causa a competência da União para adotar o referido ato […] e, por outro, o ato em causa seja suscetível de afetar direitos dos sujeitos jurídicos derivados do direito da União ou de gerar obrigações para os mesmos à luz desse direito».

278. Todavia, o que está em causa não é a legalidade da decisão controvertida à luz dos princípios do direito internacional, mas a sua legalidade em relação à não tomada em consideração, antes da sua adoção, de todos os elementos pertinentes, entre os quais a sua compatibilidade com o direito internacional dos direitos do Homem. Por conseguinte, as condições enunciadas nos n.os 107 a 110 do acórdão Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864), relativas à possibilidade de invocar as regras do direito internacional consuetudinário não são aplicáveis (133).

279. Por conseguinte, a primeira parte do quinto fundamento deve ser rejeitada.

b)      Quanto à segunda parte, relativa à obrigação de examinar a questão da conformidade do acordo de liberalização com o artigo 73.o da Carta das Nações Unidas e com o princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais

i)      Argumentação das partes

280. O Conselho e a Comissão alegam que, ao censurar o Conselho, nos n.os 228, 231, 241 e 244 do acórdão recorrido, por não ter examinado as condições de exploração dos recursos naturais do Sara Ocidental antes de adotar a decisão controvertida, o Tribunal Geral exige em definitivo que o Conselho verifique se os países terceiros com os quais prevê celebrar acordos internacionais suscetíveis de se aplicarem a territórios não autónomos, no caso em apreço o Reino de Marrocos, cumprem as obrigações decorrentes do artigo 73.o da Carta das Nações Unidas. Ora, este raciocínio enferma de três séries de erros de direito.

281. Em primeiro lugar, o artigo 73.o da Carta das Nações Unidas, em si mesmo, apenas impõe obrigações aos membros das Nações Unidas que assumiram ou assumem responsabilidades pela administração de territórios não autónomos. Ora, tal não é o caso da União. Além disso, a possibilidade de o Reino de Marrocos não respeitar as suas obrigações resultantes desta disposição enquanto potência administradora de facto do Sara Ocidental não é suscetível de alterar o alcance deste artigo ao impor às instituições da União uma obrigação de verificação quando preveem celebrar um acordo com este país. Pelo contrário, essas questões políticas delicadas são da competência exclusiva do Conselho de Segurança da ONU.

282. Em segundo lugar, o artigo 73.o da Carta das Nações Unidas não cumpre as condições que permitem a um particular recorrer aos tribunais para impugnar a legalidade de um ato da União.

283. Em terceiro e último lugar, o Tribunal Geral interpretou de maneira errada o direito internacional consuetudinário, uma vez que não referiu nenhuma base jurídica que imponha às instituições da União o dever de verificarem o respeito, pela outra parte no acordo, do princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais e do primado dos interesses dos habitantes dos territórios não autónomos. De igual modo, não referiu nenhuma base jurídica que permita considerar que, na falta de tal verificação, o acordo celebrado pela União é suscetível de encorajar indiretamente a violação destes princípios.

284. Em todo caso, o Tribunal Geral excedeu os limites da sua fiscalização jurisdicional visto que, atendendo ao caráter impreciso destes princípios, deveria ter concluído que nenhum erro manifesto de apreciação justificava a anulação da decisão controvertida, em vez de impor uma obrigação processual inédita ao Conselho.

285. Em resposta, a Frente Polisário alega que é inoperante censurar o Tribunal Geral por ter fiscalizado a conformidade da decisão controvertida com o artigo 73.o da Carta das Nações Unidas, uma vez que a referência a esta disposição só surge no âmbito de um raciocínio destinado a determinar se o Conselho tinha a obrigação de examinar as condições de exploração dos recursos naturais do Sara Ocidental antes de adotar a decisão controvertida.

286. Além disso, este raciocínio não contém erros de direito, dado que o princípio do direito internacional consuetudinário relativo à soberania permanente sobre os recursos naturais está ligado ao direito à autodeterminação, que constitui, em si mesmo, uma norma de jus cogens com efeitos erga omnes. Por conseguinte, incumbe a cada Estado garantir o seu respeito.

ii)    Apreciação

287. Importa observar, antes de mais, que a questão que está no cerne da segunda parte do quinto fundamento do recurso não consiste em saber se a decisão controvertida respeita ou não o artigo 73.o da Carta das Nações Unidas, o direito à autodeterminação e o princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais, mas simplesmente em saber se o Conselho devia tomar em consideração estas questões antes da adoção da decisão controvertida.

288. Neste sentido, há que afastar os argumentos do Conselho e da Comissão relativos ao facto de estas normas do direito internacional público não cumprirem as condições que permitem a um particular recorrer aos tribunais para impugnar a legalidade de um ato da União, conforme são enunciadas na jurisprudência do Tribunal de Justiça (134).

289. Por conseguinte, é necessário examinar se o Tribunal Geral declarou corretamente, no n.o 241 do acórdão recorrido, que, no âmbito do exame de todos os elementos pertinentes, «o Conselho […] devia, ele próprio, garantir que não havia indícios de uma exploração dos recursos naturais do território do Sara Ocidental, sob controlo de Marrocos, que pudesse fazer‑se em detrimento dos seus habitantes e prejudicar os seus direitos fundamentais».

290. Resulta de jurisprudência constante que as competências da União devem ser exercidas no respeito do direito internacional (135). Esta exigência é válida para qualquer ação externa da União, incluindo a negociação e a celebração de acordos internacionais (136).

291. Os princípios fundamentais aplicáveis aos territórios não autónomos são enunciados no artigo 73.o da Carta das Nações Unidas, segundo o qual «[o]s membros [da ONU] que assumiram ou assumam responsabilidades pela administração [destes] territórios […] reconhecem o princípio do primado dos interesses dos habitantes desses territórios e aceitam, como missão sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau […] o [seu] bem‑estar […]».

292. Além da sua obrigação que decorre da Resolução 1514 (XV) de auxiliar o povo destes territórios a exercer o seu direito à autodeterminação, as potências administradoras devem igualmente respeitar o princípio da soberania permanente desses povos sobre os recursos naturais dos seus territórios (137), que foi reconhecido pelo Tribunal Internacional de Justiça como princípio de direito internacional consuetudinário (138).

293. No caso dos territórios não autónomos, o princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais implica, em substância, que a potência administradora não pode, sem violar as obrigações que lhe incumbem por força da Carta das Nações Unidas, privar os povos dos territórios não autónomos do exercício dos seus direitos legítimos sobre os recursos naturais destes ou subordinar os direitos e os interesses destes povos a interesses económicos e financeiros estrangeiros (139). Em contrapartida, os investimentos económicos estrangeiros realizados em colaboração com os povos dos territórios não autónomos e em conformidade com a sua vontade com vista a contribuírem de forma válida para o desenvolvimento socioeconómico dos territórios respeitam o referido princípio (140).

294. O artigo 73.o da Carta das Nações Unidas e o princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais nunca figuraram entre as normas imperativas do direito internacional (jus cogens) ou as obrigações erga omnes (141). Por conseguinte, a possibilidade de uma violação do artigo 73.o da Carta das Nações Unidas e do princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais não pode pôr em causa a responsabilidade da União, uma vez que a obrigação de não reconhecer como lícita uma situação criada por uma violação grave de uma obrigação erga omnes, assim como de não prestar auxílio ou assistência para a manutenção desta situação (142) não é aplicável.

295. O corolário necessário do facto de o artigo 73.o da referida carta e o princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais não serem obrigações erga omnes é que apenas podem ser violados por quem estiver vinculado por estas disposições, o que não é o caso da União e das suas instituições. A este respeito, admitindo que são aplicáveis ao Sara Ocidental, os acordos de associação e de liberalização só instituem um regime aduaneiro favorável em relação às exportações dos produtos originários do Sara Ocidental para a União. Neste sentido, os referidos acordos não abrangem a exploração de recursos naturais, quer se encontrem em Marrocos ou no Sara Ocidental.

296. É certo que a possibilidade de os produtos originários deste território serem suscetíveis de beneficiar deste regime pode encorajar a exploração dos recursos naturais do Sara Ocidental. Todavia, esta exploração não é em si mesma contrária ao direito internacional, mas depende da questão de saber se respeita o primado dos interesses dos seus habitantes consagrado no artigo 73.o da Carta das Nações Unidas e o princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais. Ora, o Reino de Marrocos é efetivamente o único capaz de garantir que essa exploração respeita o direito internacional.

297. Como a União não pode incorrer em responsabilidade, mesmo que a exploração de recursos naturais do Sara Ocidental fosse contrária ao artigo 73.o da Carta das Nações Unidas e ao princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais, o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao declarar, nos n.os 229 a 246 do acórdão recorrido, que o impacto do acordo de liberalização sobre este princípio era um elemento pertinente que o Conselho devia tomar em consideração antes de celebrar este acordo e que esta questão não dizia unicamente respeito ao Reino de Marrocos. Por conseguinte, estes números devem ser anulados.

298. Todavia, este erro não pode ter consequências sobre o resto do acórdão recorrido uma vez que, como expliquei nos n.os 254 a 279 das presentes conclusões, o Tribunal Geral decidiu corretamente que o Conselho não tinha cumprido a sua obrigação de examinar, previamente à adoção da decisão controvertida, a situação dos direitos do Homem no Sara Ocidental nem o impacto que a celebração do acordo em causa poderia ter a este respeito.

299. Por conseguinte, a segunda parte do quinto fundamento do recurso deve ser rejeitada por ser inoperante.

4.      Quanto ao sexto fundamento, respeitante a um erro de direito relativo ao alcance da anulação da decisão controvertida

a)      Argumentação das partes

300. O Conselho e a Comissão alegam que o Tribunal Geral cometeu dois erros de direito, no n.o 247 do acórdão recorrido, ao anular a decisão controvertida na parte em que aprova a aplicação do acordo de liberalização ao Sara Ocidental. Com efeito, na falta de qualquer referência explícita ao Sara Ocidental neste acordo, não pode ser destacado de tal decisão nenhum elemento a este respeito. Além disso, o acórdão recorrido conduz, em definitivo, à alteração unilateral do alcance territorial do acordo de liberalização, assim como, consequentemente, do espírito e da substância da decisão controvertida. Com efeito, o Reino de Marrocos nunca teria aceitado este acordo se as instituições da União tivessem nele incluído uma cláusula que excluía explicitamente a sua aplicação ao Sara Ocidental.

301. A Frente Polisário objeta que o elemento anulado pelo Tribunal Geral é destacável do resto da decisão controvertida e não altera nem o seu espírito nem a sua substância, uma vez que o Sara Ocidental constitui um território não autónomo que possui fronteiras internacionalmente reconhecidas e que é distinto do Reino de Marrocos do ponto de vista quer do direito internacional quer do direito da União. Alega igualmente que esta possibilidade de autonomização é confirmada pelas afirmações repetidas do Conselho e da Comissão, segundo as quais o acordo de liberalização permanece em vigor e continua a produzir os seus efeitos em relação ao Reino de Marrocos, apesar da anulação decretada pelo Tribunal Geral.

b)      Apreciação

302. O exame deste fundamento também faz parte da argumentação que apresento a título subsidiário, a saber, na hipótese de o Tribunal de Justiça decidir que o acordo de liberalização se aplicava no território do Sara Ocidental e concluir igualmente que o Conselho violou a sua obrigação de exame de todos ou de determinados elementos pertinentes previamente à decisão controvertida. Em minha opinião, neste caso, uma anulação parcial da decisão controvertida não se afigura, no entanto, criticável.

303. Importa recordar que a decisão do Tribunal Geral de anular parcialmente a decisão controvertida deve‑se à ambiguidade da posição do Conselho e da Comissão, segundo os quais o acordo de liberalização não é aplicável ao Sara Ocidental mas é‑lhe aplicado de facto, ambiguidade em que o Tribunal Geral fundamentou a afetação direta e individual da Frente Polisário.

304. Com efeito, tendo constatado uma ilegalidade no processo (143) de adoção da decisão controvertida que apenas a vicia na medida em que o acordo de liberalização se aplica ao Sara Ocidental, o Tribunal Geral anulou a decisão controvertida «na parte em que aprova a aplicação [do acordo de liberalização] ao Sara Ocidental».

305. Segundo jurisprudência constante, «uma anulação [parcial] só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis do resto do ato […] O Tribunal de Justiça já tem decidido reiteradamente que esta exigência de possibilidade de autonomização não será cumprida se a anulação parcial de um ato tiver por efeito alterar a sua substância […] No que diz respeito à verificação da possibilidade de autonomização das disposições controvertidas, esta pressupõe o exame do alcance das referidas disposições, a fim de se poder avaliar se a sua anulação modificaria o espírito e a substância da decisão impugnada […]» (144).

306. No caso em apreço, contrariamente ao que alega o Conselho, ao anular a decisão controvertida na parte em que aprova a aplicação do acordo de liberalização ao Sara Ocidental, o Tribunal Geral contestou não o poder do Conselho de celebrar com o Reino de Marrocos um acordo aplicável ao Sara Ocidental, mas o facto de o Conselho ter aprovado a celebração sem examinar previamente todos os elementos pertinentes do caso concreto.

307. Com a anulação parcial, o Tribunal Geral também não alterou o espírito e a substância da decisão controvertida, uma vez que a anulação parcial está ligada a questões que dizem unicamente respeito ao alcance territorial do acordo de liberalização e não ao seu mérito.

308. Por conseguinte, o sexto fundamento do recurso deve ser rejeitado.

VII – Quanto às despesas

309. Nos termos dos artigos 137.o e 184.o, n.o 2, do seu Regulamento de Processo, se o Tribunal de Justiça decidir definitivamente o litígio, decidirá igualmente sobre as despesas.

310. Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do mesmo regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal de Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, deste, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

A –    A título principal e a título subsidiário

311. Como, em minha opinião, a Frente Polisário deve ser vencida no recurso pelos motivos que já apresentei, a título principal, nos n.os 54 a 114 das presentes conclusões e, a título subsidiário, nos n.os 185 a 194 e 211 das presentes conclusões, há que condená‑la a suportar, além das suas próprias despesas, a totalidade das despesas efetuadas pelo Conselho e pela Comissão, tanto em primeira instância como em sede de recurso.

312. Neste caso, nos termos do artigo 140.o, n.o 1, do referido regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal de Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, do mesmo regulamento, os Estados‑Membros que intervenham no litígio devem suportar as suas próprias despesas.

313. Por conseguinte, há que condenar o Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha, a República Francesa e a República Portuguesa a suportar as suas próprias despesas.

314. Nos termos do artigo 140.o, n.o 3, do referido regulamento, aplicável ao processo de recurso de decisão do Tribunal de Geral nos termos do artigo 184.o, n.o 1, deste, o Tribunal de Justiça pode decidir que um interveniente, diferente dos Estados‑Membros, das instituições da União, dos Estados partes do Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, de 2 de maio de 1992 (JO 1994, L 1, p. 3), e dos Estados partes da EFTA, suportará as suas próprias despesas.

315. Não tendo a Comader apresentado um pedido a este respeito, há que condená‑la a suportar as suas próprias despesas.

B –    A título ainda mais subsidiário

316. Caso o Tribunal de Justiça não partilhe da minha tese, segundo a qual os acordos de associação e de liberalização não são aplicáveis ao Sara Ocidental, e declare que a decisão controvertida dizia direta e individualmente respeito à Frente Polisário, há que negar provimento ao recurso pelos motivos que já apresentei nos n.os 116 a 308 das presentes conclusões.

317. Nos termos do artigo 138.o, n.os 1 e 2, e do artigo 184.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, o Conselho e a Comissão que, foram vencidos, devem suportar as suas próprias despesas, assim como as despesas efetuadas pela Frente Polisário tanto em primeira instância como em sede de recurso.

318. As observações sobre as despesas das partes intervenientes no recurso que apresentei nos n.os 312 a 315 das presentes conclusões são aqui igualmente válidas.

VIII – Conclusão

319. Tendo em consideração o exposto, proponho que o Tribunal de Justiça:

–        A título principal e a título subsidiário

–        anule o acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 10 de dezembro de 2015, Frente Polisário/Conselho (T‑512/12, EU:T:2015:953), pelo qual este anulou a Decisão 2012/497/UE do Conselho, de 8 de março de 2012, relativa à celebração do Acordo sob forma de Troca de Cartas entre a União Europeia e o Reino de Marrocos respeitante às medidas de liberalização recíprocas em matéria de produtos agrícolas, de produtos agrícolas transformados, de peixe e de produtos da pesca, à substituição dos Protocolos n.os 1, 2 e 3 e seus anexos e às alterações do Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma Associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro, na parte em que aprova a aplicação deste acordo ao Sara Ocidental;

–        declare inadmissível o recurso de anulação da Frente Popular para a Libertação de Saguia‑el‑hamra e Rio de Oro (Frente Polisário);

–        condene a Frente Popular para a Libertação de Saguia‑el‑hamra e Rio de Oro (Frente Polisário) nas despesas efetuadas pelo Conselho da União Europeia e pela Comissão Europeia tanto em primeira instância como em sede de recurso; e

–        condene o Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Portuguesa e a Confederação Marroquina da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (Comader) a suportar as suas próprias despesas.

–        A título ainda mais subsidiário

–        negue provimento ao recurso de decisão do Tribunal Geral;

–        condene o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia a suportar as suas próprias despesas, assim como as despesas efetuadas pela Frente Popular para a Libertação de Saguia‑el‑hamra e Rio de Oro (Frente Polisário) tanto em primeira instância como em sede de recurso; e

–        condene o Reino da Bélgica, a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Portuguesa e a Confederação Marroquina da Agricultura e do Desenvolvimento Rural (Comader) a suportar as suas próprias despesas.


1      Língua original: francês.


2      JO 2012, L 241, p. 2.


3      JO 2000, L 70, p. 1.


4      JO 2012, L 241, p. 4.


5      S/2016/355, n.o 73.


6      V. lista anexa ao relatório de 1 de fevereiro de 2016 do secretário‑geral da ONU sobre as «Informações relativas aos territórios transmitidas nos termos do artigo 73.o, alínea e), da Carta das Nações Unidas» (A/71/68).


7      N.o 117 do acórdão recorrido.


8      N.o 117 do acórdão recorrido.


9      N.o 215 do acórdão recorrido. V., igualmente, n.os 146, 165, 171, 198, 205 a 211 e 215 a 222 do acórdão recorrido.


10      V. n.os 124 a 126, 147, 166, 172, 199 e 211 do acórdão recorrido.


11      V. artigo 56.o, terceiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e acórdão de 22 de fevereiro de 2005, Comissão/max.mobil (C‑141/02 P, EU:C:2005:98, n.os 48 a 51).


12      V. acórdão de 21 de dezembro de 2011, Iride/Comissão (C‑329/09 P, EU:C:2011:859, n.o 50).


13      V. n.o 8 da réplica da Frente Polisário.


14      Segundo o Tribunal Geral, «a celebração de um acordo assinado entre a União e um Estado terceiro que pode ser aplicado num território disputado não é, de qualquer modo, contrária ao direito da União ou ao direito internacional que a União é obrigada a respeitar».


15      V. n.o 87 do acórdão recorrido.


16      Recueil des traités des Nations unies, vol. 1155, p. 331. Tanto o Tribunal Geral como as partes referem a Convenção de Viena, mesmo que, nos termos do seu artigo 1.o, esta apenas se aplique aos Tratados concluídos entre Estados, ao passo que a convenção aplicável aos acordos de associação e de liberalização é a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados e Organizações Internacionais ou entre Organizações Internacionais, assinada em 21 de março de 1986 em Viena, que, contudo, ainda não está em vigor. Dito isto, conforme o Tribunal de Justiça declarou no n.o 37 do acórdão de 6 de fevereiro de 2014, Helm Düngemittel (C‑613/12, EU:C:2014:52), «o direito internacional dos Tratados foi codificado, em substância, pela Convenção de Viena e […] as normas contidas nesta convenção são aplicáveis a um acordo celebrado entre um Estado e uma organização internacional, como o acordo euromediterrânico com [a República Árabe do Egito], na medida em que essas normas são a expressão do direito internacional geral consuetudinário». V. também, neste sentido, acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Brita (C‑386/08, EU:C:2010:91, n.os 40 a 42 e jurisprudência referida), e artigo 3.o, alínea b), da Convenção de Viena. Devido a este facto tais regras «vinculam as instituições da [União] e integram a ordem jurídica [da União]» (acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Brita, C‑386/08, EU:C:2010:91, n.o 42). Nas presentes conclusões, referir‑me‑ei às disposições da Convenção de Viena.


17      Nomeadamente, a questão da alegada aplicação extraterritorial da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia ao Sara Ocidental.


18      V. n.o 24 do recurso.


19      V. n.o 88.


20      V., nomeadamente, n.os 27 a 30 da contestação da Comissão.


21      A questão de saber se a potência administradora preserva a sua prerrogativa de celebrar acordos internacionais por conta e em nome do território não autónomo foi suscitada no processo de Timor‑Leste que opõe a República Portuguesa (enquanto potência administradora expulsa de Timor‑Leste pela República da Indonésia) à Commonwealth da Austrália (enquanto país terceiro que celebrou com a República da Indonésia um acordo internacional aplicável a Timor‑Leste). Todavia, o Tribunal Internacional de Justiça não se pronunciou sobre o mérito deste processo, tendo declarado que a ausência da República da Indonésia do litígio não lhe permitia exercer a sua competência. Todavia, declarou que «não se [podia] deduzir do simples facto de [determinadas resoluções da Assembleia‑Geral e do Conselho de Segurança] referirem Portugal como potência administradora de Timor‑Leste que [essas] resoluções […] pretenderam impor a Estados terceiros uma obrigação de tratarem exclusivamente com Portugal no que diz respeito à plataforma continental de Timor‑Leste». V. acórdão de 30 de junho de 1995, Timor‑Leste (Portugal c. Austrália), TIJ, Recueil 1995, p. 90, n.o 32.


22      O sublinhado é meu.


23      O sublinhado é meu.


24      V. Regulamento (CEE) n.o 1246/73 do Conselho, de 14 de maio de 1973, relativo à conclusão do Acordo que cria uma Associação entre a Comunidade Económica Europeia e a República de Chipre (JO 1973, L 133 p. 1; EE 11/03, p. 168).


25      V. n.os 3 e 57 do acórdão recorrido, assim como lista anexa ao relatório de 1 de fevereiro de 2016 do secretário‑geral da ONU sobre as «Informações relativas aos territórios transmitidas nos termos do artigo 73.o, alínea e), da Carta das Nações Unidas» (A/71/68). V., igualmente, neste sentido, a carta de 29 de janeiro de 2002, dirigida ao presidente do Conselho de Segurança pelo secretário‑geral adjunto para os assuntos jurídicos, conselheiro jurídico (S/2002/161), ponto 6: [a] transferência dos poderes administrativos [pelo Reino de Espanha] para o [Reino de] Marrocos e para a [República Islâmica da] Mauritânia em 1975 não teve impacto no estatuto do Sara Ocidental enquanto território não autónomo».


26      V. n.o 10 das presentes conclusões.


27      TIJ, Recueil 1975, p. 12.


28      O sublinhado é meu.


29      O acórdão do Tribunal Geral foi confirmado pelo despacho de 28 de novembro de 1996, Odigitria/Conselho e Comissão (C‑293/95 P, EU:C:1996:457). O processo dizia respeito aos acordos de pesca celebrados pela União com a República do Senegal e a República da Guiné‑Bissau, acordos que não tinham excluído do seu âmbito de aplicação territorial as zonas marítimas que eram objeto de reivindicações recíprocas por parte dos dois Estados. Com o seu pedido de indemnização, a recorrente acusava o Conselho e a Comissão de não terem excluído a zona litigiosa dos acordos em causa, até à prolação do acórdão do Tribunal Internacional de Justiça.


30      V., neste sentido, acórdão R (Western Sahara Campaign UK) v The Commissioners for Her Majesty’s Revenue & Customs and The Secretary of State for the Environment, Food and Rural Affairs[2015] EWHC 2898 (Admin), n.o 39, que deu origem ao processo Western Sahara Campaign (C‑266/16), pendente no Tribunal de Justiça.


31      Declaração sobre os princípios do direito internacional relativos às relações de amizade e de cooperação entre os Estados, em conformidade com a Carta das Nações Unidas, aprovada pela Resolução 2625 (XXV) da Assembleia‑Geral da ONU, de 24 de outubro de 1970.


32      V. n.o 75 do acórdão recorrido.


33      Contrariamente, por exemplo, segundo a Comissão, ao Acordo de Parceria no domínio da pesca entre a Comunidade Europeia e o Reino de Marrocos, aprovado pelo Regulamento (CE) n.o 764/2006 do Conselho, de 22 de maio de 2006 (JO 2006, L 141, p. 1), que utiliza expressões mais amplas («águas sob a soberania ou jurisdição do Reino de Marrocos» e «águas sob jurisdição marroquina»), o que implica que a intenção das partes era que fosse aplicado às águas sob jurisdição marroquina [v., artigo 2.o, alínea a), e artigo 11.o deste acordo], o que inclui as águas do Sara Ocidental.


34      A importância desta prática foi sublinhada pelo Tribunal Internacional de Justiça no seu acórdão de 20 de fevereiro de 1969 nos processos da Plataforma continental do mar do Norte (República Federal da Alemanha c. Reino da Dinamarca; República Federal da Alemanha c. Reino dos Países Baixos), TIJ, Recueil 1969, p. 3, referindo‑se à prática dos Estados «que são particularmente interessados» (n.o 74).


35      Não tenho em conta o Reino de Espanha que figura igualmente na lista anexa ao relatório de 1 de fevereiro de 2016 do secretário‑geral da ONU sobre as «Informações relativas aos territórios transmitidas nos termos do artigo 73.o, alínea e), da Carta das Nações Unidas» (A/71/68), uma vez que este considera não ter qualquer responsabilidade de caráter internacional relativa à sua administração do Sara Ocidental desde 26 de fevereiro de 1976.


36      V. lista anexa ao relatório de 1 de fevereiro de 2016 do Secretário‑Geral da ONU sobre as «Informações relativas aos territórios transmitidas nos termos do artigo 73.o, alínea e), da Carta das Nações Unidas» (A/71/68).


37      Os Estados Unidos da América administram o território do Guam, as Ilhas Virgens americanas e o território da Samoa Americana. A Nova Zelândia administra as Toquelau. A República Francesa administra a Nova Caledónia e a Polinésia Francesa. O Reino Unido administra Anguila, as Bermudas, Gibraltar, as Ilhas Caimão, as Ilhas Malvinas, as Ilhas Turcas e Caicos, as Ilhas Virgens Britânicas, Montserrat, as Ilhas Pitcairn e Santa Helena. O décimo sétimo território não autónomo é o Sara Ocidental.


38      Apenas a República Francesa tem outra prática, tendo o Governo Francês explicado na audiência que os Tratados celebrados pela República Francesa eram aplicáveis à Nova Caledónia e à Polinésia Francesa, salvo exclusão expressa.


39      V. «Guidelines on extension of treaties to overseas territories» de 19 de março de 2013 do Foreign & Commonwealth Office do Reino Unido disponível no sítio Internet: https://www.gov.uk/government/publications/guidelines‑on‑extension‑of‑treaties‑to‑overseas‑territories. V., igualmente, neste sentido, «Federal Tax Laws and Issues Related to the United States Territories» de 15 de maio de 2012 do Joint Committee on Taxation do Congresso dos Estados Unidos disponível no sítio Internet https://www.jct.gov/publications.html?func=startdown&id=4427. V., igualmente, neste sentido, «External Relations and International Legal Obligations» no sítio Internet do Governo das Toquelau (http://www.tokelau.org.nz/About+Us/Government.html).


40      V., neste sentido, carta do Gabinete Executivo do Presidente dos Estados Unidos da América de 20 de julho de 2004 ao membro do Congresso Joseph R. Pitts nos termos da qual «[o]s Estados Unidos e vários outros países não reconhecem a soberania marroquina no Sara Ocidental […]. [O acordo de comércio livre] será aplicável ao comércio com [o Reino de Marrocos] e aos investimentos [no] território do [Reino de] Marrocos tal como é internacionalmente reconhecido e não incluirá o Sara Ocidental» («The United States and many other countries do not recognize Moroccan sovereignty over Western Sahara […] The [free trade agreement] will cover trade and investment in the territory of Morocco as recognized internationally, and will not include Western Sahara»). Esta carta está disponível no sítio Internet do boletim oficial do Congresso (https://www.gpo.gov/fdsys/pkg/CREC‑2004‑07‑22/pdf/CREC‑2004‑07‑22‑pt2‑PgH6615‑4.pdf#page=13). V., igualmente, neste sentido, a resposta do Ministro dos Negócios Estrangeiros do Reino da Noruega a uma questão parlamentar, dada em 11 de maio de 2010, segundo a qual, «[u]ma vez que o [Reino de] Marrocos não exerce soberania no Sara Ocidental de forma internacional reconhecida, este não é considerado parte do território do [Reino de] Marrocos no âmbito do [acordo de comércio livre]. [Este acordo] não é, assim, aplicável aos produtos originários do Sara Ocidental» (v., sítio Internet do Parlamento norueguês https://www.stortinget.no/no/Saker‑og‑publikasjoner/Sporsmal/Skriftlige‑sporsmal‑og‑svar/Skriftlig‑sporsmal/?qid=46630). V., igualmente, neste sentido, parecer do Conselho Federal da Confederação Suíça de 15 de maio de 2013 segundo o qual «[os acordos de comércio livre EFTA‑Marrocos e Suíça‑Marrocos] são aplicáveis exclusivamente ao território do Reino de Marrocos. O território do Sara Ocidental é, em conformidade com as resoluções da ONU, um “território não autónomo” e não faz parte do território do [Reino de] Marrocos. Se as mercadorias não respeitarem as regras de origem do acordo em questão (por exemplo, porque foram produzidas [no] Sara Ocidental) e se, apesar de tudo, forem entregues provas de origem enganosas estabelecidas no âmbito do referido acordo (origem Marrocos), então, após confirmação jurídica por um processo de controlo, não será concedido o tratamento preferencial» (v., sítio Internet do Parlamento suíço https://www.parlament.ch/fr/ratsbetrieb/suche‑curia‑vista/geschaeft?AffairId=20133178). V., igualmente, neste sentido, a resposta do Ministro dos Negócios Estrangeiros da República da Islândia a uma questão parlamentar, dada em 18 de abril de 2016: «Concordamos com a interpretação do acordo de comércio livre entre a EFTA e Marrocos efetuada pelas autoridades norueguesas e suíças segundo a qual [este acordo] não abrange os produtos originários do Sara Ocidental» (v., sítio Internet do Parlamento islandês http://www.althingi.is/altext/raeda/145/rad20160418T160934.html).


41      V., neste sentido, artigo 2.1 do acordo de comércio livre, celebrado em 15 de junho de 2004 em Washington D.C. entre os Estados Unidos da América e o Reino de Marrocos («Except as otherwise provided, this Chapter applies to trade in goods of a Party») e artigo 36.o do acordo de comércio livre, celebrado em 19 de junho de 1997 em Genebra entre os Estados da EFTA e o Reino de Marrocos («O presente Acordo é aplicável no território dos Estados Partes, sobe reserva das disposições do Protocolo E» que autoriza o Reino da Noruega a excluir o território do Svalbard do âmbito de aplicação do acordo de comércio livre).


42      V. n.os 74, 75 e 81 do acórdão recorrido.


43      V. n.o 87 do acórdão recorrido.


44      V. n.os 65 (no que respeita à Comissão) e 67 (no que respeita ao Conselho) das presentes conclusões.


45      Embora o artigo 31.o, n.o 1, desta convenção preveja que «[u]m tratado deve ser interpretado de boa fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim», o seu n.o 3, alínea b), estabelece que «[t]er‑se‑á em consideração, simultaneamente com o contexto […] [t]oda a prática seguida posteriormente na aplicação do tratado pela qual se estabeleça o acordo das Partes sobre a interpretação do tratado».


46      V. Air Transport Services Agreement Arbitration (Estados Unidos da América c. República Italiana), 1965, Recueil des sentences arbitrales, vol. XVI, p. 75, p. 99, baseando‑se no parecer consultivo do Tribunal Permanente de Justiça Internacional de 12 de agosto de 1922 sobre a competência da Organização Internacional do Trabalho (OIT) para a regulamentação internacional das condições de trabalho das pessoas empregadas na agricultura (CPIJ, série B, p. 39 a 41).


47      Apesar de o artigo 31.o, n.o 1, desta convenção prever que «[u]m tratado deve ser interpretado de boa fé, de acordo com o sentido comum a atribuir aos termos do tratado no seu contexto e à luz dos respetivos objeto e fim», segundo o seu n.o 3, alínea b), «[t]er‑se‑á em consideração, simultaneamente com o contexto […][t]oda a prática seguida posteriormente na aplicação do tratado pela qual se estabeleça o acordo das Partes sobre a interpretação do tratado».


48      N.o 61 (o sublinhado é meu). O templo de Préah Vihéar localiza‑se num promontório com o mesmo nome situado na parte oriental da cadeia montanhosa dos Dangrek, que delimita a fronteira entre o Reino do Camboja a sul e o Reino da Tailândia a norte. Em 1904, a República Francesa, da qual o Reino de Camboja era então um protetorado, e o Reino de Sião (antiga denominação do Reino da Tailândia) assinaram uma convenção que previa a criação de uma comissão mista encarregada de proceder à delimitação da fronteira entre os dois territórios. Segundo esta convenção, a fronteira seguiria a linha divisória das águas entre as bacias do Nam Sen e do Mékong. Embora, segundo esta disposição, o referido templo se encontre no território tailandês, a comissão mista colocou‑o no território cambojano. Após o Reino de Camboja obter a independência, o Reino da Tailândia ocupou o referido templo em 1954.


49      V., por exemplo, Crawford, J., Brownlie’sPrinciples of Public International Law, 8.a ed., Oxford University Press, Oxford, 2012, p. 419 a 421. Embora a comissão mista tenha colocado o referido templo no território do Camboja, o Reino da Tailândia nunca protestou contra a carta apresentada por esta Comissão, que lhe foi enviada pelo Governo francês. Na falta de qualquer protesto por parte do Reino da Tailândia, o Tribunal Internacional de Justiça declarou que este a tinha aceitado tacitamente e que não podia contestar a soberania do Camboja sobre o referido templo. V., neste sentido, p. 22, 23 e 25 a 35 desse acórdão.


50      V. decisão de 14 de janeiro de 2003 do tribunal arbitral constituído pelo Governo da República Francesa e Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) sobre a questão do regime fiscal das pensões pagas aos funcionários reformados da Unesco que residem em França, Recueil des sentences arbitrales, vol. XXV (2003), p. 233, n.o 74. O sublinhado é meu.


51      V., neste sentido, n.os 63 a 66 das presentes conclusões.


52      Este acórdão relativo ao Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Estado de Israel, por outro, assinado em Bruxelas, em 20 de novembro de 1995 (JO 2000, L 147, p. 3, a seguir «acordo de associação UE‑Israel»), era relativo à exportação para a União de produtos fabricados na Cisjordânia.


53      Com efeito, como declarou o Tribunal Internacional de Justiça no n.o 78 do seu parecer consultivo de 9 de julho de 2004 sobre as consequências jurídicas da construção de um muro no território palestiniano ocupado, TIJ, Recueil 2004, p. 136: «[o]s territórios situados entre a Linha Verde […] e a antiga fronteira oriental da Palestina sob mandato foram ocupados por Israel em 1967 durante o conflito armado que opôs Israel à Jordânia. Segundo o direito internacional consuetudinário, tratava‑se, assim, de territórios ocupados nos quais Israel tinha o estatuto de potência ocupante. Os acontecimentos que ocorreram desde então nestes territórios […] em nada alteraram tal situação. Todos estes territórios (incluindo Jerusalém‑Este) permanecem territórios ocupados e Israel manteve o estatuto de potência ocupante».


54      N.o 96 do acórdão recorrido, que remete para os n.os 44 a 53 do acórdão de 25 de fevereiro de 2010, Brita (C‑386/08, EU:C:2010:91).


55      N.o 101 do acórdão recorrido.


56      N.o 102 do acórdão recorrido.


57      O sublinhado é meu. É evidente que o Tribunal Geral utilizou a expressão «é aplicável» em vez da expressão «é aplicado», que parecia ser a sua tese conforme resulta da leitura dos números.


58      V. acórdãos de 8 de outubro de 1974, Union syndicale — Service public européen e o./Conselho (175/73, EU:C:1974:95); de 8 de outubro de 1974, Syndicat général du personnel des organismes européens/Comissão (18/74, EU:C:1974:96); de 28 de outubro de 1982, Groupement des Agences de voyages/Comissão (135/81, EU:C:1982:371); e de 18 de janeiro de 2007, PKK e KNK/Conselho (C‑229/05 P, EU:C:2007:32); bem como despacho de 14 de novembro de 1963, Lassalle/Parlamento (15/63, EU:C:1963:47).


59      O primeiro requisito exige que a entidade em questão disponha de estatutos e de uma estrutura interna que lhe assegure a autonomia necessária para agir como entidade responsável nas relações jurídicas (v. n.os 53 e 54 do acórdão recorrido).


60      N.o 49 do acórdão recorrido.


61      O sublinhado é meu.


62      V. nota de rodapé 59 das presentes conclusões.


63      N.o 112.


64      V., neste sentido, resoluções do Parlamento Europeu referidas no n.o 37 do acórdão recorrido, assim como resoluções da Assembleia paritária África‑Caraíbas‑Pacífico (ACP)‑UE referidas na nota de rodapé 79 da contestação da Frente Polisário.


65      O princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais é definido como «o direito dos povos e das nações utilizarem e disporem dos recursos naturais dos seus territórios para assegurarem o seu desenvolvimento e bem‑estar» [carta de 29 de janeiro de 2002, dirigida ao presidente do Conselho de Segurança pelo secretário‑geral adjunto para os assuntos jurídicos, conselheiro jurídico (S/2002/161), n.o 14]. No n.o 244 do seu acórdão de 19 de dezembro de 2005 no processo das Atividades armadas no território do Congo (República Democrática do Congo c. Uganda), TIJ, Recueil 2005, p. 168, o Tribunal Internacional de Justiça declarou que este princípio assumia o caráter de um princípio de direito internacional consuetudinário.


66      V., neste sentido, carta de 29 de janeiro de 2002, dirigida ao presidente do Conselho de Segurança pelo secretário‑geral adjunto para os assuntos jurídicos, conselheiro jurídico (S/2002/161), n.o 24: «se os recursos dos territórios não autónomos são explorados em benefício dos povos desses territórios, em seu nome, ou em consulta com os seus representantes, considera‑se que esta exploração é compatível com as obrigações que incumbem às potências administradoras ao abrigo da Carta e em conformidade com as resoluções da Assembleia‑Geral, bem como com o princípio da “soberania permanente sobre os recursos naturais” que aí é consagrada».


67      Parecer consultivo de 9 de julho de 2004 sobre as consequências jurídicas da construção de um muro no território palestiniano ocupado, TIJ, Recueil 2004, p. 136, n.o 41.


68      Por exemplo, a República do Benim, a República do Iémen, a República Argelina Democrática e Popular, a República de Cabo Verde, a República Democrática Popular do Laos, Granada, a República Tunisina, a República Islâmica do Irão e a República da Zâmbia.


69      V., resoluções da Assembleia‑Geral da ONU sobre a questão do Sara Ocidental de 21 de novembro de 1979 (A/RES/34/37), n.o 7, e de 11 de novembro de 1980 (A/RES/35/19), n.o 10.


70      V., por exemplo, acordo mauritano‑sarauí, assinado em Argel em 10 de agosto de 1979 entre a República Islâmica da Mauritânia e a Frente Polisário, acordo de compromisso entre o Reino de Marrocos e a Frente Polisário sobre as questões suspensas relativas à identificação, assinado em Londres em 19 e 20 de julho de 1997, e acordo de compromisso entre o Reino de Marrocos e a Frente Polisário sobre o acantonamento das tropas, os prisioneiros de guerra e os prisioneiros ou detidos políticos, assinado em Lisboa em 29 de agosto de 1997.


71      V. acórdãos de 30 de abril de 1974, Haegeman (181/73, EU:C:1974:41, n.o 5); de 30 de setembro de 1987, Demirel (12/86, EU:C:1987:400, n.o 7); de 15 de junho de 1999, Andersson e Wåkerås‑Andersson (C‑321/97, EU:C:1999:307, n.o 25); de 23 de setembro de 2003, Ospelt e Schlössle Weissenberg (C‑452/01, EU:C:2003:493, n.o 27); de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 36); e de 28 de outubro de 2010, Établissements Rimbaud (C‑72/09, EU:C:2010:645, n.o 19).


72      JO 2012, L 247, p. 7.


73      Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Hungria/Comissão (C‑31/13 P, EU:C:2014:70, n.o 54 e jurisprudência referida).


74      V. acórdão de 9 de agosto de 1994, França/Comissão (C‑327/91, EU:C:1994:305, n.o 15).


75      Acórdão de 9 de agosto de 1994, França/Comissão (C‑327/91, EU:C:1994:305, n.o 16).


76      A propósito do conceito de efeito direto, o Tribunal de Justiça declarou, no n.o 54 do acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864), que, para que as disposições de um Tratado invocadas para efeitos do exame da validade de um ato jurídico da União sejam aplicáveis, é necessário que «se revelem incondicionais e suficientemente precisas, do ponto de vista do seu conteúdo». No n.o 55 desse acórdão, o Tribunal de Justiça precisou que «[t]al condição está preenchida sempre que a disposição invocada contenha uma obrigação clara e precisa que não esteja dependente, na sua execução ou nos seus efeitos, da intervenção de nenhum ato posterior», o que corresponde à inexistência de regras intermédias exigida pelo segundo critério do conceito de afetação direta.


77      TIJ, Recueil, p. 12.


78      V. n.os 98 e 108 a 128.


79      O sublinhado é meu.


80      Estão em causa dois Tratados e um acordo celebrados com o Reino de Espanha em 1767, em 1861 e em 1900, respetivamente, um Tratado celebrado em 1836 com os Estados Unidos da América e dois Tratados celebrados com o Reino Unido em 1856 e em 1895.


81      Trata‑se do artigo 8.o do Tratado de Tetuão de 1860, que pôs termo à primeira guerra de Marrocos (1859‑1860).


82      Quanto ao caráter inviolável do direito à autodeterminação enquanto, simultaneamente, norma imperativa do direito internacional (ius cogens) e obrigação erga omnes que todos os seus atores, nomeadamente os Estados e as organizações internacionais, devem respeitar em todas as circunstâncias, v. n.o 259 das presentes conclusões e jurisprudência referida.


83      O direito do povo do Sara Ocidental à autodeterminação foi recentemente confirmado pelo Conselho de Segurança: v., Resolução 2285 (2016) de 29 de abril de 2016 (S/RES/2285).


84      V. resoluções da Assembleia‑Geral da ONU A/RES/34/37, n.o 7, e A/RES/35/19, n.o 10.


85      V., n.o 8 da sua contestação.


86      «Os membros das Nações Unidas que assumiram ou assumam responsabilidades pela administração de territórios cujos povos ainda não se governem completamente a si mesmos […] aceitam, como missão sagrada, a obrigação de promover no mais alto grau […] o bem‑estar dos habitantes [do Sara Ocidental] e, para tal fim: […] a sua proteção contra qualquer abuso [e] [p]romover seu governo próprio, ter na devida conta as aspirações políticas dos povos e auxiliá‑los no desenvolvimento progressivo das suas instituições políticas livres». O sublinhado é meu.


87      V. lista anexa ao relatório de 1 de fevereiro de 2016 do Secretário‑Geral da ONU sobre as «Informações relativas aos territórios transmitidas nos termos do artigo 73.o, alínea e), da Carta das Nações Unidas» (A/71/68).


88      V. despacho n.o 40/2014 de 4 de julho de 2014 da Audiencia Nacional, sala de lo penal, pleno (Tribunal Central, secção penal, tribunal pleno), no processo ordinário n.o 80/2013, acessível no sítio Internet http://www.ligaproderechoshumanos.org/documentos/20140710_sala_penal_audiencia_nacional.pdf.


89      Idem.


90      N.o 105 do acórdão recorrido. O sublinhado é meu.


91      JO 2001, L 109, p. 2.


92      Trata‑se essencialmente de tomates, alho, pepinos, aboborinhas, clementinas, morangos e frutose quimicamente pura (v. artigo 1.o do Regulamento de Execução n.o 812/2012 e seu anexo).


93      Trata‑se dos acórdãos de 2 de fevereiro de 1988, Kwekerij van der Kooy e o./Comissão (67/85, 68/85 e 70/85, EU:C:1988:38); de 24 de março de 1993, CIRFS e o./Comissão (C‑313/90, EU:C:1993:111); e de 9 de julho de 2009, 3F/Comissão (C‑319/07 P, EU:C:2009:435).


94      O processo que deu origem a este acórdão dizia respeito ao recurso de anulação de dois regulamentos através dos quais a Comissão pôs termo a um regime favorável de importação de arroz dos países e territórios ultramarinos (PTU).


95      V. resoluções da Assembleia‑Geral da ONU de 21 de novembro de 1979, A/RES/34/37, n.o 7, e de 11 de novembro de 1980, A/RES/35/19, n.o 10.


96      V. Tribunal EDH, 8 de julho de 2003, Hatton e o. c. Reino Unido (CE:ECHR:2003:0708JUD00360229710, § 128), e 10 de novembro de 2004, Taşkin e o. c. Turquia (CE:ECHR:2004:1110JUD004611799, § 119).


97      Acórdão de 1 de março de 2016, National Iranian Oil Company/Conselho (C‑440/14 P, EU:C:2016:128, n.o 77). V., igualmente, neste sentido, acórdãos de 10 de janeiro de 2006, IATA e ELFAA (C‑344/04, EU:C:2006:10, n.o 80); de 1 de fevereiro de 2007, Sison/Conselho (C‑266/05 P, EU:C:2007:75, n.o 33); de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique e Lorraine e o. (C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 57); de 8 de junho de 2010, Vodafone e o. (C‑58/08, EU:C:2010:321, n.o 52); de 17 de outubro de 2013, Schaible (C‑101/12, EU:C:2013:661, n.o 47); e de 28 de novembro de 2013, Conselho/Manufacturing Support & Procurement Kala Naft (C‑348/12 P, EU:C:2013:776).


98      V. acórdãos de 10 de março de 1998, Alemanha/Conselho (C‑122/95, EU:C:1998:94, n.o 77 e 79), e de 6 de julho de 1995, Odigitria/Conselho e Comissão (T‑572/93, EU:T:1995:131, n.o 38).


99      Trata‑se dos acórdãos de 21 de novembro de 1991, Technische Universität München (C‑269/90, EU:C:1991:438, n.o 14); e de 22 de dezembro de 2010, Gowan Comércio Internacional e Serviços (C‑77/09, EU:C:2010:803, n.o 57).


100      No âmbito deste tipo de processo, a obrigação de exame prévio de todos os elementos pertinentes, obrigação que pode estar relacionada com o princípio da boa administração [v., acórdãos de 29 de março de 2012, Comissão/Estónia, C‑505/09 P, EU:C:2012:179, n.o 95, e de 7 de abril de 2016, Holcim (Romania)/Comissão, C‑556/14 P, EU:C:2016:207, n.o 80], constitui uma garantia processual assegurada às pessoas afetadas pela decisão que a instituição pretende adotar para contrabalançar o amplo poder de apreciação de que goza no domínio em causa.


101      V., neste sentido, acórdão de 18 de julho de 2013, Comissão e o./Kadi (C‑584/10 P, C‑593/10 P e C‑595/10 P, EU:C:2013:518, n.o 114).


102      V. acórdãos de 7 de setembro de 2006, Espanha/Conselho (C‑310/04, EU:C:2006:521, n.os 120 a 123); de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique e Lorraine e o. (C‑127/07, EU:C:2008:728, n.os 57 a 59); de 8 de julho de 2010, Afton Chemical (C‑343/09, EU:C:2010:419, n.os 33 e 34); e de 17 de outubro de 2013, Schaible (C‑101/12, EU:C:2013:661, n.os 48 a 50).


103      V. acórdãos de 7 de setembro de 2006, Espanha/Conselho (C‑310/04, EU:C:2006:521, n.os 122, 133 e 134); e de 8 de julho de 2010, Afton Chemical (C‑343/09, EU:C:2010:419, n.o 34).


104      V., acórdãos de 7 de setembro de 2006, Espanha/Conselho (C‑310/04, EU:C:2006:521, n.o 99); de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique e Lorraine e o. (C‑127/07, EU:C:2008:728, n.o 59); de 17 de outubro de 2013 Schaible (C‑101/12, EU:C:2013:661, n.os 48 a 51), assim como de 1 de março de 2016, National Iranian Oil Company/Conselho (C‑440/14 P, EU:C:2016:128, n.os 77 a 88).


105      Acórdão Espanha e Itália/Conselho (C‑274/11 e C‑295/11, EU:C:2013:240, n.o 54).


106      V. n.o 55 do acórdão de 24 de junho de 2014, Parlamento/Conselho (C‑658/11, EU:C:2014:2025), no qual o Tribunal de Justiça declarou, em relação ao artigo 218.o, n.o 6, segundo parágrafo, alínea a), v), TFUE, que «o Tratado de Lisboa, por um lado, exigiu a aprovação do Parlamento para a celebração de um acordo internacional, precisamente para os acordos em domínios aos quais, no plano interno, se aplica o processo legislativo ordinário, previsto no artigo 294.o TFUE, ou o processo legislativo especial, mas apenas quando este exige a aprovação do Parlamento».


107      Ao contrário do que afirma a Comissão, nenhuma das resoluções do Conselho de Segurança referidas no presente processo menciona que este é chamado a pronunciar‑se sobre a questão do Sara Ocidental por força do capítulo VII da Carta das Nações Unidas, sob a epígrafe «Ação em caso de ameaça à paz, rutura da paz e ato de agressão», o que é confirmado pelo conselheiro jurídico da ONU, que observa que não foi submetida ao Conselho de Segurança a questão da violação ou não do princípio da soberania permanente do povo do Sara Ocidental sobre os recursos naturais deste [v. carta de 29 de janeiro de 2002, dirigida ao presidente do Conselho de Segurança pelo secretário‑geral adjunto para os assuntos jurídicos, conselheiro jurídico (S/2002/161), n.o 13].


108      V. n.o 226 do acórdão recorrido.


109      V. n.o 225 do acórdão recorrido.


110      A questão de saber se o Tribunal Geral cometeu um erro de direito ao aceitar a pertinência destas duas questões é o objeto do quinto fundamento.


111      Trata‑se do acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864, n.o 107), no qual o Tribunal de Justiça declarou que «os princípios de direito internacional consuetudinário podem ser invocados por um sujeito jurídico, para efeitos do exame da validade de um ato da União, pelo Tribunal de Justiça, na medida em que, por um lado, os referidos princípios sejam suscetíveis de pôr em causa a competência da União para adotar o referido ato […] e, por outro, o ato em causa seja suscetível de afetar direitos dos sujeitos jurídicos derivados do direito da União ou de gerar obrigações para os mesmos à luz desse direito».


112      N.o 244 do acórdão recorrido.


113      V., neste sentido, acórdão de 7 de setembro de 2006, Espanha/Conselho (C‑310/04, EU:C:2006:521, n.os 99, 120 e 122).


114      V. n.os 147, 166, 172, 199 e 211 do acórdão recorrido.


115      Trata‑se da Decisão 2014/198/PESC do Conselho, de 10 de março de 2014, relativa à assinatura e celebração do Acordo entre a União Europeia e a República Unida da Tanzânia sobre as condições de transferência, da força naval liderada pela União Europeia para a República Unida da Tanzânia, de pessoas suspeitas de atos de pirataria e dos bens conexos apreendidos (JO 2014, L 108, p. 1).


116      Acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864, n.o 101), e de 14 de junho de 2016, Parlamento/Conselho (C‑263/14, EU:C:2016:435, n.o 47).


117      V. acórdãos de 24 de novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation (C‑286/90, EU:C:1992:453, n.o 9); de 16 de junho de 1998, Racke (C‑162/96, EU:C:1998:293, n.o 45); e de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 291).


118      Parecer consultivo de 9 de julho de 2004, sobre as consequências jurídicas da construção de um muro no território palestiniano ocupado, TIJ, Recueil 2004, p. 136, n.o 155. V., igualmente, neste sentido, acórdão de 5 de fevereiro de 1970 no processo Barcelona Traction, Light and Power Company, Limited (Bélgica c. Espanha), TIJ, Recueil 1970, p. 3, n.o 33.


119      Parecer consultivo de 9 de julho de 2004 sobre as consequências jurídicas da construção de um muro no território palestiniano ocupado, TIJ, Recueil 2004, p. 136, n.o 159.


120      Nos termos do artigo 53.o da Convenção de Viena, «uma norma imperativa de direito internacional geral [(jus cogens)] é uma norma aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados no seu todo como norma cuja derrogação não é permitida e que só pode ser modificada por uma nova norma de direito internacional geral com a mesma natureza».


121      As normas reconhecidas como normas imperativas do direito internacional geral coincidem com as normas reconhecidas como obrigações erga omnes. V., Crawford, J., op.cit., p. 595.


122      Acórdão do Tribunal Internacional de Justiça de 5 de fevereiro de 1970 no processo Barcelona Traction, Light and Power Company, Limited (Bélgica c. Espanha), TIJ Recueil 1970, p. 3, n.o 34. O sublinhado é meu.


123      V. acórdãos do Tribunal Internacional de Justiça de 30 de junho de 1995, Timor‑Leste (Portugal c. Austrália), TIJ, Recueil 1995, p. 90, n.o 29, e de 3 de fevereiro de 2006 no processo sobre as Atividades armadas no território do Congo (nova petição: 2002) (República Democrática do Congo c. Ruanda), TIJ, Recueil 2006, p. 6, n.o 64, assim como parecer consultivo de 9 de julho de 2004 sobre as consequências jurídicas da construção de um muro no território palestiniano ocupado, TIJ, Recueil 2004, p. 136, n.o 155. V., igualmente, relatório do grupo de estudo da Comissão do direito internacional da ONU, intitulado «Fragmentação do direito internacional: dificuldades decorrentes da diversificação e da expansão do direito internacional», A/CN.4/L.702, 18 de julho de 2006, n.o 33.


124      V., por exemplo, relatório de 19 de abril de 2016 do Secretário‑Geral da ONU sobre a situação relativa ao Sara Ocidental, S/2016/355, n.os 54 a 82.


125      V. conclusões do Conselho de 25 de junho de 2012 sobre os direitos do Homem e a democracia, o quadro estratégico da União em matéria de direitos do Homem e de democracia e um plano de ação da União a favor dos direitos do Homem e da democracia, 11855/12, anexo III, alínea I.1, p. 11. V., igualmente, neste sentido, comunicação conjunta da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho de 28 de abril de 2015 [JOIN(2015) 16 final, p. 24].


126      A decisão apenas está disponível em língua inglesa no sítio Internet do Provedor de Justiça Europeu (http://www.ombudsman.europa.eu/cases/decision.faces/en/64308/html.bookmark).


127      A Comissão alega, no n.o 70 da sua contestação, que o Tribunal Geral não explica em que sentido os direitos do Homem seriam melhor protegidos na outra parte do acordo se a União recusasse celebrar o acordo. Ora, o Tribunal Geral censurou o Conselho não por ter recusado celebrar o acordo de liberalização com o Reino de Marrocos, mas simplesmente por não ter tido em conta a situação geral dos direitos do Homem neste país e o impacto que o referido acordo poderia ter nos direitos do Homem (na União e em Marrocos). Nada no raciocínio do Tribunal Geral exclui que, após ter efetuado essa análise, o Conselho pudesse decidir celebrar o acordo em causa.


128      V., por analogia, Tribunal EDH, 23 de março de 1995, Loizidou/Turquia (exceções preliminares) (CE:ECHR:1995:0323JUD001531889), que dizia respeito aos atos de um Estado cometidos no espaço jurídico da Convenção Europeia de Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma em 4 de novembro de 1950 (a seguir «CEDH»), mas fora do seu próprio território; 7 de julho de 2011, Al‑Skeini e outros/Reino Unido (CE:ECHR:2011:0707JUD005572107); e 7 de julho de 2011, Al‑Jedda/Reino Unido (CE:ECHR:2011:0707JUD002702108), que diziam respeito aos atos de um Estado cometidos num território fora do espaço da CEDH. É igualmente possível que um efeito extraterritorial contrário à CEDH seja produzido por um ato de um Estado cometido no seu próprio território [v., Tribunal EDH, 7 de julho de 1989, Soering/Reino Unido (CE:ECHR:1989:0707JUD001403888)].


129      V. acórdão de 9 de setembro de 2008, FIAMM e o./Conselho e Comissão (C‑120/06 P e C‑121/06 P, EU:C:2008:476, n.o 187 e jurisprudência referida).


130      V. n.os 254 a 258 das presentes conclusões.


131      A este respeito, podia recorrer aos direitos reconhecidos e protegidos pelo Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, assinado em Nova Iorque (Estados Unidos da América) em 16 de dezembro de 1966, e ao qual aderiram, atualmente, 168 dos 193 Estados‑Membros da ONU, incluindo todos os Estados‑Membros da União e o Reino de Marrocos.


132      V. n.os 257 e 258 das presentes conclusões. V., igualmente, neste sentido, Crawford, J., op. cit., p. 589 a 600 e 642 a 644.


133      V. n.o 234 das presentes conclusões.


134      No que respeita aos Tratados internacionais, v. acórdãos de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864, n.os 51 a 55), e de 16 de julho de 2015, Comissão/Rusal Armenal (C‑21/14 P, EU:C:2015:494, n.o 37). No que respeita ao direito internacional consuetudinário, v. acórdão de 21 de dezembro de 2011, Air Transport Association of America e o. (C‑366/10, EU:C:2011:864, n.os 107 e 110).


135      V. acórdãos de 24 de novembro de 1992, Poulsen e Diva Navigation (C‑286/90, EU:C:1992:453, n.o 9); de 16 de junho de 1998, Racke (C‑162/96, EU:C:1998:293, n.o 45); e de 3 de setembro de 2008, Kadi e Al Barakaat International Foundation/Conselho e Comissão (C‑402/05 P e C‑415/05 P, EU:C:2008:461, n.o 291).


136      V. acórdão de 3 de dezembro de 1996, Portugal/Conselho (C‑268/94, EU:C:1996:461, n.os 23 e 24).


137      Segundo o Tribunal Internacional de Justiça, «o princípio da soberania permanente sobre os recursos naturais foi enunciado na Resolução 1803 (XVII) da Assembleia‑Geral, em 14 de dezembro de 1962, seguidamente foi desenvolvido na declaração relativa à implementação de uma nova ordem económica internacional [Resolução 3201 (S.VI) da Assembleia‑Geral, de 1 de maio de 1974], assim como na Carta dos Direitos e Deveres Económicos dos Estados [Resolução 3281 (XXIX) da Assembleia‑Geral, de 12 de dezembro de 1974]» [v. acórdão de 19 de dezembro de 2005 no processo das Atividades armadas no território do Congo (República Democrática do Congo c. Uganda), TIJ, Recueil 2005, p. 168, n.o 244].


138      V. acórdão de 19 de dezembro de 2005 no processo das Atividades armadas no território do Congo (República Democrática do Congo c. Uganda), TIJ, Recueil 2005, p. 168, n.o 244.


139      V., por exemplo, resoluções da Assembleia‑Geral da ONU 48/46 de 10 de dezembro de 1992, 49/40 de 9 de dezembro de 1994 e 50/33 de 6 de dezembro de 1995.


140      V., por exemplo, resoluções da Assembleia‑Geral da ONU 50/33 de 6 de dezembro de 2005, 52/72 de 10 de dezembro de 1997, 53/61 de 3 de dezembro de 1998, 54/84 de 5 de dezembro de 1999, 55/138 de 8 de dezembro de 2000 e 56/66 de 10 de dezembro de 2001.


141      V. n.os 257 a 259 das presentes conclusões.


142      V. jurisprudência do Tribunal Internacional de Justiça referida no n.o 258 das presentes conclusões.


143      No sentido em que o Tribunal Geral declarou não que a decisão controvertida era contrária aos direitos fundamentais e ao direito internacional, mas que o Conselho tinha, antes da adoção da decisão controvertida, uma obrigação de natureza processual de examinar a sua compatibilidade com os direitos fundamentais e o direito internacional.


144      Acórdão Comissão/Conselho (C‑425/13, EU:C:2015:483, n.o 94 e jurisprudência referida).