Language of document : ECLI:EU:T:2002:39

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

26 de Fevereiro de 2002 (1)

«Acto do Parlamento - Recurso de anulação - Admissibilidade -

Imunidade dos membros do Parlamento - Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) - Poderes de inquérito»

No processo T-17/00,

Willi Rothley, residente em Rockenhausen (Alemanha), e 70 outros recorrentes cujos nomes constam do anexo ao presente acórdão, representados por H.-J. Rabe e G. Berrisch, advogados,

recorrentes,

contra

Parlamento Europeu, representado por J. Schoo e H. Krück, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrido,

apoiado por

Conselho da União Europeia, representado por J. Aussant, M. Bauer e I. Díez Parra, na qualidade de agentes,

por

Comissão das Comunidades Europeias, representada por J.-L. Dewost, H.-P. Hartvig e U. Wölker, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

por

Reino dos Países Baixos, representado por H. G. Sevenster e J. van Bakel, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

e por

República Francesa, representada por G. de Bergues, S. Pailler e C. Vasak, na qualidade de agentes, assistidos por L. Bernheim, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

intervenientes,

que tem por objecto um pedido de anulação da decisão do Parlamento, de 18 de Novembro de 1999, relativa à alteração do seu Regimento na sequência do Acordo interinstitucional, de 25 de Maio de 1999, entre o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e a Comissão das Comunidades Europeias, relativo aos inquéritos internos efectuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: P. Lindh, presidente, R. García-Valdecasas e J. D. Cooke, juízes,

secretário: D. Christensen, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 10 de Julho de 2001,

profere o presente

Acórdão

Enquadramento jurídico

Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias de 8 de Abril de 1965

1.
    Os artigos 8.° a 10.° do Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias (JO 1967, 152, p. 13) são consagrados aos membros do Parlamento.

2.
    O artigo 9.° prevê que «[o]s membros do Parlamento Europeu não podem ser procurados, detidos ou perseguidos pelas opiniões ou votos emitidos no exercício das suas funções».

3.
    O artigo 10.° dispõe que:

«Enquanto durarem as sessões do Parlamento Europeu, os seus membros beneficiam:

a)    No seu território nacional, das imunidades reconhecidas aos membros do Parlamento do seu país;

b)    No território de qualquer outro Estado-Membro, da não sujeição a qualquer medida de detenção e a qualquer procedimento judicial.

Beneficiam igualmente de imunidade, quando se dirigem para ou regressam do local de reunião do Parlamento Europeu.

A imunidade não pode ser invocada em caso de flagrante delito e não pode também constituir obstáculo ao direito de o Parlamento Europeu levantar a imunidade de um dos seus membros.»

Decisão da Comissão que institui o Organismo Europeu de Luta Antifraude

4.
    Em 28 de Abril de 1999, a Comissão adoptou a Decisão 1999/352/CE, CECA, Euratom que institui o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) (JO L 136, p. 20, a seguir «decisão que institui o OLAF»). Esta decisão tem como base jurídica, nomeadamente, o artigo 218.° CE, cujo n.° 2 prevê que «[a] Comissão estabelece o seu regulamento interno, de forma a garantir o seu próprio funcionamento e o dos seus serviços, nas condições previstas no [Tratado CE]».

5.
    Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, segundo e terceiro parágrafos, da decisão que institui o OLAF:

«O [OLAF] efectuará inquéritos administrativos internos destinados:

a)    A lutar contra a fraude, a corrupção e qualquer outra actividade ilegal lesiva dos interesses financeiros da Comunidade Europeia;

b)    A investigar os factos graves ligados ao exercício de actividades profissionais, que possam constituir incumprimento das obrigações dos funcionários e agentes das Comunidades, susceptível de processos disciplinares eventualmente penais, ou incumprimento de obrigações análogas aplicáveis aos membros das instituições e órgãos, aos dirigentes dos organismos, bem como aos membros do pessoal das instituições, órgãos e organismos não submetidos ao Estatuto dos Funcionários das Comunidades Europeias e Regime Aplicável aos outros Agentes.

O [OLAF] exerce as competências da Comissão nestes domínios, tal como são definidas pelas disposições estabelecidas dentro do quadro, dos limites e das condições fixadas pelos Tratados.»

6.
    Nos termos do artigo 3.°, o OLAF exerce as competências de inquérito que lhe foram atribuídas com total independência.

7.
    Por último, nos termos do artigo 7.°, a mesma decisão produz efeitos na data de entrada em vigor do Regulamento (CE) do Parlamento Europeu e do Conselho relativo aos inquéritos efectuados pelo OLAF.

Regulamento n.° 1073/1999

8.
    O Regulamento (CE) n.° 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, relativo aos inquéritos internos efectuados pelo OLAF (JO L 136, p. 1), tem como base jurídica o artigo 280.° CE. O artigo 1.°, n.° 1, deste regulamento tem a seguinte redacção:

«Tendo em vista reforçar a luta contra a fraude, a corrupção e todas as outras actividades ilegais lesivas dos interesses financeiros da Comunidade Europeia, o [OLAF] [...] exercerá as competências de inquérito atribuídas à Comissão pela regulamentação comunitária e pelos acordos em vigor nos citados domínios.»

9.
    O artigo 4.°, n.os 1, 2, 4 e 6, do Regulamento n.° 1073/1999 dispõe:

«1. [...] Tais inquéritos internos serão efectuados no respeito das normas dos Tratados, designadamente o Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades [...] nas condições e segundo as regras previstas no presente regulamento e em decisões adoptadas por cada instituição, órgão e organismo. [...]

2. Desde que sejam respeitadas as disposições previstas no n.° 1:

-    o [OLAF] terá acesso, sem pré-aviso e sem demora, a qualquer informação na posse das instituições, órgãos e organismos bem como às suasinstalações. O [OLAF] poderá controlar a contabilidade das instituições, órgãos e organismos. O [OLAF] poderá obter cópias e extractos de qualquer documento ou do conteúdo de qualquer suporte de informação na posse das instituições, órgãos e organismos e, caso necessário, poderá colocar à sua guarda esses documentos ou informações para evitar qualquer risco de desaparição,

[...]

4. As instituições, órgãos e organismos serão informados, sempre que nas suas instalações for efectuado um inquérito por agentes do [OLAF], e sempre que estes consultem um documento ou solicitem uma informação na posse das referidas instituições, órgãos e organismos.

[...]

6. Sem prejuízo das normas previstas nos Tratados, designadamente no Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades [...], a decisão adoptada por cada uma das instituições, órgãos e organismos, prevista no n.° 1, incluirá nomeadamente normas relativas:

a)    À obrigação dos membros [...] das instituições e órgãos [...] de cooperar com os agentes do [OLAF] e prestar-lhes informações;

b)    Aos processos a observar pelos agentes do [OLAF] na execução dos inquéritos internos, bem como às garantias dos direitos das pessoas sujeitas a inquérito interno.»

Acordo interinstitucional de 25 de Maio de 1999 entre o Parlamento, o Conselho e a Comissão

10.
    Em 25 de Maio de 1999, o Parlamento, o Conselho e a Comissão celebraram um acordo relativo aos inquéritos internos efectuados pelo OLAF (JO L 136, p. 15, a seguir «acordo interinstitucional»).

11.
    Nos termos do ponto 1 deste acordo, as instituições signatárias acordam em «[a]doptar um regime comum comportando as medidas de execução necessárias para facilitar a realização, no seu interior, dos inquéritos conduzidos pelo [OLAF] [...]».

12.
    Também acordaram em «[c]riar esse regime comum e torná-lo imediatamente aplicável, adoptando uma decisão interna em conformidade com o modelo em anexo ao [...] acordo, apenas derrogando a este regime por exigências específicas que lhes sejam próprias e imponham tal necessidade técnica» (ponto 2 do acordo interinstitucional).

13.
    A data de entrada em vigor do referido acordo bem como do Regulamento n.° 1073/1999 foi fixada em 1 de Junho de 1999.

14.
    O modelo de decisão anexado ao mesmo acordo foi transposto pelo Conselho e pela Comissão, respectivamente, em 25 de Maio e em 2 de Junho de 1999 [Decisão 1999/394/CE, Euratom do Conselho e Decisão 1999/396/CE, CECA, Euratom da Comissão, relativas às condições e regras dos inquéritos internos em matéria de luta contra a fraude, a corrupção e todas as actividades ilegais lesivas dos interesses das Comunidades (JO L 149, p. 36, e JO L 149, p. 57)]. Em 18 de Novembro de 1999, o Parlamento adoptou a decisão sobre as alterações a introduzir no seu Regimento, na sequência do acordo interinstitucional (a seguir «acto impugnado»).

Acto impugnado

15.
    O acto impugnado adita ao Regimento do Parlamento (JO 1999, L 202, p. 1) um artigo 9.°-A, relativo aos «Inquéritos internos efectuados pelo [OLAF]», com a seguinte redacção:

«O regime comum previsto pelo [acordo interinstitucional] [...] que inclui as medidas necessárias para facilitar a boa execução dos inquéritos efectuados pelo [OLAF] é aplicável no Parlamento, em conformidade com a decisão por este aprovada que figura em anexo ao Regimento.»

16.
    O acto impugnado também aprova a decisão do Parlamento relativa às condições e regras dos inquéritos internos em matéria de luta contra a fraude, a corrupção e todas as actividades ilegais lesivas dos interesses das Comunidades (a seguir «decisão do Parlamento relativa às condições e regras dos inquéritos internos»), a qual reproduz a decisão-modelo que consta do anexo ao acordo interinstitucional, sendo nesta incorporadas determinadas adaptações necessárias à respectiva aplicação no Parlamento.

17.
    O artigo 1.°, segundo parágrafo, do acto impugnado dispõe:

«Sem prejuízo das disposições relevantes dos Tratados que instituem as Comunidades Europeias, designadamente o Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, bem como das disposições de aplicação, os deputados devem cooperar plenamente com o [OLAF].»

18.
    Nos termos do artigo 2.°, quarto parágrafo, do mesmo acto:

«Os deputados que tenham conhecimento de factos previstos no primeiro parágrafo [conhecimento de elementos de facto que levem à suspeita de eventuais casos de fraude, de corrupção ou de qualquer outra actividade ilegal lesiva dos interesses das Comunidades, ou de factos graves, ligados ao exercício das actividades profissionais, que possam configurar incumprimento das obrigações dos funcionários e agentes das Comunidades ou do pessoal não submetido ao Estatuto,susceptível de processos disciplinares e, eventualmente, penais] informarão o presidente do Parlamento Europeu ou, se o considerarem útil, directamente o [OLAF].»

19.
    O seu artigo 4.° prevê que «[p]ermanecem inalteradas as normas relativas à imunidade parlamentar e ao direito de recusa de prestar testemunho que assistem aos deputados».

20.
    O artigo 5.° tem a seguinte redacção:

«No caso de se revelar a possibilidade de uma implicação pessoal de um deputado [...], o interessado deve ser rapidamente informado, desde que tal não seja susceptível de prejudicar o inquérito. Em qualquer caso, na sequência do inquérito, não podem ser extraídas conclusões visando especificamente um deputado [...] sem que o interessado tenha tido a possibilidade de se exprimir sobre todos os factos que lhe digam respeito.

Nos casos que requeiram a manutenção de absoluto sigilo do inquérito e exijam o recurso a meios de investigação da competência de uma autoridade nacional, a obrigação de convidar o deputado [...] a exprimir-se pode ser diferida de acordo com o presidente [...]»

Tramitação processual e matéria de facto na origem do recurso

21.
    Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 21 de Janeiro de 2000, W. Rothley e 70 outros deputados do Parlamento (a seguir «recorrentes») interpuseram, nos termos do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, recurso de anulação do acto impugnado.

22.
    Em acto separado que deu entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância na mesma data, os recorrentes requereram igualmente, nos termos do artigo 242.° CE, a suspensão da execução do acto impugnado até à resolução do litígio no processo principal.

23.
    O Conselho e a Comissão, respectivamente, por cartas de 4 e 10 de Fevereiro de 2000, requereram a sua admissão a intervir em apoio dos pedidos da parte requerida no processo de medidas provisórias e no processo principal.

24.
    Por despacho do presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Março de 2000, foram admitidas as intervenções do Conselho e da Comissão no processo principal.

25.
    Por despacho de 2 de Maio de 2000, Rothley e o./Parlamento (T-17/00 R, Colect., p. II-2085), o presidente do Tribunal de Primeira Instância suspendeu a execução dos artigos 1.° e 2.° do acto impugnado na medida em que obrigam os recorrentesa cooperar com o OLAF e a informar o presidente do Parlamento ou o OLAF. Além disso, determinou que o Parlamento está obrigado a informar sem demora os recorrentes de qualquer medida iminente do OLAF adoptada em relação aos mesmos e a só autorizar os agentes do OLAF a terem acesso aos gabinetes dos recorrentes com o consentimento destes, até que seja proferido acórdão do Tribunal de Primeira Instância pondo termo à instância no processo principal. Foi reservada para final a decisão quanto às despesas.

26.
    As alegações de intervenção do Conselho e da Comissão deram entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância, respectivamente, em 13 de Junho e 31 de Maio de 2000. Os recorrentes apresentaram as suas observações relativamente às referidas alegações em 5 de Setembro de 2000. O Parlamento prescindiu de apresentar observações.

27.
    Por requerimentos entregues, respectivamente, em 21 de Junho e 10 de Julho de 2000, o Reino dos Países Baixos e a República Francesa pediram que fosse admitida a respectiva intervenção em apoio dos pedidos do Parlamento. Estes pedidos foram deferidos por despacho do presidente da Quinta Secção do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Setembro de 2000.

28.
    As alegações de intervenção do Reino dos Países Baixos e da República Francesa deram entrada, respectivamente, em 24 de Novembro e 6 de Dezembro de 2000. Os recorrentes apresentaram as suas observações relativamente às referidas alegações em 8 de Fevereiro de 2001. O Parlamento prescindiu de apresentar observações.

29.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) decidiu dar início à fase oral do processo.

30.
    Foram ouvidas as alegações das partes principais, bem como do Conselho e da Comissão, e as suas respostas às questões do Tribunal de Primeira Instância na audiência pública de 10 de Julho de 2001.

Pedidos das partes

31.
    Os recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular o acto impugnado;

-    condenar o Parlamento nas despesas.

32.
    Na audiência, os recorrentes esclareceram que no recurso que interpuseram pedem a anulação do acto impugnado na parte que respeita aos membros do Parlamento.

33.
    O Parlamento, bem como o Conselho, a Comissão, o Reino dos Países Baixos e a República Francesa concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    julgar o recurso inadmissível e, subsidiariamente, negar-lhe provimento;

-    condenar os recorrentes nas despesas.

34.
    A Comissão conclui pedindo, além disso, que o Tribunal condene os recorrentes nas despesas respeitantes ao pedido de medidas provisórias.

Questão de direito

35.
    Os recorrentes invocam dois fundamentos assentes, por um lado, na violação do processo legislativo e, por outro, na violação da imunidade dos parlamentares e da independência do seu mandato. Levantam também a excepção de ilegalidade da decisão que institui o OLAF e do Regulamento n.° 1073/1999. Sem suscitar formalmente uma questão prévia de inadmissibilidade nos termos do artigo 114.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, o Parlamento, apoiado pelos intervenientes, alega que o recurso é inadmissível. Consequentemente, há que analisar a admissibilidade do presente recurso.

Argumentos das partes

36.
    O Parlamento afirma, em primeiro lugar, que o acto impugnado não diz directa nem individualmente respeito aos recorrentes. O acto impugnado não põe directamente em causa os direitos dos deputados, só podendo estes ser afectados quando da execução de medidas concretas. Por outro lado, o referido acto diz respeito não só aos eleitos actualmente em funções no Parlamento mas também aos que exercerão ali funções no futuro. Para além disso, a possibilidade de identificar as pessoas a que a medida se pode aplicar não implica que estas pessoas sejam individualmente afectadas pelo acto impugnado. No caso vertente, na ausência de qualquer inquérito concreto do OLAF, os deputados só teoricamente poderão estar em causa.

37.
    Em segundo lugar, o acto impugnado não extravasa do âmbito da organização interna do Parlamento e não poderá, assim, nos termos do artigo 230.°, primeiro parágrafo, CE, ser objecto de um controlo de legalidade (despachos do Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 1986, Grupo das Direitas Europeias/Parlamento, 78/85, Colect., p. 1753, e de 22 de Maio de 1990, Blot e Front national/Parlamento, C-68/90, Colect., p. I-2101).

38.
    Trata-se, com efeito, de um acto interno do Parlamento que altera o seu Regimento e que adopta novas regras relativas à situação dos deputados. Traduz a obrigação de cooperar na luta antifraude decorrente da situação daqueles, ao mesmo tempo que tem expressamente em conta as disposições do Tratado, a imunidade parlamentar e o direito dos deputados de se recusarem a prestar testemunho. Por outro lado, não produz qualquer efeito jurídico que extravase do âmbito da organização interna do Parlamento, tanto mais que não afecta directanem individualmente o exercício do mandato dos deputados (despacho do presidente do Tribunal de Primeira Instância de 25 de Novembro de 1999, Martinez e de Gaulle/Parlamento, T-222/99 R, Colect., p. II-3397, n.° 67).

39.
    Em terceiro lugar, na medida em que o recurso diz respeito à decisão que institui o OLAF, o Parlamento observa que o acto impugnado não tem por base a referida decisão, pelo que não pode ser suscitada uma excepção de ilegalidade (acórdão do Tribunal de Justiça de 6 de Março de 1979, Simmenthal/Comissão, 92/78, Colect., p. 407, n.° 36). Por outro lado, salienta que, nos termos do seu artigo 7.°, a produção de efeitos desta decisão está condicionada à entrada em vigor do Regulamento n.° 1073/1999.

40.
    Quanto à excepção de ilegalidade do Regulamento n.° 1073/1999, o Parlamento realça que apenas do ponto de vista formal o acto impugnado se baseia exclusivamente nas disposições do Tratado relativas à adopção do Regimento do Parlamento e, assim, na autonomia no que respeita à organização interna. Além disso, nem a nulidade da decisão que institui o OLAF nem a do Regulamento n.° 1073/1999 podem ser invocadas no presente processo, uma vez que o objecto do presente litígio não é a validade destes dois actos jurídicos.

41.
    O Parlamento acrescenta que, mesmo na hipótese de o acto impugnado se basear directamente no Regulamento n.° 1073/1999, a excepção de ilegalidade estaria prejudicada pelo facto de o recurso ser inadmissível, na medida em que o acto em questão não diz directa nem individualmente respeito aos deputados.

42.
    Acresce que, por o acto impugnado apenas reiterar as obrigações que incumbem às instituições e aos órgãos, bem como aos seus funcionários, agentes e membros, conforme estão enunciadas no Regulamento n.° 1073/1999, e fixar as respectivas regras de aplicação, o recurso interposto pelos recorrentes não visa uma fiscalização incidental mas sim uma fiscalização abstracta de normas. Com efeito, o Regulamento n.° 1073/1999 foi adoptado em co-decisão pelo Parlamento e pelo Conselho, nos termos do artigo 251.° CE. Ora, os recorrentes, que fazem parte do Parlamento enquanto órgão legislativo, não podem pôr em questão a validade de um acto adoptado por esta instituição e pelo Conselho.

43.
    Os intervenientes subscrevem a argumentação do Parlamento.

44.
    Os recorrentes consideram que o acto impugnado lhes diz directa e individualmente respeito, na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, na medida em que afecta o seu estatuto de deputados ao Parlamento.

45.
    O exercício das suas funções e o seu estatuto jurídico de deputados ao Parlamento são directamente restringidos pelo acto impugnado. Consideram que o acto em questão representa a medida de execução exigida pelas disposições conjugadas do artigo 4.°, n.os 1 e 6, do Regulamento n.° 1073/1999 e do ponto 2 do acordo interinstitucional, os quais sujeitam directamente os deputados aos poderes deinquérito do OLAF e lhes impõem o respeito, a todo e qualquer momento, de determinadas regras de conduta.

46.
    Os recorrentes afirmam que o acto impugnado afecta o seu estatuto jurídico de deputados ao Parlamento. Esclarecem que os deputados gozam de um estatuto «constitucional», na sua qualidade de representantes directamente eleitos pelos cidadãos, detentores de legitimidade democrática directa (artigo 190.°, n.° 1, CE).

47.
    Acresce que os deputados do Parlamento constituem um círculo limitado de pessoas nominalmente identificadas, que são destinatárias do acto impugnado. Mesmo se o «círculo dos deputados» pode ser alterado após as próximas eleições, os deputados são actualmente não apenas «determináveis» colectiva e nominalmente mas também claramente determinados. As regras de conduta resultantes do acto impugnado visam individualmente cada um dos deputados actualmente no Parlamento e restringem a independência do seu mandato bem como a respectiva imunidade.

48.
    Os recorrentes afirmam ainda que os efeitos jurídicos do acto impugnado ultrapassam o âmbito da organização interna dos trabalhos do Parlamento na acepção do acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Maio de 1991, Nakajima/Conselho (C-69/89, Colect., p. I-2069, n.° 49).

49.
    No entender dos recorrentes, no acórdão de 23 de Março de 1993, Weber/Parlamento (C-314/91, Colect., p. I-1093, n.os 9 e segs.), o Tribunal de Justiça confirmou que as regras internas do Parlamento são susceptíveis de fiscalização judicial, desde que afectem a situação pessoal, no caso concreto, a situação patrimonial dos deputados. Ora, a independência do mandato e a imunidade são dados mais importantes ainda do estatuto pessoal do deputado e podem ser defendidos pela via judicial (despacho Martinez e de Gaulle/Parlamento, já referido, n.os 64 e segs.).

50.
    No presente processo, os efeitos jurídicos do acto impugnado em relação aos deputados não relevam do exercício do mandato parlamentar nem de actividades políticas com ele conexas. O acto impugnado não respeita aos trabalhos internos do Parlamento, tendo por objecto essencialmente assegurar o bom desenrolar dos inquéritos internos que o OLAF pode aí efectuar.

51.
    Por último, no que respeita à excepção de ilegalidade da decisão que institui o OLAF e do Regulamento n.° 1073/1999, os recorrentes respondem que estes diplomas constituem, conjuntamente com o acordo interinstitucional e as decisões de execução correspondentes, um conjunto coerente cujos diferentes elementos não teriam qualquer sentido do ponto de vista jurídico caso estivessem dissociados uns dos outros.

52.
    Consideram que, ao contrário do que o Parlamento afirma, os referidos actos legislativos constituem a «base jurídica» do acto impugnado e que a sua ilegalidade pode, assim, ser invocada em aplicação do artigo 241.° CE, nos termos do acórdão Simmenthal/Comissão, já referido.

Apreciação do Tribunal

53.
    Em primeiro lugar, há que analisar se pode ser interposto recurso de anulação do acto impugnado. Nos termos do artigo 230.°, primeiro parágrafo, CE, o órgão jurisdicional comunitário fiscaliza a legalidade «dos actos do Parlamento Europeu destinados a produzir efeitos jurídicos em relação a terceiros». Em determinadas condições, os deputados podem constituir terceiros na acepção desta disposição e interpor recurso de um acto do Parlamento desde que este extravase do âmbito da organização interna dos seus trabalhos (acórdão Weber/Parlamento, já referido, n.° 9).

54.
    O Tribunal de Justiça esclareceu que os actos que apenas digam respeito à organização interna dos trabalhos do Parlamento constituem actos do Parlamento que não produzem efeitos jurídicos, ou apenas os produzem no interior do Parlamento no que se refere à organização dos seus trabalhos e estão sujeitos a processos de fiscalização estabelecidos pelo seu Regimento (acórdão Weber/Parlamento, já referido, n.° 10). Além disso, o Tribunal de Justiça declarou que o regulamento interno de uma instituição comunitária tem por objecto a organização do funcionamento interno dos serviços no interesse de uma boa administração. As regras nele contidas, nomeadamente quanto à organização das deliberações e à tomada de decisões, têm, assim, essencialmente por função assegurar o bom desenrolar dos debates, no pleno respeito das prerrogativas de cada um dos membros da instituição (acórdão Nakajima/Conselho, já referido, n.° 49).

55.
    Importa, por isso, determinar se o acto impugnado é susceptível de produzir efeitos jurídicos para além do âmbito da organização interna dos trabalhos do Parlamento.

56.
    O acto impugnado introduz, por um lado, alterações ao Regimento do Parlamento, aditando-lhe um artigo 9.°-A consagrado aos inquéritos internos efectuados pelo OLAF, e, por outro lado, aprova a decisão do Parlamento relativa às condições e regras dos inquéritos internos. O quinto considerando desta última decisão e cinco dos seus oito artigos referem-se expressamente aos deputados enquanto titulares de direitos e sujeitos de obrigações, entre as quais constam as de cooperação (artigo 1.°) e de informação (artigo 2.°) (v. n.os 17 e 18, supra). O acto impugnado pormenoriza, designadamente, as regras para a observância das obrigações de cooperação e de informação que incumbem aos membros do Parlamento, a fim de assegurar o bom desenrolar dos referidos inquéritos. A este respeito, deve recordar-se que o acto impugnado faz parte das medidas destinadas a assegurar a protecção dos interesses financeiros das Comunidades e a lutar contra a fraude e toda e qualquer outra actividade ilegal nociva a esses interesses. Tem por objectivodeterminar as condições em que o OLAF pode realizar inquéritos sobre esta matéria no seio do Parlamento.

57.
    Assim, pelo seu objecto e os seus efeitos, o acto impugnado ultrapassa o âmbito da organização interna dos trabalhos do Parlamento. Consequentemente, trata-se de um acto recorrível nos termos do artigo 230.°, primeiro parágrafo, CE.

58.
    Em segundo lugar, há que examinar se os recorrentes têm legitimidade para agir em juízo e, mais em especial, se o acto impugnado constitui uma «decisão» que diz individualmente respeito aos recorrentes na acepção do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, sendo certo que esta análise deve ter em conta não a forma sob a qual o acto foi adoptado, mas sim a sua substância (acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1981, IBM/Comissão, 60/81, Recueil, p. 2639, n.° 9). A este respeito, convém recordar que o Tribunal de Justiça, desde o seu acórdão de 14 de Dezembro de 1962, Confédération nationale des producteurs de fruits et légumes e o./Conselho (16/62 e 17/62, Colect. 1962-1964, p. 175), considerou que o termo «decisão», constante do artigo 230.°, quarto parágrafo, CE, deve ser entendido no sentido técnico resultante do artigo 249.° CE (despacho do Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1993, Gibraltar e Gibraltar Development/Conselho, C-168/93, Colect., p. I-4009, n.° 11).

59.
    Uma decisão desta forma definida distingue-se de um acto de natureza normativa. O critério de distinção deve ser procurado na existência ou inexistência de âmbito geral do acto em questão (despacho Gibraltar e Gibraltar Development/Conselho, já referido, n.° 11). Um acto não pode ser considerado como constituindo uma decisão se se aplicar a situações determinadas objectivamente e produzir os seus efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas visadas de maneira geral e abstracta (acórdãos do Tribunal de Justiça, Confédération nationale des producteurs de fruits et légumes e o./Conselho, já referido, pp. 175 e segs.; de 6 de Outubro de 1982, Alusuisse/Conselho e Comissão, 307/81, Recueil, p. 3463, n.° 9; despacho do Tribunal de Justiça de 24 de Abril de 1996, CNPAAP/Conselho, C-87/95 P, Colect., p. I-2003, n.° 33; despacho do Tribunal de Primeira Instância de 19 de Junho de 1995, Kik/Conselho e Comissão, T-107/94, Colect., p. II-1717, n.° 35; acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Julho de 1996, Weber/Comissão, T-482/93, Colect., p. II-609, n.° 55; e despacho do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Março de 1999, Biscuiterie-confiserie LOR e Confiserie du Tech/Comissão, T-114/96, Colect., p. II-913, n.° 26).

60.
    No caso concreto, o acto impugnado foi adoptado com base nos artigos 199.°, primeiro parágrafo, CE, 25.° CA e 112.° EA, pelo voto da maioria dos membros do Parlamento na sessão plenária de 18 de Novembro de 1999. O acto impugnado adita ao Regimento do Parlamento um artigo 9.°-A relativo aos «Inquéritos internos efectuados pelo [OLAF]», nos termos do qual «[o] regime comum previsto pelo [acordo interinstitucional] [...] que inclui as medidas necessárias para facilitar a boa execução dos inquéritos efectuados pelo [OLAF] é aplicável no Parlamento,em conformidade com a decisão por este aprovada que figura em anexo ao Regimento». A decisão referida em último lugar reproduz no essencial a decisão-modelo que consta do anexo ao acordo interinstitucional, acrescentando-lhe um artigo 4.° por força do qual «[p]ermanecem inalteradas as normas relativas à imunidade parlamentar e ao direito de recusa de prestar testemunho que assistem aos deputados».

61.
    Além disso, o acto impugnado tem como objectivo geral precisar as condições em que o Parlamento coopera com o OLAF, a fim de facilitar a boa execução dos inquéritos no interior desta instituição. Tendo em conta este objectivo, prevê a situação dos membros do Parlamento enquanto titulares de direitos e sujeitos de obrigações e contém relativamente a estes disposições particulares na hipótese, designadamente, de virem a ser implicados num inquérito efectuado pelo OLAF ou de virem a ter conhecimento de elementos de facto que levem a presumir a existência de eventuais casos de fraude, de corrupção ou de qualquer outra actividade ilegal lesiva dos interesses das Comunidades, ou de factos graves, ligados ao exercício das actividades profissionais que possam configurar um incumprimento susceptível de processos disciplinares ou penais. O acto impugnado visa indistintamente os membros do Parlamento que dele faziam parte quando da sua entrada em vigor bem como toda e qualquer outra pessoa que posteriormente exerça as mesmas funções. Desta forma, aplica-se, sem limitação no tempo, a situações objectivamente determinadas e produz os seus efeitos jurídicos em relação a categorias de pessoas previstas de modo geral e abstracto.

62.
    Resulta destas considerações que o acto impugnado, embora seja intitulado «decisão», constitui uma medida de alcance geral.

63.
    Contudo, a jurisprudência esclareceu que, em determinadas circunstâncias, uma disposição de um acto de alcance geral pode dizer individualmente respeito a alguns particulares interessados (acórdãos do Tribunal de Justiça de 16 de Maio de 1991, Extramet Industrie/Conselho, C-358/89, Colect., p. I-2501, n.° 13, e de 18 de Maio de 1994, Codorniu/Conselho, C-309/89, Colect., p. I-1853, n.° 19). Nesse caso, um acto comunitário pode ter ao mesmo tempo um carácter normativo e, relativamente a determinados particulares, um carácter decisório (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Exporteurs in Levende Varkens e o./Comissão, T-481/93 e T-484/93, Colect., p. II-2941, n.° 50). É o que sucede se o acto em causa afectar uma pessoa singular ou colectiva em função de certas qualidades que lhe são próprias ou de uma situação de facto que a individualiza relativamente a qualquer outra pessoa (acórdão Codorniu/Conselho, já referido, n.° 20).

64.
    À luz desta jurisprudência, há que analisar se estas circunstâncias se verificam no presente processo e se permitem individualizar os recorrentes de maneira análoga à do destinatário de uma decisão.

65.
    A este respeito, os recorrentes invocaram a sua qualidade de membros do Parlamento no momento da adopção do acto impugnado, para afirmar que pertencem a um conjunto limitado de pessoas nominativamente identificáveis. Contudo, o simples facto de ser possível determinar o número e a identidade dos sujeitos de direito a que se aplica uma medida de modo algum acarreta que se deva considerar que essa medida lhes diz individualmente respeito, dado que a mesma se lhes aplica em função de uma situação objectiva de direito ou de facto definida no acto em causa (v., por exemplo, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Julho de 1968, Zuckerfabrik Watenstedt/Conselho, 6/68, Colect. 1965-1968, p. 873, bem como despachos do Tribunal de Justiça de 23 de Novembro de 1995, Asocarne/Conselho, C-10/95 P, Colect., p. I-4149, n.° 30, e CNPAAP/Conselho, já referido, n.° 34).

66.
    Ora, tal como já foi exposto, o acto impugnado apenas afecta os recorrentes pelo facto de pertencerem a uma categoria de pessoas definida de modo geral e abstracto. O acto impugnado não resulta da vontade do Parlamento de dar resposta a um caso particular específico dos recorrentes. Estes, aliás, não afirmaram nem apresentaram elementos que permitam pensar que a adopção do acto impugnado altera a sua situação jurídica e os afecta de modo especial em relação aos restantes membros do Parlamento.

67.
    Do mesmo modo, o facto de pertencer a uma das duas categorias de pessoas às quais se dirige o acto impugnado - ou seja, por um lado, o conjunto do pessoal estatutário ou não do Parlamento e, por outro, os seus membros - não basta para individualizar os recorrentes, uma vez que ambas as categorias são definidas de modo geral e abstracto. A este respeito, deve recordar-se que o acto impugnado se limita a aplicar e a adaptar, no âmbito do Regimento do Parlamento, determinadas disposições relativas aos direitos e obrigações dos membros das instituições comunitárias previstas no Regulamento n.° 1073/1999 e no acordo interinstitucional. Estes instrumentos, bem como a decisão relativa à criação do OLAF, designam os membros e o conjunto do pessoal das instituições como categorias de pessoas obrigadas a cooperar com o OLAF ou que podem ser objecto de um inquérito por parte deste.

68.
    A «decisão-modelo» anexa ao acordo interinstitucional prevê determinadas regras de execução que são específicas dos membros das instituições. No que respeita ao dever de cooperação com o OLAF, o artigo 1.°, segundo parágrafo, da decisão-modelo esclarece: «Sem prejuízo das disposições relevantes dos Tratados que instituem as Comunidades Europeias, designadamente o Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades, bem como das disposições de aplicação, os membros [...] devem cooperar plenamente com o Organismo.» Quanto à obrigação de informação, o artigo 2.°, quarto parágrafo, da «decisão-modelo» enuncia: «Os membros [...] que tenham conhecimento de factos previstos no primeiro parágrafo informarão o presidente [da instituição ou órgão] [...] ou, se o considerarem útil, directamente o [OLAF].»

69.
    O acto impugnado dispõe que o pessoal do Parlamento e os deputados estão sujeitos à obrigação de informação e de cooperação com o OLAF. Contudo, a obrigação de informação obedece a regras diferentes consoante a categoria de pessoas a que se aplica. Assim, o pessoal é obrigado a informar os seus chefes de serviço, o director-geral, o secretário-geral ou o OLAF, ou o presidente do Parlamento, consoante os factos em causa respeitem a um membro do pessoal ou a um membro do Parlamento, ao passo que é ao presidente do Parlamento ou ao OLAF que os membros do Parlamento devem denunciar os factos de que tenham conhecimento.

70.
    Nenhuma destas disposições permite concluir pela existência de elementos susceptíveis de individualizar os recorrentes.

71.
    Acresce que há que analisar se é aplicável ao presente processo a jurisprudência nos termos da qual são admissíveis recursos de anulação interpostos de um acto de carácter normativo na medida em que exista uma disposição de direito superior que imponha ao autor do acto que atenda à situação específica dos recorrentes (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 17 de Janeiro de 1985, Piraiki-Patraiki e o./Comissão, 11/82, Recueil, p. 207, n.os 11 a 32; de 26 de Junho de 1990, Sofrimport/Comissão, C-152/88, Colect., p. I-2477, n.os 11 a 13; de 11 de Fevereiro de 1999, Antillean Rice Mills e o./Comissão, C-390/95 P, Colect., p. I-769, n.os 25 a 30; e do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Junho de 1998, UEAPME/Conselho, T-135/96, Colect., p. II-2335, n.° 90).

72.
    No presente processo, os recorrentes afirmaram, quanto ao mérito, que o acto impugnado afecta a sua independência bem como a imunidade que lhes é conferida pelo Protocolo relativo aos Privilégios e Imunidades das Comunidades Europeias, já referido. Contudo, o referido protocolo só se refere aos membros do Parlamento de um modo geral e não contém qualquer disposição que regule expressamente os inquéritos internos no Parlamento. Além disso, deve salientar-se que o Parlamento entendeu prestar uma atenção especial à imunidade de que os seus membros beneficiam, na medida em que o acto impugnado acrescenta às disposições da «decisão-modelo» anexa ao acordo interinstitucional um artigo 4.° nos termos do qual «[p]ermanecem inalteradas as normas relativas à imunidade parlamentar e ao direito de recusa de prestar testemunho que assistem aos deputados.»

73.
    Como foi salientado pelo juiz das medidas provisórias no n.° 107 do despacho Rothley e o./Parlamento, já referido, não se pode a priori excluir o risco de que o OLAF pratique, no âmbito de um inquérito, um acto que ofenda a imunidade de que todo e qualquer membro do Parlamento beneficia. Contudo, pressupondo que essa circunstância ocorra, qualquer membro do Parlamento confrontado com um acto desta natureza, que entenda ser para si lesivo, dispõe então da protecção jurisdicional e das vias de recurso instituídas pelo Tratado.

74.
    Em todo o caso, a existência deste risco não pode justificar uma alteração do sistema das vias de recurso e de acção estabelecido pelos artigos 230.° CE,234.° CE e 235.° CE, destinado a confiar aos órgãos jurisdicionais comunitários o controlo da legalidade dos actos das instituições. Em caso algum tal circunstância permite declarar admissível um recurso de anulação interposto por uma ou várias pessoas singulares ou colectivas que não satisfaça as condições colocadas pelo artigo 230.°, quarto parágrafo, CE (despachos Asocarne/Conselho, já referido, n.° 26, e CNPAAP/Conselho, já referido, n.° 38).

75.
    Por último, a circunstância de o acto impugnado afectar os recorrentes de modo análogo a qualquer outro membro do Parlamento, actual ou futuro, tem como corolário que a inadmissibilidade do presente recurso não pode implicar uma desigualdade de protecção jurisdicional entre os recorrentes e outros membros do Parlamento.

76.
    Quanto a este ponto, a matéria de facto no processo principal distingue-se da que esteve na origem do acórdão do Tribunal de Justiça de 23 de Abril de 1986, Os Verdes/Parlamento (294/83, Colect., p. 1339, n.° 36). Efectivamente, neste processo estava em causa uma desigualdade de repartição de fundos públicos destinados à campanha de informação das formações políticas que participaram na eleição do Parlamento em 1984. As decisões orçamentais impugnadas respeitavam a todas as formações políticas, embora o tratamento que lhes dispensavam variasse consoante estivessem ou não representadas na Assembleia eleita em 1979. As formações representadas participaram num processo de decisão relativo, simultaneamente, ao tratamento que lhes era reservado e ao que era dado às formações rivais que não estavam representadas. O Tribunal de Justiça respondeu afirmativamente à questão de saber se as decisões impugnadas diziam individualmente respeito a uma formação política não representada mas susceptível de apresentar candidatos às eleições de 1984. O Tribunal de Justiça considerou que a tese contrária levaria a criar uma desigualdade de protecção jurisdicional na medida em que as formações não representadas não poderiam opor-se à repartição dos créditos orçamentais destinados à campanha eleitoral antes de as eleições terem lugar. No caso concreto, não existe qualquer disparidade deste tipo entre a situação dos recorrentes e a dos restantes membros do Parlamento.

77.
    Consequentemente, os recorrentes não demonstraram a existência de elementos que os individualizem em relação ao acto impugnado.

78.
    Resulta do que antecede que o acto impugnado não diz individualmente respeito aos recorrentes, na acepção do artigo 230.° CE, e, consequentemente, que o recurso deve ser julgado inadmissível, sem que seja necessário apreciar a questão de saber se este acto diz directamente respeito aos recorrentes, na acepção do mesmo artigo.

Quanto às despesas

79.
    Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se tal tiver sido requerido. No caso em apreço, os recorrentes foram vencidos e há que condená-los nas despesas da instância, incluindo as referentes ao pedido de medidas provisórias, em conformidade com os pedidos do Parlamento. Por força do disposto no artigo 87.°, n.° 4, do Regulamento de Processo, o Conselho e a Comissão bem como o Reino dos Países Baixos e a República Francesa, que intervieram no processo, suportarão as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)    O recurso é julgado inadmissível.

2)    Os recorrentes suportarão as suas próprias despesas bem como as efectuadas pelo recorrido no processo principal e no processo de medidas provisórias.

3)    Os intervenientes suportarão as suas próprias despesas.

Lindh
García-Valdecasas
Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de Fevereiro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

J. D. Cooke

Anexo ao acórdão

Lista dos 70 outros recorrentes

Klaus-Heiner Lehne, residente em Düsseldorf (Alemanha),

Johannes Voggenhuber, residente em Viena (Áustria),

Olivier Dupuis, residente em Roma (Itália),

Christian von Boetticher, residente em Pinneberg (Alemanha),

Emma Bonino, residente em Roma,

Elmar Brok, residente em Bielefeld (Alemanha),

Renato Brunetta, residente em Roma,

Udo Bullmann, residente em Gießen (Alemanha),

Marco Cappato, residente em Milão (Itália),

Benedetto Della Vedova, residente em Milão,

Gianfranco Dell'Alba, residente em Roma,

Michl Ebner, residente em Bolzano (Itália),

Raina A. Mercedes Echerer, residente em Viena,

Markus Ferber, residente em Bobingen (Alemanha),

Francesco Fiori, residente em Voghera (Itália),

Evelyne Gebhardt, residente em Mulfingen (Alemanha),

Norbert Glante, residente em Werder/Havel (Alemanha),

Alfred Gomolka, residente em Greifswald (Alemanha),

Friedrich-Wilhelm Graefe zu Baringdorf, residente em Spenge (Alemanha),

Lissy Gröner, residente em Neustadt (Alemanha),

Ruth Hieronymi, residente em Bona (Alemanha),

Magdalene Hoff, residente em Hagen (Alemanha),

Dr. Georg Jarzembowski, residente em Hamburgo (Alemanha),

Karin Jöns, residente em Bremen (Alemanha),

Karin Junker, residente em Düsseldorf,

Othmar Karas, residente em Viena,

Margot Keßler, residente em Kehmstedt (Alemanha),

Dr. Heinz Kindermann, residente em Strasburg (Alemanha),

Karsten Knolle, residente em Quedlinburg (Alemanha),

Dieter-Lebrecht Koch, residente em Weimar (Alemanha),

Dr. Christoph Konrad, residente em Bochum (Alemanha),

Constanze Krehl, residente em Leipzig (Alemanha),

Wilfried Kuckelkorn, residente em Bergheim (Alemanha),

Helmut Kuhne, residente em Soest (Alemanha),

Bernd Lange, residente em Hanover (Alemanha),

Kurt Lechner, residente em Kaiserslautern (Alemanha),

Jo Leinen, residente em Saarbrücken (Alemanha),

Rolf Linkohr, residente em Estugarda (Alemanha),

Giorgio Lisi, residente em Rimini (Itália),

Erika Mann, residente em Bad Gandersheim (Alemanha),

Thomas Mann, residente em Schwalbach/Taunus (Alemanha),

Mario Mauro, residente em Milão,

Prof. Dr. Hans-Peter Mayer, residente em Vechta (Alemanha),

Winfried Menrad, residente em Schwäbisch Hall (Alemanha),

Dr. Peter-Michael Mombaur, residente em Düsseldorf,

Rosemarie Müller, residente em Nieder-Olm (Alemanha),

Hartmut Nassauer, residente em Wolfhagen (Alemanha),

Giuseppe Nistico, residente em Roma,

Marco Pannella, residente em Roma,

Willi Piecyk, residente em Reinfeld (Alemanha),

Dr. Hubert Pirker, residente em Klagenfurt (Áustria),

Christa Randzio-Plath, residente em Hamburgo,

Bernhard Rapkay, residente em Dortmund (Alemanha),

Mechtild Rothe, residente em Bad Lippspringe (Alemanha),

Dagmar Roth-Behrendt, residente em Berlim (Alemanha),

Paul Rübig, residente em Wels (Áustria),

Umberto Scapagnini, residente na Catânia (Itália),

Jannis Sakellariou, residente em Munique (Alemanha),

Dr. Horst Schnellhardt, residente em Langenstein (Alemanha),

Jürgen Schröder, residente em Dresden (Alemanha),

Martin Schulz, residente em Würselen (Alemanha),

Dr. Renate Sommer, residente em Herne (Alemanha),

Ulrich Stockmann, residente em Bad Kösen (Alemanha),

Maurizio Turco, residente em Pulsano (Itália),

Guido Viceconte, residente em Bari (Itália),

Ralf Walter, residente em Cochem (Alemanha),

Brigitte Wenzel-Perillo, residente em Leipzig,

Rainer Wieland, residente em Estugarda,

Stefano Zappala, residente em Latina (Itália),

Prof. Dr. Jürgen Zimmerling, residente em Essen (Alemanha).


1: Língua do processo: alemão.