Language of document : ECLI:EU:T:2002:38

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

(Quinta Secção Alargada)

26 de Fevereiro de 2002 (1)

«Auxílios de Estado - Construção naval - Conceito de auxílios - Falta de fundamentação»

No processo T-323/99,

Industrie Navali Meccaniche Affini SpA (INMA), em liquidação, com sede em La Spezia (Itália), representada por S. Capparucci,

Italia Investimenti SpA (Itainvest), com sede em Roma (Itália),

representadas no presente processo por G. M. Roberti e F. Sciaudone, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrentes,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por K.-D. Borchardt, na qualidade de agente, assistido inicialmente por A. Abate e E. Cappelli e em seguida por A. Abate e G. Conte, advogados, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação da Decisão 2000/262/CE da Comissão, de 20 de Julho de 1999, relativa ao regime de auxílio estatal concedido pela Itália a favor do estaleiro naval INMA (JO 2000, L 83, p. 21),

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção Alargada),

composto por: P. Lindh, presidente, R. García-Valdecasas, J. D. Cooke, M. Vilaras e N. J. Forwood, juízes,

secretário: J. Palacio González, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 7 de Junho de 2001,

profere o presente

Acórdão

         Enquadramento jurídico

1.
    Nos termos do artigo 87.°, n.° 1, CE, «são incompatíveis com o mercado comum, na medida em que afectem as trocas comerciais entre os Estados-Membros, os auxílios concedidos pelos Estados ou provenientes de recursos estatais, independentemente da forma que assumam, que falseiem ou ameacem falsear a concorrência, favorecendo certas empresas ou certas produções».

2.
    Segundo o artigo 87.°, n.° 3, alínea e), CE, podem ser considerados compatíveis com o mercado comum as «categorias de auxílios determinadas por decisão do Conselho, deliberando por maioria qualificada, sob proposta da Comissão».

3.
    Em 21 de Dezembro de 1990, foi adoptada a Directiva 90/684/CEE do Conselho, relativa aos auxílios à construção naval (JO L 380, p. 27). O seu texto foi alterado em várias ocasiões, sem que isso afecte, todavia, as disposições aqui pertinentes.

4.
    O artigo 1.°, alínea d), da Directiva 90/684 dispõe, nomeadamente, que por «auxílios» se deve entender os auxílios estatais referidos nos artigos 87.° CE e 88.° CE e que «esta noção inclui não só os auxílios concedidos pelo próprio Estado como também os concedidos pelas autoridades regionais ou locais, bem como os elementos de auxílio eventualmente contidos nas medidas de financiamento tomadas pelos Estados-Membros relativamente às empresas de construção e de reparação navais que directa ou indirectamente controlem e que não sejam considerados como provisão de capital de risco fornecida a uma sociedade segundo as práticas normais em economia de mercado».

5.
    O artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 90/684 prevê, nomeadamente, que «os auxílios à produção a favor da construção e da transformação navais podem ser considerados compatíveis com o mercado comum, desde que o montante total do auxílio concedido para um contrato não exceda, em equivalente a subvenção, um limite máximo comum expresso em percentagem do valor contratual antes do auxílio, a seguir denominado 'limite'».

6.
    A aplicação dessa Directiva 90/684 foi prorrogada, pela última vez, pelo Regulamento (CE) n.° 2600/97 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1997, que altera o Regulamento (CE) n.° 3094/95 relativo aos auxílios à construção naval (JO L 351, p. 18), que dispõe que, «[e]nquanto se aguarda a entrada em vigor do [Acordo da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico], são aplicáveis as disposições adequadas da Directiva 90/684/CEE até que o acordo entre em vigor e, o mais tardar, até 31 de Dezembro de 1998».

7.
    O Regulamento (CE) n.° 1540/98 do Conselho, de 29 de Junho de 1998, que estabelece novas regras de auxílio à construção naval (JO L 202, p. 1), entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1999. O Conselho observa, nos dois primeiros considerandos, que o acordo OCDE ainda não entrou em vigor e que as disposições adequadas da Directiva 90/684 só são aplicáveis até 31 de Dezembro de 1998.

8.
    O artigo 1.°, alínea e), do Regulamento n.° 1540/98 dá uma definição do conceito de auxílios que é, no essencial, idêntica à contida no artigo 1.°, alínea d), da Directiva 90/684 (v. n.° 4, supra).

9.
    O artigo 3.° do Regulamento n.° 1540/98 dispõe, nomeadamente, que, «[a]té 31 de Dezembro de 2000, os auxílios à produção a favor de contratos de construção e transformação navais, mas não à reparação naval, podem ser considerados compatíveis com o mercado comum, desde que o montante total de todas as formas de auxílios concedidos a favor de qualquer contrato individual (incluindo o equivalente-subvenção de qualquer auxílio concedido ao armador ou a terceiros) não exceda, em equivalente-subvenção, um limite máximo comum expresso em percentagem do valor contratual antes do auxílio. Para os contratos de construçãonaval com valor contratual antes do auxílio superior a 10 milhões de ecus o limite máximo será de 9%, em todos os outros casos o limite máximo será de 4,5%».

Factos que deram origem ao litígio

10.
    O estaleiro naval Industrie Navali Meccaniche Affini SpA (INMA) de La Spezia é uma empresa pública que exerce, desde 1945, as suas actividades no sector da reparação e da transformação de embarcações e, desde 1989, no sector da construção naval. O seu capital é detido a 100% pela empresa pública GEPI SpA, que passou a designar-se, em 1997, Italia Investimenti SpA (Itainvest).

11.
    De 1987 a 1998, a INMA recebeu do Ministério da Marinha Mercante e, mais tarde, do Ministério dos Transportes e da Navegação diversos montantes ao abrigo das Leis italianas n.os 599/82, 111/85, 234/89 e 132/94.

12.
    De 1996 a 1998, a Itainvest concedeu garantias a favor da INMA, nomeadamente cauções, relativamente às encomendas de embarcações feitas pelos armadores Stolt Nielsen, Tirrenia, Pugliola e Corsica Ferries.

13.
    No encerramento do exercício de 1996, os prejuízos da INMA atingiam 21,4 mil milhões de liras italianas (ITL). A assembleia dos accionistas de 13 de Novembro de 1997 decidiu cobrir esses prejuízos mediante as reservas da empresa, num montante de 4,68 mil milhões de ITL, e através de uma entrada de capital, da Itainvest, de 16,7 mil milhões de ITL.

14.
    A assembleia dos accionistas de 24 de Março de 1998 reconheceu que as contas da INMA, aprovadas em 30 de Novembro de 1997, já apresentavam prejuízos de 81,89 mil milhões de ITL. A Itainvest cobriu essas perdas.

15.
    Na assembleia dos accionistas de 23 de Junho de 1998, as contas da INMA revelaram, em relação ao exercício de 1997, prejuízos totais de 103,7 mil milhões de ITL. A Itainvest cobriu a parte desse montante ainda não coberta, isto é, 21,81 mil milhões de ITL.

16.
    Finalmente, a INMA foi posta em liquidação na assembleia dos accionistas de 6 de Novembro de 1998.

Procedimento administrativo

17.
    A Comissão, no quadro do dever de informação que impôs no que respeita a certos tipos de intervenções da Itainvest, foi avisada da transferência que a Itainvest efectuou a favor da INMA de cerca de 100 mil milhões de ITL a fim de cobrir os prejuízos registados por esta durante os exercícios de 1996 e de 1997.

18.
    Por ofício de 1 de Outubro de 1998, a Comissão pediu às autoridades italianas que lhe fornecessem informações complementares a esse respeito. As autoridades italianas acederam a esse pedido enviando, por carta de 9 de Novembro de 1998, as contas anuais da INMA respeitantes aos exercícios de 1992 a 1997.

19.
    A Comissão decidiu abrir o procedimento previsto no artigo 88.°, n.° 2, CE quanto às operações de cobertura de prejuízos da INMA pela Itainvest. Disso informou as autoridades italianas por ofício de 19 de Janeiro de 1999 que foi objecto de uma comunicação publicada, em 5 de Março de 1999, no Jornal Oficial das Comunidades Europeias (JO C 63, p. 2).

20.
    No ofício de 19 de Janeiro de 1999, a Comissão convidou a República Italiana a apresentar, por um lado, as suas observações e quaisquer informações úteis respeitantes às intervenções da Itainvest a favor da INMA sob a forma de operações de cobertura de prejuízos e de recapitalização e, por outro, uma descrição pormenorizada dos auxílios pagos pelo Ministério da Marinha Mercante e, mais tarde, pelo Ministério dos Transportes e da Navegação. A Comissão também aí observa que a maioria dos créditos bancários da INMA foram cobertos por garantias concedidas pela Itainvest.

21.
    As autoridades italianas responderam a esse ofício por carta de 2 de Março de 1999.

22.
    Os comentários das partes interessadas, apresentados na sequência da comunicação de 5 de Março de 1999, forma comunicados às autoridades italianas, que a eles responderam por ofício de 30 de Junho de 1999.

Decisão impugnada

23.
    Em 20 de Julho de 1999, a Comissão adoptou a Decisão 2000/262/CE, relativa ao regime de auxílio estatal concedido pela Itália a favor do estaleiro naval INMA (JO 2000, L 83, p. 21, a seguir «decisão impugnada»), cujo ponto V, intitulado «Apreciação», pode resumir-se como se segue.

24.
    A título de introdução, a Comissão enuncia que, uma vez que se trata de uma empresa de construção e de reparação navais, os auxílios contestados devem ser apreciados à luz da Directiva 90/684 e do Regulamento n.° 1540/98 (considerando 19).

25.
    No que diz respeito aos auxílios à produção e aos auxílios aos investimentos concedidos pelo Governo italiano à INMA, no período de 1991 a 1998, a Comissão verifica que esses auxílios estavam em conformidade com os regimes de auxílios das Leis italianas n.os 599/82, 111/85, 234/89 e 132/94 que autorizou. No entanto, salienta que relativamente aos contratos de construção naval celebrados com osarmadores Pugliola, Corsica Ferries e Stolt-Nielsen foi ou será concedida a taxa máxima de auxílio em vigor à data da assinatura dos contratos, prevista no n.° 1 do artigo 4.° da Directiva 90/684 (considerando 20).

26.
    A Comissão lembra que as autoridades italianas atribuem as dificuldades com que a INMA deparou a partir de 1996 a erros de gestão das encomendas da Stolt-Nielsen e da Tirrenia. Porém, a Comissão verifica que a correcta execução dessas encomendas foi garantida pela Itainvest num total de 42 mil milhões de ITL desde Março de 1996. Por conseguinte, considera que nenhuma instituição financeira teria concedido um adiantamento de fundos sem garantia da Itainvest e que essas garantias constituem já auxílios na acepção do n.° 1 do artigo 87.° CE (considerandos 24 e 25).

27.
    Por conseguinte, a Comissão considera que as autoridades italianas não podem justificar as operações de cobertura de prejuízos com o facto de serem menos onerosas do que a prestação das garantias autorizadas, pois essas garantias constituem um auxílio não notificado (considerando 26).

28.
    A Comissão salienta que, devendo as encomendas da Stolt-Nielsen e da Tirrenia beneficiar ou tendo beneficiado da taxa de auxílio máxima definida no artigo 4.°, n.° 1, da Directiva 90/648, sob a forma de subvenções do ministério competente, e as garantias já referidas, devido à sua natureza de auxílios, ser tomadas em consideração no cálculo da taxa de auxílio ao contrato, o limite de 9% do preço contratual antes do auxílio será ou terá sido, portanto, ultrapassado (considerandos 26 e 27).

29.
    A Comissão considera igualmente que a afirmação das autoridades italianas, segundo a qual o défice imprevisto registado pela INMA, surgido em Maio de 1997, era devido à má gestão das encomendas de Dezembro de 1995, não é fundada uma vez que, na apresentação do balanço do exercício de 1996, está escrito que essas encomendas não tinham contribuído significativamente para os resultados desse exercício contabilístico. A Comissão deduziu daí que a má situação da empresa é, portanto, anterior e foi causada por outras encomendas (considerandos 28 e 29).

30.
    A este propósito, a Comissão observa que a Itainvest concedeu à INMA uma «garantia de mobilização de crédito» associada à encomenda das embarcações «Corsica Ferries I» e «Corsica Ferries II», por um período de dez anos e num montante de 32,44 mil milhões de ITL. Todavia, a Comissão salienta que os créditos garantidos foram utilizados na gestão global do estaleiro, pois esses dois navios foram entregues em 1996 e o seu preço, em princípio, pago. Considera que, tratando-se de garantias concedidas mediante fundos públicos, são auxílios estatais susceptíveis de serem equiparados a auxílios ao funcionamento abrangidos pelo âmbito de aplicação do n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento n.° 1540/98 e que devem ser incluídos no limite máximo dos auxílios ao contrato. Ora, a Comissão observa que o ministério competente concedeu 9% do valor contratual antes dos auxíliospara todas as embarcações já entregues, isto é, o limite máximo dos auxílios autorizados com base no n.° 1 do artigo 4.° da Directiva 90/684 (considerando 29).

31.
    A Comissão considera que o número e o período das obrigações relativamente às quais a Itainvest foi garante mostram que esta última, enquanto empresa-mãe, se encontrava estreitamente ligada à gestão quotidiana e de risco do estaleiro INMA e que, por conseguinte, não se comportou como um investidor privado. Salienta que, tendo em conta o montante já elevado dos prejuízos evidenciados no balanço encerrado em 31 de Dezembro de 1996 e de que a Itainvest devia ter conhecimento muito antes do mês de Maio de 1997, a INMA encontrava-se em situação de insolvência já nessa data e devia ter sido objecto de um processo de liquidação (considerando 30).

32.
    A Comissão deduz daí que a cobertura dos prejuízos não pode ser considerada um auxílio de emergência, na acepção das orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação concedidos a empresas em dificuldade (JO 1994, C 368, p. 12) (considerando 31).

33.
    Considera igualmente que as injecções de capital de 21,4 mil milhões de ITL em 1997 e de 103,7 mil milhões de ITL em 1998 destinadas a cobrir os prejuízos registados constituem auxílios uma vez que foram efectuadas em circunstâncias não aceitáveis por parte de um investidor privado actuando em condições normais de mercado. Essas coberturas de prejuízos foram, portanto, efectuadas apenas com a intenção de valorizar artificialmente a INMA, injectando capitais a fundo perdido, dado que nem sequer está demonstrado que o preço de uma eventual venda do estaleiro pela Itainvest teria coberto o montante de 120 mil milhões de ITL «investido», tendo em conta, em especial, a situação do mercado da construção naval (considerandos 32 e 33).

34.
    A Comissão considera, a esse propósito, que a Itainvest não optou pela solução mais rentável, ao decidir cobrir os prejuízos da INMA em vez de proceder à sua liquidação. Esta última solução teria, com efeito, permitido o não cumprimento das obrigações contratuais e, por conseguinte, reduzir o custo das obrigações assumidas relativamente aos armadores. A Comissão salienta que, se assim não fosse, isso reforçaria ainda mais a sua convicção de que os compromissos assumidos pela Itainvest eram muito superiores aos que um investidor privado assumiria. A Comissão nota, além disso, que a Itainvest concedeu uma garantia de 22,7 mil milhões de ITL para a encomenda da Tirrenia prestada em Março de 1998 e uma garantia de 9 mil milhões de ITL para a encomenda da Stolt-Nielsen, prestada em Março e Maio de 1998, isto é, após ter tomado a sua decisão de cobrir os prejuízos da INMA, com base na situação patrimonial em 30 de Novembro de 1997 (considerando 34).

35.
    A Comissão considera que as operações de cobertura de prejuízos assumem a natureza de auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum (considerando 35).

36.
    A Comissão considera, nas conclusões da decisão impugnada, que as autoridades italianas concederam ilegalmente garantias para a construção das embarcações relativas às encomendas da Corsica Ferries, da Pugliola, da Tirrenia e da Stolt-Nielsen e cobriram os prejuízos da INMA em 1997 e 1998, em violação do artigo 88.°, n.° 3, CE. As garantias concedidas para a construção das embarcações e as operações de cobertura de prejuízos deviam ter sido calculadas dentro do limite máximo dos auxílios a favor do contrato, previsto no n.° 1 do artigo 4.° da Directiva 90/684. Tais auxílios deviam, por conseguinte, ser recuperados (considerando 36).

37.
    Nos termos do artigo 1.° da decisão impugnada:

«O auxílio estatal concedido pela Itália através da holding pública Itainvest ao estaleiro naval INMA SpA, sob a forma de garantias para as encomendas da Corsica Ferries, da Pugliola, do Stolt-Nielsen e da Tirrenia e de cobertura dos prejuízos num montante de 120,4 mil milhões de [LIT] (62,2 milhões de euros), é incompatível com o mercado comum.»

38.
    Nos termos do artigo 2.°, n.° 1, da decisão impugnada:

«A Itália adoptará todas as medidas necessárias para recuperar o auxílio referido no artigo 1.° e já ilegalmente colocado à disposição do beneficiário.»

Tramitação do processo e pedidos das partes

39.
    Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 15 de Novembro de 1999, as recorrentes interpuseram o presente recurso.

40.
    Com base em relatório do juiz-relator, o Tribunal (Quinta Secção Alargada) decidiu iniciar a fase oral do processo e, no quadro das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do Regulamento de Processo, submeter, por escrito, questões às partes, a que estas responderam no prazo estabelecido.

41.
    As partes foram ouvidas em alegações e nas suas respostas às questões do Tribunal, na audiência de 7 de Junho de 2001.

42.
    As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

-    anular a decisão impugnada;

-    condenar a Comissão nas despesas do processo.

43.
    A recorrida conclui pedindo que o Tribunal se digne:

-    negar provimento ao recurso

-    condenar as recorrentes nas despesas.

Questão de direito

44.
    Em apoio do seu recurso, as recorrentes invocam dois fundamentos. O primeiro é tirado de uma violação do artigo 87.° CE, do artigo 1.°, alínea d), da Directiva 90/684 e do artigo 2.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 1540/98. O segundo é tirado de uma violação de formalidades essenciais e de uma falta de fundamentação.

45.
    No caso em apreço, há que proceder, prioritariamente, ao exame deste segundo fundamento. Com efeito, só se a fundamentação do acto for suficiente é que o Tribunal poderá controlar a validade da fundamentação da Comissão.

Argumentos das partes

46.
    No quadro do segundo fundamento, as recorrentes alegam que a Comissão não tomou em consideração, para efeitos da sua apreciação, os dados e argumentos relativos à situação financeira e económica da INMA fornecidos pelas autoridades italianas durante o procedimento administrativo, não lhes pediu, nem às autoridades italianas, esclarecimentos e não examinou se existiam razões económicas e financeiras capazes de justificar as intervenções da Itainvest a favor da INMA. Além disso, as recorrentes afirmam que a decisão impugnada se baseia em simples presunções. Segundo as recorrentes, essas diferentes omissões fizeram com que a decisão impugnada sofresse de um vício grave de fundamentação que as impediu de a compreender e de exercer os seus direitos de defesa.

47.
    A Comissão replica que esse fundamento não é objecto de um desenvolvimento adequado, por parte das recorrentes, carece de referências precisas e não identifica os alegados vícios de forma. Além disso, embora individualmente implicadas desde a primeira fase do procedimento instaurado pela Comissão em conformidade com o artigo 88.°, n.° 2, CE, as duas recorrentes não consideraram útil intervir, apresentando observações adequadas em tempo útil. As recorrentes basearam-se, aliás, em considerações singulares a fim de justificar a sua não intervenção no procedimento administrativo.

48.
    De qualquer forma, a leitura da decisão impugnada, que contém uma parte consagrada à descrição da INMA, uma outra consagrada às observações detalhadas formuladas pelas autoridades italianas na sua carta de 2 de Março de 1999 e uma outra, ainda, consagrada à apreciação dos auxílios, permitia refutar os argumentos das recorrentes.

49.
    A este propósito, a Comissão sublinha que os argumentos que apresenta, no quadro do presente recurso, não têm, de forma alguma, por objectivo completar a fundamentação da decisão impugnada que é, em si mesma, exaustiva, mas simplesmente responder às críticas formuladas na petição e refutá-las.

50.
    A Comissão refuta igualmente a afirmação das recorrentes segundo a qual a sua análise se baseava numa apreciação ex post dos factos em questão.

Apreciação do Tribunal

Observações preliminares

51.
    A título preliminar, deve salientar-se que a Comissão alega que este fundamento não foi objecto de um desenvolvimento adequado por parte das recorrentes.

52.
    Efectivamente, na sua argumentação, as recorrentes imputam à Comissão, a coberto de uma violação do dever de fundamentação, um erro manifesto de apreciação que tinha a sua origem na insuficiência da instrução durante o procedimento administrativo. Deve, portanto, distinguir-se esta argumentação, que põe em causa a legalidade quanto ao mérito da decisão impugnada, do fundamento tirado da falta de fundamentação, que integra a violação de formalidades essenciais e que deve, se necessário, ser suscitado oficiosamente pelo juiz comunitário (acórdãos do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C-367/95 P, Colect., p. I-1719, n.° 67, e de 22 de Março de 2001, França/Comissão, C-17/99, Colect., p. I-2481, n.os 35 e 38).

53.
    Acontece, porém, que as recorrentes alegaram igualmente que a decisão impugnada está afectada por um vício grave de fundamentação, porquanto não conseguiram compreender os seus fundamentos.

54.
    Segue-se que o argumento da Comissão não poderá ter êxito.

Quanto à fundamentação da decisão impugnada

55.
    Resulta de uma jurisprudência constante que a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, a argumentação da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida adoptada e ao órgão jurisdicional competente exercer o seu controlo. A exigência de fundamentação deve ser apreciada em função das circunstâncias do caso em apreço, nomeadamente, do conteúdo do acto, da natureza dos fundamentos invocados e do interesse que os destinatários ou outras pessoas a quem o acto diga directa e individualmente respeito podem ter em receber explicações. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto satisfaz as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não somente do seu teorliteral, mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Fevereiro de 1996, Bélgica/Comissão, C-56/93, Colect., p. I-723, n.° 86).

56.
    No que toca a uma decisão da Comissão que reconhece a existência de auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum, deve recordar-se que o exercício por si das suas competências, nos termos do artigo 87.°, n.° 3, CE, pressupõe a existência de uma medida de auxílio estatal na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE. Incumbe, portanto, à Comissão verificar, em primeiro lugar, se a medida constitui um auxílio de Estado na acepção desse artigo (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Dezembro de 2000, Alitalia/Comissão, T-296/97, Colect., p. II-3871, n.° 73).

57.
    No que respeita à qualificação de uma medida como auxílio, decorre do artigo 253.° CE que a Comissão deve indicar as razões pelas quais considera que a medida em causa integra o âmbito de aplicação do artigo 87.°, n.° 1, CE (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Abril de 1998, Cityflyer Express/Comissão, T-16/96, Colect., p. II-757, n.° 66, de 13 de Junho de 2000, EPAC/Comissão, T-204/97 e T-270/97, Colect., p. II-2267, n.° 36, e de 29 de Setembro de 2000, CETM/Comissão, T-55/99, Colect., p. II-3207, n.° 59). A fundamentação não pode, neste quadro, limitar-se à declaração de que a referida medida é um auxílio, devendo conter uma referência aos factos concretos, de maneira a permitir aos interessados dar a conhecer utilmente o seu ponto de vista sobre a realidade e a pertinência dos factos e das circunstâncias invocados e ao juiz comunitário exercer o seu controlo (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 13 de Março de 1985, Países Baixos e Leeuwarder Papierwarenfabriek/Comissão, 296/82 e 318/82, Recueil, p. 809, n.os 19 a 30, e de 24 de Outubro de 1996, Alemanha e o./Comissão, C-329/93, C-62/95 e C-63/95, Colect, p. I-5151, n.° 52).

58.
    A Comissão deve certificar-se, em segundo lugar, de que a fundamentação do acto em litígio permite identificar com precisão os auxílios considerados incompatíveis com o Tratado e que devem ser suprimidos (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 27 de Junho de 2000, Comissão/Portugal, C-404/97, Colect., p. I-4897, n.° 47).

59.
    No caso em apreço, importa recordar o contexto em que se inscreve a decisão impugnada e, mais particularmente, as circunstâncias em que se desenrolou o procedimento administrativo no termo do qual a Comissão considerou que as medidas em litígio constituíam auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum.

60.
    A esse propósito, deve salientar-se que, no seu ofício de 19 de Janeiro de 1999, a Comissão convidou as autoridades italianas a enviar-lhe informações respeitantes, nomeadamente, às intervenções da Itainvest a favor da INMA sob a forma deoperações de cobertura de prejuízos. Com respeito às garantias concedidas pela Itainvest à INMA, a Comissão limitou-se a reconhecer que a maioria dos créditos bancários da INMA tinham sido cobertos por garantias da Itainvest, sem, porém, solicitar o envio de informações sobre essas medidas.

61.
    Interrogada sobre esse ponto na audiência, a Comissão afirmou que não lhe parecera oportuno pedir às autoridades italianas informações sobre as condições de concessão das garantias em litígio. Foi, portanto, sem essas informações que a Comissão apreciou essas medidas e as qualificou de auxílios estatais.

62.
    Na carta de resposta ao ofício de 19 de Janeiro de 1999, as autoridades italianas observaram, a título preliminar, que esse ofício dizia respeito às intervenções financeiras que a Itainvest efectuara, desde 1997, a favor da INMA bem como aos auxílios concedidos à INMA pelo Ministério da Marinha Mercante e, mais tarde, pelo Ministério dos Transportes e da Navegação. Precisaram que, na sua carta, forneciam os elementos necessários à apreciação das intervenções financeiras já referidas.

63.
    Na sequência da apresentação dos dados financeiros relativos, por um lado, às operações de cobertura de prejuízos e, por outro, às garantias concedidas pela Itainvest a favor da INMA, as autoridades italianas expuseram:

«Nessas condições, pode concluir-se sem hesitação que as referidas intervenções financeiras correspondem plenamente às práticas normais em economia de mercado [artigo 1.°, alínea d), da directiva]. Com efeito, tendo em conta o prejuízo surgido em Maio de 1997, a Itainvest avaliou aprofundadamente e com prudência, com a assistência de sociedades de consultoria de primeiro plano, a situação global da empresa e as possibilidades que tinha de a ceder.

Nesse contexto, e em conformidade com os referidos princípios comunitários, a Itainvest considerou, com toda a razão, que a injecção de recursos financeiros limitados suplementares constituía, nesse momento, uma solução objectivamente preferível de um ponto de vista económico e financeiro, uma vez que era susceptível de: a) evitar uma situação de cessação de pagamentos do estaleiro que teria arrastado a [efectivação] imediata das garantias emitidas no valor de mais de 223 mil milhões de ITL bem como de outros custos que é possível estimar em cerca de 100 mil milhões de ITL; e b) proceder à venda do estaleiro nas melhores condições.»

64.
    À luz das exigências do artigo 253.° CE, tendo em conta o contexto em que a decisão impugnada foi adoptada, importa examinar se a Comissão fundamentou suficientemente a qualificação como auxílios estatais, por um lado, das garantias em litígio que a Itainvest concedeu à INMA e, por outro, das operações de cobertura pela Itainvest dos prejuízos registados pela INMA.

- Quanto à fundamentação da qualificação das garantias concedidas pela Itainvest como auxílios estatais

65.
    A título preliminar, deve recordar-se que, nos termos do artigo 1.° da decisão impugnada, as garantias que incidem sobre as encomendas da Corsica Ferries, da Pugliola, da Stolt-Nielsen e da Tirrenia são consideradas auxílios estatais incompatíveis com o mercado comum.

66.
    No quadro do ponto V da decisão impugnada, intitulado «Apreciação», as garantias mencionadas correspondem, por um lado, às concedidas em 1996 para as encomendas da Stolt Nielsen e da Tirrenia, num montante de 42 mil milhões de ITL (v. considerando 24 da decisão impugnada), e para as encomendas da Corsica Ferries, num montante de 32,44 mil milhões de ITL (v. considerando 29 da decisão impugnada), e, por outro, a duas garantias (cauções) relativas às encomendas da Stolt Nielsen e da Tirrenia concedidas em 1998, num montante de 22,7 e de 9 mil milhões de ITL (v. considerando 34 da decisão impugnada).

67.
    Nos seus articulados e nas suas alegações, as recorrentes consideram que no artigo 1.° da decisão impugnada se tem em vista o conjunto das garantias já referidas, incluindo as cauções.

68.
    Todavia, em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal na audiência, a Comissão afirmou que o artigo 1.° dessa decisão só tinha em vista as garantias mencionadas nos considerandos 24 e 29 da decisão impugnada. Trata-se das garantias concedidas em 1996 para as encomendas da Stolt Nielsen e da Tirrenia, num montante de 42 mil milhões de ITL, e para as encomendas da Corsica Ferries, num montante de 32,44 mil milhões de ITL, com exclusão das garantias referidas no considerando 34 da decisão impugnada.

69.
    Quanto à garantia respeitante à encomenda da Pugliola que não foi objecto de qualquer desenvolvimento particular no quadro do ponto V, «Apreciação», da decisão impugnada, a Comissão admitiu, na audiência, que o artigo 1.° da decisão não a devia abranger.

70.
    Segue-se que o artigo 1.° da decisão impugnada deve ser anulado na medida em que visa a garantia para a encomenda da Pugliola.

71.
    Quanto às garantias relativas às encomendas da Stolt Nielsen e da Tirrenia concedidas em 1998, cabe reconhecer que estas não são visadas pelo artigo 1.° da decisão impugnada. Com efeito, no considerando 34 da decisão impugnada, após ter concluído que a Itainvest se tinha comprometido para além do que um investidor privado teria feito em condições normais de mercado, a Comissão limitou-se a «notar» que, além disso, no documento dos compromissos da Itainvest figuravam as referidas garantias. Não se pronunciou, todavia, como salientou na audiência em resposta a uma questão do Tribunal, sobre a sua qualificação comoauxílios estatais incompatíveis com o mercado comum. Os argumentos das recorrentes são, por isso, desprovidos de objecto, na medida em que se reportam às referidas garantias.

72.
    Atento o que precede, deve examinar-se se a Comissão fundamentou, suficientemente, a qualificação das garantias efectivamente visadas nos considerandos 24 e 29 da decisão impugnada como auxílios estatais. A esse propósito, há que verificar se a referida decisão deixa transparecer, de maneira clara e inequívoca, a fundamentação que conduziu a Comissão a considerar que um investidor privado não teria concedido essas garantias e, portanto, que estas constituíam auxílios estatais na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

73.
    Deve recordar-se, a este propósito, que, no seu ofício de 19 de Janeiro de 1999, a Comissão não pediu que lhe fossem enviadas informações sobre as garantias relativas às encomendas da Stolt Nielsen, da Tirrenia e da Corsica Ferries e não expôs, mesmo sumariamente, as razões pelas quais a sua concessão devia ser considerada constitutiva de um auxílio estatal. Nestas condições e tendo em conta a circunstância de a Itainvest estar estreitamente ligada à INMA pelo facto de deter 100% do capital desta, era ainda mais necessário que a fundamentação da decisão impugnada fosse suficientemente detalhada a esse respeito.

74.
    No tocante às garantias relativas às encomendas da Stolt Nielsen e da Tirrenia, a Comissão afirma no considerando 24 da decisão impugnada que, «[...] com base na leitura das várias operações de financiamento necessárias para a execução das encomendas em curso, resulta que nenhum adiantamento de fundos por parte de instituições financeiras podia ter sido concedido sem uma garantia da Itainvest [e] sem recorrer a fundos públicos».

75.
    Ora, esta afirmação não pode constituir uma fundamentação clara e suficiente da qualificação das garantias em causa como auxílios estatais susceptível de permitir aos interessados compreender o raciocínio da Comissão quanto à aplicação, no caso em apreço, do critério do investidor privado e ao juiz comunitário exercer o seu controlo. Deve reconhecer-se, a este propósito, que a Comissão nem sequer forneceu, em apoio da sua afirmação, precisões respeitantes às operações de financiamento mencionadas e explicações relativas ao nexo existente entre a concessão das garantias e a intervenção das instituições financeiras visadas.

76.
    Efectivamente, na fase do processo contencioso, a Comissão aduziu alguns elementos de natureza a explicitar o considerando 24 da decisão impugnada. Alegou, assim, que, se considerou que as instituições financeiras não podiam conceder qualquer adiantamento de fundos sem a garantia da Itainvest, foi em consideração do «facto de esta ter deliberadamente concedido essas garantias a despeito das graves dificuldades que a INMA conhecia, sobretudo para encomendas muito onerosas aceites a preços inferiores ao de custo e, por consequência, votadas ao desastre financeiro». Todavia, nenhum destes elementos figura na decisão impugnada (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de PrimeiraInstância de 12 de Dezembro de 1996, Rendo e o./Comissão, T-16/91, Colect, p. II-1827, n.° 45, e de 25 de Maio de 2000, Ufex e o./Comissão, T-77/95, Colect., p. II-2167, n.° 54).

77.
    Além disso, no considerando 25 da decisão impugnada, a Comissão limita-se a afirmar que as garantias respeitantes às encomendas da Stolt Nielsen e da Tirrenia são auxílios estatais e cita, a esse propósito, um extracto da sua comunicação aos Estados-Membros sobre a aplicação dos artigos [87.°] e [88.°] do Tratado CEE e do artigo 5.° da Directiva 80/723/CEE da Comissão às empresas públicas do sector produtivo (JO 1993, C 307, p. 3). Ora, contentando-se em invocar, em apoio dessa afirmação, um extracto da referida comunicação, não indicando as considerações factuais e jurídicas pertinentes no caso em apreço, a Comissão não escorou suficientemente, do ponto de vista do direito, a conclusão a que chegou.

78.
    A afirmação relativa à natureza de auxílios estatais dessas garantias é reiterada na primeira frase do considerando 26 da decisão impugnada, sem que sejam aduzidas mais explicações no que toca a tal qualificação.

79.
    Segue-se que a fundamentação da qualificação das garantias respeitantes às encomendas da Stolt Nielsen e da Tirrenia concedidas pela Itainvest a favor da INMA em 1996 como auxílios estatais não existe.

80.
    No que respeita às garantias para as encomendas da Corsica Ferries, declaradas incompatíveis com o mercado comum no artigo 1.° da decisão impugnada, a Comissão afirma, nos considerandos 28 e 29 da decisão impugnada, que os primeiros prejuízos registados pela INMA não surgiram, como alegam as autoridades italianas, em Maio de 1997, mas no encerramento das contas em 31 de Dezembro de 1996 e que a má situação da INMA foi causada por outras encomendas que não as encomendas da Stolt Nielsen e da Tirrenia. A esse propósito, observa que as duas encomendas da Corsica Ferries, que foram igualmente objecto de garantias a favor dos construtores prestadas pela Itainvest, foram precisamente entregues em 1996. As informações fornecidas pelas autoridades italianas indicavam que a Itainvest concedeu à INMA uma garantia de mobilização de crédito associada a essas duas encomendas. Ora, segundo a Comissão, tendo as duas embarcações correspondentes a essas duas encomendas sido entregues e o seu preço, em princípio, pago, os créditos garantidos foram utilizados na gestão global do estaleiro.

81.
    A Comissão prossegue indicando que, «[u]ma vez que as garantias foram concedidas mediante fundos públicos, trata-se de auxílios estatais susceptíveis de serem equiparados a auxílios ao funcionamento abrangidos pelo âmbito de aplicação do n.° 1 do artigo 3.° do Regulamento (CE) n.° 1540/98, que, por conseguinte, deviam ser incluídos no limite máximo dos auxílios para os contratos e, consequentemente, reduzir o nível dos auxílios concedidos pelo Governo italiano».

82.
    Resulta dessas declarações que, no tocante às encomendas da Corsica Ferries, a fundamentação da decisão impugnada é particularmente ambígua. Com efeito, o considerando 29 da decisão impugnada refere «garantias [...] a favor dos construtores» e «de uma garantia [...] de mobilização de crédito, associada à encomenda». Só a garantia de mobilização de crédito associada à encomenda parece, todavia, ter sido considerada auxílio estatal. Todavia, a Comissão conclui, no mesmo considerando, que, «[u]ma vez que as garantias [no plural] foram concedidas mediante fundos públicos, [se trata] de auxílios estatais».

83.
    Essa ambiguidade é reforçada pela circunstância de, no considerando 36 da decisão impugnada, a Comissão reconhecer que foi ilegalmente que a Itália concedeu garantias para a «construção das embarcações [...] da Corsica Ferries».

84.
    Segue-se que a decisão impugnada não permite identificar claramente qual é o auxílio «sob a forma de garantias para as encomendas da Corsica Ferries» a que se refere o artigo 1.° da decisão impugnada. Ademais, a Comissão não explicou por que é que a garantia de mobilização de crédito associada à encomenda das duas embarcações «Corsica Ferries I e II» já entregues podia ser qualificada, no considerando 36 da decisão impugnada, de garantia para a construção das referidas embarcações.

85.
    De qualquer forma, a fundamentação da decisão impugnada não permite compreender as razões pelas quais a Comissão considerou que essas garantias são auxílios estatais. Com efeito, nem as alegações relativas à situação financeira da INMA no encerramento do exercício de 1996 nem as relativas aos créditos garantidos permitem concluir que, na altura da concessão das referidas garantias, a situação financeira da INMA estava comprometida e que a Itainvest não se comportou como um investidor privado.

86.
    Segue-se que a fundamentação da qualificação das garantias para as encomendas da Corsica Ferries como auxílios estatais não existe.

87.
    Na audiência, a Comissão alegou que a fundamentação da qualificação das garantias em litígio como auxílios estatais estava igualmente contida no considerando 30 da decisão impugnada, nos termos do qual todas as verificações sobre o número e o período das obrigações relativamente às quais a Itainvest foi garante mostram que esta, enquanto empresa-mãe, se encontrava estreitamente ligada à gestão quotidiana e de risco da INMA e que, por conseguinte, a Itainvest não se comportou como um investidor privado.

88.
    Todavia, deve de novo reconhecer-se que, em apoio dessa afirmação, a Comissão não forneceu qualquer explicação e que esta não se encontra nos fundamentos precedentes da decisão impugnada. Com efeito, a Comissão baseia-se em presunções, não indicando os factos concretos em que se funda para considerar que a situação financeira da INMA estava comprometida no momento da concessãodas garantias em causa e que a Itainvest não se comportou como um investidor privado.

89.
    Segue-se que a Comissão, no que respeita à qualificação das garantias em causa como auxílios estatais, não expôs os factos e considerações jurídicas que revestem uma importância essencial na economia da decisão.

90.
    Esta conclusão não podia ser infirmada pelo argumento da Comissão de que, em substância, não dispunha das informações relativas às condições de concessão do conjunto das garantias em litígio porque as referidas informações não lhe foram transmitidas aquando do procedimento administrativo.

91.
    A esse propósito, a Comissão não pode invocar o carácter fragmentário das informações que lhe foram transmitidas sobre esse ponto durante o procedimento administrativo para justificar a falta de fundamentação da decisão impugnada, na medida em que não exerceu todos os poderes de que dispunha para obrigar as autoridades italianas a fornecer-lhe as informações pertinentes relativas às condições financeiras de concessão dessas garantias (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 13 de Abril de 1994, Alemanha e Pleuger Worthington/Comissão, C-324/90 e C-342/90, Colect., p. I-1173, n.° 29). Com efeito, tal como foi anteriormente reconhecido, a Comissão, no seu ofício de 19 de Janeiro de 1999, não pediu que lhe fossem fornecidas informações sobre as garantias em litígio (v. n.° 60, supra). Interrogada sobre esse ponto na audiência, afirmou, aliás, que não lhe parecera necessário pedir as referidas informações no decurso do procedimento administrativo (v. n.° 61, supra).

92.
    Finalmente, importa reconhecer que, na verdade, a Comissão alegou nos seus articulados um certo número de elementos relativos à natureza social das missões que incumbem à Itainvest, à situação financeira da INMA e à situação do sector da construção naval, destinados a demonstrar que as garantias em causa deviam ser qualificadas de auxílios estatais. Todavia, essa fundamentação não figura na decisão impugnada e não é susceptível de suprir a falta de fundamentação anteriormente reconhecida.

93.
    Tendo em conta tudo o que precede, há que concluir que a fundamentação da decisão impugnada não satisfaz as exigências do artigo 253.° CE no que respeita à qualificação das garantias em causa como auxílios estatais.

- Quanto à fundamentação da qualificação das operações de cobertura de prejuízos como auxílios estatais

94.
    A Comissão declarou na decisão impugnada que, desde o mês de Maio de 1997, a INMA se encontrava em situação de insolvência (v. considerando 30 da decisão impugnada), que um investidor privado não teria procedido às operações de cobertura de prejuízos a que a Itainvest procedeu em 1997 e em 1998 (v.considerando 32 da decisão impugnada) e que não se demonstrou, tendo em conta a situação do sector da construção naval, que o preço que poderia ter obtido a Itainvest ao revender a INMA cobria o montante de 120 mil milhões de ITL «investido» sob a forma cobertura de prejuízos (v. considerando 33 da decisão impugnada).

95.
    Todavia, nas suas observações de 2 de Março de 1999, as autoridades italianas alegaram, em resposta ao ofício de 19 de Janeiro de 1999, que as operações de cobertura, pela Itainvest, dos prejuízos registados pela INMA em 1996 e 1997 correspondiam plenamente às práticas normais em economia de mercado.

96.
    A esse propósito, as autoridades italianas alegaram, como foi anteriormente reconhecido, que «a Itainvest considerou, com toda a razão, que a injecção de recursos financeiros limitados suplementares constituía, nesse momento, uma solução objectivamente preferível de um ponto de vista económico e financeiro, uma vez que era susceptível de: a) evitar uma situação de cessação de pagamentos do estaleiro que teria arrastado a [efectivação] imediata das garantias emitidas no valor de 223 mil milhões de ITL bem como de outros custos que é possível estimar em cerca de 100 mil milhões de ITL; e b) proceder à venda do estaleiro nas melhores condições» (v. n.° 63, supra).

97.
    Há que salientar que a argumentação que as autoridades italianas desenvolveram nas suas observações de 2 de Março de 1999 foi resumida pela Comissão nos considerandos 10 a 18 da decisão impugnada.

98.
    A exigência de fundamentação, segundo a jurisprudência citada no n.° 55, supra, não impõe que a Comissão discuta todos os pontos de direito e de facto que foram suscitados pelos interessados. A instituição é, todavia, obrigada a responder de forma fundamentada a cada um dos fundamentos essenciais formulados.

99.
    As considerações factuais já referidas não constituem de forma alguma um argumento despropositado, desprovido de significado ou claramente secundário das autoridades italianas, mas antes um argumento essencial, tendente a demonstrar que as operações de cobertura, pela Itainvest, dos prejuízos registados pela INMA no decurso dos exercícios de 1996 e 1997 não são auxílios estatais na acepção do artigo 87.°, n.° 1, CE.

100.
    Nesse contexto, a Comissão era obrigada a apresentar, de forma clara e inequívoca, às autoridades italianas as razões pelas quais o seu argumento, nos termos do qual consideram que a Itainvest se comportou como um investidor privado em economia de mercado preferindo cobrir os prejuízos da INMA a fim de minimizar os custos susceptíveis de lhe incumbir na qualidade de garante e de único accionista, não era procedente.

101.
    Efectivamente, a Comissão enuncia no considerando 26 da decisão impugnada que «[s]e as autoridades italianas tencionam justificar a intervenção da Itainvest sob aforma de cobertura de prejuízos, na medida em que menos onerosa relativamente às exigências decorrentes das obrigações sob a forma de garantia, salienta-se que tais obrigações constituem desde o início um auxílio não notificado na acepção do [artigo 87.°, n.° 1, CE] e são abrangidas pela noção de auxílios prevista nos n.os 1 e 2 do artigo 2.° do Regulamento [...] n.° 1540/98».

102.
    A este propósito, deve salientar-se que a resposta da Comissão ao argumento das autoridades italianas se baseia no reconhecimento de que as garantias concedidas pela Itainvest a favor da INMA têm a natureza de auxílios estatais. Ora, tal como foi anteriormente reconhecido, a fundamentação da decisão impugnada no que se refere à qualificação das garantias em causa como auxílios estatais não satisfaz as exigências do artigo 253.° CE. Nestas condições, o Tribunal não está em condições de exercer o seu controlo de legalidade sobre a explicação fornecida pela Comissão no considerando 26 da decisão impugnada.

103.
    A Comissão expõe igualmente, no considerando 34 da decisão impugnada, que «duvida [...] que, preferindo cobrir os prejuízos, a Itainvest tenha optado pelo custo menor, já que um simples pedido de falência implicaria, em princípio, o não cumprimento das obrigações contratuais, em especial as relativas à encomenda da Tirrenia e, por conseguinte, reduzir o custo das obrigações assumidas relativamente aos armadores, dado que um dos efeitos do procedimento é colocar, em primeiro lugar, os credores em pé de igualdade e a seguir privilegiar os que realmente adiantaram fundos, e não aqueles que teriam direito a uma indemnização por não cumprimento de uma cláusula contratual». Acrescenta que, «[s]e assim não fosse, tal reforçaria ainda mais a [sua] convicção [...] de que os compromissos assumidos pela Itainvest eram muito superiores aos de um investidor privado actuando em condições normais de mercado».

104.
    Todavia, não se tem a percepção, a partir desse considerando, de que a Comissão se pronunciou sobre as consequências da falência da INMA no que respeita às garantias concedidas a seu favor pela Itainvest e, em particular, sobre a questão de saber se, nessa hipótese, essas garantias podiam ser efectivadas.

105.
    A explicação da Comissão, no que diz respeito à natureza dos obrigações contratuais que visa nesse considerando, é a tal ponto imprecisa e equívoca que não permite ao Tribunal exercer o seu controlo sobre a questão de saber se, tendo em conta a circunstância de a Itainvest ter concedido garantias a favor da INMA, era preferível, como as autoridades italianas alegam, cobrir os prejuízos registados durante os exercícios de 1996 e 1997.

106.
    Resulta do que precede que a fundamentação da qualificação das operações de cobertura de prejuízos como auxílios estatais não permite conhecer as razões da rejeição da argumentação essencial das autoridades italianas e ao juiz comunitário exercer o seu controlo.

107.
    Segue-se que a fundamentação da decisão impugnada no que respeita à qualificação das operações de cobertura de prejuízos como auxílios estatais não é conforme às exigências do artigo 253.° CE.

108.
    Tendo em conta o conjunto das considerações que precede, há que reconhecer que a decisão impugnada não satisfaz o dever de fundamentação estabelecido pelo artigo 253.° CE no que respeita à qualificação das medidas em litígio, efectivamente visadas no artigo 1.° da referida decisão, como auxílios estatais.

109.
    Por conseguinte, e sem que haja que examinar o outro fundamento invocado, deve anular-se a decisão impugnada por violação de formalidades essenciais.

Quanto às despesas

110.
    Nos termos do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas, se assim tiver sido requerido. Tendo a recorrida sido vencida e tendo as recorrentes requerido a sua condenação, há que condená-la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção Alargada)

decide:

1)    A Decisão 2000/262/CE da Comissão, de 20 de Julho de 1999, relativa ao regime de auxílio estatal concedido pela Itália a favor do estaleiro naval INMA, é anulada.

2)    A Comissão suportará as suas próprias despesas bem como as das recorrentes.

Lindh
García-Valdecasas
Cooke

Vilaras

Forwood

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 26 de Fevereiro de 2002.

O secretário

O presidente

H. Jung

P. Lindh


1: Língua do processo: italiano.