Language of document : ECLI:EU:C:2024:235

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção)

14 de março de 2024 (*)

«Incumprimento de Estado — Artigo 258.o TFUE — Diretiva (UE) 2018/1972 — Código Europeu das Comunicações Eletrónicas — Falta de transposição e de comunicação das medidas de transposição — Artigo 260.o, n.o 3, TFUE — Pedido de condenação no pagamento de uma quantia fixa e de uma sanção pecuniária compulsória — Critérios para determinar o montante da sanção»

No processo C‑454/22,

que tem por objeto uma ação por incumprimento nos termos do artigo 258.o TFUE e do artigo 260.o, n.o 3, TFUE, que deu entrada em 7 de julho de 2022,

Comissão Europeia, representada por U. Małecka, L. Malferrari, E. Manhaeve e A. Sauka, na qualidade de agentes,

demandante,

contra

República da Letónia, representada por J. Davidoviča e K. Pommere, na qualidade de agentes,

demandada,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Nona Secção),

composto por: J.‑C. Bonichot, exercendo funções de presidente de secção, S. Rodin e L. S. Rossi (relatora), juízes,

advogado‑geral: T. Ćapeta,

secretário: A. Calot Escobar,

vistos os autos,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com a sua petição, a Comissão Europeia pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        declarar que, ao não ter adotado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento ao artigo 124.o, n.o 1, da Diretiva (UE) 2018/1972 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (JO 2018, L 321, p. 36), ou, em qualquer caso, ao não as ter comunicado à Comissão, a República da Letónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força desta diretiva;

–        condenar a República da Letónia no pagamento de uma quantia fixa de 1 145,34 euros por dia, com uma quantia fixa mínima de 316 000 euros;

–        se o incumprimento descrito no primeiro travessão persistir até à data de prolação do acórdão no presente processo, condenar a República da Letónia a pagar à Comissão uma sanção pecuniária compulsória de 1 145,34 euros por cada dia de atraso a contar dessa data até à data em que este Estado‑Membro tiver cumprido as obrigações que lhe incumbem por força da Diretiva 2018/1972, e

–        condenar a República da Letónia no pagamento das despesas.

 Quadro jurídico

2        Os considerandos 2 e 3 da Diretiva 2018/1972 enunciam:

«(2)      A aplicação das cinco diretivas que formam parte do atual quadro regulamentar das redes e serviços de comunicações eletrónicos […] está sujeit[a] a revisão periódica pela Comissão, com vista, em especial, a determinar a eventual necessidade de alteração à luz da evolução tecnológica e do mercado.

(3)      Na sua comunicação de 6 de maio de 2015 que estabelece uma Estratégia para o Mercado Único Digital para a Europa, a Comissão sustentou que a revisão do quadro regulamentar das telecomunicações incidiria sobre as medidas que visam promover o investimento nas redes de banda larga de elevado débito, que adotam uma abordagem mais coerente à escala do mercado interno no respeitante à política e à gestão do espetro de radiofrequências, que criam condições para a realização de um verdadeiro mercado interno, abordando a questão da fragmentação regulamentar, que garantem uma defesa dos consumidores eficaz, condições de concorrência equitativas para todos os intervenientes no mercado e a aplicação coerente das regras, além de estabelecer um quadro regulamentar institucional mais eficaz.»

3        O artigo 1.o desta diretiva, com a epígrafe «Objeto, âmbito de aplicação e finalidades», prevê:

«1.      A presente diretiva estabelece um quadro harmonizado para a regulação das redes de comunicações eletrónicas, dos serviços de comunicações eletrónicas, dos recursos conexos e dos serviços conexos e de certos aspetos dos equipamentos terminais. A presente diretiva prevê as atribuições das autoridades reguladoras nacionais e, se for caso disso, de outras autoridades competentes e fixa um conjunto de procedimentos para assegurar a aplicação harmonizada do quadro regulamentar em toda a União [Europeia].

2.      A presente diretiva destina‑se a:

a)      Instaurar um mercado interno dos serviços e redes de comunicações eletrónicas que conduza a uma implantação e aceitação das redes de capacidade muito elevada, a uma concorrência sustentável e à interoperabilidade dos serviços de comunicações eletrónicas, bem como à acessibilidade e segurança das redes e serviços, de que resultem benefícios para os utilizadores finais; e

b)      Assegurar a oferta em toda a União de serviços de boa qualidade acessíveis ao público, através de uma concorrência e de uma possibilidade de escolha efetivas, e atender às situações em que as necessidades dos utilizadores finais, incluindo aqueles cuja deficiência os impede de aceder aos serviços em pé de igualdade com os demais, não sejam convenientemente satisfeitas pelo mercado, bem como estabelecer os direitos necessários dos utilizadores finais.

[…]»

4        O artigo 124.o da referida diretiva, com a epígrafe «Transposição», dispõe, no seu n.o 1:

«Os Estados‑Membros adotam e publicam, até 21 de dezembro de 2020, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à presente diretiva. Os Estados‑Membros comunicam imediatamente à Comissão o texto dessas disposições.

Os Estados‑Membros aplicam essas disposições a partir de 21 de dezembro de 2020.

As disposições adotadas pelos Estados‑Membros devem fazer referência à presente diretiva ou ser acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial. Tais disposições devem igualmente mencionar que as remissões, nas disposições legislativas, regulamentares e administrativas em vigor, para as diretivas revogadas pela presente diretiva se entendem como remissões para [a] presente diretiva. Os Estados‑Membros estabelecem o modo como deve ser feita a remissão e formulada a menção.»

 Procedimento précontencioso e tramitação processual no Tribunal de Justiça

5        Em 29 de setembro de 2020, a República da Letónia comunicou à Comissão as disposições de execução provisórias com vista à transposição parcial da Diretiva 2018/1972. Além disso, por ofício de 11 de novembro de 2020, do qual a Comissão acusou a receção em 13 de novembro de 2020, este Estado‑Membro indicou que tinha sido adotado na reunião dos secretários de Estado de 10 de setembro de 2020 um projeto de lei sobre as comunicações eletrónicas (a seguir «projeto de lei de transposição»), com o objetivo de transpor esta diretiva para o direito letão.

6        Considerando que estas disposições não transpunham a Diretiva 2018/1972, uma vez que se referiam ao quadro jurídico anterior, e que, por conseguinte, a República da Letónia não tinha adotado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento a esta diretiva, em conformidade com o artigo 124.o da mesma, a Comissão enviou a este Estado‑Membro, em 3 de fevereiro de 2021, uma Notificação para Cumprir e deu‑lhe a oportunidade de apresentar observações.

7        Em 26 de março de 2021, as autoridades letãs responderam a este ofício explicando o ponto de situação do procedimento de transposição da Diretiva 2018/1972 para o direito letão. Esclareceram, nomeadamente, que esta transposição devia estar concluída, o mais tardar, em 30 de novembro de 2021.

8        Visto que não foram apresentadas informações adicionais quanto à transposição completa da Diretiva 2018/1972, a Comissão enviou um parecer fundamentado à República da Letónia em 23 de setembro de 2021, solicitando a esta última que lhe desse cumprimento, o mais tardar, em 23 de novembro de 2021.

9        Em 5 de novembro de 2021, a República da Letónia notificou novas medidas de transposição, que, no entanto, a Comissão considerou que também diziam respeito ao quadro jurídico anterior.

10      Em 17 de novembro de 2021, as autoridades letãs responderam ao parecer fundamentado, declarando que a transposição da Diretiva 2018/1972 tinha sofrido um novo atraso devido à pandemia da COVID‑19. Estas autoridades especificaram, em especial, que as novas datas previstas para a adoção do projeto de lei de transposição e de outros despachos ministeriais necessários para a conclusão da transposição desta diretiva eram, respetivamente, 1 de abril e 1 de junho de 2022.

11      Tendo em conta que a República da Letónia não tinha adotado as disposições necessárias para dar cumprimento a esta diretiva, a Comissão decidiu propor a presente ação no Tribunal de Justiça.

12      Em 8 de abril de 2022, as autoridades letãs notificaram à Comissão novas medidas de transposição da referida diretiva. Em 12 de abril de 2022, responderam a um pedido de esclarecimentos desta última a respeito dessas medidas. Em especial, informaram‑na de que os regulamentos de execução deviam entrar em vigor na data de adoção do projeto de lei de transposição, cuja última leitura parlamentar estava prevista para 14 de abril de 2022.

13      Em 12, 28 e 29 de abril de 2022, estas autoridades notificaram novas medidas de transposição da Diretiva 2018/1972 e forneceram informações complementares sobre o ponto de situação desta transposição. Em especial, salientaram que o calendário legislativo tinha sido alterado devido ao facto de o Latvijas Republikas Saeima (Parlamento da República da Letónia) ter de resolver simultaneamente questões urgentes relacionadas com a pandemia da COVID‑19, o aumento significativo dos custos da energia e a invasão da Ucrânia pela Federação da Rússia. Neste contexto, acrescentaram que a adoção do projeto de lei de transposição estava prevista para 1 de junho de 2022 e que estes regulamentos de execução estavam a ser redigidos.

14      Em 2 de junho de 2022, a lei de transposição da Diretiva 2018/1972 (a seguir «lei de transposição») foi adotada, mas não foi promulgada pelo Presidente da República da Letónia e foi remetida ao legislador para reapreciação, em aplicação da Constituição letã.

15      Em 7 de julho de 2022, a Comissão propôs a presente ação.

16      A República da Letónia pede que o Tribunal de Justiça se digne:

–        a título principal, declarar que o atraso na transposição da Diretiva 2018/1972 é insignificante em relação ao danos que podiam ter sido causados à sociedade se o Governo não tivesse tratado prioritariamente as questões urgentes referidas no n.o 13 do presente acórdão, admitir que este atraso é justificado por circunstâncias de força maior, abster‑se de lhe aplicar uma sanção e condenar a Comissão no pagamento das despesas, e

–        a título subsidiário, se o Tribunal de Justiça decidir aplicar‑lhe uma sanção, aplicar o montante mais baixo possível, tendo em conta estas circunstâncias e as previsões relativas ao produto interno bruto (PIB), bem como o facto de as disposições da Diretiva 2018/1972 terem sido, em substância, transpostas para o ordenamento jurídico letão antes da sua transposição completa, reduzir o montante da quantia fixa e/ou da sanção pecuniária compulsória proporcionalmente às disposições em vigor que já estavam em conformidade com esta diretiva antes do início da sua transposição, isto é, até 25 % do montante pedido pela Comissão.

17      Na sua contestação de 15 de setembro de 2022, a República da Letónia comunicou, nomeadamente, a entrada em vigor, em 29 de julho de 2022, da lei de transposição, a adoção de medidas de execução governamentais e administrativas entre 4 e 23 de agosto de 2022, bem como uma lista de medidas de execução em fase de adoção. Na sua réplica de 26 de outubro de 2022, a Comissão confirmou que tinha sido notificada destas medidas.

18      Na sua tréplica de 7 de dezembro de 2022, a República da Letónia afirmou ter comunicado, em 17 de novembro de 2022, as medidas que transpuseram integralmente a Diretiva 2018/1972.

19      Em 7 de dezembro de 2022, a fase escrita do presente processo foi encerrada.

20      No seu requerimento de 30 de junho de 2023, a Comissão informou o Tribunal de Justiça de que a República da Letónia lhe tinha comunicado várias medidas e que considerava ter concluído a transposição da Diretiva 2018/1972 (a seguir «requerimento de 30 de junho de 2023»). No entanto, a Comissão considera que estas medidas ainda não asseguram uma transposição integral desta diretiva.

21      Tendo em conta os progressos alcançados pela República da Letónia na transposição da referida diretiva, a Comissão, através deste requerimento, também adaptou os seus pedidos quanto à aplicação de sanções pecuniárias a este Estado‑Membro.

22      No que respeita à quantia fixa, tendo em conta as datas em que a República da Letónia tinha comunicado as medidas destinadas à transposição da Diretiva 2018/1972, isto é, 29 de julho e 17 de novembro de 2022, a Comissão reduziu o coeficiente de gravidade e pede ao Tribunal de Justiça que seja aplicada, primeiro, para o período que começa no dia seguinte ao termo do prazo de transposição desta diretiva, isto é, 22 de dezembro de 2020, e vai até 28 de julho de 2022, uma quantia fixa de 349 650 euros, segundo, para o período que começa em 29 de julho de 2022 e vai até 16 de novembro de 2022, uma quantia fixa de 39 480 euros e, terceiro, no que respeita ao período que começa em 17 de novembro de 2022 e vai até à data de regularização da infração ou, na falta de regularização, até à data de prolação do acórdão no presente processo, uma quantia fixa com base no montante de 210 euros por dia.

23      Relativamente à sanção pecuniária compulsória, a Comissão propõe agora que o Tribunal de Justiça aplique uma sanção pecuniária compulsória diária de 945 euros até à data em que a República da Letónia cumpra plenamente as obrigações previstas no artigo 124.o, n.o 1, da diretiva.

24      Em 14 de agosto de 2023, a República da Letónia apresentou as suas observações sobre o requerimento de 30 de junho de 2023. Nestas observações, sustenta que, contrariamente à posição da Comissão, as medidas notificadas em 17 de novembro de 2022 concluíram a transposição completa da Diretiva 2018/1972 para o direito letão. Por conseguinte, alega que não lhe deve ser aplicada nenhuma quantia fixa a partir desta última data.

25      Em 31 de dezembro de 2023, o Tribunal de Justiça informou as partes da data de prolação do presente acórdão.

26      Em 1 de fevereiro de 2024, a Comissão, por um lado, informou o Tribunal de Justiça de que, em 15 de agosto de 2023, a República da Letónia lhe tinha notificado várias medidas adicionais e, por outro, contrariamente à posição deste Estado‑Membro, alegou que este ainda não tinha transposto corretamente o artigo 112.o, n.o 1, da Diretiva 2018/1972 para o direito letão. Além disso, a Comissão explicou que, tendo em conta a fase muito avançada do procedimento, não podia reavaliar os seus pedidos no que diz respeito ao montante das sanções pedidas, uma vez que esta reavaliação não só teria de ser efetuada tecnicamente pelos serviços da Comissão, como também teria de dar origem a uma decisão do Colégio de Comissários, o que a Comissão não podia fazer sem atrasar a prolação do acórdão do Tribunal de Justiça. Por conseguinte, a Comissão permitiu que o Tribunal de Justiça adaptasse o nível das sanções pecuniárias em função da avaliação dessas medidas adicionais pela República da Letónia.

 Quanto à ação

 Quanto ao incumprimento ao abrigo do artigo 258.o TFUE

 Argumentos das partes

27      Na sua petição, a Comissão recorda que, em conformidade com o artigo 288.o, terceiro parágrafo, TFUE, os Estados‑Membros são obrigados a adotar as disposições necessárias para assegurar a transposição das diretivas para os respetivos ordenamentos jurídicos nacionais, dentro dos prazos nelas fixados, e a comunicar de imediato essas disposições à Comissão.

28      A Comissão esclarece que a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado.

29      Ora, no caso em apreço, no termo daquele prazo, ou mesmo na data da propositura da presente ação, a República da Letónia ainda não tinha adotado as disposições necessárias para transpor a Diretiva 2018/1972 para o seu direito nacional e, em todo o caso, não as tinha comunicado à Comissão.

30      No entender da Comissão, a República da Letónia não contesta verdadeiramente o incumprimento de que é acusada, limitando‑se a apresentar circunstâncias de ordem prática e interna para o justificar. Contudo, estas circunstâncias não são suscetíveis de justificar a não transposição de uma diretiva no prazo nela previsto.

31      A República da Letónia não contesta verdadeiramente o incumprimento. Em contrapartida, antes de mais, sublinha que o seu comportamento foi leal ao longo de todo o procedimento. Em seguida, justifica o atraso na transposição da Diretiva 2018/1972 com base na complexidade desta última, cujo prazo de transposição era demasiado curto, e no processo de adoção da lei de transposição. Além disso, invoca a força maior, relacionada, por um lado, com a pandemia da COVID‑19 e as suas consequências para a organização do trabalho e, por outro, com a invasão da Ucrânia pela Federação da Rússia. A este respeito, sublinha que, sendo a Letónia um dos países fronteiriços da Rússia e da Bielorrússia, esta invasão, incluindo a partir do território deste último país, constituiu uma maior ameaça para a segurança e a defesa nacionais do que para muitos outros Estados‑Membros, pelo que a reavaliação das prioridades teve um impacto significativo no trabalho do Governo Letão. O estado de emergência declarado em 2021 e 2022 relativamente aos refugiados em situação irregular provenientes da Bielorrússia teve um impacto direto na agenda das instituições competentes e nas questões a que deve ser dada prioridade. Por último, considera que o direito letão em vigor já assegurava uma regulamentação adequada e completa do setor das comunicações eletrónicas, bem como uma proteção dos interesses e dos direitos dos utilizadores finais.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

32      Segundo jurisprudência constante, a existência de um incumprimento deve ser apreciada em função da situação do Estado‑Membro em causa tal como se apresentava no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, não podendo as alterações posteriores ser tomadas em consideração pelo Tribunal de Justiça [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 15 e jurisprudência referida].

33      Por outro lado, o Tribunal de Justiça tem reiteradamente declarado que, se uma diretiva previr expressamente a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem que as disposições necessárias à sua transposição incluam uma remissão para essa diretiva ou sejam acompanhadas dessa remissão aquando da sua publicação oficial é, de qualquer modo, necessário que os Estados‑Membros adotem um ato positivo de transposição da diretiva em causa [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 16 e jurisprudência referida].

34      No caso em apreço, o prazo de resposta ao parecer fundamentado terminou em 23 de novembro de 2021. Por conseguinte, há que apreciar a existência ou não do incumprimento alegado à luz do estado da legislação interna em vigor nessa data [v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 17 e jurisprudência referida].

35      A este respeito, é facto assente que, na referida data, a República da Letónia não tinha adotado as medidas necessárias para assegurar a transposição completa da Diretiva 2018/1972 nem, por conseguinte, comunicado estas medidas à Comissão.

36      Para justificar o alegado incumprimento, a República da Letónia invoca vários argumentos relativos, primeiro, ao seu comportamento leal ao longo de todo o procedimento, segundo, à complexidade da Diretiva 2018/1972, cujo prazo de transposição era demasiado curto, e ao processo de adoção da lei de transposição, terceiro, à força maior, relacionada, por um lado, com as consequências da pandemia da COVID‑19 e, por outro, com a invasão da Ucrânia pela Federação da Rússia e, quarto, ao facto de o direito letão já assegurar uma regulamentação adequada e completa do setor das comunicações eletrónicas.

37      Ora, estes argumentos não podem justificar o incumprimento imputado pela Comissão.

38      Com efeito, primeiro, o comportamento leal dos Estados‑Membros para com as instituições da União, que inclui também a transposição correta e completa das diretivas, nos prazos nelas previstos, constitui uma obrigação que resulta diretamente do artigo 4.o, n.o 3, TUE e, por conseguinte, não pode ser relevante para justificar um incumprimento de outra disposição de direito da União.

39      Segundo, por um lado, o alegado caráter complexo das disposições da Diretiva 2018/1972 não é suscetível de afastar o incumprimento em questão. Com efeito, como a Comissão alega corretamente, quando o legislador da União fixou o prazo de transposição desta diretiva, conhecia o grau de complexidade da mesma e, de qualquer modo, competia exclusivamente a este legislador prorrogar esse prazo e não aos Estados‑Membros derrogá‑lo, nem à Comissão tolerar tais derrogações. Ora, a República da Letónia não alega ter adotado as iniciativas necessárias para tentar obter essa prorrogação.

40      Por outro lado, o mesmo acontece com o alegado caráter complexo do processo de adoção da lei de transposição. Com efeito, segundo jurisprudência constante, práticas ou situações da ordem interna de um Estado‑Membro não podem justificar a inobservância das obrigações e dos prazos resultantes das diretivas da União, nem, portanto, a sua transposição tardia ou incompleta [Acórdão de 13 de janeiro de 2021, Comissão/Eslovénia (MiFID II), C‑628/18, EU:C:2021:1, n.o 79 e jurisprudência referida].

41      Terceiro, no que toca aos efeitos, por um lado, da pandemia da COVID‑19, que eclodiu no início de 2020, e, por outro, da guerra de agressão conduzida pela Federação da Rússia contra a Ucrânia a partir de fevereiro de 2022, não está provado, nem sequer é alegado, que estes expliquem todo o atraso na transposição da Diretiva 2018/1972 pela República da Letónia.

42      Quarto, tendo em conta a jurisprudência referida no n.o 33 do presente acórdão, o facto de o direito de um Estado‑Membro em vigor antes da entrada em vigor da Diretiva 2018/1972 já estar em conformidade com esta diretiva não é suficiente para excluir a obrigação de esse Estado‑Membro transpor a referida diretiva para o seu ordenamento jurídico e, por conseguinte, para justificar esse incumprimento.

43      Por conseguinte, há que concluir que, ao não ter adotado, no termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado, as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva 2018/1972 e, consequentemente, ao não ter comunicado estas disposições à Comissão, a República da Letónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 124.o, n.o 1, desta diretiva.

 Quanto aos pedidos apresentados ao abrigo do artigo 260.o, n.o 3, TFUE

 Argumentos das partes

44      Na sua petição, a Comissão sublinha, por um lado, que a Diretiva 2018/1972 foi adotada de acordo com o processo legislativo ordinário e que, por conseguinte, é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 260.o, n.o 3, TFUE e, por outro, que o incumprimento pela República da Letónia da obrigação prevista no artigo 124.o desta diretiva, ao não lhe ter comunicado as disposições de transposição desta última, constitui manifestamente uma falta de comunicação das medidas de transposição da referida diretiva, na aceção do artigo 260.o, n.o 3, TFUE.

45      A Comissão recorda que, no ponto 23 da sua Comunicação 2011/C 12/01, intitulada «Aplicação do artigo 260.o, n.o 3, do TFUE» (JO 2011, C 12, p. 1) (a seguir «Comunicação de 2011»), esclareceu que as sanções que proporá nos termos do artigo 260.o, n.o 3, TFUE serão calculadas de acordo com o mesmo método utilizado para as ações intentadas no Tribunal de Justiça em conformidade com o artigo 260.o, n.o 2, TFUE, conforme o estabelecido nos pontos 14 a 18 da Comunicação SEC(2005) 1658, intitulada «Aplicação do artigo [260.o TFUE]» (a seguir «Comunicação de 2005»).

46      Por conseguinte, a determinação da sanção deve basear‑se, em primeiro lugar, na gravidade da infração, em segundo lugar, na sua duração e, em terceiro lugar, na necessidade de assegurar o efeito dissuasivo da própria sanção, para evitar reincidências.

47      Em primeiro lugar, quanto à gravidade da infração, em conformidade com o ponto 16 da Comunicação de 2005 e a Comunicação de 2011, a Comissão fixa o coeficiente de gravidade tendo em conta dois parâmetros, a saber, por um lado, a importância das regras da União objeto da infração e, por outro, as suas consequências para os interesses gerais e individuais em causa.

48      Assim, por um lado, a Comissão salienta que a Diretiva 2018/1972 é o principal ato legislativo no domínio das comunicações eletrónicas. Antes de mais, o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas (a seguir «CECE») moderniza o quadro regulamentar da União para as comunicações eletrónicas, reforçando as escolhas e os direitos dos consumidores, garantindo padrões mais elevados de serviços de comunicação, promovendo o investimento em redes de capacidade muito elevada e o acesso sem fios à conectividade de capacidade muito elevada em toda a União. Em seguida, o CECE estabelece regras para a organização do setor das comunicações eletrónicas, incluindo a estrutura institucional e governação deste último. As suas disposições reforçam o papel das autoridades reguladoras nacionais, estabelecendo um conjunto mínimo de competências para tais autoridades em toda a União, e reforçando a sua independência através do estabelecimento de critérios para nomeações e obrigações de comunicação de informações. Além disso, o CECE assegura ainda uma gestão eficaz e eficiente do espetro radioelétrico (a seguir «espetro»). Estas disposições reforçam a coerência das práticas dos Estados‑Membros no que diz respeito a aspetos essenciais da autorização de espetro. As referidas disposições promovem a concorrência entre infraestruturas e a implantação de redes de capacidade muito elevada em toda a União. Por último, o CECE regulamenta diferentes aspetos da oferta de serviços de comunicações eletrónicas, incluindo as obrigações de serviço universal, os recursos de numeração e os direitos dos utilizadores finais. O reforço destas regras visa aumentar a segurança e a proteção dos consumidores, em especial no que diz respeito ao acesso a estes serviços a preços acessíveis.

49      Por outro lado, a não transposição da Diretiva 2018/1972 para o direito letão, primeiro, prejudica a prática regulamentar em toda a União no que diz respeito à governação do sistema de comunicações eletrónicas, à autorização do espetro e às regras de acesso ao mercado. Como consequência, as empresas não beneficiam de processos mais consistentes e previsíveis para a concessão ou renovação dos direitos de utilização do espetro existentes, nem da previsibilidade regulamentar que resulta da duração mínima de 20 anos das licenças de utilização do espetro. Estas deficiências influenciam diretamente a disponibilidade e a adoção de redes de capacidade muito elevada na União. Segundo, os consumidores não podem usufruir de uma série de benefícios tangíveis que lhes são conferidos por esta diretiva, como soluções relativas ao acesso à oferta de serviços de comunicações a preços acessíveis, a exigência de lhes fornecer informações claras sobre os contratos, a obrigação de clareza das tarifas, a facilitação da mudança de fornecedor de redes para promover preços de retalho mais acessíveis e a obrigação de os operadores oferecerem um acesso equivalente aos serviços de comunicação para os utilizadores finais com deficiência.

50      Uma vez que a República da Letónia comunicou à Comissão os atos de direito derivado, que, segundo as autoridades letãs, são necessários para a transposição da Diretiva 2018/1972, a Comissão considera que esta comunicação constitui uma circunstância atenuante.

51      Por conseguinte, o coeficiente de gravidade adequado e proporcionado no caso em apreço é de 9. Segundo a Comissão, este coeficiente deve ser progressivamente reduzido para 4, para o período compreendido entre 29 de julho e 16 de novembro de 2022, e para 3, para o período posterior a 17 de novembro de 2022, tendo em conta as medidas comunicadas pela República da Letónia, referidas no n.o 20 do presente acórdão.

52      Em segundo lugar, no que respeita à duração do incumprimento, a Comissão sustenta que esta corresponde ao período que começa no dia seguinte ao termo do prazo de transposição da Diretiva 2018/1972, isto é, 22 de dezembro de 2020, e vai até à data em que o incumprimento em causa cessou. Tendo a República da Letónia comunicado parcialmente as medidas de transposição desta diretiva, a duração deste incumprimento é de 555 dias para o período do referido incumprimento compreendido entre 22 de dezembro de 2020 e 28 de julho de 2022, de 141 dias para o período deste incumprimento compreendido entre 29 de julho e 16 de novembro de 2022 e mantém‑se relativamente ao período do mesmo incumprimento no que se refere às medidas de que a Comissão considera que ainda deve ser notificada.

53      Em terceiro lugar, quanto à capacidade de pagamento da República da Letónia, a Comissão aplicou o fator «n» previsto na sua Comunicação 2019/C 70/01, intitulada «Alteração do método de cálculo relativo aos pagamen[t]os de uma quantia fixa e de uma sanção pecuniária propostos pela Comissão em processos por infração submetidos ao Tribunal de Justiça da União Europeia» (JO 2019, C 70, p. 1). Este fator tem em conta dois elementos, a saber, o PIB e o peso institucional do Estado‑Membro em causa, expresso pelo número de lugares atribuídos a este Estado‑Membro no Parlamento Europeu.

54      Ainda que o Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Grécia (Recuperação de auxílios de Estado — Ferroníquel) (C‑51/20, EU:C:2022:36), já tenha posto em causa a relevância tanto deste segundo elemento como do coeficiente de ajustamento de 4,5 previstos naquela comunicação, a Comissão decidiu, contudo, aplicar no caso em apreço os critérios nela previstos, enquanto se aguarda a adoção de uma nova comunicação que tenha em conta esta jurisprudência recente do Tribunal de Justiça.

55      Assim, em conformidade com a Comunicação 2022/C 74/02 da Comissão, intitulada «Atualização dos dados utilizados no cálculo das quantias fixas e das sanções pecuniárias compulsórias que a Comissão proporá ao Tribunal de Justiça da União Europeia no âmbito dos processos por infração» (JO 2022, C 74, p. 2) (a seguir «Comunicação de 2022»), o fator «n» para a República da Letónia é de 0,14. No entanto, no seu requerimento de 30 de junho de 2023, a Comissão aplicou o fator «n» de 0,07 atualmente previsto para este Estado‑Membro no anexo I da Comunicação da Comissão 2023/C 2/01 intitulada «Sanções financeiras em processos por infração» (JO 2023, C 2, p. 1; a seguir «Comunicação de 2023»).

56      Em conformidade com a sua Comunicação 2017/C 18/02, intitulada «Direito da [União]: Melhores resultados através de uma melhor aplicação» (JO 2017, C 18, p. 10), a Comissão pede ao Tribunal de Justiça que imponha à República da Letónia, por um lado, uma sanção pecuniária compulsória relativa ao período que começa na data de prolação do acórdão no presente processo e vai até à data da sua plena execução e, por outro, uma quantia fixa relativa ao período compreendido entre o dia seguinte ao termo do prazo de transposição previsto na Diretiva 2018/1972 e o dia em que este Estado‑Membro cumpriu integralmente as obrigações que lhe incumbem ao abrigo desta diretiva ou o dia da referida prolação.

57      No que respeita à sanção pecuniária compulsória, a Comissão recorda que, em conformidade com o ponto 18 da Comunicação de 2005, o seu montante deve ser fixado de forma que a sanção seja simultaneamente proporcional e dissuasiva. Para este efeito, o montante da sanção pecuniária compulsória diária é calculado multiplicando o montante fixo de base uniforme por um coeficiente de gravidade e um coeficiente de duração e, em seguida, pelo fator «n» aplicável ao Estado‑Membro em causa. A este respeito, embora, na sua petição, a Comissão se tenha referido à sua Comunicação de 2022, no seu requerimento de 30 de junho de 2023, refere‑se agora à Comunicação de 2023. Ora, o «montante fixo para a sanção pecuniária compulsória» é, em conformidade com o ponto 1 do anexo I desta última comunicação, de 3 000 euros por dia. Os coeficientes de gravidade e de duração propostos pela Comissão são, respetivamente, de 3 e de 1,5. Como foi salientado no n.o 55 do presente acórdão, o fator «n» aplicado pela Comissão à República da Letónia é de 0,07. Assim, o montante da sanção pecuniária compulsória diária proposto pela Comissão é de 945 euros, a contar da data de prolação do acórdão no presente processo até à data do pleno cumprimento das obrigações previstas no artigo 124.o, n.o 1, da Diretiva 2018/1972.

58      No que respeita à quantia fixa, resulta do ponto 20 da Comunicação de 2005 que esta deve ter pelo menos um montante fixo mínimo, refletindo o princípio de que qualquer caso de incumprimento persistente do direito da União representa em si mesmo, independentemente de qualquer circunstância agravante, uma violação do princípio da legalidade numa comunidade de direito, que exige uma sanção efetiva. Em conformidade com a Comunicação de 2022, a quantia fixa mínima para a República da Letónia é de 316 000 euros.

59      Em aplicação do método estabelecido nas Comunicações de 2005 e de 2011, se o resultado do cálculo da quantia fixa excedesse esta quantia fixa mínima, a Comissão propunha ao Tribunal de Justiça que determinasse a quantia fixa através da multiplicação de um montante diário pelo número de dias durante os quais a infração em causa persistiu, entre o dia seguinte ao termo do prazo de transposição previsto pela diretiva em questão e aquele em que esta infração foi regularizada ou, na falta de regularização, o dia de prolação do acórdão proferido nos termos do artigo 260.o, n.o 3, TFUE. Assim, o montante diário da quantia fixa deve ser calculado multiplicando a quantia fixa de base uniforme para efeitos do cálculo do montante diário da quantia fixa pelo coeficiente de gravidade e pelo fator «n». Ora, esta quantia fixa de base uniforme é, em conformidade com o ponto 2 do anexo I da Comunicação de 2023, de 1 000 euros. No caso em apreço, o coeficiente de gravidade é de 9, para os 555 primeiros dias do incumprimento, isto é, entre 22 de dezembro de 2020 e 28 de julho de 2022, de 4 para os 141 dias seguintes, isto é, entre 29 de julho e 16 de novembro de 2022, e, por último, de 3 para o período que começa em 17 de novembro de 2022. O fator «n» é de 0,07. Daqui resulta que o montante da quantia fixa é de 349 650 euros para o período compreendido entre 22 de dezembro de 2020 e 28 de julho de 2022, de 39 480 euros para o período compreendido entre 29 de julho e 16 de novembro de 2022 e de 210 euros por dia para o período que começa em 17 de novembro de 2022 e vai até à data em que a República da Letónia cumprirá integralmente as obrigações que lhe incumbem ao abrigo da Diretiva 2018/1972 ou até à data de prolação do acórdão no presente processo.

60      A República da Letónia sustenta, no que respeita, antes de mais, à gravidade da infração, que o quadro legislativo preexistente já era adequado e completo. O atraso na transposição da Diretiva 2018/1972 não causou diretamente perdas, nem prejudicou o setor das comunicações eletrónicas.

61      Em especial, a República da Letónia chama a atenção para o facto de não ter tentado evitar transpor a Diretiva 2018/1972 e de ter informado regularmente a Comissão do ponto de situação dos trabalhos legislativos de transposição da mesma. Por outro lado, em substância, esta diretiva melhora o quadro jurídico já existente sem o alterar substancialmente.

62      Em seguida, quanto à duração da infração, a República da Letónia considera que a esta não pode ser considerada relevante, uma vez que o atraso na transposição, por este Estado‑Membro, da Diretiva 2018/1972 não teve consequências negativas.

63      Por último, a aplicação de uma sanção à República da Letónia não tem um efeito dissuasivo, mas, pelo contrário, chama a atenção do público para o facto de que a prioridade é resolver as questões formais pelas quais o Estado pode ser punido, em vez de resolver questões de importância intrínseca nacional e social, como a luta contra a propagação da pandemia da COVID‑19, o afluxo de refugiados provenientes do território bielorrusso que precedeu a invasão da Ucrânia pela Federação da Rússia, o aumento do custo dos recursos energéticos e a resolução dos problemas urgentes resultantes desta invasão. Acrescenta que, na sequência desta última, as previsões de crescimento do PIB para o ano de 2022 e para o ano de 2023 foram sensivelmente reduzidas para, respetivamente, 1,8 % e 3,2 %.

64      Na sua réplica, a Comissão responde que o incumprimento em causa, contestado pela República da Letónia, pode prejudicar o bom funcionamento do mercado interno e reveste, por conseguinte, um certo grau de gravidade, mesmo que não produza efeitos negativos. Em todo o caso, segundo a Comissão, embora seja certo que a Diretiva 2018/1972 integra várias disposições preexistentes, esta também moderniza o quadro legislativo, nomeadamente introduzindo novas regras relativas à implantação das redes 5G, à implantação de novas redes fixas de alta capacidade e às novas soluções para melhor proteger os consumidores.

65      A Comissão recorda que o principal objetivo das sanções previstas no artigo 260.o, n.o 3, TFUE é assegurar a transposição da legislação da União nos prazos nela fixados e impedir que este tipo de infração se repita. A transposição de uma diretiva nos prazos nesta fixados não é uma simples questão formal, mas uma obrigação fundamental imposta aos Estados‑Membros, para assegurar a plena eficácia do direito da União.

66      Na sua tréplica, a República da Letónia mantém a sua posição e acrescenta que, desde a adoção das medidas que notificou à Comissão em 17 de novembro de 2022, a transposição da Diretiva 2018/1972 para o direito letão está completa.

67      No seu requerimento de 30 de junho de 2023, a Comissão considera, em contrapartida, que estas medidas não transpõem algumas disposições da Diretiva 2018/1972 e que transpõem de modo incompleto outras disposições desta diretiva.

68      Nas suas observações sobre este requerimento, a República da Letónia reafirma a sua posição segundo a qual as referidas medidas concluem completamente a transposição da Diretiva 2018/1972 para o direito letão.

 Apreciação do Tribunal de Justiça

69      Tendo presente que, conforme resulta do n.o 43 do presente acórdão, é facto assente que, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, a República da Letónia não tinha comunicado à Comissão as medidas que asseguram a transposição completa da Diretiva 2018/1972, na aceção do artigo 260.o, n.o 3, TFUE, o incumprimento declarado a este título está abrangido pelo âmbito de aplicação desta disposição.

70      A Comissão pede a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória e de uma quantia fixa.

71      Ora, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que a aplicação de uma ou outra destas duas medidas depende da aptidão de cada uma para cumprir o objetivo prosseguido em função das circunstâncias do caso concreto. Se a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória se afigura especialmente adaptada para incitar um Estado‑Membro a pôr termo, o mais rapidamente possível, a um incumprimento que, na falta de tal medida, tenderia a persistir, a condenação no pagamento de uma quantia fixa assenta, nomeadamente, na apreciação das consequências da não execução das obrigações do Estado‑Membro em causa para os interesses privados e públicos, em especial quando o incumprimento tiver persistido por um longo período [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 54 e jurisprudência referida].

–       Quanto ao pedido de aplicação de uma sanção pecuniária compulsória

72      No que se refere à oportunidade de aplicar uma sanção pecuniária compulsória no caso em apreço, importa recordar que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a aplicação dessa sanção pecuniária compulsória só se justifica, em princípio, na medida em que o incumprimento que esta sanção visa punir persista até à apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.os 55 e 57 e jurisprudência referida].

73      Daqui resulta que, para determinar se, no caso em apreço, pode ser prevista a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória, há que examinar se o incumprimento declarado no n.o 43 do presente acórdão persistiu até à data do encerramento do processo, que ocorreu em 7 de dezembro de 2022.

74      Neste contexto, o Tribunal de Justiça já declarou que os termos «obrigação de comunicar as medidas de transposição», que figuram no artigo 260.o, n.o 3, TFUE, se referem à obrigação de os Estados‑Membros transmitirem informações suficientemente claras e precisas sobre as medidas de transposição de uma diretiva. A fim de satisfazer a obrigação de segurança jurídica e de assegurar a transposição de todas as disposições dessa diretiva em todo o território em causa, os Estados‑Membros devem, em conformidade com o princípio da cooperação leal consagrado no artigo 4.o, n.o 3, TUE, indicar, para cada disposição da referida diretiva, a ou as disposições nacionais através das quais consideram ter cumprido as diferentes obrigações que a mesma diretiva lhes impõe. Uma vez feita essa comunicação, eventualmente acompanhada da apresentação de uma tabela de correspondência, incumbe à Comissão demonstrar, com vista a solicitar a aplicação ao Estado‑Membro em causa de uma sanção pecuniária prevista no artigo 260.o, n.o 3, TFUE, que certas medidas de transposição estão manifestamente em falta ou não abrangem todo o território deste Estado‑Membro, entendendo‑se que não compete ao Tribunal de Justiça, no âmbito do processo jurisdicional iniciado em aplicação desta última disposição, examinar se as medidas nacionais comunicadas à Comissão asseguram uma transposição correta das disposições da diretiva em causa [v., neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 2019, Comissão/Bélgica (Artigo 260.o, n.o 3, TFUE ‑ Redes de elevado débito), C‑543/17, EU:C:2019:573, n.os 51 e 59 e jurisprudência referida].

75      A este respeito, resulta dos autos submetidos ao Tribunal de Justiça que, em 17 de novembro de 2022, a República da Letónia comunicou à Comissão determinadas medidas. Na sua tréplica, este Estado‑Membro afirmou expressamente que, em seu entender, estas medidas concluíam a transposição completa da Diretiva 2018/1972 para o direito letão.

76      Em contrapartida, no seu requerimento de 30 de junho de 2023, a Comissão limitou‑se a afirmar que, nesta data, a República da Letónia ainda não tinha comunicado medidas de transposição do artigo 1.o, n.o 4, do artigo 35.o, n.os 7 e 9, do artigo 48.o, n.o 2, do artigo 49.o, n.o 3, do artigo 69.o, n.o 4, do artigo 96.o, n.o 4, e dos artigos 100.o e 112.o da Diretiva 2018/1972. Além disso, segundo a Comissão, o artigo 43.o, n.o 2, o artigo 61.o, n.o 4, o artigo 62.o, n.o 2, o artigo 76.o, n.o 2, o artigo 80.o, n.o 3, segundo período, e o artigo 102.o, n.o 2, desta diretiva não foram completamente transpostos para o ordenamento jurídico letão.

77      Assim, a Comissão não apresentou nenhum elemento que permita considerar que as medidas que lhe foram comunicadas em 17 de novembro de 2022 pela República da Letónia não transpunham manifestamente a Diretiva 2018/1972 para o direito letão ou não abrangiam a totalidade do território deste Estado‑Membro.

78      Por outro lado, nas suas observações sobre o requerimento de 30 de junho de 2023, não só a República da Letónia reafirmou que, em seu entender, a transposição da Diretiva 2018/1972 estava completa desde a adoção dessas medidas como também indicou as razões pelas quais se devia considerar que as disposições desta diretiva referidas no n.o 76 do presente acórdão tinham sido transpostas de forma completa para o direito letão.

79      Do mesmo modo, na sua carta de 1 de fevereiro de 2024, referida no n.o 26 deste acórdão, a Comissão limitou‑se a informar o Tribunal de Justiça do resultado da sua análise das medidas que tinha recebido em 15 de agosto de 2023 e a referir uma divergência entre si e a República da Letónia quanto à transposição do artigo 112.o, n.o 1, da Diretiva 2018/1972.

80      Ora, tendo em conta a jurisprudência referida no n.o 74 do presente acórdão, não compete ao Tribunal de Justiça, no âmbito de um processo instaurado ao abrigo do artigo 260.o, n.o 3, TFUE, pronunciar‑se sobre a questão de saber se estas medidas asseguram uma transposição correta das disposições da referida diretiva.

81      Quando a Comissão considera que as medidas de transposição de uma diretiva comunicadas por um Estado‑Membro não asseguram uma transposição correta desta diretiva, só pode ser aplicada uma sanção pecuniária a esse Estado‑Membro no termo de uma ação por incumprimento ao abrigo do artigo 260.o, n.o 2, TFUE [v., neste sentido, Acórdão de 8 de julho de 2019, Comissão/Bélgica (Artigo 260.o, n.o 3, TFUE — Redes de elevado débito), C‑543/17, EU:C:2019:573, n.os 55 a 57].

82      Nestas circunstâncias, há que concluir que, ao ter comunicado à Comissão, em 17 de novembro de 2022, as medidas por meio das quais considerava ter cumprido integralmente as obrigações que lhe incumbem por força da Diretiva 2018/1972, a República da Letónia pôs termo ao incumprimento declarado no n.o 43 do presente acórdão.

83      Por conseguinte, o pedido da Comissão destinado à condenação da República da Letónia no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória deve ser julgado improcedente.

–       Quanto ao pedido de aplicação de uma quantia fixa

84      No que respeita à oportunidade de impor uma quantia fixa no caso em apreço, cabe recordar que incumbe ao Tribunal de Justiça, em cada processo e em função das circunstâncias do caso que deve apreciar, bem como do nível de persuasão e de dissuasão que considere necessário, decretar as sanções pecuniárias adequadas, nomeadamente para evitar a repetição de infrações análogas ao direito da União [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 69 e jurisprudência referida].

85      No presente processo, há que considerar que, não obstante o facto de a República da Letónia ter cooperado com os serviços da Comissão durante todo o procedimento pré‑contencioso e de ter mantido estes últimos informados das razões que a impediram de assegurar a transposição da Diretiva 2018/1972 para o direito letão, o conjunto dos elementos de facto e de direito que envolvem o incumprimento declarado, nomeadamente a falta de comunicação das medidas necessárias à transposição completa desta diretiva no termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado e mesmo na data da propositura da presente ação, constitui um indicador de que a prevenção efetiva da repetição futura de infrações análogas ao direito da União pode exigir a adoção de uma medida dissuasiva, como a imposição de uma quantia fixa [v., por analogia, Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 70 e jurisprudência referida].

86      Esta apreciação não é posta em causa pela argumentação da República da Letónia, exposta nos n.os 60 a 63 do presente acórdão.

87      Com efeito, primeiro, no que diz respeito à alegada circunstância de o quadro legislativo preexistente já ser adequado, resulta da jurisprudência recordada no n.o 33 do presente acórdão que, embora uma diretiva preveja expressamente a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem que as disposições necessárias à sua transposição contenham uma referência a esta diretiva ou sejam acompanhadas dessa referência aquando da sua publicação oficial, é, em todo o caso, necessário que os Estados‑Membros adotem um ato positivo de transposição da diretiva em causa.

88      Segundo, embora o facto de o incumprimento declarado no n.o 43 do presente acórdão não ter tido consequências negativas, na hipótese de ter sido demonstrado, possa ser relevante para a apreciação da gravidade deste incumprimento para efeitos do cálculo do montante da quantia fixa, não pode, em contrapartida, ser relevante para a apreciação da possibilidade de aplicar essa sanção.

89      Terceiro, como a Comissão alega corretamente, a comunicação das medidas de transposição de uma diretiva não é uma questão formal. Com efeito, a obrigação de adotar as medidas nacionais para assegurar a transposição completa de uma diretiva e a obrigação de comunicar essas medidas à Comissão constituem obrigações essenciais dos Estados‑Membros para assegurar a plena efetividade do direito da União [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 74 e jurisprudência referida].

90      Atendendo ao exposto, é adequado impor uma quantia fixa à República da Letónia.

91      No que diz respeito ao cálculo dessa quantia fixa, há que recordar que, no exercício do seu poder de apreciação na matéria, tal como delimitado pelas propostas da Comissão, cabe ao Tribunal de Justiça estabelecer o montante da quantia fixa em cujo pagamento um Estado‑Membro pode ser condenado por força do artigo 260.o, n.o 3, TFUE, de forma que seja, por um lado, adequada às circunstâncias e, por outro, proporcionada à infração cometida. Entre os fatores pertinentes para esse efeito figuram, designadamente, elementos como a gravidade do incumprimento declarado, o período durante o qual este subsistiu, bem como a capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa [Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 73 e jurisprudência referida].

92      No que respeita, em primeiro lugar, à gravidade da infração, há que recordar que, segundo a jurisprudência referida no n.o 89 do presente acórdão, a obrigação de adotar as medidas nacionais para assegurar a transposição completa de uma diretiva e a obrigação de comunicar essas medidas à Comissão constituem obrigações essenciais dos Estados‑Membros para assegurar a plena efetividade do direito da União e o incumprimento destas obrigações deve, como tal, ser considerado de uma certa gravidade.

93      No caso em apreço, importa observar que, como resulta do n.o 43 do presente acórdão, no termo do prazo estabelecido no parecer fundamentado, ou seja, em 23 de novembro de 2021, a República da Letónia não tinha cumprido as obrigações de transposição que lhe incumbiam por força da Diretiva 2018/1972, pelo que a plena efetividade do direito da União não foi assegurada.

94      Além disso, como salienta a Comissão, a Diretiva 2018/1972 é o principal ato legislativo no domínio das comunicações eletrónicas.

95      Em especial, antes de mais, nos termos do artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2018/1972, esta «estabelece um quadro harmonizado para a regulação das redes de comunicações eletrónicas, dos serviços de comunicações eletrónicas, dos recursos conexos e dos serviços conexos e de certos aspetos dos equipamentos terminais. […] [P]revê as atribuições das autoridades reguladoras nacionais e, se for caso disso, de outras autoridades competentes e fixa um conjunto de procedimentos para assegurar a aplicação harmonizada do quadro regulamentar em toda a União».

96      Em seguida, nos termos do artigo 1.o, n.o 2, desta diretiva, esta destina‑se, por um lado, a instaurar um mercado interno dos serviços e redes de comunicações eletrónicas que conduza a uma implantação e aceitação das redes de capacidade muito elevada, a uma concorrência sustentável e à interoperabilidade dos serviços de comunicações eletrónicas, bem como à acessibilidade e segurança das redes e serviços, de que resultem benefícios para os utilizadores finais, e, por outro, assegurar a oferta em toda a União de serviços de boa qualidade acessíveis ao público, através de uma concorrência e de uma possibilidade de escolha efetivas, e atender às situações em que as necessidades dos utilizadores finais, incluindo aqueles cuja deficiência os impede de aceder aos serviços em pé de igualdade com os demais, não sejam convenientemente satisfeitas pelo mercado, bem como estabelecer os direitos necessários dos utilizadores finais.

97      Por último, conforme decorre dos considerandos 2 e 3 da referida diretiva, esta introduz alterações no quadro regulamentar em vigor antes da sua adoção para refletir a evolução tecnológica e do mercado.

98      É certo, como salienta a República da Letónia, que o domínio em causa já está regulado por outros atos de direito da União que são alterados ou substituídos por esta diretiva.

99      No entanto, a referida diretiva não se limita a codificar tais atos. Com efeito, como a Comissão salienta, sem ser contestada pela República da Letónia, o CECE reforça, nomeadamente, as escolhas e os direitos dos consumidores, garantindo padrões mais elevados de serviços de comunicação, bem como o papel das autoridades reguladoras nacionais, estabelecendo um conjunto mínimo de competências para tais autoridades e reforçando a sua independência através do estabelecimento de critérios para nomeações e obrigações de comunicação de informações. Além disso, o CECE regulamenta diferentes aspetos da oferta de serviços de comunicações eletrónicas, incluindo as obrigações de serviço universal, os recursos de numeração e os direitos dos utilizadores finais. O reforço das regras para a organização do setor das comunicações eletrónicas estabelecidas pelo CECE visa aumentar a segurança e a proteção dos consumidores, em especial no que diz respeito ao acesso a estes serviços a preços acessíveis.

100    Ora, como a Comissão alega com razão, a falta de transposição da Diretiva 2018/1972 pela República da Letónia, primeiro, prejudica a prática regulamentar em toda a União no que diz respeito à governação do sistema de comunicações eletrónicas, à autorização do espetro e às regras de acesso ao mercado. Como consequência, as empresas não beneficiam de processos mais consistentes e previsíveis para a concessão ou renovação dos direitos de utilização do espetro existentes, nem da previsibilidade regulamentar que resulta da duração mínima de 20 anos das licenças de utilização do espetro. Estas deficiências influenciam diretamente a disponibilidade e a adoção de redes de capacidade muito elevada na União. Segundo, os consumidores não podem usufruir de uma série de benefícios tangíveis que lhes são conferidos por esta diretiva, tais como soluções relativas ao acesso à oferta de serviços de comunicações a preços acessíveis, a exigência de informações claras sobre os contratos, a obrigação de clareza das tarifas, a facilitação da mudança de fornecedor de redes para promover preços de retalho mais acessíveis, e a obrigação de os operadores oferecerem um acesso equivalente aos serviços de comunicação para os utilizadores finais com deficiência.

101    No entanto, no âmbito da apreciação da gravidade da infração para efeitos da fixação do montante da quantia fixa, há que ter em consideração que, no decurso do procedimento, a República da Letónia comunicou à Comissão as medidas de transposição de um número significativo de disposições da Diretiva 2018/1972 e que, em 17 de novembro de 2022, este Estado‑Membro lhe comunicou as medidas através das quais considerava ter cumprido integralmente as obrigações que esta diretiva lhe impunha.

102    No que respeita, em segundo lugar, à duração da infração, há que recordar que esta deve, em princípio, ser avaliada tendo em conta a data em que o Tribunal de Justiça aprecia os factos e que deve considerar‑se que esta apreciação dos factos ocorreu na data do encerramento do processo [v., neste sentido, Acórdão de 25 de fevereiro de 2021, Comissão/Espanha (Diretiva dados pessoais — Domínio penal), C‑658/19, EU:C:2021:138, n.o 79 e jurisprudência referida].

103    No que respeita, por um lado, ao início do período que deve ser tido em conta para estabelecer o montante da quantia fixa a impor nos termos do artigo 260.o, n.o 3, TFUE, o Tribunal de Justiça declarou que, ao contrário da sanção pecuniária compulsória diária, a data a ter em conta para a avaliação da duração do incumprimento em causa não é a do termo do prazo fixado no parecer fundamentado, mas a data em que termina o prazo de transposição previsto pela diretiva em questão [v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2020, Comissão/Roménia (Luta contra o branqueamento de capitais), C‑549/18, EU:C:2020:563, n.o 79, e de 16 de julho de 2020, Comissão/Irlanda (Luta contra o branqueamento de capitais), C‑550/18, EU:C:2020:564, n.o 90].

104    No caso em apreço, não se contesta validamente que, no termo do prazo de transposição previsto no artigo 124.o da Diretiva 2018/1972, ou seja, em 21 de dezembro de 2020, a República da Letónia não tinha adotado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para assegurar a transposição completa desta diretiva, nem as tinha, por conseguinte, comunicado à Comissão.

105    Por outro lado, como resulta do n.o 82 do presente acórdão, em 17 de novembro de 2022, a República da Letónia pôs termo ao incumprimento declarado no n.o 43 do presente acórdão.

106    Resulta do exposto que este incumprimento se manteve entre 22 de dezembro de 2020 e 16 de novembro de 2022, ou seja, durante um período de 694 dias, o que constitui um período muito longo.

107    Não obstante, é necessário ter em conta que este período pode ter resultado, em parte, das circunstâncias excecionais relacionadas com a pandemia da COVID‑19 e, em seguida, com a guerra de agressão conduzida pela Federação da Rússia contra a Ucrânia. Com efeito, a República da Letónia sustenta, sem ser contestada, que estas circunstâncias, imprevisíveis e alheias à sua vontade, atrasaram o processo legislativo necessário à transposição da Diretiva 2018/1972 e, consequentemente, prolongaram a duração do referido incumprimento.

108    Em terceiro lugar, no que respeita à capacidade de pagamento do Estado‑Membro em causa, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que importa ter em conta o PIB desse Estado‑Membro, conforme se apresenta à data da apreciação dos factos pelo Tribunal de Justiça [v., neste sentido, Acórdãos de 16 de julho de 2020, Comissão/Roménia (Luta contra o branqueamento de capitais), C‑549/18, EU:C:2020:563, n.o 85, e de 16 de julho de 2020, Comissão/Irlanda (Luta contra o branqueamento de capitais), C‑550/18, EU:C:2020:564, n.o 97].

109    Na sua petição, a Comissão propõe que seja tido em conta, além do PIB da República da Letónia, o seu peso institucional na União, expresso pelo número de votos de que este Estado‑Membro dispõe no Parlamento Europeu. A Comissão considera ainda que deve ser utilizado um coeficiente de ajustamento de 4,5 para assegurar o caráter proporcionado e dissuasivo das sanções que solicita ao Tribunal de Justiça que sejam aplicadas ao referido Estado‑Membro.

110    No entanto, o Tribunal de Justiça esclareceu recentemente de forma bastante clara, por um lado, que a tomada em consideração do peso institucional do Estado‑Membro em causa não se afigura indispensável para garantir uma dissuasão suficiente e levar esse Estado‑Membro a alterar o seu comportamento atual ou futuro e, por outro, que a Comissão não demonstrou os critérios objetivos com base nos quais fixou o valor do coeficiente de ajustamento de 4,5 [v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2022, Comissão/Grécia (Recuperação de auxílios de Estado — Ferroníquel), C‑51/20, EU:C:2022:36, n.os 115 e 117].

111    Atendendo ao que precede e à luz do poder de apreciação que o artigo 260.o, n.o 3, TFUE reconhece ao Tribunal de Justiça, o qual prevê que este não pode, relativamente a uma quantia fixa cujo pagamento impõe, exceder o montante indicado pela Comissão, há que considerar que a prevenção efetiva da repetição futura de infrações análogas à que resulta da violação do artigo 124.o da Diretiva 2018/1972 e que prejudica a plena eficácia do direito da União é suscetível de exigir a imposição do pagamento de uma quantia fixa no montante de 300 000 euros.

112    Por conseguinte, há que condenar a República da Letónia no pagamento à Comissão de uma quantia fixa no montante de 300 000 euros.

 Quanto às despesas

113    Nos termos do artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

114    No caso em apreço, o indeferimento do pedido da Comissão destinado à condenação da República da Letónia no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória está relacionado com a atitude deste Estado‑Membro, uma vez que este último só adotou e comunicou à Comissão as medidas através das quais considerava ter cumprido integralmente as obrigações que lhe incumbem por força da Diretiva 2018/1972 após a propositura da presente ação.

115    Nestas circunstâncias, e por não ser possível estabelecer uma distinção pertinente entre as despesas relativas ao incumprimento declarado no n.o 43 do presente acórdão e as despesas relativas ao indeferimento deste pedido, a República da Letónia suportará, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão, em conformidade com o pedido desta última.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Nona Secção) decide:

1)      Ao não ter adotado as disposições legislativas, regulamentares e administrativas necessárias para dar cumprimento à Diretiva (UE) 2018/1972 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2018, que estabelece o Código Europeu das Comunicações Eletrónicas, no termo do prazo fixado no parecer fundamentado, e, por conseguinte, ao não ter informado a Comissão Europeia dessas disposições, a República da Letónia não cumpriu as obrigações que lhe incumbem por força do artigo 124.o, n.o 1, desta diretiva.

2)      A República da Letónia é condenada a pagar à Comissão Europeia uma quantia fixa no montante de 300 000 euros.

3)      A ação é julgada improcedente quanto ao restante.

4)      A República da Letónia é condenada a suportar, além das suas próprias despesas, as despesas efetuadas pela Comissão Europeia.

Assinaturas


*      Língua do processo: letão.