ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção)
10 de novembro de 2016 (*)
«Reenvio prejudicial — Direito de autor e direitos conexos — Direito de aluguer e direito de comodato de obras protegidas — Diretiva 2006/115/CE — Artigo 1.o, n.o 1 — Comodato de cópias de obras — Artigo 2.o, n.o 1 — Comodato — Comodato da cópia de um livro em formato digital — Bibliotecas públicas»
No processo C‑174/15,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Rechtbank Den Haag (Tribunal de Haia, Países Baixos), por decisão de 1 de abril de 2015, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 17 de abril de 2015, no processo
Vereniging Openbare Bibliotheken
contra
Stichting Leenrecht,
sendo intervenientes:
Vereniging Nederlands Uitgeversverbond,
Stichting LIRA,
Stichting Pictoright,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Terceira Secção),
composto por: L. Bay Larsen, presidente de secção, M. Vilaras, J. Malenovský (relator), M. Safjan e D. Šváby, juízes,
advogado‑geral: M. Szpunar,
secretário: M. Ferreira, administradora principal,
vistos os autos e após a audiência de 9 de março de 2016,
vistas as observações apresentadas:
– em representação da Vereniging Openbare Bibliotheken, por P. de Leeuwe e D. Visser, advocaten,
– em representação da Vereniging Nederlands Uitgeversverbond, por C. Alberdingk Thijm e C. de Vries, advocaten,
– em representação da Stichting LIRA e da Stichting Pictoright, por J. Seignette, M. van Heezik, G. van der Wal e M. Kingma, advocaten,
– em representação do Governo checo, por S. Šindelková, D. Hadroušek e M. Smolek, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo alemão, por T. Henze, J. Möller e D. Kuon, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo grego, por G. Alexaki, na qualidade de agente,
– em representação do Governo francês, por D. Segoin, G. de Bergues e D. Colas, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino e A. Collabolletta, avvocati dello Stato,
– em representação do Governo letão, por I. Kalniņš e D. Pelše, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes e T. Rendas, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo do Reino Unido, por J. Kraehling, na qualidade de agente, assistida por N. Saunders, barrister,
– em representação da Comissão Europeia, por F. Wilman, T. Scharf e J. Samnadda, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 16 de junho de 2016,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação (JO 2001, L 167, p. 10), bem como do artigo 1.o, n.o 1, do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), e do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual (JO 2006, L 376, p. 28).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Vereniging Openbare Bibliotheken (Associação das Bibliotecas Públicas, a seguir «VOB») à Stichting Leenrecht (Fundação do Direito de Comodato, a seguir «Stichting») a respeito de uma eventual violação do direito exclusivo de comodato previsto no artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115.
Quadro jurídico
Direito internacional
3 A Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) adotou em Genebra, em 20 de dezembro de 1996, o Tratado da OMPI sobre o direito de autor (a seguir «Tratado da OMPI»). Este tratado foi aprovado em nome da Comunidade Europeia pela Decisão 2000/278/CE do Conselho, de 16 de março de 2000 (JO 2000, L 89, p. 6).
4 O artigo 7.o, n.o 1, deste tratado enuncia:
«Os autores de:
i) Programas de computador;
ii) Obras cinematográficas; e
iii) Obras corporizadas em fonogramas, conforme definido na legislação nacional das partes contratantes,
gozam do direito exclusivo de autorizar o aluguer ao público, com fins comerciais, dos originais ou de cópias das suas obras.»
5 A conferência diplomática que adotou o Tratado da OMPI adotou igualmente, entre outros documentos, a «declaração acordada relativamente aos artigos 6.o e 7.o», anexa ao referido tratado (a seguir «declaração acordada anexa ao Tratado da OMPI»), e que tem a seguinte redação:
«As expressões ‘cópias’ e ‘original e cópias’ utilizadas nestes artigos para designar o objeto do direito de distribuição e do direito de aluguer neles previstos referem‑se exclusivamente a cópias fixadas que possam ser postas em circulação enquanto objetos materiais.»
Direito da União
Diretiva 2001/29
6 Nos termos dos considerandos 2 e 9 da Diretiva 2001/29:
«(2) O Conselho Europeu reunido em Corfu em 24 e 25 de junho de 1994 salientou a necessidade de criar, a nível comunitário, um enquadramento legal geral e flexível que estimule o desenvolvimento da sociedade da informação na Europa. Tal exige, nomeadamente, um mercado interno para os novos produtos e serviços. Existe já, ou está em vias de ser aprovada, importante legislação comunitária para criar tal enquadramento regulamentar. O direito de autor e os direitos conexos desempenham um importante papel neste contexto, uma vez que protegem e estimulam o desenvolvimento e a comercialização de novos produtos e serviços, bem como a criação e a exploração do seu conteúdo criativo.
[…]
(9) Qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear‑se num elevado nível de proteção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. A sua proteção contribui para a manutenção e o desenvolvimento da atividade criativa, no interesse dos autores, dos intérpretes ou executantes, dos produtores, dos consumidores, da cultura, da indústria e do público em geral. A propriedade intelectual é pois reconhecida como parte integrante da propriedade.»
7 O artigo 1.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva dispõe:
«Salvo nos casos referidos no artigo 11.o, a presente diretiva não afeta de modo algum as disposições comunitárias existentes em matéria de:
[…]
b) Direito de aluguer, direito de comodato e certos direitos conexos com os direitos de autor em matéria de propriedade intelectual;
[…]»
8 O artigo 4.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Direito de distribuição», tem a seguinte redação:
«1. Os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores, em relação ao original das suas obras ou respetivas cópias, o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer forma de distribuição ao público através de venda ou de qualquer outro meio.
2. O direito de distribuição não se esgota, na [União], relativamente ao original ou às cópias de uma obra, exceto quando a primeira venda ou qualquer outra forma de primeira transferência da propriedade desse objeto, na [União], seja realizada pelo titular do direito ou com o seu consentimento.»
Diretiva 2006/115
9 A Diretiva 2006/115 codificou e revogou a Diretiva 92/100/CEE do Conselho, de 19 de novembro de 1992, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos aos direitos de autor em matéria de propriedade intelectual (JO 1992, L 346, p. 61).
10 Os considerandos 2 a 5, 7, 8 e 14 da Diretiva 2006/115 estão redigidos da seguinte forma:
«(2) O aluguer e o comodato das obras protegidas pelo direito de autor e das realizações protegidas por direitos conexos desempenham um papel de importância crescente, em especial para os autores, artistas e produtores de fonogramas e filmes, cada vez mais ameaçados pela ‘pirataria’.
(3) A proteção adequada das obras protegidas pelo direito de autor e das realizações protegidas por direitos conexos, através dos direitos de aluguer e comodato, bem como a proteção das realizações abrangidas por direitos conexos, através de um direito de fixação, de distribuição, de radiodifusão e de comunicação ao público, podem, por conseguinte, ser consideradas de importância fundamental para o desenvolvimento económico e cultural da [União].
(4) A proteção conferida pelo direito de autor e direitos conexos deve ser adaptada à evolução económica ocorrida, nomeadamente, a nível das novas formas de exploração.
(5) A continuidade do trabalho criativo e artístico dos autores e dos artistas intérpretes e executantes exige que estes aufiram uma remuneração adequada. Os investimentos exigidos, em especial para a produção de fonogramas e filmes, são particularmente elevados e arriscados. O pagamento dessa remuneração e a recuperação desse investimento só podem ser efetivamente assegurados através de uma proteção legal adequada dos titulares envolvidos.
[…]
(7) A legislação dos Estados‑Membros deve ser aproximada de forma a não entrar em conflito com as convenções internacionais em que se baseiam as legislações sobre direito de autor e direitos conexos de muitos Estados‑Membros.
(8) O enquadramento legal da [União] relativo ao direito de aluguer e ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor pode limitar‑se a estabelecer que os Estados‑Membros devem prever direitos em relação ao aluguer e ao comodato para certos grupos de titulares de direitos e, por outro lado, a estabelecer os direitos de fixação, distribuição, radiodifusão e comunicação ao público para certos grupos de titulares no domínio da proteção dos direitos conexos.
[…]
(14) É igualmente necessário proteger, pelo menos, os direitos dos autores no que se refere ao aluguer ao público mediante a criação de um regime específico. No entanto, quaisquer medidas que possam derrogar o direito exclusivo de comodato ao público devem ser compatíveis, em especial, com o artigo 12.o do Tratado.»
11 O artigo 1.o desta diretiva dispõe:
«1. Em conformidade com o disposto no presente capítulo, os Estados‑Membros devem prever, sem prejuízo do artigo 6.o, o direito de permitir ou proibir o aluguer e o comodato de originais e cópias de obras protegidas pelo direito de autor, e de outros objetos referidos no n.o 1 do artigo 3.o
2. Os direitos referidos no n.o 1 não se esgotam com a venda ou qualquer outro ato de distribuição dos originais ou cópias de obras protegidas pelo direito de autor, ou de outros objetos previstos no n.o 1 do artigo 3.o»
12 O artigo 2.o, n.o 1, da referida diretiva prevê:
«Na aceção da presente diretiva, entende‑se por:
a) ‘Aluguer’, a colocação à disposição para utilização, durante um período de tempo limitado e com benefícios comerciais diretos ou indiretos;
b) ‘Comodato’, a colocação à disposição para utilização, durante um período de tempo limitado, sem benefícios económicos ou comerciais, diretos ou indiretos, se for efetuada através de instituições acessíveis ao público;
[…]»
13 O artigo 6.o, n.o 1, da mesma diretiva enuncia:
«Os Estados‑Membros podem derrogar o direito exclusivo previsto para os comodatos públicos no artigo 1.o, se pelo menos os autores auferirem remuneração por conta de tais comodatos. Os Estados‑Membros podem determinar livremente tal remuneração tendo em conta os seus objetivos de promoção da cultura.»
Direito neerlandês
14 O artigo 10.o, n.o 1, da Auteurswet (Lei dos direitos de autor), de 23 de setembro de 1912 (a seguir «Aw»), dispõe:
«Para efeitos da presente lei, entende‑se por obras literárias, científicas ou artísticas:
1°. os livros, folhetos, jornais, revistas e todos os outros escritos;
[…]
e, em geral, toda a produção literária, científica ou artística, independentemente do modo ou da forma de expressão.»
15 O artigo 12.o da Aw prevê:
«1. A divulgação de uma obra literária, científica ou artística inclui:
[…]
3°. O aluguer ou o comodato da totalidade ou de uma parte de um exemplar da obra, com exceção das obras de arquitetura e das obras de artes aplicadas, ou de uma reprodução desta obra, introduzida no mercado pelo titular do direito ou com o seu consentimento;
[…]
3. Entende‑se por ‘comodato’ na aceção do n.o 1, 3°, a colocação à disposição para utilização, durante um período de tempo limitado e sem benefícios económicos ou comerciais diretos ou indiretos, quando seja efetuada através de instituições acessíveis ao público.
[…]»
16 Nos termos do artigo 15.oc, n.o 1, da Aw:
«Não é considerado violação do direito de autor sobre uma obra literária, científica ou artística o comodato conforme previsto no artigo 12.o, n.o 1, 3°, da totalidade ou de uma parte de um exemplar da obra, ou de uma sua reprodução, que tenha sido introduzida no mercado pelo titular do direito ou com o seu consentimento, desde que a pessoa que efetua o comodato ou às ordens de quem esse comodato é efetuado pague uma remuneração equitativa. […]»
Litígio no processo principal e questões prejudiciais
17 A VOB representa os interesses de todas as bibliotecas públicas nos Países Baixos.
18 Estas bibliotecas cedem em regime de comodato livros em formato papel e, em contrapartida, pagam uma quantia fixa à Stichting, que é uma fundação encarregada pelo Ministro da Justiça (Países Baixos) da cobrança das remunerações a título do comodato.
19 A Stichting distribui as remunerações que recebe por entre os titulares de direitos, com base num regulamento de repartição, através de organizações de gestão coletiva, como a Stichting LIRA, que é responsável pela gestão dos direitos relativos às obras literárias, dramáticas e dramático‑musicais, e a Stichting Pictoright, que é responsável pela gestão dos direitos relativos às obras visuais como as realizadas por artistas plásticos, fotógrafos, ilustradores, designers e arquitetos.
20 De acordo com a legislação neerlandesa, o montante da remuneração a título do comodato é fixado pela Stichting Onderhandelingen Leenvergoedingen (a seguir «StOL»), que é uma fundação designada para esse efeito pelo Ministro da Justiça.
21 Estando em discussão na StOL desde 2004 a questão de saber se o comodato digital de um livro eletrónico (e‑book) está ou não abrangido pela exceção prevista no artigo 15.oc da Aw, o conselho de administração da StOL decidiu finalmente, no decurso de uma reunião realizada em 24 de março de 2010, dar uma resposta negativa a esta questão.
22 Além disso, a pedido do Ministério do Ensino, da Cultura e das Ciências (Países Baixos), o Instituut voor Informatierecht van de Universiteit van Amsterdam (Instituto do Direito da Informação da Universidade de Amesterdão, Países Baixos) e o Gabinete de Estudos SEO redigiram um relatório que concluía igualmente que o comodato digital de e‑books por parte das bibliotecas não está abrangido por esta exceção.
23 Com base neste relatório, o Governo neerlandês redigiu um projeto de lei sobre as bibliotecas prevendo, para o comodato digital de e‑books à distância, a criação de uma biblioteca digital nacional. Este projeto assenta na premissa de que os comodatos digitais de e‑books não estão abrangidos por esta mesma exceção.
24 Atualmente, as bibliotecas públicas disponibilizam e‑books através da Internet com base em acordos de licença celebrados com os titulares de direitos.
25 A VOB contesta este projeto de lei e intentou, consequentemente, uma ação no órgão jurisdicional de reenvio em que visa obter uma declaração segundo a qual, em substância, a atual lei sobre os direitos de autor já abrange os comodatos em formato digital.
26 Nestas condições, o Rechtbank Den Haag (Tribunal de Haia, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:
«1) Devem [o artigo] 1.o, n.o 1, [o artigo] 2.o, n.o 1, alínea b), e [o artigo] 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115 ser interpretados no sentido de que o conceito de ‘comodato’ na aceção destas disposições também abrange a colocação à disposição para utilização, sem benefícios económicos ou comerciais, diretos ou indiretos, através de uma instituição acessível ao público, de romances, coletâneas de contos, biografias, relatos de viagens, livros infantis e literatura juvenil protegidos pelo direito de autor,
– colocando uma cópia em formato digital (reprodução A) no servidor da instituição e permitindo a um utilizador, por meio de transferência, reproduzir essa cópia no seu próprio computador (reprodução B),
– de maneira a que a cópia que o utilizador faz durante a transferência (reprodução B) deixa de poder ser utilizada após um determinado período de tempo, e
– de maneira a que, durante esse período, os outros utilizadores não podem transferir a cópia (reprodução A) para o respetivo computador?
2) Em caso de resposta afirmativa à primeira questão, o artigo 6.o da Diretiva 2006/115 e/ou outra disposição do direito da União opõem‑se a que os Estados‑Membros sujeitem a aplicação da restrição ao direito de comodato prevista no artigo 6.o da Diretiva 2006/115 à condição de que a cópia da obra disponibilizada pela instituição (reprodução A) seja colocada no mercado através de uma primeira venda ou de outra forma de transferência da propriedade dessa cópia na União pelo titular do direito ou com o seu consentimento, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29?
3) Em caso de resposta negativa à [segunda] questão, estabelece o artigo 6.o da Diretiva 2006/115 outros requisitos quanto à proveniência da cópia disponibilizada pela instituição (reprodução A), como por exemplo a exigência de que a cópia tenha sido obtida de uma fonte legal?
4) Em caso de resposta afirmativa à segunda questão, deve o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29 ser interpretado no sentido de que também se entende por primeira venda ou outra forma de transferência da propriedade do material a colocação à disposição à distância, por meio de transferência, para utilização, durante um período de tempo ilimitado, de uma cópia digital de romances, coletâneas de contos, biografias, relatos de viagens, livros infantis e literatura juvenil protegidos pelo direito de autor?»
Quanto às questões prejudiciais
Quanto à primeira questão
27 Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 1.o, n.o 1, o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), e o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115 devem ser interpretados no sentido de que o conceito de «comodato», na aceção destas disposições, abrange o comodato da cópia de um livro em formato digital, quando esse comodato seja efetuado através da colocação dessa cópia no servidor de uma biblioteca pública, permitindo‑se ao utilizador em causa reproduzir a referida cópia através de uma transferência para o seu próprio computador, tendo em conta que uma única cópia pode ser transferida durante o período do comodato e que, decorrido esse período, a cópia transferida por esse utilizador deixa de poder ser utilizada por este.
28 Por um lado, importa salientar que o artigo 1.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115, nos termos do qual «os Estados‑Membros devem prever […] o direito de permitir ou proibir o aluguer e o comodato de originais e cópias de obras protegidas pelo direito de autor, e de outros objetos», não especifica se o conceito de «cópias de obras», na aceção desta disposição, também abrange as cópias que não estejam fixadas num suporte físico, como as cópias digitais.
29 Por outro lado, o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva define o conceito de «comodato» como a colocação à disposição de objetos para utilização, durante um período de tempo limitado, sem benefícios económicos ou comerciais, diretos ou indiretos, quando seja efetuada através de estabelecimentos acessíveis ao público. No entanto, não decorre desta disposição que os objetos visados no artigo 1.o, n.o 1, da referida diretiva também devem incluir os objetos imateriais, como os objetos digitais.
30 Nestas condições, há que verificar, em primeiro lugar, se existem razões que justifiquem a exclusão, em qualquer caso, do comodato de cópias digitais e de objetos imateriais do âmbito de aplicação da Diretiva 2006/115.
31 A este respeito, em primeiro lugar, resulta do considerando 7 da Diretiva 2006/115 que esta foi adotada, nomeadamente, para que «a legislação dos Estados‑Membros [seja] aproximada de forma a não entrar em conflito com as convenções internacionais em que se baseiam as legislações sobre direito de autor e direitos conexos de muitos Estados‑Membros».
32 Ora, de entre as convenções que a referida diretiva deve respeitar figura, em particular, o Tratado da OMPI, no qual a União e todos os Estados‑Membros são partes.
33 Consequentemente, há que interpretar os conceitos de «objetos» e de «cópias», na aceção da Diretiva 2006/115, à luz dos conceitos equivalentes constantes do Tratado da OMPI (v., por analogia, acórdão de 15 de março de 2012, SCF, C‑135/10, EU:C:2012:140, n.o 55).
34 Ora, segundo a declaração acordada anexa ao Tratado da OMPI, os conceitos de «original» e de «cópias», que figuram no artigo 7.o deste tratado, relativo ao direito de aluguer, referem‑se «exclusivamente a cópias fixadas que possam ser postas em circulação enquanto objetos materiais». Daqui decorre que estão excluídos do direito de aluguer, previsto no referido tratado, os objetos imateriais e as cópias não fixadas, como as cópias digitais.
35 Assim, há que entender o conceito de «aluguer» de objetos, que figura no artigo 2.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2006/115, no sentido de que se refere exclusivamente aos objetos materiais, e o conceito de «cópias», que figura no artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva, no sentido de que se refere, no caso do aluguer, exclusivamente a cópias fixadas num suporte físico.
36 Não obstante, embora o título da Diretiva 2006/115 se refira, nalgumas versões linguísticas, ao «direito de aluguer [e] ao direito de comodato», no singular, e embora esta regule, regra geral, conjuntamente, os diferentes aspetos desse direito que são o regime do aluguer e do comodato, daí não resulta, contudo, que o legislador da União decidiu necessariamente conferir o mesmo significado aos conceitos de «objetos» e de «cópias», independente de se tratar do regime do aluguer ou do regime do comodato, incluindo o comodato público na aceção do artigo 6.o desta diretiva.
37 Com efeito, por um lado, os considerandos 3 e 8 da mesma diretiva não se referem, nalgumas versões linguísticas, ao «direito de aluguer [e] ao direito de comodato», no singular, mas aos «direitos» de aluguer e de comodato, no plural.
38 Por outro lado, conforme resulta do artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2006/115, o legislador da União envidou esforços para definir separadamente os conceitos de «aluguer» de objetos e de «comodato» de objetos. Assim, os objetos abrangidos pelo aluguer não são necessariamente idênticos aos que são abrangidos pelo comodato.
39 Resulta do que precede que, embora, conforme resulta do n.o 35 do presente acórdão, os objetos imateriais e os exemplares não fixados, como as cópias digitais, devam ser excluídos do direito de aluguer, regulado pela Diretiva 2006/115, para não violar a declaração acordada anexa ao Tratado da OMPI, nem este tratado nem esta declaração acordada se opõem a que o conceito de «comodato» de objetos, na aceção desta diretiva, seja interpretado, se for caso disso, no sentido de que também inclui determinados comodatos efetuados em formato digital.
40 Em segundo lugar, importa recordar, conforme foi referido no n.o 9 do presente acórdão, que a Diretiva 2006/115 codifica e retoma as disposições da Diretiva 92/100 em termos substancialmente idênticos a esta. Ora, os trabalhos preparatórios da Diretiva 92/100 não permitem concluir que o comodato efetuado em formato digital deve, em qualquer caso, ser excluído do âmbito de aplicação desta.
41 É certo que a exposição de motivos da Proposta de diretiva do Conselho relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos [COM(90) 586 final] menciona a intenção da Comissão Europeia de excluir a disponibilização por transmissão eletrónica de dados do âmbito de aplicação da Diretiva 92/100.
42 No entanto, há que salientar, em primeiro lugar, que não é evidente que a Comissão pretendia aplicar essa exclusão às cópias de livros em formato digital. Por um lado, os exemplos mencionados nessa exposição de motivos diziam exclusivamente respeito à transmissão eletrónica de filmes. Por outro lado, quando a referida exposição de motivos foi redigida, as cópias de livros em formato digital não eram utilizadas ao ponto de se poder validamente presumir que as mesmas foram implicitamente tomadas em consideração pela Comissão.
43 Em segundo lugar, há que constatar que a intenção expressa pela Comissão nesta mesma exposição de motivos não encontra expressão direta no próprio texto da proposta que conduziu à adoção da Diretiva 92/100 ou nesta diretiva.
44 Decorre das considerações precedentes que não existe nenhuma razão decisiva que permita excluir, em qualquer caso, o comodato de cópias digitais e de objetos imateriais do âmbito de aplicação da Diretiva 2006/115.
45 Esta conclusão é, aliás, corroborada pelo objetivo prosseguido pela Diretiva 2006/115. Com efeito, o considerando 4 desta enuncia, designadamente, que a proteção conferida pelo direito de autor deve ser adaptada à evolução económica ocorrida, nomeadamente, a nível das novas formas de exploração. Ora, o comodato efetuado em formato digital integra incontestavelmente essas novas formas de exploração e, por conseguinte, torna necessária uma adaptação do direito de autor à evolução económica ocorrida.
46 Além disso, excluir completamente o comodato efetuado em formato digital do âmbito de aplicação da Diretiva 2006/115 iria contra o princípio geral que impõe um elevado nível de proteção dos autores.
47 Embora seja verdade que este princípio geral apenas aparece de forma implícita no considerando 5 da Diretiva 2006/115, o mesmo é, contudo, evidenciado na Diretiva 2001/29, uma vez que o considerando 9 desta enuncia que qualquer harmonização do direito de autor se deve basear «num elevado nível de proteção».
48 Assim, tal princípio geral deve ser tomado em consideração na interpretação das diretivas que, como a Diretiva 2006/115, visam harmonizar os diferentes aspetos do direito de autor embora tenham um objeto mais restrito do que o da Diretiva 2001/29.
49 À luz da conclusão que figura no n.o 44 do presente acórdão, importa, em seguida, verificar se o comodato público de uma cópia de um livro em formato digital, efetuado nas condições enunciadas na questão submetida, é suscetível de ser abrangido pelo artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115.
50 A este respeito, há que constatar que, embora o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115, por constituir uma derrogação ao direito exclusivo de comodato previsto no artigo 1.o desta diretiva, deva, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, ser objeto de interpretação estrita, não deixa de ser verdade que a interpretação dada deve igualmente permitir salvaguardar o efeito útil da exceção assim consagrada e respeitar a sua finalidade (v., neste sentido, acórdãos de 4 de outubro de 2011, Football Association Premier League e o., C‑403/08 e C‑429/08, EU:C:2011:631, n.os 162 e 163, e de 1 de dezembro de 2011, Painer, C‑145/10, EU:C:2011:798, n.o 133).
51 Atendendo à importância dos comodatos públicos de livros em formato digital e para salvaguardar tanto o efeito útil da derrogação para o comodato público prevista no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115 (a seguir «exceção de comodato público») como a contribuição desta exceção para a promoção cultural, não se pode, por conseguinte, excluir que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115 se aplica no caso de a operação efetuada por uma biblioteca acessível ao público apresentar, à luz nomeadamente dos requisitos previstos no artigo 2.o, n.o 1, alínea b), desta diretiva, características comparáveis, em substância, às dos comodatos de obras impressas.
52 No presente caso, conforme decorre da própria redação da questão submetida, o litígio no processo principal diz respeito ao comodato de uma cópia de um livro em formato digital efetuado através da colocação desta no servidor de uma biblioteca pública e através do qual se permite que um utilizador reproduza a referida cópia por meio de uma transferência para o seu próprio computador, sendo que só pode ser transferida uma única cópia durante o período do comodato e que, depois de decorrido este período, a cópia transferida por esse utilizador deixa de poder ser utilizada por este.
53 Ora, deve considerar‑se que tal operação apresenta, à luz nomeadamente dos requisitos previstos no artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/115, características comparáveis, em substância, às dos comodatos de obras impressas, na medida em que, por um lado, a limitação das possibilidades simultâneas de transferência a uma única cópia implica que a capacidade de comodato da biblioteca em causa não ultrapasse a capacidade que teria se se tratasse de uma obra impressa e, por outro, esse comodato é efetuado apenas durante um período limitado.
54 Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à primeira questão que o artigo 1.o, n.o 1, o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), e o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115 devem ser interpretados no sentido de que o conceito de «comodato», na aceção destas disposições, abrange o comodato de uma cópia de um livro em formato digital, quando esse comodato seja efetuado através da colocação dessa cópia no servidor de uma biblioteca pública e seja permitido que um utilizador reproduza a referida cópia por meio de transferência para o seu próprio computador, sendo que só pode ser transferida uma única cópia durante o período do comodato e que, depois de decorrido esse período, a cópia transferida por esse utilizador deixa de poder ser utilizada por este.
Quanto à segunda questão
55 Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o da Diretiva 2006/115 e/ou outra disposição do direito da União devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado‑Membro submeta a aplicação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115 à condição de a cópia do livro em formato digital disponibilizada pela biblioteca pública ter sido colocada no mercado através de uma primeira venda ou de outra forma de primeira transferência da propriedade dessa cópia na União pelo titular do direito de distribuição ao público ou com o seu consentimento, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29.
56 A este propósito, antes de mais, embora resulte dos próprios termos do artigo 4.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2001/29 que os Estados‑Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou de proibir qualquer forma de distribuição ao público, através da venda ou de qualquer outro meio, do original das suas obras ou de cópias destas, e que esse direito de distribuição na União só se esgota em caso de primeira venda ou de qualquer outra forma de primeira transferência da propriedade desse objeto na União pelo titular do direito ou com o consentimento deste, decorre do artigo 1.o, n.o 2, alínea b), desta diretiva que esta última deixa intactas e não afeta de modo nenhum as disposições do direito da União relativas ao direito de comodato.
57 Daqui resulta que o artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29 não é pertinente para interpretar o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115.
58 Em seguida, o artigo 1.o, n.o 2, da Diretiva 2006/115 prevê que o direito exclusivo de comodato, previsto no artigo 1.o, n.o 1, desta diretiva, não se esgota com a venda ou com qualquer outro ato de distribuição de originais ou de cópias de obras protegidas pelo direito de autor.
59 Com efeito, o Tribunal de Justiça já declarou que os atos de exploração da obra protegida, como o comodato público, têm uma natureza diferente da da venda ou de qualquer outro ato lícito de distribuição, continuando o direito de comodato a ser uma das prerrogativas do autor não obstante a venda do suporte material que contém a obra. Por conseguinte, o direito de comodato não se esgota na venda ou com qualquer outro ato de difusão, ao passo que o direito de distribuição só se esgota precisamente em caso de primeira venda na União pelo titular do direito ou com o seu consentimento (v., neste sentido, acórdão de 6 de julho de 2006, Comissão/Portugal, C‑53/05, EU:C:2006:448, n.o 34 e jurisprudência referida).
60 Por último, importa salientar que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115 visa assegurar um equilíbrio entre os interesses dos autores, por um lado, e a promoção cultural, que constitui um objetivo de interesse geral subjacente à exceção de comodato público e justifica a possibilidade de os Estados‑Membros derrogarem, ao abrigo desta disposição, o direito exclusivo previsto no artigo 1.o desta diretiva para o comodato público, por outro. Neste contexto, os autores devem pelo menos obter uma remuneração a título desse comodato.
61 Ora, deve considerar‑se que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115, lido em conjugação com o considerando 14 desta diretiva, que indica que é necessário proteger os direitos dos autores no que se refere ao comodato público, bem como à luz das exigências que decorrem do princípio geral que impõe um elevado nível de proteção dos autores, recordado nos n.os 47 e 48 do presente acórdão, prevê apenas um limiar mínimo de proteção dos autores que é exigido aquando da interpretação da exceção de comodato público. Daqui decorre que os Estados‑Membros não estão impedidos de fixar, se for caso disso, condições suplementares suscetíveis de melhorar a proteção dos direitos dos autores para além daquilo que se encontra expressamente previsto na referida disposição.
62 No presente caso, a legislação nacional prevê uma condição suplementar na aplicação da exceção de comodato público, consagrada no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115. Esta condição exige que a cópia do livro em formato digital disponibilizada pela biblioteca pública tenha sido colocada no mercado através de uma primeira venda ou de outra forma de primeira transferência da propriedade dessa cópia na União pelo titular do direito de distribuição ao público ou com o seu consentimento, na aceção do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29.
63 Ora, como bem salientou o advogado‑geral no n.o 85 das suas conclusões, contrariamente à aquisição do direito de comodato que se efetua com o consentimento do autor, no caso de o comodato público decorrer da exceção prevista no artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115, que derroga esse consentimento, a sua aplicação a certas obras poderia prejudicar os legítimos interesses dos autores.
64 Por conseguinte, uma condição, como a que está em causa no processo principal, nos termos da qual, no âmbito da exceção de comodato público, os Estados‑Membros podem exigir que uma cópia de um livro em formato digital que é objeto desse comodato seja previamente colocada no mercado pelo titular do direito ou com o seu consentimento é suscetível de reduzir os riscos evocados no número anterior e, assim, de melhorar a proteção dos direitos dos autores aquando da implementação desta exceção. Assim, esta condição suplementar deve ser considerada como sendo conforme com o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115.
65 Em face do exposto, há que responder à segunda questão que o direito da União, nomeadamente o artigo 6.o da Diretiva 2006/115, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro submeta a aplicação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115 à condição de a cópia de um livro em formato digital disponibilizada pela biblioteca pública ter sido colocada no mercado através de uma primeira venda ou de outra forma de primeira transferência da propriedade dessa cópia na União pelo titular do direito de distribuição ao público ou com o seu consentimento, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29.
Quanto à terceira questão
66 Com a sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a exceção de comodato público nele prevista se aplique à disponibilização por uma biblioteca pública de uma cópia de um livro em formato digital no caso de esta cópia ter sido obtida a partir de uma fonte ilegal.
67 A este respeito, antes de mais, embora a redação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115 não preveja expressamente uma exigência relativa à proveniência lícita da cópia disponibilizada pela biblioteca pública, não deixa de ser verdade que um dos objetivos desta diretiva consiste em combater a «pirataria», conforme resulta do seu considerando 2.
68 Ora, admitir que uma cópia cedida por uma biblioteca pública possa ser obtida a partir de uma fonte ilícita equivaleria a tolerar, ou mesmo a encorajar, a circulação de obras contrafeitas ou pirateadas e opor‑se‑ia assim manifestamente a este objetivo.
69 Em seguida, o Tribunal de Justiça já declarou, a respeito da exceção de cópia privada prevista no artigo 5.o, n.o 2, alínea b), da Diretiva 2001/29, que esta exceção não abrange o caso de cópias efetuadas a partir de uma fonte ilícita (acórdão de 10 de abril de 2014, ACI Adam e o., C‑435/12, EU:C:2014:254, n.o 41).
70 A este respeito, o Tribunal de Justiça considerou que não se pode impor aos titulares do direito de autor a obrigação de terem de tolerar violações dos seus direitos que possam acompanhar a realização de cópias privadas. Se os Estados‑Membros dispusessem da faculdade de adotar uma legislação que permitisse que as reproduções para uso privado também fossem efetuadas a partir de uma fonte ilícita, daí resultaria, claramente, um prejuízo para o bom funcionamento do mercado interno. Da aplicação dessa legislação nacional poderia decorrer um prejuízo injustificado para os titulares do direito de autor (v., neste sentido, acórdão de 10 de abril de 2014, ACI Adam e o., C‑435/12, EU:C:2014:254, n.os 31, 35 e 40).
71 Ora, todos estes argumentos relativos à exceção de cópia privada se revelam pertinentes para a aplicação da exceção de comodato público e podem assim ser transpostos, por analogia, para o contexto do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115.
72 Em face do exposto, há que responder à terceira questão que o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a exceção de comodato público nele prevista se aplique à disponibilização por uma biblioteca pública de uma cópia de um livro em formato digital no caso de essa cópia ter sido obtida a partir de uma fonte ilegal.
Quanto à quarta questão
73 Atendendo à resposta dada à segunda questão, não há que responder à quarta questão, uma vez que esta apenas foi submetida para o caso de o Tribunal de Justiça responder de forma afirmativa à segunda.
Quanto às despesas
74 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Terceira Secção) declara:
1) O artigo 1.o, n.o 1, o artigo 2.o, n.o 1, alínea b), e o artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa ao direito de aluguer, ao direito de comodato e a certos direitos conexos ao direito de autor em matéria de propriedade intelectual, devem ser interpretados no sentido de que o conceito de «comodato», na aceção destas disposições, abrange o comodato de uma cópia de um livro em formato digital, quando esse comodato seja efetuado através da colocação dessa cópia no servidor de uma biblioteca pública e seja permitido que um utilizador reproduza a referida cópia por meio de transferência para o seu próprio computador, sendo que só pode ser transferida uma única cópia durante o período do comodato e que, depois de decorrido esse período, a cópia transferida por esse utilizador deixa de poder ser utilizada por este.
2) O direito da União, nomeadamente o artigo 6.o da Diretiva 2006/115, deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado‑Membro submeta a aplicação do artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115 à condição de a cópia de um livro em formato digital disponibilizada pela biblioteca pública ter sido colocada no mercado através de uma primeira venda ou de outra forma de primeira transferência da propriedade dessa cópia na União Europeia pelo titular do direito de distribuição ao público ou com o seu consentimento, nos termos do artigo 4.o, n.o 2, da Diretiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação.
3) O artigo 6.o, n.o 1, da Diretiva 2006/115 deve ser interpretado no sentido de que se opõe a que a derrogação para o comodato público nele prevista se aplique à disponibilização por uma biblioteca pública de uma cópia de um livro em formato digital no caso de essa cópia ter sido obtida a partir de uma fonte ilegal.
Assinaturas