Language of document : ECLI:EU:C:2018:296

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

2 de maio de 2018 (*)

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União Europeia — Direito de livre circulação e de livre residência no território dos Estados‑Membros — Diretiva 2004/38/CE — Artigo 27.o, n.o 2, segundo parágrafo — Limitação do direito de entrada e do direito de residência por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública — Afastamento do território por razões de ordem pública ou de segurança pública — Comportamento que representa uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afeta um interesse fundamental da sociedade — Pessoa cujo pedido de asilo foi indeferido por um dos motivos visados no artigo 1.o, secção F, da Convenção de Genebra ou no artigo 12.o, n.º 2, da Diretiva 2011/95/UE — Artigo 28.o, n.o 1 — Artigo 28.o, n.o 3, alínea a) — Proteção contra o afastamento — Residência no Estado‑Membro de acolhimento durante os últimos dez anos — Razões imperativas de segurança pública — Conceito»

Nos processos apensos C‑331/16 e C‑366/16,

que têm por objeto dois pedidos de decisão prejudicial nos termos do artigo 267.o TFUE, apresentados pelo Rechtbank Den Haag, zittingsplaats Middelburg (Tribunal de Haia, sede de Middelburg, Países Baixos) (C‑331/16), e pelo Raad voor Vreemdelingenbetwistingen (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros, Bélgica) (C‑366/16), por decisões de 9 de junho de 2016 e 27 de junho de 2016, que deram entrada no Tribunal de Justiça, respetivamente, em 13 de junho de 2016 e 5 de julho de 2016, nos processos

K.

contra

Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie (C‑331/16),

e

H. F.

contra

Belgische Staat (C‑366/16),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, A. Tizzano, vice‑presidente, M. Ilešič, L. Bay Larsen, T. von Danwitz e E. Levits, presidentes de secção, A. Borg Barthet, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, S. Rodin, F. Biltgen, K. Jürimäe e M. Vilaras (relator), juízes,

advogado‑geral: H. Saugmandsgaard Øe,

secretário: M. Ferreira, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 10 de julho de 2017,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação de K., por A. Eikelboom e A. M. van Eik, advocaten,

–        em representação do Governo neerlandês, por M. K. Bulterman, C. S. Schillemans e B. Koopman, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo belga, por M. Jacobs, C. Pochet e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes, assistidas por I. Florio e E. Matterne, advocaten,

–        em representação do Governo helénico, por T. Papadopoulou, na qualidade de agente,

–        em representação do Governo francês, por E. Armoët, E. de Moustier e D. Colas, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo do Reino Unido, por C. Crane, G. Brown e D. Robertson, na qualidade de agentes, assistidos por B. Lask, barrister,

–        em representação da Comissão Europeia, por E. Montaguti e G. Wils, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 14 de dezembro de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        Os pedidos de decisão prejudicial têm por objeto a interpretação do artigo 27.o, n.o 2, segundo parágrafo, do artigo 28.o, n.o 1, e do artigo 28.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77).

2        Estes pedidos foram apresentados no âmbito de dois litígios que opõem, o primeiro, K. ao Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie (secretário de Estado da Segurança e da Justiça, Países Baixos) (a seguir «secretário de Estado»), a respeito de uma decisão que declara K. persona non grata no território neerlandês (processo C‑331/16), e, o segundo, H. F. ao Belgische Staat (Estado belga), a respeito de uma decisão que recusa a H. F. um direito de residência superior a três meses no território belga (processo C‑366/16).

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        A Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)], entrou em vigor em 22 de abril de 1954. Foi completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, que entrou em vigor em 4 de outubro de 1967 (a seguir «Convenção de Genebra»).

4        O artigo 1.o da Convenção de Genebra, depois de definir, nomeadamente na secção A, o conceito de «refugiado» para efeitos desta Convenção, enuncia, na secção F:

«As disposições desta Convenção não serão aplicáveis às pessoas a respeito das quais existam razões ponderosas para pensar:

a)      que cometeram um crime contra a paz, um crime de guerra ou um crime contra a Humanidade, segundo o significado dos instrumentos internacionais elaborados para prever disposições relativas a esses crimes;

b)      que cometeram um grave crime de direito comum fora do país que deu guarida, antes de neste serem aceites como refugiados;

c)      que praticaram atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas.»

 Direito da União

 Diretiva 2004/38

5        O artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 dispõe:

«Os cidadãos da União que tenham residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento, têm direito de residência permanente no mesmo. Este direito não está sujeito às condições previstas no Capítulo III.»

6        Figurando no capítulo VI da referida diretiva, com a epígrafe «Restrições ao direito de entrada por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública», o artigo 27.o, n.os 1 e 2, desta diretiva enuncia:

«1.      Sob reserva do disposto no presente capítulo, os Estados‑Membros podem restringir a livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, por razões de ordem pública, de segurança pública ou de saúde pública. Estas razões não podem ser invocadas com fins económicos.

2.      As medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança pública devem ser conformes com o princípio da proporcionalidade e devem basear‑se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão. A existência de condenações penais anteriores não pode, por si só, servir de fundamento para tais medidas.

O comportamento da pessoa em questão deve constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade. Não podem ser utilizadas justificações não relacionadas com o caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral.»

7        Nos termos do artigo 28.o da referida diretiva:

«1.      Antes de tomar uma decisão de afastamento do território por razões de ordem pública ou de segurança pública, o Estado‑Membro de acolhimento deve tomar em consideração, nomeadamente, a duração da residência da pessoa em questão no seu território, a sua idade, o seu estado de saúde, a sua situação familiar e económica, a sua integração social e cultural no Estado‑Membro de acolhimento e a importância dos laços com o seu país de origem.

2.      O Estado‑Membro de acolhimento não pode decidir o afastamento de cidadãos da União ou de membros das suas famílias, independentemente da nacionalidade, que tenham direito de residência permanente no seu território, exceto por razões graves de ordem pública ou de segurança pública.

3.      Não pode ser decidido o afastamento de cidadãos da União, exceto se a decisão for justificada por razões imperativas de segurança pública, tal como definidas pelos Estados‑Membros, se aqueles cidadãos da União:

a)      Tiverem residido no Estado‑Membro de acolhimento durante os 10 anos precedentes, ou

b)      Forem menores, exceto se o afastamento for decidido no supremo interesse da criança, conforme previsto na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989.»

 Diretiva 2011/95/UE

8        O artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9), dispõe:

«O nacional de um país terceiro ou o apátrida é excluído da qualidade de refugiado quando existam suspeitas graves de que:

a)      Praticou crimes contra a paz, crimes de guerra ou crimes contra a humanidade, nos termos dos instrumentos internacionais que estabelecem disposições relativas a estes crimes;

b)      Praticou um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de ter sido admitido como refugiado, ou seja, antes da data em que foi emitida uma autorização de residência com base na concessão do estatuto de refugiado; podem ser classificados como crimes de direito comum graves os atos particularmente cruéis ou desumanos, mesmo que praticados com objetivos alegadamente políticos;

c)      Praticou atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas enunciados no preâmbulo e nos artigos 1.o e 2.o da Carta das Nações Unidas.»

 Direitos nacionais

 Direito neerlandês

9        O artigo 67.o da Vreemdelingenwet (Lei dos estrangeiros), de 23 de novembro de 2000 (Stb. 2000, n.º 495), prevê:

«1.      Sem prejuízo da secção 3, o [Minister van Veiligheid en Justitie (ministro da Segurança e da Justiça, Países Baixos)] pode declarar o estrangeiro persona non grata:

a. se permanecer em situação irregular nos Países Baixos e se tiver cometido de forma reiterada factos puníveis pela presente lei;

b. se tiver sido condenado por decisão transitada em julgado por uma infração punível com uma pena de prisão de, pelo menos, três anos ou se lhe tiver sido aplicada uma medida visada no artigo 37.oa do Código Penal [Wetboek van Strafrecht];

c. se representar um perigo para a ordem pública ou para a segurança nacional e se encontrar em situação irregular nos Países Baixos, na aceção do artigo 8.o, alíneas a) a e) ou l);

d. em aplicação de um Tratado; ou

e. no interesse das relações internacionais dos Países Baixos.

[…]

3. Em derrogação do artigo 8.o, o estrangeiro declarado persona non grata não pode permanecer em situação regular.»

 Direito belga

10      Nos termos do artigo 40.o‑A, n.o 2, da wet betreffende de toegang tot het grondgebied, het verblijf, de vestiging en de verwijdering van vreemdelingen (Lei relativa ao acesso ao território, à residência, ao estabelecimento e ao afastamento dos estrangeiros), de 15 de dezembro de 1980 (Belgisch Staatsblad, 31 de dezembro de 1980, p. 14584), na sua versão aplicável aos factos do processo principal, são considerados membros da família de um cidadão da União, designadamente, os seus ascendentes.

11      O artigo 43.o desta lei estabelece:

«A entrada e a residência só podem ser recusadas aos cidadãos da União e aos membros da sua família por razões de ordem pública, de segurança nacional ou de saúde pública, e isso com as seguintes restrições:

[…]

2° as medidas tomadas por razões de ordem pública ou de segurança nacional devem ser conformes com o princípio da proporcionalidade e devem basear‑se exclusivamente no comportamento da pessoa em questão. […] O comportamento da pessoa em questão deve constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade.

Não podem ser invocadas justificações não relacionadas com o caso individual ou baseadas em motivos de prevenção geral.

[…]»

12      O artigo 52.o, n.o 4, do koninklijk besluit betreffende de toegang tot het grondgebied, het verblijf, de vestiging en de verwijdering van vreemdelingen (Decreto Real relativo ao acesso ao território, à residência, ao estabelecimento e ao afastamento dos estrangeiros), de 8 de outubro de 1981 (Belgisch Staatsblad, 27 de outubro de 1981, p. 13740), enuncia:

«[…]

Se o ministro ou o seu delegado conceder o direito de residência ou se nenhuma decisão for tomada no prazo previsto no artigo 42.o da lei, o presidente da câmara ou o seu delegado emite a favor do estrangeiro um “cartão de residência de membro da família de um cidadão da União”, em conformidade com o modelo do anexo 9.

[…]

Se o ministro ou o seu delegado não reconhecer o direito de residência, essa decisão será notificada ao membro da família mediante a entrega de um documento em conformidade com o modelo que figura no anexo 20, contendo, sendo esse o caso, uma ordem de abandonar o território. […]»

 Litígios nos processos principais e questões prejudiciais

 Processo C331/16

13      K. possui a nacionalidade croata assim como da Bósnia‑Herzegovina.

14      K. chegou aos Países Baixos em 21 de janeiro de 2001, acompanhado pela mulher e por um filho menor. Segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, K. tem residido nos Países Baixos, ininterruptamente, desde essa data. Em 27 de abril de 2006, a mulher do interessado deu à luz o segundo filho do casal.

15      Em 2 de fevereiro de 2001, K. apresentou ao secretário de Estado um primeiro pedido de autorização de residência por um período determinado na qualidade de requerente de asilo. Esse pedido foi indeferido por Decisão do secretário de Estado de 15 de maio de 2003, que se tornou definitiva na sequência da sua confirmação por Acórdão do Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Países Baixos) de 21 de fevereiro de 2005.

16      Em 27 de julho de 2011, K. apresentou um novo pedido de asilo, que foi indeferido por Decisão do secretário de Estado de 16 de janeiro de 2013. Essa decisão, acompanhada de uma proibição de entrada no território neerlandês durante um período de dez anos, tornou‑se definitiva na sequência da sua confirmação por acórdão do Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) de 10 de fevereiro de 2014.

17      Em 3 de outubro de 2014, após a adesão da República da Croácia à União Europeia, K. pediu ao secretário de Estado o levantamento da proibição de entrada no território proferida contra ele. Por Decisão de 22 de julho de 2015, o secretário de Estado deferiu este pedido, declarando porém K. persona non grata no território neerlandês, com base no artigo 67.o, n.o 1, alínea e), da Lei dos estrangeiros. A reclamação apresentada por K. contra essa decisão foi indeferida por Decisão de 9 de dezembro de 2015.

18      Nessa última decisão, o secretário de Estado começou por referir as Decisões de 15 de maio de 2003 e 16 de janeiro de 2013 que indeferiram os pedidos de asilo de K., em que se constatou que este último era suspeito de ter praticado atos mencionados no artigo 1.o, secção F, alínea a), da Convenção de Genebra, por ter tido conhecimento de crimes de guerra e de crimes contra a humanidade cometidos pelas unidades especiais do exército bósnio e por ter participado pessoalmente nesses crimes. O secretário de Estado sublinhou igualmente que a presença de K. em território neerlandês poderia prejudicar as relações internacionais do Reino dos Países Baixos e que se devia evitar que este Estado‑Membro se tornasse um país de acolhimento de pessoas relativamente às quais existem razões sérias para supor que cometeram crimes graves. Além disso, o secretário de Estado considerou que a proteção da ordem pública e da segurança pública exigia que fossem adotadas todas as medidas necessárias para impedir que cidadãos neerlandeses entrassem em contacto com pessoas que, no seu país de origem, tinham adotado comportamentos graves mencionados no artigo 1.o, secção F, alínea a), da Convenção de Genebra. Em particular, era imperativamente necessário evitar que vítimas dos atos imputados a K., ou membros das suas famílias, se encontrassem na sua presença nos Países Baixos. Com base em todos estes elementos, o secretário de Estado concluiu, por um lado, que K. representava uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afetava um interesse fundamental da vida em sociedade nos Países Baixos e, por outro, que o direito ao respeito da vida privada e familiar não obstava a que K. fosse declarado persona non grata.

19      K. interpôs recurso da Decisão de 9 de dezembro de 2015 para o órgão jurisdicional de reenvio. Alegou, em substância, que os motivos invocados pelo secretário de Estado para justificar a sua decisão eram insuficientes. Com efeito, além de as relações internacionais de um Estado‑Membro não serem matéria de ordem pública, a atualidade da ameaça que ele representa baseia‑se em presunções de comportamentos que terá competido há mais de duas décadas e na tese de que o simples facto de esses comportamentos serem abrangidos pelo artigo 1.o, secção F, alínea a), da Convenção de Genebra cria uma ameaça permanente. Por outro lado, afirmar que qualquer eventual contacto com uma vítima nos Países Baixos implicaria, em si mesmo, um risco para a ordem pública amplia excessivamente o conceito de «ordem pública». Acresce que não foi demonstrado de forma plausível que eventuais vítimas de K. se encontrassem em solo neerlandês. K. acrescentou que, em qualquer caso, nunca foi julgado nem, a fortiori, condenado pelos factos que lhe eram imputados. Remetendo para o n.o 50 do Acórdão de 11 de junho de 2015, Zh. e O. (C‑554/13, EU:C:2015:377), K. concluiu que o motivo geral invocado pelo secretário de Estado, baseado no facto de representar uma ameaça para a ordem pública, era incompatível com o direito da União.

20      O órgão jurisdicional de reenvio indica a título preliminar que, desde a adesão da Croácia à União, o direito da União é aplicável à situação de K. Uma vez que a proibição de entrada no território neerlandês apenas pode ser proferida relativamente a nacionais de países terceiros, a Decisão de 16 de janeiro de 2013, que proíbe a entrada de K. no território neerlandês durante dez anos, foi revogada pela Decisão de 22 de julho de 2015, confirmada pela Decisão de 9 de dezembro de 2015, e substituída por uma declaração de persona non grata, que constitui uma medida comparável, suscetível de ser adotada relativamente a cidadãos da União. Contrariamente à proibição de entrada, uma declaração de persona non grata é, em princípio, válida por tempo indeterminado, mas o interessado pode pedir a sua revogação após um certo período.

21      Seguidamente, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha que é dado assente que existem razões sérias que permitem considerar que K. cometeu um crime na aceção do artigo 1.o, secção F, alínea a), da Convenção de Genebra, tendo em conta os seus comportamentos no período entre abril de 1992 e fevereiro de 1994, quando fazia parte de uma unidade do exército bósnio. É também dado assente que K. desertou desse exército em fevereiro de 1994. A declaração de persona non grata baseou‑se exclusivamente nestes comportamentos. Tendo em conta o período de tempo decorrido desde então, coloca‑se a questão de saber se os referidos comportamentos podem ser considerados uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afeta um interesse fundamental da sociedade, na aceção do artigo 27.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38.

22      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, decorre da jurisprudência do Raad van State (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) que a ameaça que a presença de uma pessoa numa situação como a de K. representa para o interesse fundamental da sociedade se mantém, por natureza, sempre atual, e não é necessário saber qual será o comportamento futuro dessa pessoa. Esta conclusão baseia‑se, por um lado, na gravidade excecional dos crimes visados no artigo 1.o, secção F, alínea a), da Convenção de Genebra e, por outro, na jurisprudência do Tribunal de Justiça, nomeadamente nos Acórdãos de 9 de novembro de 2010, B e D (C‑57/09 e C‑101/09, EU:C:2010:661); de 23 de novembro de 2010, Tsakouridis (C‑145/09, EU:C:2010:708); e de 22 de maio de 2012, I (C‑348/09, EU:C:2012:300).

23      O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre o caráter fundado desta interpretação do artigo 27.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38. As suas dúvidas são reforçadas pelo facto de o primeiro período desta disposição impor que as medidas de ordem pública ou de segurança pública respeitem o princípio da proporcionalidade. Além disso, o artigo 28.o, n.o 1, desta diretiva enuncia um certo número de fatores que o Estado‑Membro de acolhimento deve ter em conta antes de adotar uma decisão de afastamento, e o artigo 28.o, n.o 3, alínea a), da referida diretiva dispõe que uma decisão dessa natureza apenas pode ser tomada por razões imperiosas de segurança pública relativamente a um cidadão da União que esteja a residir no Estado‑Membro de acolhimento há dez anos.

24      O órgão jurisdicional de reenvio refere igualmente a Comunicação da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho sobre orientações para assegurar uma transposição e aplicação mais adequadas da Diretiva 2004/38, de 2 de julho de 2009 [COM(2009) 313 final], que, em sua opinião, confirmam o grau de complexidade da apreciação da proporcionalidade de uma medida como a que foi adotada relativamente a K. Este último e os membros da sua família estão perfeitamente integrados na sociedade neerlandesa, pois vivem nos Países Baixos desde 2001. Além disso, K. declarou que a sua família tinha obtido a nacionalidade croata por motivos puramente étnicos, mas que a Croácia lhes era totalmente estranha, na medida em que nunca ali habitaram nem têm família.

25      Neste contexto, o Rechtbank Den Haag, zittingsplaats Middelburg (Tribunal de Haia, sede de Middelburg, Países Baixos) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      O artigo 27.o, n.o 2, da Diretiva [2004/38] permite que um cidadão da União, como o do caso em apreço, […] ao qual está provado que […] é aplicável o artigo 1.o, [secção] F, alíneas a) e b), da [Convenção de Genebra], seja declarado persona non grata porque resulta da gravidade excecional dos crimes a que se refere essa disposição que se deve presumir que a ameaça [que essa pessoa representa para um] interesse fundamental da sociedade é, por natureza, permanentemente atual?

2)      Em caso de resposta negativa à [primeira questão], como [se determina], no âmbito de uma proposta de declaração de persona non grata, se o comportamento do cidadão da União acima referido, ao qual foi declarado aplicável o artigo 1.o, [secção] F, alíneas a) e b), da [Convenção de Genebra], deve ser considerado uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afeta um interesse fundamental da sociedade? Qual é a relevância, para [este] efeito, do facto de, como sucede no caso em apreço, os comportamentos previstos no artigo 1.o, [secção] F, [da Convenção de Genebra] terem ocorrido há muito tempo, [a saber,] entre 1992 e 1994?

3)      Na apreciação da questão de saber se pode ser aplicada uma declaração de persona non grata a um cidadão da União […] ao qual foi declarado aplicável o artigo 1.o, [secção] F, alíneas a) e b), da [Convenção de Genebra], como [acontece] no caso em apreço, qual é a relevância do princípio da proporcionalidade? Devem [ser tomados em consideração] nesse contexto, ou independentemente [dele], os fatores referidos no artigo 28.o, n.o 1, da [Diretiva 2004/38]? Deve também [ser tomado em consideração] nesse contexto, ou independentemente [dele], o prazo de dez anos de residência no país de acolhimento, referido no artigo 28.o, n.o 3, alínea a), [da referida diretiva]? Devem ter‑se em conta todos os fatores referidos no ponto 3.3 da [Comunicação COM(2009) 313]?»

 Processo C366/16

26      H. F., de nacionalidade afegã, chegou aos Países Baixos em 7 de fevereiro de 2000 e apresentou um pedido de asilo em 6 de março de 2000. Por decisão da autoridade neerlandesa competente de 26 de maio de 2003, H. F. foi excluído do estatuto de refugiado com base no artigo 1.o, secção F, alínea a), da Convenção de Genebra. Essa decisão foi confirmada por sentença do Rechtbank te s’‑Gravenhage (Tribunal de Haia, Países Baixos).

27      Por Decisão de 9 de janeiro de 2006, a autoridade neerlandesa competente recusou conceder a H. F. uma autorização de residência temporária nos Países Baixos. Essa decisão foi igualmente confirmada pelo Rechtbank te s’‑Gravenhage (Tribunal de Haia). Uma vez que a Decisão de 26 de maio de 2003 se tornou definitiva, o secretário de Estado adotou uma decisão de proibição de permanência no território relativamente a H. F.

28      Em 2011, H. F. e a filha estabeleceram‑se na Bélgica. Em 5 de outubro de 2011, H. F. apresentou um pedido de autorização de residência na Bélgica, que foi julgado inadmissível por Decisão do gemachtigde van de staatssecretaris voor Asiel en Migratie en Administrative Vereenvoudiging (delegado do secretário de Estado do Asilo e da Migração, encarregado da simplificação administrativa, Bélgica) (a seguir «delegado») de 13 de novembro de 2012. Nessa mesma data, este último adotou uma decisão que intimava H. F. a abandonar o território belga. H. F. interpôs recurso de anulação destas duas decisões, do qual veio posteriormente a desistir.

29      Em 21 de março de 2013, H. F. apresentou ao delegado um pedido de obtenção de um título de residência na Bélgica na qualidade de membro da família de um cidadão da União, com o fundamento de que a sua filha tinha a nacionalidade neerlandesa. Em 12 de agosto de 2013, o delegado adotou uma decisão recusando autorizar a residência, intimando‑o simultaneamente a abandonar o território belga.

30      Em resposta a um segundo pedido de H. F. com o mesmo objeto, apresentado em 20 de agosto de 2013, o delegado adotou, em 18 de fevereiro de 2014, uma decisão recusando autorizar a residência, intimando‑o simultaneamente a abandonar o território belga. Foi negado provimento ao recurso que H. F. interpôs desta decisão por decisão do órgão jurisdicional belga competente, a qual transitou em julgado.

31      Em 18 de setembro de 2014, H. F. apresentou um terceiro pedido de obtenção de um título de residência na Bélgica na qualidade de membro da família de um cidadão da União. Na sequência deste pedido, o delegado adotou de novo, em 5 de janeiro de 2015, uma decisão recusando autorizar a residência, intimando‑o simultaneamente a abandonar o território belga. Com base em recurso interposto por H. F., esta decisão foi anulada pelo órgão jurisdicional belga competente, em 17 de junho de 2015.

32      Na sequência dessa anulação, o delegado adotou relativamente a H. F., em 8 de outubro de 2015, uma decisão recusando autorizar a residência por um período superior a três meses sem intimação de abandonar o território. Esta decisão foi objeto de um recurso de anulação interposto por H. F. para o Raad voor Vreemdelingenbetwistingen (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros, Bélgica).

33      Segundo as indicações fornecidas pelo órgão jurisdicional de reenvio, para adotar aquela decisão, o delegado baseou‑se em informações contidas no dossiê do processo de asilo relativo a H. F. nos Países Baixos, obtido com a colaboração deste. Decorre supostamente desse dossiê que, segundo a avaliação feita pelas autoridades neerlandesas competentes em matéria de asilo, H. F. tinha cometido crimes mencionados no artigo 1.o, secção F, alínea a), da Convenção de Genebra. Em particular, terá participado em crimes de guerra ou em crimes contra a humanidade, ou dado ordens para cometer esses crimes, no âmbito das funções que exercia. Assim, o delegado considerou que a ameaça que representa, para um interesse fundamental da sociedade, a presença de uma pessoa, como H. F., em relação à qual está provado que existem razões sérias para pensar que cometeu crimes mencionados no artigo 1.o, secção F, alínea a), da Convenção de Genebra se mantém, por natureza, permanentemente atual. Entendeu que a avaliação do comportamento futuro dessa pessoa não é, nesta hipótese, importante, atendendo à natureza e à gravidade dos crimes em causa, pelo que a plausibilidade e a atualidade da ameaça decorrente do comportamento da referida pessoa, assim como o risco de reincidência, não tinham de ser demonstrados. Segundo o delegado, a recusa do direito de residência nesses casos serve igualmente para proteger as vítimas dos crimes em causa e, dessa forma, a sociedade de acolhimento e a ordem jurídica internacional. Por todas estas razões, conclui que a recusa em conceder um direito de residência a H. F. é proporcionada.

34      O órgão jurisdicional de reenvio indica que, embora não contenha uma intimação de abandonar o território belga, a Decisão de 8 de outubro de 2015 devia ser considerada uma medida da natureza das medidas visadas no artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/38. Interroga‑se acerca da compatibilidade, com esta última disposição, da tese segundo a qual a segurança nacional ficaria comprometida pela presença no território de uma pessoa relativamente à qual foi adotada cerca de dez anos antes, nos Países Baixos, uma decisão de exclusão do estatuto de refugiado que se tornou definitiva.

35      O órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que esta problemática também está relacionada com o direito ao respeito da vida privada e familiar, visado no artigo 7.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») e no artigo 8.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950. Segundo esse órgão jurisdicional, na medida em que se trata de uma decisão de recusa de concessão do direito de residência, afigura‑se adequado realizar um exame segundo o chamado critério «do justo equilíbrio».

36      Por estas razões, o Raad voor Vreemdelingenbetwistingen (Conselho do Contencioso dos Estrangeiros) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Deve o direito da União, em especial o artigo 27.o, n.o 2, da Diretiva [2004/38], eventualmente conjugado com o artigo 7.o da [Carta], ser interpretado no sentido de que um pedido de autorização de residência apresentado, no âmbito do reagrupamento familiar, por um nacional de um país terceiro membro da família de um cidadão da União que, por sua vez, exerceu o seu direito de livre circulação e residência[…] pode ser indeferido num Estado‑Membro por este entender que a simples presença, na sociedade, [desse] membro da família, a quem foi recusado o estatuto de refugiado noutro Estado‑Membro [em aplicação] do artigo 1.o, [secção] F, da Convenção de Genebra e do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva [2011/95, representa uma ameaça], dado o seu envolvimento em factos num contexto histórico e social específico [no] seu país de origem, baseando‑se a atualidade e a realidade da ameaça que o comportamento deste membro da família representa no Estado‑Membro de acolhimento exclusivamente numa referência à decisão de exclusão, sem ser avaliado o risco de reincidência no Estado‑Membro de acolhimento?»

37      Por Decisão do presidente do Tribunal de Justiça de 21 de julho de 2016, os processos C‑331/16 e C‑366/16 foram apensados para efeitos da fase escrita, da fase oral e do acórdão.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto às duas primeiras questões e à primeira parte da terceira questão no processo C331/16 e quanto à questão no processo C366/16

38      Através das duas primeiras questões e da primeira parte da terceira questão no processo C‑331/16, bem como da questão no processo C‑366/16, que há que examinar conjuntamente, os órgãos jurisdicionais de reenvio perguntam, em substância, se o artigo 27.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que o facto de um cidadão da União ou um nacional de um país terceiro, membro da família desse cidadão, que pede autorização para residir no território de um Estado‑Membro, ter sido, no passado, objeto de uma decisão de exclusão do estatuto de refugiado com o fundamento de que existiam razões sérias para pensar que tinha praticado atos mencionados no artigo 1.o, secção F, da Convenção de Genebra ou no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 permite às autoridades competentes desse Estado‑Membro considerarem automaticamente que a sua simples presença nesse território constitui, independentemente da existência ou não de um risco de reincidência, uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afeta um interesse fundamental da sociedade, na aceção do artigo 27.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38. Em caso de resposta negativa, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑331/16 pergunta como se deve apreciar a existência de uma ameaça dessa natureza e, em particular, em que medida se deve ter em conta o período de tempo decorrido desde a suposta prática desses atos. Interroga‑se igualmente sobre a incidência do princípio da proporcionalidade, mencionado no artigo 27.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, na adoção de uma declaração de persona non grata no território do Estado‑Membro em causa relativamente à pessoa objeto dessa decisão de exclusão.

39      Decorre do artigo 27.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 que os Estados‑Membros podem adotar medidas que restrinjam a livre circulação e residência de um cidadão da União ou de um membro da sua família, independentemente da nacionalidade, por razões de ordem pública ou de segurança pública, não podendo tais razões, porém, ser invocadas para fins puramente económicos.

40      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, embora, no essencial, os Estados‑Membros sejam livres de determinar, em conformidade com as suas necessidades nacionais, que podem variar de um Estado‑Membro para outro e de uma época para outra, as exigências de ordem pública e de segurança pública, nomeadamente enquanto justificação de uma derrogação ao princípio fundamental da livre circulação de pessoas, estas exigências devem, contudo, ser entendidas em sentido estrito, de modo que o seu alcance não pode ser determinado unilateralmente por cada um dos Estados‑Membros sem fiscalização das instituições da União (Acórdão de 22 de maio de 2012, I, C‑348/09, EU:C:2012:300, n.o 23 e jurisprudência referida; v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2017, E, C‑193/16, EU:C:2017:542, n.o 18 e jurisprudência referida).

41      Assim, o conceito de «ordem pública» que figura nos artigos 27.o e 28.o da Diretiva 2004/38 foi interpretado pela jurisprudência do Tribunal de Justiça no sentido de que o recurso a este conceito pressupõe, em qualquer caso, a existência, independentemente da perturbação da ordem social que qualquer infração à lei constitui, de uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade (Acórdão de 24 de junho de 2015, H. T., C‑373/13, EU:C:2015:413, n.o 79 e jurisprudência referida).

42      Decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o conceito de «segurança pública» cobre ao mesmo tempo a segurança interna de um Estado‑Membro e a sua segurança externa (Acórdão de 23 de novembro de 2010, Tsakouridis, C‑145/09, EU:C:2010:708, n.o 43). A segurança interna pode ser afetada, nomeadamente, por uma ameaça direta para a tranquilidade e a segurança física da população do Estado‑Membro em causa (v., neste sentido, Acórdão de 22 de maio de 2012, I, C‑348/09, EU:C:2012:300, n.o 28). A segurança externa pode ser afetada, nomeadamente, pelo risco de uma perturbação grave das relações externas desse Estado ou da coexistência pacífica dos povos (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2010, Tsakouridis, C‑145/09, EU:C:2010:708, n.o 44).

43      No caso vertente, resulta das indicações dos órgãos jurisdicionais de reenvio que a decisão de indeferimento da reclamação apresentada por K. contra a declaração de persona non grata no território neerlandês e a decisão que recusou conceder a H. F. um direito de residência por mais de três meses no território belga foram motivadas pelo facto de, tendo em conta a exclusão anterior de ambos do estatuto de refugiado com base no artigo 1.o, secção F, da Convenção de Genebra ou no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95, a sua simples presença no território dos Estados‑Membros em causa poder prejudicar as relações internacionais desses Estados‑Membros, assim como pela necessidade de impedir que os interessados pudessem entrar em contacto com os cidadãos dos referidos Estados que tinham sido vítimas dos crimes e dos atos que lhes eram imputados e se encontrassem eventualmente no território desses mesmos Estados‑Membros.

44      Além disso, os Governos francês e do Reino Unido sublinharam nas suas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça que medidas da natureza daquelas que foram adotadas relativamente a K. e a H. F. podem igualmente contribuir para assegurar a proteção dos valores fundamentais da sociedade de um Estado‑Membro e da ordem jurídica internacional, bem como para manter a coesão social, a confiança pública nos sistemas de justiça e de imigração e a credibilidade do compromisso dos Estados‑Membros na proteção dos valores fundamentais visados nos artigos 2.o e 3.o TUE.

45      Como salientou o advogado‑geral, em substância, no n.o 68 das suas conclusões, não se pode excluir que motivos como os evocados nos n.os 43 e 44 do presente acórdão possam ser considerados pelos Estados‑Membros razões de ordem pública ou de segurança pública, na aceção do artigo 27.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, suscetíveis de justificar a adoção de medidas que restringem a liberdade de circulação e de residência, no seu território, de um cidadão da União ou de um nacional de um país terceiro, membro da família desse cidadão.

46      Além disso, importa sublinhar que os crimes e os atos visados no artigo 1.o, secção F, da Convenção de Genebra ou no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 violam gravemente valores fundamentais como o respeito da dignidade humana e os direitos do Homem, sobre os quais, como enuncia o artigo 2.o TUE, se funda a União, bem como a paz, que a União tem como objetivo promover, em conformidade com o artigo 3.o TUE.

47      Decorre destes elementos que uma restrição introduzida por um Estado‑Membro às liberdades de circulação e de residência de um cidadão da União ou de um nacional de um país terceiro, membro da família desse cidadão, que foi objeto, no passado, de uma decisão de exclusão do estatuto de refugiado em aplicação do artigo 1.o, secção F, da Convenção de Genebra ou do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95, pode estar abrangida pelo conceito de «medidas de ordem pública ou de segurança pública», na aceção do artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/38.

48      Contudo, decorre do teor do artigo 27.o, n.o 2, primeiro parágrafo, da Diretiva 2004/38 que as medidas de ordem pública ou de segurança pública que este artigo visa se devem basear exclusivamente no comportamento do indivíduo em questão.

49      Além disso, o artigo 27.o, n.o 2, segundo parágrafo, dessa diretiva subordina a adoção de tais medidas à condição de o comportamento da pessoa em causa representar uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade ou do Estado‑Membro de acolhimento.

50      Ora, cabe recordar a este respeito que as causas de exclusão do estatuto de refugiado previstas no artigo 1.o, secção F, da Convenção de Genebra e no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 foram instituídas com o objetivo de excluir do estatuto de refugiado as pessoas consideradas indignas da proteção que lhe está associada e de evitar que a concessão do referido estatuto permita aos autores de certos crimes graves escaparem a uma responsabilidade penal, pelo que a exclusão do referido estatuto não está subordinada à existência de um perigo atual para o Estado‑Membro de acolhimento (v., neste sentido, Acórdão de 9 de novembro de 2010, B e D, C‑57/09 et C‑101/09, EU:C:2010:661, n.o 104).

51      Daqui resulta que o facto de a pessoa em causa ter sido objeto, no passado, de uma decisão de exclusão do estatuto de refugiado por força de uma dessas disposições não pode levar automaticamente a concluir que a sua simples presença no território do Estado‑Membro de acolhimento constitui uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afeta um interesse fundamental da sociedade, na aceção do artigo 27.o, n.o 2, segundo parágrafo, primeiro período, da Diretiva 2004/38.

52      As medidas justificadas por razões de ordem pública ou de segurança pública só podem ser tomadas se, após uma apreciação caso a caso por parte das autoridades nacionais competentes, se verificar que o comportamento individual da pessoa em causa representa atualmente um perigo real e suficientemente grave que afeta um interesse fundamental da sociedade (Acórdão de 8 de dezembro de 2011, Ziebell, C‑371/08, EU:C:2011:809, n.o 82 e jurisprudência referida; v., igualmente, neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2004, Orfanopoulos et Oliveri, C‑482/01 e C‑493/01, EU:C:2004:262, n.o 77).

53      Por conseguinte, essa apreciação é igualmente necessária para efeitos da eventual adoção, pela autoridade competente de um Estado‑Membro, de uma medida baseada em razões de ordem pública ou de segurança pública, na aceção do artigo 27.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38, contra uma pessoa relativamente à qual as autoridades competentes em matéria de asilo consideraram que existiam razões sérias para pensar que cometeu crimes ou atos mencionados no artigo 1.o, secção F, da Convenção de Genebra ou no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95.

54      Essa apreciação deve ter em conta as conclusões da decisão de exclusão do estatuto de refugiado de que foi objeto o indivíduo em causa, bem como os elementos em que essa decisão se baseia, em particular a natureza e a gravidade dos crimes ou dos atos imputados a esse indivíduo, o nível da sua participação individual, bem como a eventual existência de motivos de exoneração da responsabilidade penal, como a coação ou a legítima defesa.

55      Um exame dessa natureza é ainda mais importante nos casos em que, como nos processos principais, o interessado não foi objeto de nenhuma condenação penal pelos crimes ou os atos invocados para justificar a rejeição, no passado, do seu pedido de asilo.

56      Além disso, embora, em geral, a constatação de uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afete um interesse fundamental da sociedade, na aceção do artigo 27.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/38, implique a existência no indivíduo em questão de uma tendência para manter esse comportamento no futuro, também pode acontecer que o simples comportamento passado reúna as condições dessa ameaça (Acórdão de 27 de outubro de 1977, Bouchereau, 30/77, EU:C:1977:172, n.o 29).

57      No caso vertente, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑331/16 interroga‑se sobre a incidência do decurso de um período de tempo significativo desde a pretensa prática dos atos que justificaram a exclusão de K. do estatuto de refugiado nos termos do artigo 1.o, secção F, da Convenção de Genebra.

58      A este respeito, o tempo decorrido desde a prática desses atos é, sem dúvida, um elemento pertinente para apreciar a existência de uma ameaça como a visada no artigo 27.o, n.o 2, segundo parágrafo, da Diretiva 2004/38 (v., neste sentido, Acórdão de 11 de junho de 2015, Zh. e O., C‑554/13, EU:C:2015:377, n.os 60 a 62). Todavia, a eventual gravidade excecional dos atos em causa pode ser de natureza a caracterizar, mesmo após um período de tempo relativamente longo, a persistência de uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afeta um interesse fundamental da sociedade.

59      No processo C‑366/16, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se acerca da pertinência, para efeitos dessa apreciação, do risco de reincidência no Estado‑Membro de acolhimento, quando os crimes ou os atos visados no artigo 1.o, secção F, da Convenção de Genebra ou no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 tenham ocorrido no país de origem do interessado, num contexto histórico e social específico que não é suscetível de se reproduzir nesse Estado‑Membro.

60      A este respeito, cabe sublinhar que, embora pareça pouco provável que esses crimes ou atos possam reproduzir‑se fora do seu contexto histórico e social específico, um comportamento por parte do interessado que demonstre a persistência de uma atitude atentatória dos valores fundamentais visados nos artigos 2.o e 3.o TUE, como a dignidade humana e os direitos do Homem, que esses crimes ou atos revelam, pode, em si mesmo, constituir uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afeta um interesse fundamental da sociedade, na aceção do artigo 27.o, n.o 2, segundo parágrafo, primeiro período, da Diretiva 2004/38.

61      Saliente‑se ainda que, como decorre do artigo 27.o, n.o 2, dessa diretiva e da jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, uma medida restritiva do direito à livre circulação só pode ser justificada se respeitar o princípio da proporcionalidade, o que pressupõe que se determine se essa medida é adequada para garantir a realização do objetivo que prossegue e não vai além do que é necessário para o alcançar (v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 2011, Gaydarov, C‑430/10, EU:C:2011:749, n.o 40 e jurisprudência referida).

62      Essa avaliação implica que se pondere, por um lado, a ameaça que o comportamento pessoal do indivíduo em causa representa para os interesses fundamentais da sociedade de acolhimento e, por outro, a proteção dos direitos que a Diretiva 2004/38 confere aos cidadãos da União e aos membros da sua família (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2010, Tsakouridis, C‑145/09, EU:C:2010:708, n.o 50 e jurisprudência referida).

63      No contexto desta avaliação, importa ter em conta os direitos fundamentais, cujo respeito é assegurado pelo Tribunal de Justiça, em particular o direito ao respeito pela vida privada e familiar tal como enunciado no artigo 7.o da Carta e no artigo 8.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (Acórdão de 23 de novembro de 2010, Tsakouridis, C‑145/09, EU:C:2010:708, n.o 52 e jurisprudência referida).

64      Como sublinhou o advogado‑geral no n.o 112 das suas conclusões, o Estado‑Membro de acolhimento deve, designadamente, verificar, nesse contexto, a possibilidade de adotar outras medidas menos ofensivas da liberdade de circulação e de residência do interessado que sejam igualmente eficazes para assegurar a proteção dos interesses fundamentais invocados (v., neste sentido, Acórdão de 17 de novembro de 2011, Aladzhov, C‑434/10, EU:C:2011:750, n.o 47).

65      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder às duas primeiras questões e à primeira parte da terceira questão no processo C‑331/16, bem como à questão no processo C‑366/16, que o artigo 27.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que o facto de um cidadão da União ou um nacional de um país terceiro, membro da família desse cidadão, que peça autorização para residir no território de um Estado‑Membro, ter sido, no passado, objeto de uma decisão de exclusão do estatuto de refugiado a título do artigo 1.o, secção F, da Convenção de Genebra ou do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 não permite às autoridades competentes desse Estado‑Membro considerarem automaticamente que a sua simples presença nesse território constitui, independentemente da existência ou não de um risco de reincidência, uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afeta um interesse fundamental da sociedade, suscetível de justificar a adoção de medidas de ordem pública ou de segurança pública.

66      A constatação da existência de uma ameaça dessa natureza deve basear‑se numa apreciação, pelas autoridades competentes do Estado‑Membro de acolhimento, do comportamento pessoal do indivíduo em causa, tendo em consideração as constatações da decisão de exclusão do estatuto de refugiado e os elementos em que essa decisão se funda, especialmente a natureza e a gravidade dos crimes ou dos atos que lhe são imputados, o nível da sua participação individual, a eventual existência de motivos de exoneração da sua responsabilidade penal, bem como a existência ou não de uma condenação penal. Esta apreciação global deve igualmente ter em conta o período de tempo decorrido desde a suposta prática desses crimes ou atos, bem como o comportamento posterior do referido indivíduo, nomeadamente a questão de saber se esse comportamento revela a persistência de uma atitude atentatória dos valores fundamentais visados nos artigos 2.o e 3.o TUE de uma forma que possa perturbar a tranquilidade e a segurança física da população. O simples facto de o comportamento passado desse indivíduo se inserir no contexto histórico e social específico do seu país de origem, não suscetível de se reproduzir no Estado‑Membro de acolhimento, não obsta a essa conclusão.

67      Em conformidade com o princípio da proporcionalidade, as autoridades competentes do Estado‑Membro de acolhimento devem, além disso, ponderar, por um lado, a proteção do interesse fundamental da sociedade em causa e, por outro, os interesses da pessoa em causa, relativos ao exercício da sua liberdade de circulação e de residência enquanto cidadão da União, bem como ao seu direito ao respeito da vida privada e familiar.

 Quanto à segunda parte da terceira questão no processo C331/16

68      Através da segunda parte da sua terceira questão, o órgão jurisdicional de reenvio no processo C‑331/16 pretende saber, em substância, por um lado, se os fatores enunciados no artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 devem ser tidos em conta para efeitos da adoção de uma declaração de persona non grata, no território do Estado‑Membro em causa, relativamente a uma pessoa cujo pedido de asilo foi, no passado, rejeitado com base no artigo 1.o, secção F, da Convenção de Genebra e, por outro, se a proteção reforçada de que beneficiam, nos termos do artigo 28.o, n.o 3, alínea a), desta diretiva, os cidadãos da União que tenham residido durante os últimos dez anos no Estado‑Membro de acolhimento é aplicável à situação dessa pessoa.

69      A este respeito, cabe salientar que, na audiência, o Governo neerlandês indicou que a Decisão de 22 de julho de 2015 que declarou K. persona non grata no território neerlandês implicava a obrigação de este abandonar o referido território. Nestas condições, essa decisão deve ser considerada uma decisão de afastamento, na aceção do artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38.

70      Para efeitos da adoção de uma tal decisão no respeito do princípio da proporcionalidade, há que ter em conta, nomeadamente, a natureza e a gravidade do comportamento imputado ao indivíduo em causa, a duração e, sendo caso disso, o caráter legal da sua residência no Estado‑Membro de acolhimento, o período decorrido desde aquele comportamento, a sua conduta durante esse período, o grau da sua perigosidade atual para a sociedade, bem como a solidez dos laços sociais, culturais e familiares com aquele Estado‑Membro.

71      Quanto à proteção visada no artigo 28.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2004/38, recorde‑se que esta diretiva estabelece um regime de proteção contra as medidas de afastamento, baseado no grau de integração, no Estado‑Membro de acolhimento, das pessoas em causa, de modo que quanto maior for a integração dos cidadãos da União e dos membros da sua família no Estado‑Membro de acolhimento maior deve ser a proteção destes contra o afastamento (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de novembro de 2010, Tsakouridis, C‑145/09, EU:C:2010:708, n.o 25, e de 17 de abril de 2018, B e Vomero, C‑316/16 e C‑424/16, n.o 44).

72      O artigo 28.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2004/38, segundo o qual uma decisão de afastamento só pode ser tomada relativamente a um cidadão da União que tenha residido no Estado‑Membro de acolhimento durante os últimos dez anos se for justificada por «razões imperativas de segurança pública», inscreve‑se na economia desse regime e reforça consideravelmente a proteção das pessoas às quais aquela disposição é aplicável contra as medidas de afastamento de que possam vir a ser objeto (v., neste sentido, Acórdão de 23 de novembro de 2010, Tsakouridis, C‑145/09, EU:C:2010:708, n.o 28).

73      Todavia, como o Tribunal de Justiça já declarou no seu Acórdão de 17 de abril de 2018, B e Vomero (C‑316/16 e C‑424/16, EU:C:2018:256, n.o 61), o artigo 28.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que o benefício da proteção contra o afastamento do território prevista na referida disposição está subordinado à condição de o interessado dispor de um direito de residência permanente, na aceção do artigo 16.o e do artigo 28.o, n.o 2, desta diretiva. Ora, decorre do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 que este direito só pode ser adquirido se a pessoa em causa tiver residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento, em conformidade com os requisitos previstos pela referida diretiva, nomeadamente os enunciados no artigo 7.o, n.o 1, desta (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Ziolkowski e Szeja, C‑424/10 e C‑425/10, EU:C:2011:866, n.o 46), ou por um instrumento de direito da União anterior a 30 de abril de 2006, data em que expirou o prazo de transposição da mesma diretiva (v., neste sentido, Acórdão de 7 de outubro de 2010, Lassal, C‑162/09, EU:C:2010:592, n.os 33 a 40).

74      Uma residência conforme com o direito de um Estado‑Membro, mas que não preencha os requisitos enunciados pelo direito da União, não pode, em contrapartida, ser considerada uma residência «legal», na aceção do artigo 16.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38, pelo que não se pode considerar que um cidadão da União que tenha residido durante mais de cinco anos no território do Estado‑Membro de acolhimento unicamente com fundamento no direito nacional desse Estado adquiriu o direito de residência permanente em conformidade com a referida disposição, se, durante essa residência, não preenchia os referidos requisitos (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, Ziolkowski e Szeja, C‑424/10 e C‑425/10, EU:C:2011:866, n.os 47 e 51).

75      No caso vertente, embora indique que K. residiu em território neerlandês, ininterruptamente, desde fevereiro de 2001, a decisão de reenvio não contém, em contrapartida, nenhuma indicação da qual se possa inferir que, apesar do indeferimento dos seus pedidos de asilo, K. cumpriu um período de residência legal ininterrupto de cinco anos naquele território, em conformidade com os requisitos enunciados pela Diretiva 2004/38 ou por um instrumento de direito da União anterior a ela. Por conseguinte, não se pode deduzir da referida decisão que K. tenha adquirido um direito de residência permanente na aceção do artigo 16.o desta diretiva. Nestas circunstâncias, que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, pode considerar‑se que a proteção reforçada contra o afastamento prevista no artigo 28.o, n.o 3, alínea a), da referida diretiva não lhe é aplicável.

76      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à segunda parte da terceira questão no processo C‑331/16 que o artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que, quando as medidas previstas impliquem o afastamento do indivíduo em causa do Estado‑Membro de acolhimento, este último deve ter em conta a natureza e a gravidade do comportamento desse indivíduo, a duração e, sendo caso disso, o caráter legal da sua residência nesse Estado‑Membro, o período decorrido desde o comportamento que lhe é imputado, a sua conduta durante esse período, o grau da sua perigosidade atual para a sociedade, bem como a solidez dos laços sociais, culturais e familiares com o referido Estado‑Membro.

77      O artigo 28.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável ao cidadão da União que não disponha de um direito de residência permanente no Estado‑Membro de acolhimento, na aceção do artigo 16.o e do artigo 28.o, n.o 2, desta diretiva.

 Quanto às despesas

78      Revestindo o processo, quanto às partes nas causas principais, a natureza de incidente suscitado perante os órgãos jurisdicionais de reenvio, compete a estes decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

1)      O artigo 27.o, n.o 2, da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos EstadosMembros, que altera o Regulamento (CEE) n.o 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, deve ser interpretado no sentido de que o facto de um cidadão da União Europeia ou um nacional de um país terceiro, membro da família desse cidadão, que peça autorização para residir no território de um EstadoMembro, ter sido, no passado, objeto de uma decisão de exclusão do estatuto de refugiado a título do artigo 1.o, secção F, da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951, e completada pelo Protocolo relativo ao Estatuto dos Refugiados, celebrado em Nova Iorque, em 31 de janeiro de 1967, ou do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida, não permite às autoridades competentes desse EstadoMembro considerarem automaticamente que a sua simples presença nesse território constitui, independentemente da existência ou não de um risco de reincidência, uma ameaça real, atual e suficientemente grave que afeta um interesse fundamental da sociedade, suscetível de justificar a adoção de medidas de ordem pública ou de segurança pública.

A constatação da existência de uma ameaça dessa natureza deve basearse numa apreciação, pelas autoridades competentes do EstadoMembro de acolhimento, do comportamento pessoal do indivíduo em causa, tendo em consideração as constatações da decisão de exclusão do estatuto de refugiado e os elementos em que essa decisão se funda, especialmente a natureza e a gravidade dos crimes ou dos atos que lhe são imputados, o nível da sua participação individual, a eventual existência de motivos de exoneração da sua responsabilidade penal, bem como a existência ou não de uma condenação penal. Esta apreciação global deve igualmente ter em conta o período de tempo decorrido desde a suposta prática desses crimes ou atos, bem como o comportamento posterior do referido indivíduo, nomeadamente a questão de saber se esse comportamento revela a persistência de uma atitude atentatória dos valores fundamentais visados nos artigos 2.o e 3.o TUE de uma forma que possa perturbar a tranquilidade e a segurança física da população. O simples facto de o comportamento passado desse indivíduo se inserir no contexto histórico e social específico do seu país de origem, não suscetível de se reproduzir no EstadoMembro de acolhimento, não obsta a essa conclusão.

Em conformidade com o princípio da proporcionalidade, as autoridades competentes do EstadoMembro de acolhimento devem, além disso, ponderar, por um lado, a proteção do interesse fundamental da sociedade em causa e, por outro, os interesses da pessoa em causa, relativos ao exercício da sua liberdade de circulação e de residência enquanto cidadão da União, bem como ao seu direito ao respeito da vida privada e familiar.

2)      O artigo 28.o, n.o 1, da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que, quando as medidas previstas impliquem o afastamento do indivíduo em causa do EstadoMembro de acolhimento, este último deve ter em conta a natureza e a gravidade do comportamento desse indivíduo, a duração e, sendo caso disso, o caráter legal da sua residência nesse EstadoMembro, o período decorrido desde o comportamento que lhe é imputado, a sua conduta durante esse período, o grau da sua perigosidade atual para a sociedade, bem como a solidez dos laços sociais, culturais e familiares com o referido EstadoMembro.

O artigo 28.o, n.o 3, alínea a), da Diretiva 2004/38 deve ser interpretado no sentido de que não é aplicável ao cidadão da União que não disponha de um direito de residência permanente no EstadoMembro de acolhimento, na aceção do artigo 16.o e do artigo 28.o, n.o 2, desta diretiva.

Assinaturas


*      Língua do processo: neerlandês.