Language of document : ECLI:EU:C:2002:57

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

29 de Janeiro de 2002 (1)

«Relações externas - Acordo de associação Comunidades-Polónia - Interpretação do artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão - Proibição das discriminações baseadas na nacionalidade no que respeita às condições de trabalho ou de despedimento de trabalhadores polacos legalmente empregados no território de um Estado-Membro - Contrato de trabalho a termo certo celebrado com um leitor de língua estrangeira - Efeitos da entrada em vigor do acordo de associação sobre um tal contrato»

No processo C-162/00,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Bundesarbeitsgericht (Alemanha), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Land Nordrhein-Westfalen

e

Beata Pokrzeptowicz-Meyer,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 37.°, n.° 1, do Acordo europeu que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Polónia, por outro, celebrado e aprovado em nome da Comunidade pela Decisão 93/743/Euratom, CECA, CE do Conselho e da Comissão, de 13 de Dezembro de 1993 (JO L 348, p. 1),

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, P. Jann, F. Macken, N. Colneric e S. von Bahr, presidentes de secção, C. Gulmann, D. A. O. Edward, A. La Pergola (relator), J.-P. Puissochet, J. N. Cunha Rodrigues e C. W. A. Timmermans, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,


secretário: L. Hewlett, administradora,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação do Land Nordrhein-Westfalen, por P. O. Wilke, Rechtsanwalt,

-    em representação do Governo francês, por J.-F. Dobelle e C. Bergeot, na qualidade de agentes,

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por M.-J. Jonczy e B. Martenczuk, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Governo francês e da Comissão na audiência de 19 de Junho de 2001,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 20 de Setembro de 2001,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despacho de 22 de Março de 2000, entrado no Tribunal de Justiça em 2 de Maio seguinte, o Bundesarbeitsgericht colocou, nos termos do artigo 234.° CE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 37.°, n.° 1, do Acordo europeu que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Polónia, por outro, celebrado e aprovado em nome da Comunidade pela Decisão 93/743/Euratom, CECA, CE do Conselho e da Comissão, de 13 de Dezembro de 1993 (JO L 348, p. 1, a seguir «acordo de associação»).

2.
    As referidas questões foram suscitadas no quadro de um litígio entre o Land Nordrhein-Westfalen (Land da Renânia do Norte-Vestefália) e B. Pokrzeptowicz-Meyer a respeito da validade do termo previsto no contrato de trabalho por estes celebrado.

O acordo de associação

3.
    O acordo de associação foi assinado em 16 de Dezembro de 1991 em Bruxelas e, em conformidade com o seu artigo 121.°, segundo parágrafo, entrou em vigor em 1 de Fevereiro de 1994.

4.
    Segundo o seu artigo 1.°, n.° 2, o acordo de associação tem, designadamente, como objectivos proporcionar um enquadramento adequado para o diálogo político entre as partes que permita o desenvolvimento de relações políticas estreitas entre elas, promover a expansão do comércio e das relações económicas harmoniosas, fomentando assim o desenvolvimento dinâmico e a prosperidade da República da Polónia, e estabelecer o enquadramento adequado para a integração gradual desta última na Comunidade, sendo o objectivo final deste país, de acordo com o décimo quinto considerando do referido acordo, a sua adesão à Comunidade.

5.
    Na perspectiva do processo principal, as disposições pertinentes do acordo de associação encontram-se sob o título IV deste, intitulado «Circulação dos trabalhadores, direito de estabelecimento e prestação de serviços».

6.
    O artigo 37.°, n.° 1, do acordo de associação, que consta do título IV, capítulo I, intitulado «Circulação dos trabalhadores», dispõe:

«Sem prejuízo das condições e modalidades aplicáveis em cada Estado-Membro:

-    o tratamento concedido aos trabalhadores de nacionalidade polaca, legalmente empregados no território de um Estado-Membro, não pode ser objecto de qualquer discriminação baseada na nacionalidade, no que respeita a condições de trabalho, remunerações ou despedimentos, em relação aos cidadãos daquele Estado-Membro,

-    o cônjuge e os filhos legalmente residentes de um trabalhador legalmente empregado no território de um Estado-Membro, com exclusão dos trabalhadores sazonais e os trabalhadores abrangidos por acordos bilaterais na acepção do artigo 41.°, salvo disposição em contrário dos referidos acordos, terão acesso ao mercado de trabalho desse Estado-Membro, durante o período de validade da autorização de trabalho.»

7.
    O artigo 58.°, n.° 1, do acordo de associação, que consta do título IV, capítulo IV, intitulado «Disposições gerais», prevê:

«Para efeitos de aplicação do título IV do presente acordo, nenhuma das suas disposições obsta à aplicação, pelas partes, das respectivas legislações e regulamentações respeitantes à entrada e à residência, ao trabalho, às condições de trabalho, ao estabelecimento de pessoas singulares e à prestação de serviços, desde que tal aplicação não anule ou comprometa as vantagens que qualquer das partes retira de uma disposição específica do presente acordo. [...]»

A regulamentação nacional

8.
    Os §§ 57b e 57c da Hochschulrahmengesetz (lei de bases do ensino superior, a seguir «HRG») foram aditados a esta última pela Gesetz über befristete Arbeitsverträge mit wissenschaftlichem Personal an Hochschulen und Forschungseinrichtungen (lei dos contratos de trabalho a termo certo dos docentes e investigadores dos estabelecimentos de ensino superior e de investigação), de 14 de Junho de 1985 (BGBl. I, p. 1065).

9.
    No § 57b, n.° 1, da HRG prevê-se que a rescisão de contratos de trabalho a termo certo nos casos referidos no § 57a da mesma deve basear-se em fundamentos objectivos. No n.° 2 da mesma disposição referem-se diversos fundamentos objectivos susceptíveis de ser invocados nos contratos de pessoas com funções no ensino e na investigação, referidas no § 53 da HRG, ou com funções médicas, referidas no § 54:

1)    contrato com vista à formação do interessado;

2)    retribuição através de fundos destinados a financiar actividades a prazo;

3)    contrato visando aumentar ou obter temporariamente conhecimentos ou experiências específicas na investigação ou em actividades artísticas;

4)    retribuição com base em financiamentos externos, ou

5)    primeiro contrato como colaborador com funções docentes e de investigação.

10.
    O § 57b, n.° 3, da HRG, na sua redacção em vigor à data dos factos da causa principal, estipulava:

«Também se verifica a justificação objectiva para celebração de um contrato de trabalho a termo certo com um docente com funções especiais que tem como língua materna uma língua estrangeira, quando o objectivo dessa contratação é o ensino de línguas estrangeiras (como 'leitor de língua estrangeira‘).»

11.
    Nos termos do § 57c, n.° 2, da HRG, os contratos a termo certo em causa podem ser celebrados pelo período máximo de cinco anos, limite este que se aplica também no caso de vários contratos serem celebrados pelo mesmo leitor com a mesma universidade.

O litígio na causa principal e as questões prejudiciais

12.
    B. Pokrzeptowicz-Meyer, de nacionalidade polaca, reside na Alemanha desde meados de 1992. Por contrato celebrado em 5 de Outubro de 1992 com o Land Nordrhein-Westfalen, foi recrutada na qualidade de docente encarregue de tarefas especiais e colocada num lugar de leitora de língua polaca a tempo parcial na Universidade de Bielefeld (Alemanha).

13.
    Nos termos do § 2 do seu contrato de trabalho, B. Pokrzeptowicz-Meyer foi contratada a termo certo, ou seja, de 8 de Outubro de 1992 a 30 de Setembro de 1996, em conformidade com o § 57b, n.° 3, da HRG, pois a sua função consistia principalmente no ensino de uma língua estrangeira.

14.
    Por acção proposta no Arbeitsgericht Bielefeld (Alemanha) em 16 de Janeiro de 1996, B. Pokrzeptowicz-Meyer pediu a este órgão jurisdicional que declarasse que o termo do seu contrato de trabalho, fixado em 30 de Setembro de 1996, não o faria cessar. Em apoio do seu pedido, B. Pokrzeptowicz-Meyer alegou que o § 57b, n.° 3, da HRG não podia justificar a fixação de um termo ao referido contrato; com efeito, tendo o Tribunal de Justiça julgado que esta disposição não podia ser aplicada aos nacionais comunitários devido ao seu carácter discriminatório (acórdão de 20 de Outubro de 1993, Spotti, C-272/92, Colect., p. I-5185), a mesma solução devia ser aplicada no caso dos nacionais de um país terceiro como a República da Polónia. O Land Nordrhein-Westfalen concluiu pedindo que a acção fosse julgada improcedente, sustentando que a fixação de um termo ao contrato de trabalho assentava num fundamento objectivo nos termos do § 57b, n.° 3, da HRG.

15.
    O Arbeitsgericht julgou a acção improcedente. Em contrapartida, o Landesarbeitsgericht Hamm (Alemanha) deu provimento ao recurso interposto por B. Pokrzeptowicz-Meyer. O Land Nordrhein-Westfalen interpôs recurso de cassação para o Bundesarbeitsgericht.

16.
    Considerando que a solução do litígio dependia de uma interpretação do direito comunitário, o Bundesarbeitsgericht decidiu suspender a instância e colocar ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)    O artigo 37.°, n.° 1, do Acordo europeu de 16 de Dezembro de 1991 que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Polónia, por outro, impede a aplicação aos cidadãos polacos duma disposição legal nacional segundo a qual os lugares de leitores de línguas estrangeiras podem ser providos através de contratos de trabalho a termo certo, quando a celebração de tais contratos com outros professores para certas missões deve ser justificada caso a caso por uma razão objectiva?

2)    Em caso de resposta afirmativa à primeira questão:

    O artigo 37.°, n.° 1, do mesmo acordo também impede a aplicação da disposição legal nacional quando o contrato de trabalho a termo foi celebrado antes da entrada em vigor do acordo e o termo acordado ocorre depois da respectiva entrada em vigor?»

Quanto à primeira questão

17.
    Pela sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação deve ser interpretado no sentido de que se opõe à aplicação aos cidadãos polacos duma disposição legal nacional segundo a qual os lugares de leitores de línguas estrangeiras podem ser providos através de contratos de trabalho a termo certo, quando a celebração desse tipo de contratos com outros docentes encarregues de tarefas especiais deve ser justificada caso a caso por uma razão objectiva.

18.
    Para responder à questão assim reformulada, importa apreciar previamente se o artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação pode ser invocado por um particular num órgão jurisdicional nacional e, em caso de resposta afirmativa, determinar o alcance do princípio da não discriminação enunciado pela referida disposição.

Quanto ao efeito directo do artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação

19.
    A título preliminar, deve recordar-se que, segundo jurisprudência constante, uma disposição de um acordo celebrado pela Comunidade com países terceiros deve ser considerada como sendo de aplicação directa quando, face aos seus termos e ao objecto e à natureza do acordo, ela contiver uma obrigação clara e precisa que não esteja subordinada, na sua execução ou nos seus efeitos, à intervenção de qualquer acto posterior (v., nomeadamente, acórdãos de 4 de Maio de 1999, Sürül, C-262/96, Colect., p. I-2685, n.° 60, e de 27 de Setembro de 2001, Gloszczuk, C-63/99, ainda não publicado na Colectânea, n.° 30).

20.
    Para verificar se o artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação corresponde a estes critérios, importa, em primeiro lugar, proceder ao exame dos seus termos.

21.
    A este respeito, cabe reconhecer que a parte da frase que consta do primeiro travessão do artigo 37.°, n.° 1, do acordo de associação consagra, em termos claros, precisos e incondicionais, a proibição de qualquer Estado-Membro tratar de modo discriminatório, relativamente aos seus próprios nacionais, em razão da sua nacionalidade, os trabalhadores polacos a que essa disposição se refere, no que diz respeito às condições de trabalho, remunerações ou despedimento. Os trabalhadores de nacionalidade polaca que beneficiam da referida disposição são os que, tendo sido previamente autorizados a permanecer no território de uma Estado-Membro, aí se encontrem legalmente empregados.

22.
    Esta regra de igualdade de tratamento prescreve uma obrigação de resultado precisa e é, essencialmente, susceptível de ser invocada por um sujeito de direito perante um órgão jurisdicional nacional para pedir a este último que afaste as disposições discriminatórias da regulamentação de um Estado-Membro, sem que a adopção de medidas de aplicação complementares seja exigida para este efeito.

23.
    Esta interpretação não é infirmada pela argumentação do Land Nordrhein-Westfalen, segundo a qual o artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação não é incondicional uma vez que o princípio enunciado nesta disposição é aplicado «[s]em prejuízo das condições e modalidades aplicáveis em cada Estado-Membro».

24.
    Com efeito, os termos em causa não podem ser interpretados no sentido de que permitem aos Estados-Membros sujeitarem a condições ou restringirem de forma discricionária a aplicação do princípio da não discriminação previsto no artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação. Tal interpretação teria efectivamente como resultado esvaziar de substância esta disposição e, deste modo, privá-la de qualquer efeito útil.

25.
    Em seguida, a conclusão de que o princípio da não discriminação enunciado no artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação é susceptível de regular directamente a situação dos particulares não é contrariada pelo exame do objectivo e da natureza do referido acordo, do qual esta disposição faz parte.

26.
    Com efeito, nos termos do seu décimo quinto considerando e do seu artigo 1.°, n.° 2, o acordo de associação tem por objectivo criar uma associação destinada a promover o desenvolvimento do comércio e das relações económicas harmoniosas entre as partes contratantes, a fim de favorecer o desenvolvimento dinâmico e a prosperidade da República da Polónia, com vista a facilitar a sua adesão à Comunidade.

27.
    Além disso, a circunstância de o acordo de associação visar essencialmente favorecer o desenvolvimento económico da Polónia e de incluir, por conseguinte, umdesequilíbrio nas obrigações assumidas pela Comunidade para com o país terceiro em causa não é susceptível de impedir o reconhecimento por esta última do efeito directo de certas disposições do referido acordo (acórdão Gloszczuk, já referido, n.° 36).

28.
    A conclusão segundo a qual o artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação é de aplicação directa também não é contrariada pelo exame dos termos do artigo 58.°, n.° 1, do referido acordo. Com efeito, resulta apenas desta disposição que as autoridades dos Estados-Membros continuam a ser competentes para aplicar, respeitando os limites fixados pelo acordo de associação, nomeadamente as legislações nacionais respeitantes à entrada e residência, ao trabalho e às condições de trabalho dos cidadãos polacos. Por conseguinte, o referido artigo 58.°, n.° 1, não diz respeito à aplicação pelos Estados-Membros das disposições do acordo de associação relativas à circulação dos trabalhadores e não visa subordinar a execução ou os efeitos do princípio da não discriminação enunciado no artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do referido acordo à adopção de medidas nacionais complementares (v., no que diz respeito às disposições do acordo de associação em matéria de estabelecimento, o acórdão Gloszczuk, já referido, n.° 37).

29.
    Finalmente, importa acentuar, como fez o advogado-geral no n.° 39 das suas conclusões, que, ao contrário de outras disposições do acordo de associação, a aplicação do artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, deste último não está sujeita à adopção, pelo Conselho de Associação instituído pelo mesmo acordo, de medidas complementares destinadas a definir as suas modalidades de aplicação.

30.
    Tendo em conta as considerações precedentes, cabe reconhecer que o artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação tem efeito directo, o que implica que os nacionais polacos que dele se prevalecem o podem invocar nos órgãos jurisdicionais nacionais do Estado-Membro de acolhimento.

Quanto ao alcance do artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação

31.
    Para determinar o alcance do artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação, importa examinar se, como alegou B. Pokrzeptowicz-Meyer no órgão jurisdicional de reenvio, a interpretação do Tribunal de Justiça do artigo 48.°, n.° 2, do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 39.°, n.° 2, CE) pode ser transposta para a referida disposição do acordo de associação.

32.
    A este respeito, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, uma simples semelhança da redacção de uma disposição de um dos Tratados que instituem as Comunidades e de um acordo internacional entre a Comunidade e um país terceiro não basta para dar aos termos deste acordo o mesmo significado que eles têm nos Tratados (v. acórdãos de 9 de Fevereiro de 1982, Polydor e RSO, 270/80, Recueil, p. 329, n.os 14 a 21; de 26 de Outubro de 1982, Kupferberg, 104/81, Recueil, p. 3641, n.os 29 a 31; de 1 de Julho de 1993, Metalsa, C-312/91, Colect., p. I-3751, n.os 11 a 20, e Gloszczuk, já referido, n.° 48).

33.
    Segundo esta jurisprudência, a extensão da interpretação de uma disposição do Tratado a uma disposição redigida em termos comparáveis, similares ou mesmo idênticos constante de um acordo celebrado pela Comunidade com um país terceiro depende nomeadamente da finalidade prosseguida por cada uma das disposições no quadro que lhe é próprio. A este respeito, a comparação dos objectivos e do contexto do acordo, por um lado, e dos do Tratado, por outro, reveste-se de uma importância considerável (v. acórdãos, já referidos, Metalsa, n.° 11, e Gloszczuk, n.° 49).

34.
    No acórdão Spotti, já referido, o Tribunal de Justiça considerou que o artigo 48.°, n.° 2, do Tratado se opõe à aplicação de uma legislação nacional que prevê que os cargos de leitor de língua estrangeira devem ou podem ser providos através de contratos a termo certo, ao passo que, em relação aos outros docentes com funções especiais, a celebração desses contratos deve ser justificada, em cada caso, através de um fundamento objectivo.

35.
    Importa acentuar que o acórdão Spotti, já referido, foi proferido num caso em que o processo principal dizia respeito, em particular, à compatibilidade com o Tratado do § 57b, n.° 3, da HRG, disposição idêntica àquela que está em causa no processo principal.

36.
    A este respeito, o Tribunal de Justiça recordou, desde logo, no n.° 14 do acórdão Spotti, já referido, que no acórdão de 30 de Maio de 1989, Allué e Coonan (33/88, Colect., p. 1591), declarara que o artigo 48.°, n.° 2, do Tratado se opõe à aplicação de uma disposição de direito nacional que impõe um limite à duração da relação de trabalho entre as universidades e os leitores de língua estrangeira, quando tal limite não existe, em princípio, no que toca aos outros trabalhadores.

37.
    De seguida, o Tribunal de Justiça baseou a sua interpretação na consideração de que, uma vez que os leitores de língua estrangeira são na grande maioria nacionais estrangeiros, a diferença de tratamento entre estes e os outros docentes com funções especiais, no que diz respeito aos fundamentos que permitem justificar a celebração de contratos de trabalho a termo certo, era de molde a desfavorecer os nacionais estrangeiros em relação aos nacionais alemães, constituindo, por conseguinte, uma discriminação indirecta proibida pelo artigo 48.°, n.° 2, do Tratado, excepto se for justificada por razões objectivas (acórdão Spotti, já referido, n.os 16 a 18).

38.
    Por fim, o Tribunal de Justiça considerou que, como declarara já no acórdão Allué e Coonan, já referido, a necessidade de garantir um ensino actualizado não podia justificar o limite da duração dos contratos de trabalho de leitores de língua estrangeira (acórdão Spotti, já referido, n.° 20).

39.
    Quanto ao artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação, cabe reconhecer que resulta da comparação dos objectivos e do contexto do acordo de associação, por um lado, e dos do Tratado CE, por outro, que não existe qualquer razão para atribuir àquela disposição um alcance diferente do definido pelo Tribunalde Justiça no acórdão Spotti, já referido, no que diz respeito ao artigo 48.°, n.° 2, do mesmo Tratado.

40.
    É verdade que, como sublinhou o Governo francês, o artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação não enuncia um princípio de livre circulação dos trabalhadores polacos no interior da Comunidade, ao passo que o artigo 48.° do Tratado consagra o princípio da livre circulação dos trabalhadores em favor dos nacionais comunitários.

41.
    Todavia, o artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação institui a favor dos trabalhadores de nacionalidade polaca, desde que se encontrem legalmente empregados no território de um Estado-Membro, um direito de igualdade de tratamento quanto às condições de trabalho com o mesmo alcance que aquele que é reconhecido, em termos similares, aos nacionais comunitários pelo artigo 48.°, n.° 2, do Tratado.

42.
    Em particular, decorre dos termos do artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação, bem como dos objectivos deste último, o qual visa estabelecer o enquadramento adequado para a integração gradual da República da Polónia na Comunidade, que a proibição de qualquer discriminação dos trabalhadores polacos baseada na sua nacionalidade se aplica tanto às discriminações directas como às discriminações indirectas que os podem afectar no que diz respeito às suas condições de trabalho.

43.
    Por outro lado, nas observações apresentadas ao Tribunal de Justiça, não foi invocado qualquer argumento capaz de justificar objectivamente a diferença de tratamento entre nacionais alemães e nacionais polacos, que resulte das disposições do § 57b da HRG e que afecte as condições de trabalho destes últimos.

44.
    Nestas condições, a interpretação do artigo 48.°, n.° 2, do Tratado, estabelecida pelo Tribunal de Justiça no acórdão Spotti, já referido, pode ser transposta para o artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação.

45.
    Decorre das considerações precedentes que cabe responder à primeira questão que o artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação, que tem efeito directo, se opõe à aplicação a cidadãos polacos duma disposição legal nacional segundo a qual os lugares de leitores de línguas estrangeiras podem ser providos através de contratos de trabalho a termo certo, quando a celebração desse tipo de contratos com outros docentes encarregues de tarefas especiais deve ser justificada caso a caso por uma razão objectiva.

Quanto à segunda questão

46.
    Na segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, essencialmente, se o artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação se aplica a um contratode trabalho a termo certo celebrado antes da entrada em vigor do acordo de associação, mas cujo termo foi fixado para data posterior a esta última.

47.
    A este respeito, cabe acentuar, a título preliminar, que o acordo de associação, que entrou em vigor em 1 de Fevereiro de 1994, em conformidade com o seu artigo 121.°, segundo parágrafo, não contém disposições transitórias a respeito das condições de aplicação no tempo das normas do seu título IV, capítulo I, intitulado «Circulação dos trabalhadores».

48.
    Importa, por conseguinte, examinar a questão dos efeitos no tempo do artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação à luz da jurisprudência do Tribunal de Justiça relativa às condições de aplicação no tempo das disposições de direito comunitário, que pode ser aplicada por analogia às disposições do referido acordo.

49.
    Segundo jurisprudência constante, as regras comunitárias de direito material devem ser interpretadas, tendo em vista garantir o respeito dos princípios de segurança jurídica e de confiança legítima, como apenas se referindo a situações adquiridas anteriormente à sua entrada em vigor na medida em que resulte claramente dos próprios termos, das suas finalidades ou da sua economia, que um tal efeito lhes deve ser atribuído (v., nomeadamente, acórdãos de 10 de Fevereiro de 1982, Bout, 21/81, Recueil, p. 381, n.° 13, e de 15 de Julho de 1993, GruSa Fleisch, C-34/92, Colect., p. I-4147, n.° 22).

50.
    Resulta igualmente de jurisprudência constante que uma norma nova aplica-se imediatamente aos efeitos futuros de uma situação nascida na vigência da norma anterior (v., nomeadamente, acórdão de 10 de Julho de 1986, Licata/CES, 270/84, Colect., p. 2305, n.° 31). Em aplicação desse princípio, o Tribunal de Justiça julgou, em particular, que não tendo o Acto relativo às condições de adesão da República da Áustria, da República da Finlândia e do Reino da Suécia e às adaptações dos Tratados em que se funda a União Europeia (JO 1994, C 241, p. 21, e JO 1995, L 1, p. 1) previsto quaisquer condições específicas quanto à aplicação do artigo 6.° do Tratado CE (que passou, após alteração, a artigo 12.° CE), deve considerar-se que esta disposição é imediatamente aplicável e vincula a República da Áustria a partir da data da sua adesão, de modo que se aplica aos efeitos futuros das situações surgidas antes da adesão deste novo Estado-Membro às Comunidades (acórdão de 2 de Outubro de 1997, Saldanha e MTS, C-122/96, Colect., p. I-5325, n.° 14).

51.
    Para responder à segunda questão, importa, por conseguinte, determinar se a situação de um contrato de trabalho a termo certo celebrado antes da entrada em vigor do acordo de associação e que fixa um termo posterior a esta constitui uma situação adquirida anteriormente ao referido acordo e à qual este apenas pode, assim, aplicar-se retroactivamente, se previr claramente a produção desse efeito, ou se se trata, pelo contrário, de uma situação surgida antes da entrada em vigor do referido acordo, mas cujos efeitos são regulados por este a partir da sua entrada em vigor, em conformidade com o princípio segundo o qual as normas novas se aplicam imediatamente às situações em curso.

52.
    A este respeito, importa reconhecer que a celebração de um contrato de trabalho a termo certo não esgota os seus efeitos jurídicos na data da sua assinatura, continuando a produzir regularmente os seus efeitos durante toda a sua vigência. Por conseguinte, não pode considerar-se que a aplicação de uma norma nova como a do artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação, a partir da entrada em vigor deste último, a um contrato de trabalho celebrado antes da mesma afecta uma situação adquirida antes dessa data.

53.
    Decorre do que precede que o artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação constitui uma norma nova que se aplica imediatamente aos contratos de trabalho vigentes à data da entrada em vigor deste acordo.

54.
    Esta interpretação não é posta em causa pela argumentação do Land Nordrhein-Westfalen, segundo a qual, em conformidade com o princípio da segurança jurídica e a fim de garantir a protecção da confiança legítima dos interessados, para apreciar a validade de uma cláusula de fixação de termo de um contrato de trabalho, apenas caberá ter em conta os elementos de direito e de facto existentes no momento da conclusão desse contrato, excepto no caso de disposições posteriores de aplicação retroactiva quando tal efeito possa ser validamente previsto.

55.
    Com efeito, resulta de jurisprudência constante que o campo de aplicação do princípio da protecção da confiança legítima não pode ser alargado ao ponto de impedir, de modo geral, que uma nova regulamentação se aplique aos efeitos futuros resultantes de situações surgidas no domínio da regulamentação anterior (v., nomeadamente, acórdão do Tribunal de Justiça de 14 de Janeiro de 1987, Alemanha/Comissão, 278/84, Colect., p. 1, n.° 36, e de 29 de Junho de 1999, Butterfly Music, C-60/98, Colect., p. I-3939, n.° 25).

56.
    Esta abordagem aplica-se, em especial, a uma situação como a do processo principal, em que a norma nova introduzida pelo artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação consiste num princípio de igualdade de tratamento quanto às condições de trabalho que, por natureza, é susceptível de se aplicar indistintamente a todos os trabalhadores de nacionalidade polaca legalmente empregados no território de um Estado-Membro, desde a entrada em vigor do referido acordo, sem que seja necessário ter em conta o facto de eles estarem empregados ao abrigo de um contrato de trabalho celebrado anterior ou posteriormente a essa data.

57.
    Por conseguinte, cabe responder à segunda questão que o artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação se aplica, a partir da entrada em vigor deste acordo, a um contrato de trabalho a termo certo celebrado antes dessa entrada em vigor, mas cujo termo foi fixado para data posterior a esta última.

Quanto às despesas

58.
    As despesas efectuadas pelo Governo francês e pela Comissão, que apresentaram observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Bundesarbeitsgericht, por despacho de 22 de Março de 2000, declara:

1.
    O artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do Acordo europeu que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados-Membros, por um lado, e a República da Polónia, por outro, celebrado e aprovado em nome da Comunidade pela Decisão 93/743/Euratom, CECA, CE do Conselho e da Comissão, de 13 de Dezembro de 1993, que tem efeito directo, opõe-se à aplicação a cidadãos polacos duma disposição legal nacional segundo a qual os lugares de leitores de línguas estrangeiras podem ser providos através de contratos de trabalho a termo certo, quando a celebração desse tipo de contratos com outros docentes encarregues de tarefas especiais deve ser justificada caso a caso por uma razão objectiva.

2.
    O artigo 37.°, n.° 1, primeiro travessão, do acordo de associação aplica-se, a partir da entrada em vigor deste acordo, a um contrato de trabalho a termo certo celebrado antes dessa entrada em vigor, mas cujo termo foi fixado para data posterior a esta última.

Rodríguez Iglesias
Jann
Macken

Colneric

von Bahr
Gulmann

Edward

La Pergola
Puissochet

Cunha Rodrigues

Timmermans

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Janeiro de 2002.

O secretário

O presidente

R. Grass

G. C. Rodríguez Iglesias


1: Língua do processo: alemão.