Language of document : ECLI:EU:T:2021:454

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

14 de julho de 2021 (*)

«Função pública — Pessoal do ECDC — Assédio moral — Artigo 12.o‑A do Estatuto — Pedido de assistência — Alcance do dever de assistência — Artigo 24.o do Estatuto — Demissão do autor dos comportamentos denunciados — Não abertura de um processo disciplinar — Artigo 86.o do Estatuto — Resposta ao pedido de assistência — Recurso de anulação — Ato lesivo — Violação do direito a ser ouvido — Falta de fundamentação — Recusa de acesso ao relatório de inquérito e a outros documentos — Artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais — Responsabilidade»

No processo T‑65/19,

AI, representado por L. Levi e A. Champetier, advogados,

recorrente,

contra

Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), representado por J. Mannheim e A. Iber, na qualidade de agentes, assistidas por D. Waelbroeck e A. Duron, advogados,

recorrido,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 270.o TFUE e destinado, por um lado, à anulação das decisões do ECDC de 18 de maio, 20 de junho e 26 de outubro de 2018, tomadas em resposta ao pedido de assistência do recorrente por motivo de assédio moral, bem como ao seu pedido de acesso a determinados documentos, e, por outro, à reparação do dano que alegadamente sofreu,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por: R. da Silva Passos, presidente, L. Truchot e M. Sampol Pucurull (relator), juízes,

secretário: S. Spyropoulos, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 1 de outubro de 2020,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

1        O recorrente, AI, foi recrutado pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC) em [confidencial] (1).

2        Em 20 de junho de 2017, o recorrente apresentou um pedido de assistência (a seguir «primeiro pedido de assistência») na aceção do artigo 24.o do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), relativo a alegados factos constitutivos de assédio moral por parte do seu chefe de unidade, A (a seguir «chefe de unidade»). Após ter descrito detalhadamente estes factos, o recorrente formulou o seguinte pedido:

«Agradecia que me ajudassem a pôr termo a esta situação, que é para mim causa de muita angústia, e que verificassem igualmente se este comportamento, que considero repetitivo, agressivo e abusivo a meu respeito, constitui um caso de assédio.»

3        Em 14 de julho de 2017, o recorrente apresentou um formulário de informações que completava o seu primeiro pedido de assistência.

4        Em 7 de agosto de 2017, o ECDC notificou o primeiro pedido de assistência ao Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF). Em 27 de setembro de 2017, na sequência de várias trocas de correspondência com o ECDC, a chefe da unidade 0.1 do OLAF enviou uma nota à diretora do ECDC (a seguir «diretora»). Nessa nota, foi indicado que o OLAF não tinha iniciado nenhuma averiguação sobre os mesmos factos, que registava o facto de que o ECDC ia dar início ao seu próprio inquérito e que, nestas circunstâncias, não tomaria a iniciativa de efetuar essa diligência.

5        Em 28 de setembro de 2017, B, antigo funcionário da Comissão Europeia, foi mandatado pela diretora para efetuar um inquérito sobre os comportamentos do chefe de unidade denunciados pelo recorrente e por outro membro do pessoal do ECDC, C, que tinha igualmente apresentado um pedido de assistência.

6        Por carta do mesmo dia, a diretora informou o recorrente da abertura do inquérito, na sequência do seu primeiro pedido de assistência, e da nomeação da pessoa responsável por conduzir esse inquérito. Indicou‑lhe igualmente que, «[após] receção do relatório de [B], tomar[ia] uma decisão sobre o assunto».

7        Em 9 de outubro de 2017, o recorrente foi ouvido pela primeira vez pelo investigador.

8        Em 26 de outubro de 2017, o recorrente contactou a diretora para a informar de certos comportamentos do chefe de unidade, semelhantes aos que haviam sido denunciados anteriormente no seu primeiro pedido de assistência, que tinham ocorrido no decurso de uma reunião de trabalho realizada na véspera. O recorrente transmitiu à diretora o seu sentimento de vulnerabilidade e a sua preocupação face à perspetiva de uma reunião prevista para essa mesma noite, igualmente na presença do chefe de unidade. Neste contexto, o recorrente pediu para ser dispensado das tarefas no âmbito das quais estava em contacto com o chefe de unidade.

9        A diretora respondeu por correio eletrónico nesse mesmo dia, indicando que tinha reorganizado a sua agenda a fim de poder estar presente na reunião que era motivo de preocupação para o recorrente. No termo desta reunião, o recorrente e a diretora tiveram uma primeira conversa com o objetivo de identificar as tarefas que implicavam um contacto direto entre ele e o chefe de unidade e concordaram em refletir juntos, nos dias seguintes, sobre uma solução temporária de organização do trabalho do recorrente até ao fim do inquérito.

10      No âmbito dessa reflexão, o recorrente transmitiu por escrito à diretora uma série de opções suscetíveis de atenuar os riscos de assédio moral. Entre as opções enumeradas «sem ordem especial», o recorrente sugeriu «transferir temporariamente a responsabilidade da gestão hierárquica da secção para outro chefe de unidade» ou «tentar evitar os contactos mediante o recurso a férias, teletrabalho e horários flexíveis».

11      Em 30 de outubro de 2017, realizou‑se uma reunião entre o recorrente e a diretora, na sequência da qual esta lhe sugeriu, por correio eletrónico de 7 de novembro de 2017, que se optasse por um regime de teletrabalho ocasional durante um período mais longo do que o normalmente previsto, a partir de 9 de novembro de 2017. A fim de assegurar a sua presença em reuniões já fixadas e organizar o trabalho da sua equipa, o recorrente acabou por adiar para 13 de novembro de 2017 o início do regime de teletrabalho.

12      Em 25 de novembro de 2017, o recorrente teve uma segunda reunião com o investigador, desta vez por telefone, no decurso da qual lhe descreveu o comportamento do chefe de unidade na reunião de 25 de outubro de 2017 e os seus contactos posteriores com a diretora, conforme recordados nos n.os 8 a 11, supra.

13      Em 13 de dezembro de 2017, o recorrente pôs termo ao seu período de teletrabalho ocasional. Na mesma data, o chefe de unidade tirou férias até final de 2017. Por seu turno, o recorrente tirou férias no início de 2018 e retomou a sua atividade em 9 de janeiro de 2018.

14      Em 21 de janeiro de 2018, B enviou o seu relatório à diretora (a seguir «relatório de inquérito»).

15      Após ter permanecido no seu posto durante todo o mês de janeiro de 2018, o chefe de unidade foi colocado em licença por doença e substituído nas suas funções a partir de 31 de janeiro de 2018.

16      Em 13 de março de 2018, o recorrente pediu acesso ao relatório de inquérito, incluindo as suas conclusões e recomendações, com base no artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

17      Em 3 de abril de 2018, a licença por doença do chefe de unidade terminou. Nessa data, não retomou as suas funções anteriores, mas foi encarregado de tarefas diretamente confiadas e supervisionadas pela diretora, sem ter nenhuma relação hierárquica com o recorrente.

18      Por Decisão de 6 de abril de 2018, em resposta ao pedido do recorrente de 13 de março de 2018 (v. n.o 16, supra), a diretora recusou‑lhe o acesso ao relatório de inquérito com o fundamento de que o procedimento iniciado na sequência do primeiro pedido de assistência ainda não estava concluído. Além disso, segundo ela, o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, previsto no artigo 41.o, n.o 2, da Carta dos Direitos Fundamentais, permite a salvaguarda dos seus direitos de defesa quando uma decisão afeta negativamente os seus interesses.

19      Em 6 de abril de 2018, teve lugar uma reunião entre o chefe de unidade e a diretora, durante a qual esta o informou verbalmente do resultado do inquérito.

20      Por carta de 10 de abril de 2018, o recorrente apresentou um novo pedido de assistência (a seguir «segundo pedido de assistência»). Nesse pedido, denunciava o facto de o chefe de unidade ter contactado vários membros do pessoal do ECDC durante e após a elaboração do relatório de inquérito para lhes explicar que os elementos que o recorrente tinha denunciado no seu primeiro pedido de assistência eram efabulações provenientes de um empregado descontente. O recorrente sublinhou também que o chefe de unidade havia regressado ao escritório e podia, portanto, continuar a difamá‑lo ou a assediá‑lo.

21      Por carta de 16 de abril de 2018, o recorrente pediu pela segunda vez acesso ao relatório de inquérito, com base no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais, mas igualmente do artigo 13.o do Regulamento (CE) n.o 45/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de dezembro de 2000, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais pelas instituições e pelos órgãos comunitários e à livre circulação desses dados (JO 2001, L 8, p. 1), e do Regulamento (CE) n.o 1049/2001 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de maio de 2001, relativo ao acesso do público aos documentos do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão (JO 2001, L 145, p. 43).

22      Foi marcada uma segunda reunião entre a diretora e o chefe de unidade em 16 de abril de 2018, com o objetivo de dar a este último a possibilidade de se exprimir formalmente sobre o relatório de inquérito, que lhe havia sido entretanto comunicado. A pedido do chefe de unidade, essa reunião foi adiada para 2 de maio de 2018 a fim de lhe permitir preparar as suas observações orais.

23      Por Decisão de 8 de maio de 2018, o acesso ao relatório de inquérito solicitado pelo recorrente (v. n.o 21, supra) foi‑lhe novamente recusado com o fundamento, por um lado, de que ainda não sido tomada nenhuma decisão que o afetasse negativamente, e, por outro, de que não tinha sido provada a necessidade de lhe revelar dados pessoais relativos ao chefe de unidade, a outros membros do pessoal do ECDC e a pessoas externas. Além disso, o pedido de acesso baseado no Regulamento n.o 45/2001 foi transferido para o delegado para a proteção dos dados do ECDC.

24      Em 15 de maio de 2018, teve lugar uma terceira reunião entre a diretora e o chefe de unidade, durante a qual esta o informou da sua intenção de rescindir o seu contrato com base no artigo 47.o, alínea c), i), do Regime Aplicável aos Outros Agentes da União Europeia na versão aplicável ao litígio (a seguir «RAA»).

25      Por carta de 15 de maio de 2018, redigida imediatamente após essa reunião, o chefe de unidade apresentou a sua demissão «no interesse do serviço».

26      Por carta de 16 de maio de 2018 dirigida ao chefe de unidade, a diretora do ECDC aceitou a sua demissão. Nessa carta, primeiro, a diretora indicou que o investigador concluíra que, do seu ponto de vista, o primeiro pedido de assistência do recorrente e um pedido semelhante apresentado por outro membro do pessoal do ECDC podiam ser deferidos. Segundo, a diretora recordou as observações formuladas pelo chefe de unidade. Assim, segundo ele, o princípio da presunção de inocência não tinha sido respeitado durante inquérito, o relatório de inquérito enfermava de vários erros factuais, algumas pessoas envolvidas no inquérito podiam ter agido de má‑fé e a sua intenção nunca havia sido prejudicar ninguém, mas sim atuar no interesse do ECDC. Terceiro, a diretora indicou que tinha constatado alguns erros factuais no relatório de inquérito e que o chefe de unidade tinha o direito de atuar relativamente a certos problemas de rendimento de vários membros da sua unidade. Todavia, a diretora considerou, após ter lido o relatório de inquérito e as graves acusações apresentadas contra ele, incluindo depoimentos de testemunhas, que o modo de gestão do chefe de unidade havia causado um stress e uma ansiedade inúteis para o pessoal. Nestas condições, indicou que a relação de confiança entre o ECDC e o chefe de unidade já não podia ser estabelecida e que tencionava rescindir o seu contrato em conformidade com o artigo 47.o, alínea c), i), do RAA. No entanto, após salientar que, entretanto, o chefe de unidade tinha apresentado a sua demissão, a diretora aceitou‑a nos seguintes termos:

«Todavia, apresentou agora a sua demissão, o que significa na prática que o seu último dia de serviço ocorrerá antes da data efetiva de uma cessação da relação laboral, pelo que constato que é do interesse do serviço aceitar a sua demissão datada de 15 de maio. O seu período de pré‑aviso é de dez meses, o que significa que o seu último dia de serviço será 15 de março de 2019.

Tal como falámos e acordámos na nossa reunião, trabalhará a partir do seu domicílio durante o período de pré‑aviso nas tarefas que lhe atribuí.

Durante o período de pré‑aviso, deve agir em conformidade com o seu dever de lealdade para com o ECDC, em conformidade com o artigo 11.o do Estatuto.»

27      Em 18 de maio de 2018, a diretora enviou ao recorrente uma carta sobre o seu primeiro pedido de assistência (a seguir «primeira decisão impugnada»). Esta carta tinha a seguinte redação:

«Na sequência da minha carta de 28 de setembro de 2017, na qual o informo da abertura do inquérito na sequência do seu [primeiro] pedido de assistência por assédio moral [do] […] chefe de unidade […], venho agora informá‑lo da conclusão do inquérito e do respetivo processo. Recebi o relatório do investigador externo, [B], no final do mês de janeiro. O resultado do inquérito reproduz o seu relato bem como o de outro queixoso, igualmente apoiado por vários depoimentos de testemunhas. O investigador conclui que, do seu ponto de vista, as duas queixas por assédio podem ser acolhidas.

Como sabe, [o chefe de unidade] esteve ausente na primeira parte do ano e só agora, portanto, pude concluir o processo. Comuniquei as conclusões do relatório de inquérito [ao chefe de unidade] em abril, após o seu regresso ao escritório, e, em conformidade com o procedimento, dei‑lhe a oportunidade de me transmitir o seu ponto de vista sobre o resultado do inquérito.

Após leitura do relatório e após ter tido em conta as informações de que disponho, cheguei à conclusão de que houve elementos de assédio moral. Por outro lado, posso constatar que o relatório contém alguns erros factuais. Embora tenha em conta o facto de que [o chefe de unidade] devia atuar, nessa qualidade, relativamente a determinadas questões, considero, todavia, que a forma como abordou essas dificuldades e o seu método de gestão causaram um stress e uma ansiedade inúteis ao pessoal. Por conseguinte, tencionava tomar medidas adequadas, mas, entretanto, [o chefe de unidade] demitiu‑se do seu posto e já não se apresentará no escritório. Tendo em conta a ausência anterior do chefe de unidade e a sua reafetação subsequente ao gabinete da diretora, e uma vez que se demitiu, espero que o seu [primeiro] pedido de assistência tenha sido satisfeito e que a situação que o angustiava tenha cessado.»

28      Em 29 de maio de 2018, o chefe de unidade apresentou um pedido de assistência devido à divulgação, nos meios de comunicação suecos, de informações confidenciais relativas ao inquérito de que era objeto, bem como a ameaças anónimas que tinha recebido. Este pedido deu lugar à abertura de um inquérito administrativo no decurso do qual o recorrente foi ouvido.

29      Por carta de 30 de maio de 2018, o recorrente solicitou, pela terceira vez, acesso ao relatório de inquérito, visando igualmente nesse pedido todos os documentos com base nos quais a diretora do ECDC tinha tomado a primeira decisão impugnada, incluindo aqueles com base nos quais a mesma tinha considerado que o relatório de inquérito continha «alguns erros factuais» (a seguir «pedido de acesso controvertido»). O referido pedido foi apresentado com base no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais. Segundo o recorrente, este acesso era necessário à luz da primeira decisão impugnada e crucial tendo em conta o seu segundo pedido de assistência. Na mesma carta, o recorrente pediu mais esclarecimentos sobre a situação contratual do chefe de unidade após a sua demissão, mencionada na primeira decisão impugnada.

30      Por carta com a mesma data, na sequência da Decisão de 8 de maio de 2018 (v. n.o 23, supra), o recorrente apresentou um pedido confirmativo de acesso ao relatório de inquérito, com base no artigo 7.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1049/2001.

31      Por carta de 20 de junho de 2018, dirigida aos advogados do recorrente (a seguir «segunda decisão impugnada»), a diretora indeferiu o pedido de acesso controvertido, mencionado no n.o 29, supra, nos seguintes termos:

«V. Exas. indicaram que [o] pedido [do vosso cliente] assenta no facto de que se considera lesado pela [primeira] decisão [impugnada,] que lhe foi comunicada pela carta de 18 de maio de 2018. Após ter avaliado devidamente os argumentos apresentados, não vejo de que forma o interesse do vosso cliente poderia ser afetado, uma vez que não indeferi o [primeiro] pedido de assistência por falta de fundamento. Além disso, o vosso cliente teve a possibilidade de apresentar o seu ponto de vista durante o inquérito. O [segundo] pedido de assistência […], apresentado pelo vosso cliente em 10 de abril de 2018, também não pode justificar esse pedido [de acesso], pois ainda não foi retirada nenhuma conclusão relativamente a este pedido.

Por conseguinte, confirmo a minha conclusão de que o acesso ao relatório e aos outros documentos não é necessário com base no artigo 41.o da Carta [dos Direitos Fundamentais].

Creio que esta conclusão é conforme com a jurisprudência da [União], segundo a qual, para interpretar o alcance do direito de defesa, a situação de um procedimento de inquérito iniciado na sequência de um pedido de assistência em razão de assédio por parte de um membro do pessoal não pode, em caso algum, ser equiparada ao procedimento de inquérito instaurado contra esse membro. Em casos semelhantes, o direito de acesso ao dossiê, baseado na Carta dos Direitos Fundamentais, foi negado aos queixosos inclusivamente quando se concluiu que a existência de assédio não podia ser demonstrada.»

32      Por carta com a mesma data (a seguir «segunda carta de 20 de junho de 2018»), a diretora respondeu ao pedido confirmativo de acesso ao relatório de inquérito apresentado em 30 de maio de 2018 com base no Regulamento n.o 1049/2001 (v. n.o 30, supra) e ao pedido apresentado pelo recorrente em 16 de abril de 2018 com base no Regulamento n.o 45/2001 (v. n.o 21, supra). Nessa carta, a diretora concluiu que o recorrente podia, por um lado, consultar in situ uma versão não confidencial do relatório de inquérito e, por outro, receber um documento contendo os seus dados pessoais, disponibilizados em conformidade com o artigo 13.o do Regulamento n.o 45/2001.

33      Em 2 de julho de 2018, o recorrente apresentou uma reclamação nos termos do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, em que contestou a primeira e segunda decisões impugnadas. Nessa reclamação, pediu uma indemnização pelo prejuízo moral que lhe tinha sido causado devido ao não reconhecimento completo do seu estatuto de vítima, à não aplicação de uma sanção disciplinar contra o chefe de unidade e à não tomada de medidas de proteção na sequência do seu primeiro pedido de assistência. Esse prejuízo tinha sido agravado, nomeadamente, pela recusa de acesso ao relatório de inquérito. O recorrente precisou que «os prejuízos resultantes diretamente do assédio e da falta do ECDC por [não] ter assegurad[o] condições de trabalho conformes às normas de dignidade, de saúde e de segurança se[riam] objeto de pedidos separados».

34      Por carta de 7 de setembro de 2018, a diretora informou o recorrente, após ter interrogado alguns membros do pessoal, de que não existia nenhuma prova que confirmasse as acusações que ele formulara no segundo pedido de assistência (v. n.o 20, supra) e indeferiu esse pedido.

35      Em 12 de setembro de 2018, o recorrente pôde consultar in situ uma versão não confidencial do relatório de inquérito. Assinou uma folha de presença precisando, de forma manuscrita, que contestava as condições de acesso a esse relatório.

36      Em 11 de outubro de 2018, o recorrente e quatro outros membros do pessoal do ECDC apresentaram um pedido de indemnização ao abrigo do artigo 90.o, n.o 1, do Estatuto, destinado a obter a reparação do prejuízo moral e material que tinham alegadamente sofrido devido à inação do ECDC, entre 2012 e 2018, face ao comportamento do chefe de unidade a seu respeito.

37      Por carta de 26 de outubro de 2018 (a seguir «decisão de indeferimento da reclamação»), a diretora indeferiu a reclamação do recorrente de 2 de julho de 2018 (v. n.o 33, supra). A diretora começou por contestar a admissibilidade da reclamação, alegando que a primeira decisão impugnada não constituía um ato lesivo para o recorrente. Seguidamente, afirmou que o comportamento do chefe de unidade não tinha sido minimizado nessa decisão. Precisou que, «devido à gravidade do comportamento [do chefe de unidade], [tinha previsto tomar] medidas adequadas para gerir o resultado do relatório de inquérito». Recordou igualmente que o primeiro pedido de assistência do recorrente se destinava a «pôr termo à situação e a investigar os factos alegados». Descreveu também as medidas de proteção tomadas em relação ao recorrente antes da adoção da primeira decisão impugnada. Além disso, indicou ter aceitado a demissão do chefe de unidade «no interesse do serviço». Por outro lado, a diretora sublinhou que o recorrente pôde consultar uma versão não confidencial do relatório de inquérito em 12 de setembro de 2018. Segundo ela, não havia sido concedido ao recorrente acesso completo ao relatório devido à proteção da confidencialidade das reuniões com as testemunhas e com o próprio chefe de unidade, ao caráter sensível do problema e à necessidade de preservar a capacidade do ECDC para realizar inquéritos. Por último, a diretora indeferiu o pedido de indemnização formulado na reclamação.

38      Em 21 de novembro de 2018, o recorrente apresentou junto do Provedor de Justiça Europeu uma queixa relativa à segunda carta de 20 de junho de 2018, mencionada no n.o 32, supra.

39      Em 5 de dezembro de 2018, o recorrente apresentou uma reclamação nos termos do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto contra a carta de 7 de setembro de 2018, relativa ao seu segundo pedido de assistência (v. n.o 34, supra).

40      Em 11 de fevereiro de 2019, a diretora indeferiu na íntegra o pedido de indemnização mencionado no n.o 36, supra.

41      Por carta de 6 de março de 2019, a diretora retirou a carta de 7 de setembro de 2018 que indefere o segundo pedido de assistência (v. n.o 34, supra), na sequência da reclamação do recorrente de 5 de dezembro de 2018.

42      Por carta de 15 de março de 2019, a diretora forneceu ao recorrente um resumo das declarações das diversas testemunhas ouvidas na sequência do segundo pedido de assistência e convidou‑o para uma entrevista, que teve lugar em 25 de março de 2019.

43      Em 15 de março de 2019, o chefe de unidade abandonou definitivamente o ECDC no termo do seu período de pré‑aviso.

44      Por carta de 5 de abril de 2019, a diretora informou o recorrente de que, na falta de um motivo que justificasse o aprofundamento da análise dos factos referidos no segundo pedido de assistência, tinha decidido indeferir esse pedido.

45      Por Decisão de 6 de junho de 2019, o Provedor de Justiça considerou que o ECDC não tinha dado mostras de má administração ao conceder ao recorrente, na segunda carta de 20 de junho de 2018, apenas um acesso parcial ao relatório de inquérito.

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

46      Por petição que deu entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de fevereiro de 2019, o recorrente interpôs o presente recurso.

47      Por requerimento apresentado na Secretaria do Tribunal Geral em 12 de fevereiro de 2019, o recorrente pediu que lhe fosse concedido o anonimato nos termos do artigo 66.o do Regulamento de Processo do Tribunal Geral. Por decisão de 30 de abril de 2019, o Tribunal Geral deferiu este pedido.

48      Por decisão de 21 de outubro de 2019, o presidente do Tribunal Geral reatribui o processo, em aplicação do artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, a um novo juiz‑relator, afeto à Sétima Secção.

49      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Sétima Secção) decidiu dar início à fase oral do processo em 26 de maio de 2020.

50      Por Despacho de 19 de junho de 2020, o Tribunal Geral ordenou ao ECDC, com base no artigo 91.o, alínea c), e no artigo 104.o do Regulamento de Processo, que apresentasse os documentos cujo acesso tinha sido recusado pela segunda decisão impugnada. Estes documentos foram transmitidos ao Tribunal Geral em 27 de agosto de 2020 e não foram notificados ao recorrente, em conformidade com o artigo 104.o do Regulamento de Processo.

51      Em 24 de junho de 2020, sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral colocou várias questões escritas às partes e pediu a apresentação de determinados documentos, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo. As partes deram cumprimento a estas medidas no prazo que lhes foi fixado.

52      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 1 de outubro de 2020.

53      O recorrente pede que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a primeira e segunda decisões impugnadas e, sendo caso disso, a decisão de indeferimento da reclamação;

–        ordenar a reparação do prejuízo moral sofrido, avaliado ex aequo et bono no montante de 40 000 euros;

–        condenar o ECDC nas despesas.

54      O ECDC conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso parcialmente inadmissível e integralmente improcedente;

–        condenar o recorrente nas despesas.

III. Questão de direito

A.      Quanto ao objeto do recurso

55      O recorrente pede ao Tribunal Geral, além da anulação da primeira e segunda decisões impugnadas, a anulação, «se for caso disso», da decisão de indeferimento da reclamação.

56      De acordo com jurisprudência constante, os pedidos de anulação formalmente dirigidos contra a decisão de indeferimento de uma reclamação têm por efeito submeter à apreciação do Tribunal Geral o ato contra o qual foi apresentada a reclamação, sempre que aquela decisão seja desprovida de conteúdo autónomo (v. Acórdão de 13 de julho de 2018, Curto/Parlamento, T‑275/17, EU:T:2018:479, n.o 63 e jurisprudência aí referida).

57      No entanto, quando a decisão de indeferimento da reclamação tenha um alcance diferente do ato contra o qual essa reclamação foi apresentada, nomeadamente quando altera a decisão inicial ou quando contém uma reapreciação da situação do recorrente em função de elementos de direito e de facto novos que, se tivessem ocorrido ou sido conhecidos da autoridade competente antes da adoção da decisão inicial, teriam sido tomados em consideração, o Tribunal Geral pode ser levado a decidir especificamente sobre os pedidos formalmente dirigidos contra a decisão de indeferimento da reclamação (v. Acórdão de 19 de dezembro de 2019, ZQ/Comissão, T‑647/18, não publicado, EU:T:2019:884, n.o 36 e jurisprudência aí referida).

58      No caso em apreço, a decisão de indeferimento da reclamação não é puramente confirmativa da segunda decisão impugnada, na medida em que a diretora tomou posição sobre elementos novos ocorridos após a sua adoção e após a data da reclamação. Com efeito, no que respeita aos documentos aos quais o acesso havia sido recusado pela segunda decisão impugnada, a diretora constatou que o recorrente tinha podido consultar in situ, em 12 de setembro de 2018, uma versão não confidencial do relatório de inquérito e obter, com base no artigo 13.o do Regulamento n.o 45/2001, um documento contendo os seus dados pessoais.

59      Nestas condições, há que decidir sobre os pedidos de anulação tanto da primeira e segunda decisões impugnadas como da decisão de indeferimento da reclamação.

60      Além disso, a decisão de indeferimento da reclamação precisa certos fundamentos da primeira e segunda decisões impugnadas. Em relação à primeira decisão impugnada, reconhece a «gravidade» do comportamento do chefe de unidade e fornece precisões, nomeadamente sobre as circunstâncias que levaram a diretora a aceitar, «no interesse do serviço», a sua demissão. Em relação à segunda decisão impugnada, acrescenta que não tinha sido concedido ao recorrente um acesso completo ao relatório de inquérito devido à proteção da confidencialidade das entrevistas com as testemunhas e com o próprio chefe de unidade, ao caráter sensível do problema e à necessidade de preservar a capacidade do ECDC para realizar inquéritos. Consequentemente, atendendo ao caráter evolutivo do procedimento pré‑contencioso, essa fundamentação complementar deverá igualmente ser tida em consideração para efeitos do exame da legalidade da primeira e segunda decisões impugnadas, uma vez que essa fundamentação é suposta coincidir com estas decisões (v., neste sentido, Acórdão de 9 de dezembro de 2009, Comissão/Birkhoff, T‑377/08 P, EU:T:2009:485, n.os 55 e 56 e jurisprudência aí referida).

B.      Quanto ao pedido de anulação

1.      Quanto ao pedido de anulação da primeira decisão impugnada

61      O recorrente invoca três fundamentos para o seu pedido de anulação da primeira decisão impugnada, conforme completada pela decisão de indeferimento da reclamação. O primeiro fundamento é relativo à violação do direito a ser ouvido, o segundo à violação do dever de fundamentação e o terceiro, em substância, à violação dos artigos 24.o e 86.o do Estatuto.

62      O ECDC pede ao Tribunal Geral que declare este pedido de anulação manifestamente inadmissível, uma vez que não existe um ato lesivo para o recorrente. A título subsidiário, pede que o Tribunal Geral julgue improcedentes os três fundamentos.

a)      Considerações preliminares

63      A título preliminar, importa recordar as obrigações que incumbem à administração quando um pedido de assistência é formulado por um funcionário ou por um agente.

64      Quando a autoridade investida do poder de nomeação (a seguir «AIPN») ou, segundo os casos, a autoridade competente para proceder às contratações de pessoal (a seguir «AHCC») de uma instituição é chamada a pronunciar‑se, nos termos do artigo 90.o, n.o 1, do Estatuto, sobre um pedido de assistência, na aceção do artigo 24.o deste estatuto, deve, por força do dever de assistência e se essa autoridade estiver perante um incidente incompatível com a ordem e a serenidade do serviço, intervir com toda a energia necessária e responder com a rapidez e a diligência exigidas pelas circunstâncias do caso a fim de apurar os factos e deles retirar, com conhecimento de causa, as consequências adequadas. Para este efeito, basta que o funcionário ou o agente que solicita a proteção da sua instituição apresente um começo de prova da realidade dos ataques de que afirma ser objeto. Perante esses elementos, cabe à instituição em causa tomar as medidas adequadas, nomeadamente instaurando um inquérito administrativo, a fim de apurar os factos na origem da queixa, em colaboração com o seu autor, e, à luz dos resultados do inquérito, adotar as medidas que se impõem, como a instauração de um processo disciplinar contra a pessoa visada, quando a administração conclua, no termo do inquérito administrativo, pela existência de assédio moral (v. Acórdão de 3 de outubro de 2019, DQ e o./Parlamento, T‑730/18, EU:T:2019:725, n.o 80 e jurisprudência aí referida).

65      O dever de assistência previsto no artigo 24.o do Estatuto impõe que os requerentes de assistência sejam informados em tempo útil do seguimento dado ao seu pedido. Em especial, se tiver sido instaurado um processo disciplinar, o requerente de assistência deve ser informado da natureza e da gravidade da sanção que foi aplicada (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, DQ e o./Parlamento, T‑730/18, EU:T:2019:725, n.o 108 e jurisprudência aí referida). Além disso, perante um pedido de assistência relativo a alegados atos de assédio, qualquer decisão da administração sobre a existência ou inexistência desses atos deve ser célere, explícita e fundamentada (v., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2000, Campogrande/Comissão, T‑136/98, EU:T:2000:281, n.o 58).

66      Saliente‑se, além disso, que o eventual reconhecimento pela AIPN, no termo do inquérito administrativo, da existência de assédio moral é, em si mesmo, suscetível de ter um efeito benéfico no processo terapêutico de reconstrução das vítimas e pode ser por elas utilizado para efeitos de uma eventual ação judicial nacional (v. Acórdão de 13 de julho de 2018, Curto/Parlamento, T‑275/17, EU:T:2018:479, n.o 59 e jurisprudência aí referida).

67      É à luz destas considerações que se deve examinar a admissibilidade do pedido de anulação da primeira decisão impugnada e o seu mérito.

b)      Quanto à admissibilidade

68      Sem suscitar formalmente uma exceção de inadmissibilidade parcial do recurso, o ECDC alega que o pedido de anulação da primeira decisão impugnada é manifestamente inadmissível. Segundo ele, o inquérito administrativo não foi encerrado sem consequências. Contrariamente a outros casos examinados na jurisprudência, não houve, no caso em apreço, indeferimento da queixa. Pelo contrário, o primeiro pedido de assistência do recorrente, destinado a ajudá‑lo a pôr termo à situação e ao exame do comportamento do chefe de unidade, foi aceite na íntegra.

69      Segundo o ECDC, foram desde logo tomadas várias medidas na sequência desse pedido, a primeira das quais a consulta do OLAF, em 7 de agosto de 2017. O inquérito foi aberto pela diretora após confirmação pelo OLAF de que não iria tomar a iniciativa de efetuar essa diligência. A partir de 26 de outubro de 2017, o recorrente deixou de estar em contacto direto com a chefe de unidade. Em seguida, com base no relatório de inquérito, a diretora aceitou a demissão do chefe de unidade, no interesse do serviço, em 16 de maio de 2018, com efeitos a partir de 16 de março de 2019, ou seja, um mês e meio antes de o mesmo ter atingido a idade da passagem à reforma. O ECDC refere que a abertura de um processo disciplinar pode demorar um tempo considerável e não conduzir necessariamente ao despedimento da pessoa em causa, que é a sanção mais grave. Por fim, foram implementadas medidas de acompanhamento durante o período de pré‑aviso do chefe de unidade. Em especial, este trabalhou à distância em tarefas diretamente atribuídas e supervisionadas pela diretora. Além disso, no âmbito do segundo pedido de assistência, o recorrente não apresentou nenhuma prova de que a situação de assédio moral tivesse prosseguido após a adoção da primeira decisão impugnada.

70      Seguidamente, no que respeita à alegada minimização da gravidade do comportamento do chefe de unidade, o ECDC considera que não pode ser deduzida nem do teor da primeira decisão impugnada nem, mais genericamente, do conjunto das medidas tomadas pela diretora na sequência do primeiro pedido de assistência.

71      Por último, no que respeita às sanções que, segundo o recorrente, deveriam ter sido aplicadas, o ECDC acrescenta que não é obrigado a instaurar um processo disciplinar nem a aplicar uma sanção quando o relatório elaborado na sequência de um inquérito propõe a abertura desse processo. Um pedido de assistência não visa, em si mesmo, impor sanções ao autor presumido do assédio moral, mas antes ajudar o requerente no âmbito da sua diligência. Por outro lado, a situação em causa era especial, devido à demissão do chefe de unidade. Em todo o caso, a discussão sobre o mérito da sanção não está relacionada com a questão de saber se a primeira decisão impugnada lesou o recorrente. Na audiência, o ECDC sublinhou, além disso, que, no seu primeiro pedido de assistência, o recorrente não tinha solicitado à diretora a abertura de um processo disciplinar contra o chefe de unidade.

72      Por seu turno, o recorrente alega que, contrariamente ao que o ECDC sustentou na decisão de indeferimento da reclamação e no âmbito do presente recurso, a primeira decisão impugnada é um ato lesivo dos seus interesses. A este respeito, sublinha que, apesar das medidas adotadas pela diretora durante o inquérito administrativo descritas no n.o 69, supra, a primeira decisão impugnada não o satisfez inteiramente. Por um lado, a diretora não reconheceu, clara e inequivocamente, que o chefe de unidade era culpado de assédio moral de que o recorrente era vítima. A utilização da expressão «elementos de assédio» nessa decisão confirma a sua ambiguidade e minimiza o impacto do comportamento do chefe de unidade a seu respeito. Por outro lado, apesar de a pessoa responsável pelo inquérito ter reconhecido o mérito da sua queixa, a diretora não adotou nenhuma «medida adequada» devido à demissão voluntária do chefe de unidade. Em especial, não foi instaurado nenhum processo disciplinar.

73      Nos termos do artigo 91.o, n.o 1, primeiro período, do Estatuto, o Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir sobre qualquer litígio entre a União Europeia e qualquer das pessoas referidas no Estatuto e que tenha por objeto a legalidade de um ato que cause prejuízo a essa pessoa, na aceção do artigo 90.o, n.o 2, do referido Estatuto.

74      Segundo jurisprudência constante, apenas causam prejuízo, na aceção do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, os atos ou as medidas que produzam efeitos jurídicos vinculativos suscetíveis de afetar os interesses de um funcionário ou de um agente, alterando, de forma caracterizada, a situação jurídica deste último. Esses atos devem emanar do AHCC no que respeita a um agente sujeito ao RAA e revestir caráter decisório (v. Acórdão de 18 de maio de 2015, Gyarmathy/OEDT, F‑79/13, EU:F:2015:49, n.o 44 e jurisprudência aí referida). O conceito de ato que causa prejuízo abrange assim tanto as decisões como as omissões de medidas impostas à administração, expressa ou tacitamente, pelo Estatuto, para garantir os direitos dos funcionários (v. Despacho de 25 de outubro de 1996, Lopes/Tribunal de Justiça, T‑26/96, EU:T:1996:157, n.o 31 e jurisprudência aí referida).

75      Além disso, para que um funcionário ou um antigo funcionário tenha legitimidade, no âmbito de um recurso interposto nos termos dos artigos 90.o e 91.o do Estatuto, para pedir a anulação de um ato que lhe causa prejuízo, na aceção do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, deve possuir, no momento da interposição do seu recurso, um interesse, efetivo e atual, suficientemente caracterizado na anulação desse ato, pressupondo esse interesse que o pedido seja suscetível, através do seu resultado, de lhe conferir um benefício (v. Acórdão de 9 de dezembro de 2010, Comissão/Strack, T‑526/08 P, EU:T:2010:506, n.o 43 e jurisprudência aí referida).

76      No caso em apreço, a primeira decisão impugnada foi adotada pela diretora, na sua qualidade de AHCC, em resposta ao primeiro pedido de assistência do recorrente, a fim de lhe comunicar a conclusão do inquérito iniciado em 28 de setembro de 2017 e o resultado do respetivo processo, no respeito das obrigações impostas pelo artigo 90.o, n.o 1, e pelo artigo 24.o do Estatuto. Em especial, com base no relatório de inquérito e nos elementos postos à sua disposição, a diretora qualificou os comportamentos denunciados à luz do artigo 12.o‑A, n.o 3, do Estatuto e informou o recorrente do seguimento dado ao referido pedido de assistência. Essa decisão produz, assim, efeitos jurídicos suscetíveis de afetar os interesses do recorrente. A primeira decisão impugnada reveste, portanto, caráter decisório e constitui um ato lesivo na aceção da jurisprudência acima recordada no n.o 74, supra.

77      No que respeita ao interesse em agir do recorrente contra a primeira decisão impugnada, importa recordar que, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 64, supra, a diretora estava obrigada, em resposta ao primeiro pedido de assistência, por um lado, a tomar as medidas adequadas para apurar os factos na origem desse pedido e, por outro, à luz dos resultados do inquérito, a adotar as medidas que se impunham.

78      Foi declarado que é inerente às exigências de uma fiscalização jurisdicional efetiva que um requerente de assistência possa contestar, no âmbito do seu recurso da decisão relativa ao seu pedido, o caráter adequado das medidas adotadas em resposta a esse pedido, incluindo quando acusa o autor dessas medidas de não ter instaurado o processo disciplinar contra um terceiro considerado culpado de assédio moral, desde que invoque, a este respeito, acusações que lhe sejam pessoais (v., neste sentido, Acórdão de 13 de julho de 2108, SQ/BEI, T‑377/17, EU:T:2018:478, n.o 124).

79      Como resulta dos n.os 85 a 116, infra, no âmbito do terceiro fundamento invocado contra a primeira decisão impugnada, as partes discordam quanto à questão de saber se a diretora respeitou o seu dever de assistência. Contrariamente ao recorrente, o ECDC considera que a diretora deferiu plenamente o primeiro pedido de assistência. Estes mesmos argumentos são invocados pelo ECDC para contestar a admissibilidade do presente pedido de anulação, pelo facto de a primeira decisão impugnada não constituir um ato lesivo para o recorrente.

80      Ora, o ECDC não pode fazer depender o interesse do recorrente em recorrer da primeira decisão impugnada da procedência dos fundamentos que o mesmo invoca em apoio do seu pedido de anulação (v., neste sentido, Acórdão de 4 de julho de 2017, European Dynamics Luxembourg e o./Agência Ferroviária Europeia, T‑392/15, EU:T:2017:462, n.o 41 e jurisprudência aí referida). A este respeito, há que recordar que o interesse de um recorrente na anulação de um ato pressupõe que essa anulação lhe possa trazer um benefício, e não que exista a certeza de que a anulação lhe trará esse benefício (Acórdão de 23 de outubro de 2012, Strack/Comissão, F‑44/05 RENV, EU:F:2012:144, n.o 101).

81      No caso vertente, na hipótese de o Tribunal Geral considerar que o pedido de anulação da primeira decisão impugnada é procedente, isso implica a adoção posterior, pela diretora, de uma nova decisão em resposta ao primeiro pedido de assistência do recorrente, que possa demonstrar de forma mais clara os factos e, sendo caso disso, levar à instauração de um processo disciplinar contra o chefe de unidade. Neste sentido, o presente recurso é suscetível de conferir um benefício ao recorrente. Por conseguinte, o recorrente tem interesse em agir contra a primeira decisão impugnada.

82      Contrariamente ao que o ECDC alegou na audiência, o facto de o recorrente não ter formalmente solicitado à diretora, no primeiro pedido de assistência, a instauração de um processo disciplinar contra o chefe de unidade não pode pôr em causa o seu interesse em agir. Com efeito, como foi recordado no n.o 64, supra, para que a autoridade chamada a conhecer de um pedido de assistência seja obrigada a estabelecer os factos controvertidos e daí retirar as consequências adequadas, incluindo a instauração de um processo disciplinar contra a pessoa posta em causa, basta que o funcionário ou o agente que reclama a proteção da sua instituição apresente no seu pedido de assistência um começo de prova da realidade dos ataques de que afirma ser alvo.

83      Resulta de todas as considerações anteriores que a exceção de inadmissibilidade deduzida pelo ECDC deve ser julgada improcedente.

c)      Quanto ao mérito

84      O Tribunal Geral considera oportuno começar por analisar o terceiro fundamento antes de examinar o primeiro e segundo fundamentos.

1)      Quanto ao terceiro fundamento, relativo, em substância, à violação dos artigos 24.o e 86.o do Estatuto

85      O terceiro fundamento é apresentado na petição inicial com o título «Erro manifesto de apreciação e erro de facto manifesto — Violação do artigo 86.o do Estatuto». Como o recorrente indicou na audiência em resposta a uma questão do Tribunal Geral, este fundamento baseia‑se, em substância, na violação dos artigos 24.o e 86.o do Estatuto. Com efeito, embora o recorrente só se refira formalmente nos seus articulados ao artigo 86.o do Estatuto, a violação do artigo 24.o do Estatuto pode ser inferida dos argumentos apresentados em apoio deste fundamento, segundo os quais a resposta dada pelo ECDC ao seu primeiro pedido de assistência não é satisfatória, no essencial, por duas razões.

86      Por um lado, a diretora não qualificou «em boa e devida forma» os comportamentos denunciados como assédio moral nem informou o recorrente das condições em que o chefe de unidade tinha apresentado a sua demissão e ia executar o seu pré‑aviso, em violação do artigo 24.o do Estatuto.

87      Por outro lado, a aceitação da demissão do chefe de unidade sem instaurar um processo disciplinar não é conforme com os artigos 24.o e 86.o do Estatuto.

88      Cabe observar que o ECDC pôde deduzir dos articulados do recorrente que este tinha baseado o terceiro fundamento de anulação da primeira decisão impugnada, de forma implícita, mas inequívoca, nomeadamente nas disposições do artigo 24.o do Estatuto. Com efeito, decorre dos articulados do ECDC que os argumentos desenvolvidos por este último em sua defesa visam refutar a alegação relativa à falta de caracterização suficiente como assédio moral dos factos na origem do primeiro pedido de assistência, em violação do referido artigo 24.o, e não apenas contestar um pedido do recorrente, baseado no artigo 86.o do Estatuto, destinado à instauração de processos disciplinares. Resulta daqui que se deve afastar a exceção de inadmissibilidade do terceiro fundamento, suscitada pelo ECDC na audiência e relativa ao facto de este fundamento se ter baseado tardiamente no artigo 24.o do Estatuto.

i)      Quanto à violação do artigo 24.o do Estatuto devido à não qualificação dos factos, «em boa e devida forma», como assédio moral e à não descrição das medidas adotadas em relação ao chefe de unidade

89      O recorrente salienta que a primeira decisão impugnada se baseia no relatório de inquérito, cujo conteúdo não lhe foi divulgado, para concluir pela existência de «elementos» de assédio moral. Ao fazê‑lo, o ECDC não confirmou de forma expressa que o comportamento do chefe de unidade constituía assédio moral, na aceção do artigo 12.o‑A, n.o 3, do Estatuto. Ora, à luz do relatório de inquérito e dos depoimentos do recorrente e de outros membros do pessoal do ECDC, o referido comportamento deveria ter sido qualificado, «em boa e devida forma», como assédio. Em resposta ao primeiro pedido de assistência, o ECDC deveria ter tomado uma posição clara quanto à existência ou não de assédio moral.

90      Além disso, as medidas tomadas pelo ECDC relativamente ao chefe de unidade não constituem uma resposta suficiente ao primeiro pedido de assistência do recorrente. A este respeito, este último alega que, no momento da interposição do recurso, ninguém conhecia com certeza o estatuto profissional do chefe de unidade no ECDC, nem o seu lugar, nem, mais especificamente, as condições em que tinha apresentado a sua demissão. Nestas circunstâncias, o chefe de unidade tinha podido difamar o recorrente durante o período de pré‑aviso, como este denunciou no seu segundo pedido de assistência.

91      O ECDC contrapõe que a primeira decisão impugnada não minimiza a conduta do chefe de unidade. O ECDC nunca considerou que os factos alegados não constituíam assédio «total» na aceção do artigo 12.o‑A do Estatuto. Por outro lado, não foi reconhecida nenhuma impunidade, uma vez que o ECDC deferiu plenamente o primeiro pedido de assistência do recorrente.

92      Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral na audiência, o ECDC explicou que as pessoas que estavam implicadas nos dossiês que o chefe de unidade supervisionava tinham sido informadas da sua demissão e do facto de que abandonaria o ECDC após o período de pré‑aviso. Também foi enviada uma carta ao comité executivo do ECDC, que é composto por representantes de todos os Estados‑Membros, expondo a constatação de assédio moral e as circunstâncias em que o chefe de unidade deixava o serviço. Os membros desse comité tinham, portanto, sido informados das circunstâncias exatas em que o chefe de unidade havia sido levado a abandonar as suas funções.

93      A este respeito, importa recordar que o objetivo de um inquérito administrativo é estabelecer os factos e daí retirar, com conhecimento de causa, as consequências adequadas tanto à luz do caso que é objeto do inquérito como, de maneira geral e a fim de respeitar o princípio da boa administração, para evitar que tal situação se repita no futuro (v. Acórdão de 13 de julho de 2018, Curto/Parlamento, T‑275/17, EU:T:2018:479, n.o 59 e jurisprudência aí referida).

94      Quando, em resposta a um pedido de assistência por alegados factos de assédio, a AIPN ou a AHCC considere estar perante um começo de prova suficiente, que torne necessário abrir um inquérito administrativo, é necessário que esse inquérito seja conduzido até ao seu termo, para que a administração, esclarecida pelas conclusões do relatório elaborado no termo desse inquérito, possa tomar uma posição definitiva a esse respeito, que lhe permita então arquivar o pedido de assistência ou, se os factos alegados estiverem comprovados e se enquadrarem no âmbito de aplicação do artigo 12.o‑A do Estatuto, instaurar, nomeadamente, um processo disciplinar com vista, se for caso disso, a adotar sanções disciplinares contra o presumível autor do assédio (v., neste sentido, Acórdão de 24 de abril de 2017, HF/Parlamento, T‑570/16, EU:T:2017:283, n.os 56 e 57 e jurisprudência aí referida).

95      A determinação dos factos pela instituição no termo do inquérito é essencial para a pessoa que se considera vítima de assédio. Uma situação de assédio, caso seja demonstrada, afeta a personalidade, a dignidade e a integridade física ou psíquica da vítima. Como foi recordado no n.o 66, supra, o reconhecimento, na sequência do inquérito administrativo, da existência de assédio moral é, em si mesmo, suscetível de ter um efeito benéfico no processo terapêutico de reconstrução da vítima. Além disso, pode ser por ela utilizada para efeitos de uma eventual ação judicial nacional. Daqui resulta que o inquérito administrativo deve levar a AIPN ou a AHCC a tomar uma posição definitiva sobre a existência ou não de assédio, na aceção do artigo 12.o‑A do Estatuto.

96      No caso em apreço, a diretora informou o recorrente da conclusão do investigador segundo a qual a sua queixa podia ser acolhida, sem todavia lhe comunicar o relatório de inquérito, apesar dos seus repetidos pedidos. Por outro lado, contrariamente ao que o ECDC alegou, as afirmações da diretora que figuram na primeira decisão impugnada são muito gerais e ambíguas. Com efeito, após ter recordado a conclusão do investigador, constatou a existência de «elementos de assédio» com base no relatório de inquérito, precisando que «o [referido] relatório cont[inha] alguns erros factuais». Acrescentou que «a forma como [o chefe de unidade tinha abordado algumas] dificuldades e o seu método de gestão [haviam causado] um stress e uma ansiedade inúteis ao pessoal», «[t]endo em conta que, no seu papel, [o chefe de unidade] devia atuar relativamente a determinadas questões». Em resposta à reclamação, a diretora reconheceu a «gravidade» do comportamento do chefe de unidade, sem, contudo, fornecer mais precisões.

97      A descrição dos factos formulada nestes termos na sequência de um inquérito conduzido em resposta a um pedido de assistência apresentado com base no artigo 24.o do Estatuto não cumpre as obrigações impostas por esta disposição, conforme recordadas nos n.os 64 a 66 e 94, supra. Com efeito, na sua resposta ao primeiro pedido de assistência, a diretora não estabeleceu suficientemente os factos nem adotou uma posição definitiva e isenta de ambiguidade quanto à existência ou não de assédio moral. Em especial, o reconhecimento da existência de «elementos» de assédio, acompanhado de considerações que parecem pôr em causa a análise do relatório de inquérito segundo a qual o primeiro pedido de assistência podia ser acolhido, não é suficientemente claro.

98      Além disso, o ECDC não informou o recorrente de forma precisa sobre o seguimento dado ao relatório de inquérito, em especial no que respeita às «medidas adequadas» que tinham sido previstas antes da demissão do chefe de unidade e às condições de aceitação desta última, quando essas informações lhe deviam ter sido fornecidas na medida em que se inscreviam no tratamento do pedido de assistência (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 3 de outubro de 2019, DQ e o./Parlamento, T‑730/18, EU:T:2019:725, n.o 108).

99      Com efeito, apenas na sequência da resposta dada pelo ECDC a uma medida de organização do processo adotada pelo Tribunal Geral é que o recorrente foi informado de que a medida prevista era a rescisão do contrato do chefe de unidade com base no artigo 47.o, alínea c), i), do RAA. A não comunicação desta informação e a mera referência à demissão voluntária do chefe de unidade puderam fazer crer ao recorrente e a todo o pessoal do ECDC aquele beneficiava de uma certa impunidade.

100    Ora, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.o 64, supra, o dever de assistência implica que se intervenha com toda a energia necessária perante um incidente incompatível com a ordem e a serenidade do serviço. Com efeito, a finalidade do dever de assistência previsto no artigo 24.o do Estatuto é proporcionar aos funcionários e agentes em atividade uma segurança a respeito do presente e do futuro, a fim de que, no interesse geral do serviço, possam cumprir o melhor possível as suas funções (Acórdão de 13 de julho de 2018, Curto/Parlamento, T‑275/17, EU:T:2018:479, n.o 57). A este propósito, importa sublinhar que o inquérito administrativo instaurado na sequência de um pedido de assistência devido a assédio permite restabelecer, com o tempo, condições de trabalho conformes ao interesse do serviço (v., neste sentido, Acórdão de 3 de outubro de 2019, DQ e o./Parlamento, T‑730/18, EU:T:2019:725, n.o 84). O referido inquérito corresponde igualmente a um objetivo de interesse geral, a saber, a identificação de eventuais práticas de assédio atentatórias da dignidade humana (v., neste sentido, Acórdão de 4 de abril de 2019, OZ/BEI, C‑558/17 P, EU:C:2019:289, n.o 66).

101    No caso em apreço, embora este dever decorra do artigo 24.o do Estatuto, o ECDC não informou o recorrente, na primeira decisão impugnada, das condições em que a demissão do chefe de unidade tinha sido aceite. Em especial, a diretora não explicou que tencionava rescindir o seu contrato após leitura do relatório de inquérito e que tinha aceitado a sua demissão no interesse do serviço, fixando com ele modalidades especiais de prestação do seu pré‑aviso que visavam restabelecer a serenidade no serviço. Resulta dos esclarecimentos prestados pelo ECDC na audiência que essas informações foram comunicadas aos membros do comité executivo, mas não ao recorrente nem às outras pessoas que trabalhavam com o chefe de unidade, quando a transparência a este respeito poderia ter tranquilizado o recorrente após o seu primeiro pedido de assistência, restaurado a serenidade das condições de trabalho e contribuído assim para o bom funcionamento do serviço.

102    Conclui‑se que as alegações do recorrente relativas, em substância, a uma violação do artigo 24.o do Estatuto devido à não qualificação suficiente dos factos e à não descrição das medidas adotadas em relação ao chefe de unidade devem ser acolhidas.

ii)    Quanto à violação dos artigos 24.o e 86.o do Estatuto, devido à aceitação da demissão do chefe de unidade e à não instauração de um processo disciplinar

103    O recorrente alega que a demissão do chefe de unidade não era uma razão válida que justificasse a não adoção de qualquer outra medida à luz da conclusão do inquérito e, em particular, a não instauração de um processo disciplinar com base no artigo 86.o do Estatuto, no respeito das regras internas de execução do ECDC. Ora, uma decisão de cessação voluntária da relação laboral é muito diferente da cessação do contrato de trabalho por motivo disciplinar, eventualmente sem aviso prévio e com redução dos direitos à pensão. A diretora reconheceu, na primeira decisão impugnada, que tencionava tomar «medidas adequadas», o que confirma que a situação merecia sanções adequadas, sem margem de apreciação a este respeito. Na audiência, o recorrente acrescentou que a serenidade do serviço não tinha sido garantida pelas medidas tomadas, o que ficou patenteado pelo pedido de assistência apresentado em 29 de maio de 2018 pelo chefe de unidade, que alegou que o recorrente o tinha desacreditado.

104    O ECDC responde que o objetivo da assistência não é impor sanções, mas demonstrar os factos e prevenir outras dificuldades, e que esse objetivo foi alcançado no caso em apreço. Por outro lado, da leitura do artigo 3.o, n.o 1, alínea b), do anexo IX do Estatuto não se pode inferir que existia uma obrigação jurídica do ECDC de instaurar um processo disciplinar, dado que o chefe de unidade se tinha entretanto demitido.

105    Cabe observar, à semelhança do ECDC, que nem o artigo 86.o do Estatuto nem o artigo 3.o do anexo IX do Estatuto exigem a instauração de um processo disciplinar no caso de se constatar que um funcionário ou um agente não cumpriu as suas obrigações.

106    Por outro lado, a regra interna de execução do ECDC n.o 33, relativa à prevenção do assédio sexual e moral, e a regra interna de execução do ECDC n.o 29, relativa à condução dos inquéritos administrativos e dos processos disciplinares, também não impõem a instauração de um processo disciplinar. É verdade que, como afirma o recorrente, o ponto 3 da regra interna de execução do ECDC n.o 33 recorda o princípio geral segundo o qual «[t]odos os comportamentos que se prove constituírem assédio moral ou assédio sexual são considerados inadmissíveis pelo [ECDC] e serão punidos». Todavia, o ponto 7.3 da mesma regra interna de execução, que regula especificamente o procedimento formal aplicável em caso de alegados factos de assédio, precisa que, «[s]e o relatório [de inquérito] propuser a instauração de um processo disciplinar, a [AIPN] pode decidir, após ouvir [a pessoa ou as pessoas interessadas], instaurar um processo disciplinar e aplicar as sanções daí decorrentes, em função da confirmação da falta cometida».

107    Em conformidade com a jurisprudência, tratando‑se de medidas a tomar numa situação abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 24.o do Estatuto, a administração dispõe de um amplo poder de apreciação, sob a fiscalização do juiz da União, na escolha das medidas e dos meios de aplicação desta disposição (v. Acórdão de 13 de julho de 2018, SQ/BEI, T‑377/17, EU:T:2018:478, n.o 135).

108    Atendendo a esse amplo poder de apreciação, em caso de uma falta suscetível de justificar o despedimento de um agente temporário, nada obriga a AHCC a instaurar um processo disciplinar contra esse agente em vez de recorrer à faculdade de rescisão unilateral do contrato prevista no artigo 47.o, alínea c), do RAA. Apenas na hipótese de pretender despedir um agente temporário sem pré‑aviso, em caso de incumprimento grave das obrigações a que está sujeito, é que a AHCC tem de instaurar o processo disciplinar organizado no anexo IX do Estatuto, aplicável por analogia aos agentes temporários (v., neste sentido, Acórdão de 23 de outubro de 2013, Gomes Moreira/ECDC, F‑80/11, EU:F:2013:159, n.o 49 e jurisprudência aí referida).

109    Como resulta da primeira decisão impugnada, a diretora comunicou a versão final do relatório de inquérito ao chefe de unidade durante o mês de abril de 2018, após o seu regresso de baixa médica, e convidou‑o a apresentar as suas observações sobre esse relatório. O ECDC precisou no âmbito do processo no Tribunal Geral que, em conformidade com o direito do chefe de unidade a ser ouvido, a diretora tinha‑o informado, em 15 de maio de 2018, durante uma reunião, de que tencionava rescindir o seu contrato com base no artigo 47.o, alínea c), i), do RAA. No termo desta reunião, o chefe de unidade apresentou imediatamente a sua demissão. Como resulta da decisão de indeferimento da reclamação, esta demissão foi aceite pela diretora, em 16 de maio de 2018, no interesse do serviço.

110    A carta de 16 de maio de 2018, que contém a aceitação da demissão do chefe de unidade, apresentada pelo ECDC a pedido do Tribunal Geral, confirma as circunstâncias em que essa demissão foi aceite. Resulta desta carta que, após leitura das «graves acusações apresentadas», o ECDC tinha considerado que já não podia colaborar com o chefe de unidade. Nestas condições, a intenção da diretora, de que este tinha sido informado na véspera, era rescindir o seu contrato com base no artigo 47.o, alínea c), i), do RAA. Todavia, a diretora referiu, em substância, que o chefe de unidade tinha apresentado a sua demissão imediatamente após a reunião de 15 de maio de 2018, o que significava, na prática, que, devido a essa demissão, o seu último dia de serviço ocorreria, respeitando‑se o prazo de pré‑aviso, antes da data de partida efetiva que teria sido fixada na hipótese de uma rescisão do seu contrato de trabalho. A demissão do chefe de unidade tinha, portanto, sido aceite no interesse do serviço. A referida carta mencionava igualmente as condições em que o chefe de unidade ia efetuar o seu trabalho durante o período de pré‑aviso, com as quais o mesmo tinha concordado, a saber, que trabalharia a partir do seu domicílio nas tarefas atribuídas pela diretora. Por último, esta última recordou ao chefe de unidade que, durante o período de pré‑aviso, devia respeitar as obrigações previstas no artigo 11.o do Estatuto.

111    Resulta dos elementos atrás expostos que a demissão voluntária do chefe de unidade é a consequência das ações empreendidas pelo ECDC na sequência do inquérito administrativo iniciado em resposta ao primeiro pedido de assistência. Isso é confirmado pela carta de demissão do chefe de unidade de 15 de maio de 2018, que não justifica a sua decisão por razões pessoais, mas faz referência ao «interesse do serviço». Importa igualmente salientar que o chefe de unidade se demitiu do seu posto, de grau AD 12, um mês e meio antes de atingir a idade da reforma e vários anos antes de atingir a idade legal de reforma, em maio de 2021, de modo que a sua demissão acarretou uma redução dos seus direitos à pensão. Além disso, uma vez que durante o período de pré‑aviso trabalhou diretamente com a diretora em conformidade com a decisão que esta tomou nesse sentido, perdeu o subsídio de gestão que recebia na sua qualidade de chefe de unidade. Consequentemente, essa demissão acarretou para ele determinados efeitos económicos desfavoráveis. Por último, as condições especiais em que este último prestou o seu trabalho durante esse período permitiram evitar que o recorrente tivesse contactos profissionais com ele.

112    É verdade que a diretora poderia ter decidido rescindir o contrato do chefe de unidade em vez de aceitar a sua demissão. Todavia, essa opção teria atrasado a data de cessação efetiva de atividades do chefe de unidade, na medida em que, nesse caso, teria sido necessária uma decisão devidamente fundamentada (v., neste sentido, Acórdão de 11 de setembro de 2013, L/Parlamento, T‑317/10 P, EU:T:2013:413, n.o 60 e jurisprudência aí referida). Além disso, essa decisão de rescisão poderia ter sido contestada pelo chefe de unidade.

113    A diretora poderia igualmente ter instaurado um processo disciplinar ao chefe de unidade. No entanto, como sublinha o ECDC, esse procedimento demora um certo tempo. Além disso, os factos denunciados pelo recorrente não teriam necessariamente conduzido ao despedimento disciplinar do chefe de unidade, que é a sanção mais grave. Além disso, o recorrente está a esquecer‑se do facto de que a demissão foi acompanhada de medidas destinadas a evitar que o chefe de unidade tivesse uma relação de natureza hierárquica com ele e a garantir a serenidade do serviço durante o período de pré‑aviso. Com efeito, o chefe de unidade aceitou trabalhar a partir do seu domicílio durante esse período, efetuando tarefas que lhe eram diretamente confiadas pela diretora. Por outro lado, a circunstância de este último ter apresentado um pedido de assistência duas semanas após a adoção da primeira decisão impugnada não demonstra, contrariamente ao que alega o recorrente, que se impunha a instauração de um processo disciplinar, em vez da aceitação da sua demissão pela diretora. Com efeito, a chefe de unidade poderia igualmente ter apresentado esse pedido na hipótese de esse processo ter sido instaurado.

114    Atendendo a todas as considerações anteriores, a existência de um erro manifesto de apreciação por parte da diretora não está demonstrada no que respeita ao facto de ter aceitado a demissão do chefe de unidade em vez de rescindir o seu contrato ou de instaurar um processo disciplinar contra ele. A primeira decisão impugnada não viola, portanto, a este respeito os artigos 24.o e 86.o do Estatuto.

115    Em contrapartida, como foi indicado nos n.os 97 e 98, supra, a primeira decisão impugnada viola o artigo 24.o do Estatuto na medida em que o ECDC não fez prova bastante dos factos na sequência do relatório de inquérito, não tomou nessa base uma posição definitiva e isenta de ambiguidade quanto à existência ou não de assédio moral, na aceção do artigo 12.o‑A, n.o 3, do Estatuto, e não informou o recorrente do seguimento dado ao seu primeiro pedido de assistência, em particular dando‑lhe a conhecer a vontade inicial da diretora de rescindir o contrato do chefe de unidade antes de este lhe ter apresentado a sua demissão, e as condições em que essa demissão tinha sido aceite, incluindo as modalidades de exercício do pré‑aviso.

116    À luz das considerações anteriores, deve julgar‑se parcialmente procedente o terceiro fundamento em apoio do pedido de anulação da primeira decisão impugnada, conforme completada pela decisão de indeferimento da reclamação, por violação do artigo 24.o do Estatuto no que respeita aos aspetos mencionados nos n.os 102 e 115, supra.

2)      Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do direito a ser ouvido

117    O recorrente afirma que foi ouvido pelo investigador, mas não pela diretora, antes da adoção da primeira decisão impugnada, em violação do artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais, conforme interpretado pela jurisprudência. Alega que não pôde apresentar as suas observações nem sobre as conclusões contidas no relatório de inquérito, ao qual não teve acesso antes da adoção da decisão impugnada, nem sobre os outros elementos tidos em conta pela diretora. O recorrente precisa que a primeira decisão impugnada lhe causa prejuízo e que não foi informado, antes da respetiva adoção, do seu conteúdo nem da natureza do interesse do serviço que justificou que o ECDC aceitasse a demissão do chefe de unidade em vez de instaurar um processo disciplinar.

118    O ECDC contrapõe que a pessoa a quem o inquérito diz respeito e o recorrente não gozam dos mesmos direitos na condução do inquérito, o que justifica que este último não tenha tido acesso ao relatório de inquérito. No entanto, foi‑lhe concedida uma possibilidade de consulta parcial do relatório de inquérito, em 12 de setembro de 2018, no respeito da vida privada e da integridade das pessoas mencionadas nesse relatório, como foi confirmado pelo Provedor de Justiça na sua decisão de 6 de junho de 2019. Além disso, o recorrente foi ouvido duas vezes pelo investigador. Por outro lado, segundo o ECDC, o direito a ser ouvido previsto no artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais é garantido quando a medida individual afeta desfavoravelmente a pessoa, o que não é o caso. O ECDC acrescenta que, seja como for, se o recorrente tivesse sido ouvido, o resultado teria sido semelhante, na medida em que o ECDC deferiu o seu primeiro pedido de assistência.

119    Em resposta a este último argumento, o recorrente reitera na réplica a sua alegação de que a primeira decisão impugnada não deferiu o seu primeiro pedido de assistência.

120    Importa recordar que uma pessoa que, com base nos artigos 12.o‑A e 24.o do Estatuto, faz um pedido de assistência alegando que foi vitima de assédio moral pode invocar o direito a ser ouvida sobre os factos que lhe dizem respeito, a título do princípio da boa administração (v. Acórdão de 4 de junho de 2020, SEAE/De Loecker, C‑187/19 P, EU:C:2020:444, n.o 66 e jurisprudência aí referida).

121    Com efeito, o artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dispõe que o direito a uma boa administração compreende, nomeadamente, o direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito ser tomada qualquer medida individual que a afete desfavoravelmente.

122    O direito a ser ouvido garante a todas as pessoas a possibilidade de dar a conhecer o seu ponto de vista, de forma útil e efetiva, no decurso do procedimento administrativo antes da adoção de qualquer decisão suscetível de afetar de forma desfavorável os seus interesses (v., por analogia, Acórdão de 4 de junho de 2020, SEAE/ De Loecker, C‑187/19 P, EU:C:2020:444, n.o 68 e jurisprudência aí referida).

123    O direito a ser ouvido prossegue um duplo objetivo. Por um lado, serve para a instrução do processo e para o apuramento dos factos da forma mais precisa e correta possível e, por outro, permite assegurar uma proteção efetiva do interessado. O direito a ser ouvido visa concretamente garantir que qualquer decisão lesiva seja adotada com pleno conhecimento de causa e tem designadamente o objetivo de permitir à autoridade competente corrigir um erro e à pessoa em causa invocar factos relativos à sua situação pessoal que militam no sentido de que a decisão seja tomada, não seja tomada ou tenha determinado conteúdo (v., neste sentido, Acórdão de 4 de junho de 2020, SEAE/De Loecker, C‑187/19 P, EU:C:2020:444, n.o 69 e jurisprudência aí referida).

124    O papel do autor do pedido de assistência que alega factos de assédio consiste essencialmente na sua colaboração na boa condução do inquérito administrativo, a fim de se apurarem os factos (v. Acórdão de 13 de dezembro de 2018, CH/Parlamento, T‑83/18, EU:T:2018:935, n.o 71 e jurisprudência aí referida)

125    Quando, em resposta a um pedido de assistência, a administração decide que os elementos invocados em apoio desse pedido de assistência não são procedentes e que, consequentemente, os comportamentos invocados não constituem assédio moral, na aceção do artigo 12.o‑A do Estatuto, a referida decisão causa prejuízo ao autor do pedido de assistência e afeta‑o desfavoravelmente, na aceção do artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais (v. Acórdão de 13 de dezembro de 2018, CH/Parlamento, T‑83/18, EU:T:2018:935, n.o 78 e jurisprudência aí referida).

126    Em caso de indeferimento do pedido de assistência, se a AHCC decidir solicitar o parecer de um investigador ao qual confiou a tarefa de conduzir um inquérito administrativo e se, na decisão sobre o pedido de assistência, tiver em conta o parecer emitido por esse investigador, o referido parecer, que pode ser elaborado de uma forma não confidencial que respeite o anonimato concedido às testemunhas, deve, em aplicação do direito a ser ouvido do autor do pedido de assistência, ser levado ao conhecimento deste último, mesmo que as regras internas não prevejam essa transmissão (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, CH/Parlamento, T‑83/18, EU:T:2018:935, n.o 85).

127    Por último, recorde‑se que, para que a violação do direito a ser ouvido possa conduzir à anulação de uma decisão, é ainda necessário examinar se, sem essa irregularidade, o processo poderia ter conduzido a um resultado diferente. A apreciação desta questão deve ser efetuada em função das circunstâncias de facto e de direito específicas de cada caso concreto (v., neste sentido, Acórdão de 18 de junho de 2020, Comissão/RQ, C‑831/18 P, EU:C:2020:481, n.os 105 e 107 e jurisprudência aí referida).

128    No caso em apreço, a primeira decisão impugnada não encerrou o procedimento administrativo iniciado pela diretora, em 28 de setembro de 2017, por inexistência de assédio moral, na aceção do artigo 12.o‑A, n.o 3, do Estatuto, em relação ao recorrente. Com efeito, a diretora reconheceu a existência de «elementos» de assédio por parte do chefe de unidade. A primeira decisão impugnada não é, portanto, uma decisão de indeferimento de um pedido de assistência semelhante às decisões examinadas na jurisprudência citada nos n.os 125 e 126, supra.

129    Todavia, essa decisão não deixa de constituir um ato lesivo para o recorrente e que o afeta desfavoravelmente, na aceção do artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais.

130    Com efeito, a primeira decisão impugnada não subscreve completamente as conclusões do relatório de inquérito relativas ao primeiro pedido de assistência do recorrente. Por um lado, a diretora constata a existência de «alguns erros factuais» no referido relatório. Por outro lado, embora o investigador tenha concluído pelo caráter fundado do pedido de assistência do recorrente, a diretora conclui apenas pela existência de «elementos» de assédio. Na audiência, o ECDC precisou que o aditamento do termo «elementos» se explicava pela existência desses erros factuais, que não eram, é certo, de grande importância, mas deviam igualmente ser tidos em conta. Ora, como foi indicado nos n.os 96 e 97, supra, a qualificação nestes termos dos factos denunciados não satisfaz as obrigações impostas pelo artigo 24.o do Estatuto.

131    A diretora violou o direito a ser ouvido do recorrente na medida em que este último não pôde tomar posição, antes da adoção da primeira decisão impugnada, sobre os «erros factuais» contidos no relatório de inquérito e sobre qualquer outro elemento que tenha conduzido a diretora a não aderir completamente às conclusões do referido relatório.

132    Ora, na inexistência desta irregularidade, o procedimento poderia ter conduzido a um resultado diferente. Em especial, o recorrente poderia ter convencido a diretora de que era possível outra apreciação dos factos, de tal forma que esta poderia ter reconhecido plenamente a sua qualidade de vítima, à semelhança do investigador.

133    Em contrapartida, contrariamente ao que alega o recorrente, a diretora não tinha a obrigação de ouvir as suas observações sobre as razões, relacionadas com o interesse do serviço, que a tinham levado a aceitar a demissão do chefe de unidade em vez de rescindir o seu contrato ou de instaurar um processo disciplinar. Com efeito, as decisões adotadas em relação ao chefe de unidade não foram tomadas contra o recorrente, na aceção do artigo 41.o, n.o 2, alínea a), da Carta dos Direitos Fundamentais.

134    Resulta de todas as considerações anteriores que o primeiro fundamento, relativo a uma violação do direito a ser ouvido, deve ser julgado parcialmente procedente.

3)      Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do dever de fundamentação

135    O recorrente alega que a não comunicação do relatório de inquérito, na sua versão integral ou na sua versão não confidencial, constitui uma violação do dever de fundamentação da primeira decisão impugnada, na medida em que esta decisão se baseia nesse relatório. O recorrente declara não conhecer as pessoas que foram interrogadas pelo investigador nem os erros factuais do relatório de inquérito que foram mencionados na primeira decisão impugnada. A constatação, que figura nessa decisão, segundo a qual «[o] método de gestão do chefe de unidade causou uma tensão e uma ansiedade inúteis ao pessoal», não satisfaz o dever de fundamentação. A referida decisão também não permite compreender as razões que levaram o ECDC a aceitar a demissão do chefe de unidade, mantendo todos os seus direitos financeiros durante e após o período de pré‑aviso de dez meses, em vez de a recusar e de instaurar um processo disciplinar a seu respeito.

136    O ECDC salienta que o artigo 25.o, segundo parágrafo, do Estatuto impõe unicamente que se fundamentem as decisões que afetam interesses, o que não acontece no caso em apreço, uma vez que o primeiro pedido de assistência foi deferido. De qualquer forma, o recorrente foi devidamente informado pela decisão impugnada das razões que levaram o ECDC a adotá‑la. Por outro lado, com o objetivo, nomeadamente, de proteger a confidencialidade das testemunhas, o relatório de inquérito não podia ter sido transmitido tal qual, tanto mais que o recorrente não era alvo do inquérito. Isso foi confirmado pelo Provedor de Justiça na sua decisão de 6 de junho de 2019. Por último, o recorrente já tinha tido conhecimento da lista das pessoas que haviam sido ouvidas.

137    Como resulta do n.o 76, supra, a primeira decisão impugnada constitui um ato lesivo. Por conseguinte, deve ser suficientemente fundamentada, em conformidade com o artigo 25.o, segundo parágrafo, do Estatuto, que mais não é do que a reprodução da obrigação geral prevista no artigo 296.o TFUE.

138    O dever de fundamentar uma decisão que causa prejuízo tem por objetivo facultar ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão é fundada ou se padece de um vício que permita contestar a respetiva legalidade, e permitir ao juiz da União exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão impugnada. O alcance do dever de fundamentar deve, em cada caso, ser apreciado não só tendo em conta a decisão impugnada mas também em função das circunstâncias concretas que envolvem a referida decisão (v. Acórdão de 25 de outubro de 2007, Lo Giudice/Comissão, T‑154/05, EU:T:2007:322, n.os 160 e 161 e jurisprudência aí referida).

139    Embora a jurisprudência admita uma fundamentação por remissão para um relatório ou para um parecer fundamentado, é todavia necessário que esse relatório ou parecer seja efetivamente comunicado ao interessado juntamente com o ato lesivo (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2013, Tzirani/Comissão, F‑46/11, EU:F:2013:115, n.o 152 e jurisprudência aí referida).

140    A administração pode atenuar uma insuficiência, mas não uma inexistência total, de fundamentação, mediante uma justificação adequada fornecida na fase da resposta à reclamação, ou inclusivamente mediante esclarecimentos complementares fornecidos no decurso da instância (v., neste sentido, Acórdão de 2 de março de 2010, Doktor/Conselho, T‑248/08 P, EU:T:2010:57, n.o 93 e jurisprudência aí referida).

141    Todavia, no âmbito específico de um inquérito aberto com base num pedido de assistência ao abrigo do artigo 24.o do Estatuto e destinado a determinar a realidade de factos de assédio de que um agente considera ter sido vítima, há que ter em conta o dever da instituição de responder ao funcionário que apresenta esse pedido com a rapidez e a diligência exigidas na gestão de uma situação tão grave. Por conseguinte, neste contexto, o dever de fundamentação previsto no artigo 25.o, segundo parágrafo, do Estatuto deve ser interpretado de forma estrita, pelo que não pode responder às exigências impostas por esta disposição uma decisão que, neste contexto, se limita a fornecer um início de fundamentação, obrigando assim o interessado a apresentar uma reclamação a fim de obter uma fundamentação da decisão lesiva que seja conforme com as exigências da referida disposição (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2013, Tzirani/Comissão, F‑46/11, EU:F:2013:115, n.os 164 e 165 e jurisprudência aí referida)

142    Esta constatação não pode porém afetar a possibilidade de as instituições apresentarem, na decisão de indeferimento da reclamação, esclarecimentos relativos aos motivos considerados pela administração, nem a possibilidade de o Tribunal Geral os tomar em consideração no exame de um fundamento que contesta a legalidade da decisão (v., neste sentido, Acórdão de 11 de julho de 2013, Tzirani/Comissão, F‑46/11, EU:F:2013:115, n.o 167 e jurisprudência aí referida).

143    Quanto à fundamentação da primeira decisão impugnada, importa salientar que esta decisão não aborda expressamente nenhuma das situações mencionadas pelo recorrente no seu primeiro pedido de assistência, limitando‑se a remeter para os elementos de facto descritos no relatório de inquérito, ao qual o recorrente não tinha, nesse momento, obtido nenhum acesso, e às «informações de que [a diretora] disp[unha]», sem os detalhar. A referida decisão menciona igualmente a existência de «erros factuais» no relatório de inquérito, sem os descrever, e de «questões» ou «dificuldades» relativamente às quais o chefe de unidade «devia atuar», uma vez mais sem os detalhar. Por último, a diretora refere, sem precisar, que tencionava tomar «medidas adequadas», as quais não foram adotadas devido à demissão do chefe de unidade. Na decisão de indeferimento da reclamação, a diretora não apresentou nenhuma fundamentação suplementar sobre estes aspetos.

144    Conclui‑se que a primeira decisão impugnada, conforme completada pela decisão de indeferimento da reclamação, não está fundamentada em certos aspetos essenciais, mencionados no n.o 143, supra, pelo que o recorrente ficou impossibilitado de contestar o mérito desses aspetos.

145    Nestas condições, o segundo fundamento deve ser julgado procedente, sem que os esclarecimentos que puderam ter sido apresentados pelo ECDC no Tribunal Geral possam remediar essa falta de fundamentação.

d)      Conclusão sobre o pedido de anulação da primeira decisão impugnada

146    À luz de todas as considerações anteriores, deve considerar‑se que a primeira decisão impugnada, conforme completada pela decisão de indeferimento da reclamação, foi adotada em violação do artigo 24.o do Estatuto, do direito a ser ouvido do recorrente e do dever de fundamentação.

2.      Quanto ao pedido de anulação da segunda decisão impugnada

147    Com a segunda decisão impugnada, o ECDC indeferiu o pedido de acesso controvertido, destinado a obter o relatório de inquérito e todos os documentos com base nos quais a diretora tinha tomado a primeira decisão impugnada, incluindo os documentos com base nos quais havia considerado que o relatório de inquérito continha «alguns erros factuais» (v. n.o 29, supra).

148    No seu pedido de 30 de maio de 2018, o recorrente indicava que, na medida em que a primeira decisão impugnada lhe causava prejuízo, devia ter acesso a esses documentos, em conformidade com o artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais, tanto mais que tinha sido obrigado a apresentar, em 10 de abril de 2018, o segundo pedido de assistência na sequência de comportamentos do chefe de unidade ocorridos durante e após a elaboração do relatório de inquérito.

149    Na segunda decisão impugnada, a diretora constatou que o interesse do recorrente não podia ser afetado pela primeira decisão impugnada, uma vez que o primeiro pedido de assistência não tinha sido indeferido por falta de fundamento. Além disso, o segundo pedido de assistência também não podia justificar o acesso ao relatório de inquérito, pois ainda não tinha sido adotada nenhuma decisão quanto a esse pedido. A diretora indicou igualmente que havia sido dada ao recorrente a possibilidade de apresentar o seu ponto de vista durante o inquérito. Por último, recordou, em substância, que, segundo a jurisprudência relativa ao alcance do direito de defesa, a situação de uma pessoa que apresentou um pedido de assistência por assédio moral não podia ser equiparada à da pessoa visada por esse pedido e que os direitos processuais que deviam ser reconhecidos a esta última se distinguiam dos direitos, mais limitados, de que dispunha o requerente de assistência no âmbito do procedimento administrativo. A este respeito, a diretora sublinhou que o direito de acesso ao processo, baseado na Carta dos Direitos Fundamentais, tinha inclusivamente sido recusado aos queixosos nos casos em que a autoridade competente concluíra pela inexistência de assédio.

150    Na decisão de indeferimento da reclamação, a diretora acrescentou que o recorrente tinha podido consultar uma versão não confidencial do relatório de inquérito em 12 de setembro de 2018 e que tinha tido acesso aos seus próprios dados pessoais contidos nesse relatório, em conformidade com o artigo 13.o do Regulamento n.o 45/2001. A diretora precisou que não fora concedido ao recorrente acesso completo ao referido relatório devido à proteção da confidencialidade das entrevistas com as testemunhas e com o próprio chefe de unidade, ao caráter sensível do problema e à necessidade de preservar a capacidade do ECDC para realizar inquéritos.

151    O recorrente invoca um único fundamento contra a segunda decisão impugnada, conforme completada pela decisão de indeferimento da reclamação. Este fundamento é relativo à violação do artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais. No decurso da audiência, o recorrente renunciou à segunda acusação que tinha invocado na petição, de forma não fundamentada, e que era relativa à violação do artigo 13.o do Regulamento n.o 45/2001.

152    Em apoio do seu fundamento único, o recorrente sustenta que, contrariamente ao que foi alegado na segunda decisão impugnada, a primeira decisão impugnada constitui um ato que lhe causa prejuízo, o que justificava ainda mais a necessidade de ter um acesso completo ao relatório de inquérito. Por outro lado, as exceções previstas no artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais e no artigo 20.o do Regulamento n.o 45/2001 já não eram oponíveis, uma vez que o inquérito tinha sido concluído. Além disso, o recorrente sublinha que algumas testemunhas concordavam que ele tivesse acesso à ata das suas audições, pelo que a exceção prevista no artigo 4.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 1049/2001 também não era oponível. Acresce que não tinha sido demonstrada a violação concreta e efetiva de interesses protegidos. Nestas condições, o acesso muito limitado ao relatório de inquérito que o recorrente teve in situ em 12 de setembro de 2018 não equivale, em seu entender, a um acesso regular, conforme ao artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais. Por último, o recorrente precisa que não partilha das conclusões da decisão do Provedor de Justiça de 6 de junho de 2019, em particular quanto à análise relativa à proteção dos dados pessoais. Na audiência, o recorrente acrescentou que os depoimentos já tinham sido tornados anónimos na versão do relatório de inquérito que foi transmitida à diretora.

153    O ECDC contrapõe que, visto a primeira decisão impugnada não ser lesiva, as razões que fundamentaram a segunda decisão impugnada continuam válidas. Sublinha que o artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais impõe que sejam respeitados os legítimos interesses da confidencialidade. O artigo 20.o do Regulamento n.o 45/2001 e o artigo 8.o da Carta dos Direitos Fundamentais legitimam as restrições que regulam o direito processual do recorrente a este respeito. Por outro lado, o facto de o inquérito ter sido encerrado não altera o interesse nem das testemunhas nem do chefe de unidade. Aliás, este último tinha fornecido elementos concretos segundo os quais a divulgação dos dados contidos no relatório de inquérito poderia prejudicar os seus direitos. Além disso, o ECDC alega que o recorrente teve a possibilidade de consultar uma versão não confidencial do referido relatório em 12 de setembro de 2018. O Provedor de Justiça confirmou que o ECDC tinha fundamentado correta e suficientemente a recusa de acesso completo a esse relatório. Por último, quanto ao anonimato dos depoimentos no relatório de inquérito fornecido à diretora, o ECDC sublinha que não é suficiente, uma vez que, em razão da dimensão do ECDC e do conteúdo dos depoimentos, seria fácil identificar as testemunhas ao ler o relatório.

154    A título preliminar, importa sublinhar que a decisão do Provedor de Justiça de 6 de junho de 2019 não tem por objeto a segunda decisão impugnada, mas a segunda carta de 20 de junho de 2018, referida no n.o 32, supra. Esta carta foi enviada ao recorrente em resposta a um anterior pedido de acesso ao relatório de inquérito, na medida em que esse pedido se baseava nos Regulamentos n.os 1049/2001 e 45/2001. Por conseguinte, o Provedor de Justiça examinou se, à luz destes regulamentos, o ECDC tinha fundamentado correta e suficientemente a sua decisão de recusar o acesso total do público ao relatório de inquérito a fim de proteger a vida privada e a integridade das pessoas em causa. Por conseguinte, o Provedor de Justiça não examinou se esses interesses justificavam que apenas se concedesse ao recorrente um acesso restrito ao relatório de inquérito no âmbito do exercício, por este último, do seu direito de acesso ao processo, garantido pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais.

155    O direito a uma boa administração está consagrado no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais, que figura entre as garantias conferidas pela ordem jurídica da União nos procedimentos administrativos (v. Acórdão de 19 de setembro de 2018, Selimovic/Parlamento, T‑61/17, não publicado, EU:T:2018:565, n.o 67 e jurisprudência aí referida). O artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da referida Carta consagra o direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe refiram, no respeito dos legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial. Este direito de acesso ao processo implica que a instituição em causa deve dar à pessoa interessada a possibilidade de proceder a um exame da totalidade dos documentos que constam do processo de instrução suscetíveis de ser pertinentes para a sua defesa (v. Acórdão de 19 de setembro de 2018, Selimovic/Parlamento, T‑61/17, não publicado, EU:T:2018:565, n.o 78 e jurisprudência aí referida).

156    Como se concluiu no n.o 129, supra, a primeira decisão impugnada constitui um ato lesivo para o recorrente, contrariamente ao que sustenta o ECDC. Por conseguinte, importa examinar se as outras razões invocadas pela diretora na segunda decisão impugnada, cuja fundamentação foi completada pela decisão de indeferimento da reclamação, justificam a recusa de acesso, total ou parcial, aos documentos solicitados.

157    Em resposta a uma medida de organização do processo do Tribunal Geral, o ECDC apresentou a versão não confidencial do relatório de inquérito, que o recorrente pôde consultar in situ em 12 de setembro de 2018.

158    Na sequência de uma medida de instrução, o ECDC apresentou igualmente a versão confidencial do relatório de inquérito, cujo acesso foi recusado pela segunda decisão impugnada, bem como os outros documentos que a diretora teve em conta no âmbito da adoção da primeira decisão impugnada. Esses documentos são, primeiro, o primeiro pedido de assistência do recorrente, segundo, o formulário de informações complementares enviado pelo recorrente em 14 de julho de 2017, terceiro, uma mensagem de correio eletrónico, de 17 de janeiro de 2018, enviada pelo chefe de unidade à diretora, através da qual este lhe transmitiu os seus comentários sobre o projeto de relatório de inquérito que lhe havia sido comunicado, quarto, uma mensagem de correio eletrónico, de 27 de julho de 2018, enviada pelo investigador à diretora a respeito dos erros factuais constantes do relatório de inquérito e, quinto, a resposta da diretora a esta mensagem, datada de 3 de agosto de 2018.

159    Quanto ao relatório de inquérito, resulta da leitura dos documentos que foram apresentados pelo ECDC no Tribunal Geral que o mesmo foi redigido no respeito dos critérios previstos no artigo 4.o, n.o 8, da regra interna de execução do ECDC n.o 29, relativa à condução dos inquéritos administrativos e dos processos disciplinares. Segundo esta disposição, «[o] relatório expõe os factos e circunstâncias em causa; estabelece se as regras e os procedimentos aplicáveis às situações foram respeitados e determina qualquer responsabilidade individual, tendo em conta as circunstâncias agravantes ou atenuantes». A referida disposição prevê igualmente que «[d]evem ser juntas ao relatório cópias de todos os documentos pertinentes e das atas das reuniões». Segundo estas instruções, o relatório foi estruturado em sete secções não numeradas.

160    Em resposta a uma questão colocada pelo Tribunal Geral na audiência, o ECDC precisou que os dados pessoais contidos no relatório de inquérito que tinham sido comunicados ao recorrente na segunda carta de 20 de junho de 2018, com base no artigo 13.o do Regulamento n.o 45/2001 (v. n.o 32, supra), consistem apenas nas acusações que o próprio recorrente havia formulado no âmbito do seu primeiro pedido de assistência.

161    Resulta da versão não confidencial do relatório de inquérito apresentado pelo ECDC e das precisões por este fornecidas que o recorrente só teve acesso às partes desse relatório que reproduzem as suas próprias acusações e às que contêm considerações gerais sobre as disposições jurídicas aplicáveis e a forma como o inquérito tinha sido conduzido. Em contrapartida, o essencial do referido relatório foi completamente ocultado. Em especial, o recorrente não teve acesso às três últimas secções, que incluem, desde logo, a descrição dos factos denunciados nos pedidos de assistência apresentados pelo recorrente e por outro membro do pessoal do ECDC, à luz igualmente dos depoimentos recolhidos, incluindo as declarações do chefe de unidade (quinta secção), em seguida, as conclusões individuais do investigador relativamente a cada pedido de assistência (sexta secção) e, por último, as suas conclusões gerais sobre o inquérito (sétima secção).

162    Ora, foi declarado que é necessária a transmissão de uma cópia dos relatórios elaborados no termo do inquérito administrativo, eventualmente numa versão não confidencial, à luz do princípio da boa administração garantido pelo artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais e do dever de assistência, que implicam que a autoridade competente informe os interessados do resultado do seu pedido de assistência, sobretudo quando, como acontece no caso em apreço, o relatório reconhece a existência de assédio moral (v., neste sentido, a de 3 de outubro de 2019, DQ e o./Parlamento, T‑730/18, EU:T:2019:725, n.o 109).

163    No entanto, como sublinha o ECDC, o direito de acesso ao processo não é absoluto. O artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais garante este direito sob duas condições. Por um lado, o direito de acesso de uma pessoa apenas diz respeito aos «processos que se lhe refiram». Por outro lado, o acesso deve ser assegurado no respeito dos «legítimos interesses da confidencialidade e do segredo profissional e comercial».

164    Quanto às implicações, no caso vertente, da primeira condição, cabe referir que o relatório de inquérito incide não apenas sobre o primeiro pedido de assistência do recorrente mas também sobre o de outro requerente de assistência. Além disso, o investigador mencionou igualmente a situação pessoal de outros membros do pessoal do ECDC na sexta e sétima secções do seu relatório, relacionada com «circunstâncias agravantes».

165    Interrogado sobre este ponto na audiência, o recorrente não excluiu que possa ter direito de acesso às partes do relatório de inquérito relativas à situação de terceiros. Todavia, o direito de acesso ao processo que invoca com base no artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais só garante o acesso ao processo que se lhe refira.

166    No que respeita à segunda condição mencionada no n.o 163, supra, relativa à proteção dos interesses legítimos da confidencialidade, igualmente garantida pelo artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais, foi declarado que, no contexto de uma queixa por assédio moral, se deve, salvo na existência uma circunstância específica, garantir a confidencialidade dos depoimentos recolhidos, inclusive no processo contencioso, na medida em que a perspetiva de um eventual levantamento dessa confidencialidade na fase contenciosa pode impedir a realização de inquéritos neutros e objetivos que beneficiem de uma colaboração prestada sem constrangimentos por parte das pessoas ouvidas como testemunhas (v. Acórdão de 19 de setembro de 2018, Selimovic/Parlamento, T‑61/17, não publicado, EU:T:2018:565, n.o 79 e jurisprudência aí referida).

167    Todavia, no caso em apreço, o ECDC não se limitou a ocultar as partes do relatório de inquérito relativo aos depoimentos, mas ocultou todo o conteúdo da análise do investigador, incluindo as suas conclusões sobre o primeiro pedido de assistência do recorrente, o que não pode ser justificado pela proteção dos interesses legítimos da confidencialidade das testemunhas e do bom desenrolar dos inquéritos.

168    Além disso, o investigador já tinha tomado medidas destinadas a garantir o anonimato das testemunhas no relatório de inquérito. Em especial, deu sempre às pessoas que tinham aceitado ser ouvidas a possibilidade de assinar ou não a ata da respetiva entrevista. Quanto às pessoas que tinham optado por não assinar, as informações recolhidas junto delas não foram utilizadas no relatório de uma forma que permitisse identificá‑las. Mesmo na hipótese de, como alega o ECDC, em razão do volume do relatório, essa técnica de anonimização ser considerada insuficiente para proteger a identidade das testemunhas, poderia ter sido considerada a possibilidade de divulgar o essencial dos seus depoimentos sob a forma de um resumo ou de ocultar certas partes do conteúdo dos depoimentos (v., neste sentido, Acórdão de 25 de junho de 2020, HF/Parlamento, C‑570/18 P, EU:C:2020:490, n.o 66 e jurisprudência aí referida). Ora, nenhuma dessas técnicas foi contemplada pelo ECDC.

169    No que respeita aos outros documentos acima referidos no n.o 158, supra, aos quais o acesso foi igualmente recusado pela segunda decisão impugnada, importa salientar que o primeiro pedido de assistência e o formulário de informações complementares foram redigidos pelo próprio recorrente. Quanto à mensagem de correio eletrónico enviada em 17 de janeiro de 2018 pelo chefe de unidade à diretora, esta deveria ter transmitido ao recorrente as partes não confidenciais dessa mensagem que diziam respeito aos factos denunciados no seu primeiro pedido de assistência, respeitando a confidencialidade das testemunhas. Por último, a troca de mensagens de correio eletrónico entre a diretora e o investigador ocorreu entre 27 de julho e 3 de agosto de 2018 e era, portanto, posterior à adoção da primeira decisão impugnada, pelo que não entra no âmbito do pedido de acesso controvertido.

170    Resulta de todas as considerações anteriores que o fundamento único invocado pelo recorrente é parcialmente procedente.

171    Por conseguinte, há que anular a segunda decisão impugnada, conforme completada pela decisão de indeferimento da reclamação, na medida em que recusou ao recorrente o acesso às partes não confidenciais do relatório de inquérito e da mensagem de correio eletrónico do chefe de unidade de 17 de janeiro de 2018, que lhe diziam respeito (v. n.os 164 e 169, supra).

C.      Quanto ao pedido de indemnização

172    O recorrente pede ao Tribunal Geral que condene o ECDC no pagamento de uma indemnização a título de reparação do prejuízo moral que sofreu, avaliado ex aequo et bono em 40 000 euros.

173    Em apoio do seu pedido, o recorrente alega que o facto de o ECDC não ter reconhecido completamente o seu estatuto de vítima assim como a inexistência de uma sanção disciplinar contra o chefe de unidade lhe causaram um prejuízo moral.

174    A este respeito, o recorrente sublinha que, durante um período ininterrupto de cinco anos, esteve exposto a um nível muito elevado de tensão, o que lhe causou problemas graves de saúde que se traduziram por ansiedade, problemas de tensão arterial e uma degradação da sua confiança em si mesmo. O facto de o ECDC ter decidido, no contexto da primeira decisão impugnada, não aplicar uma sanção disciplinar ao chefe de unidade e de a diretora não ter tomado nenhuma medida de proteção na sequência do seu primeiro pedido de assistência acentuou no recorrente o sentimento de que o chefe de unidade podia agir com total impunidade.

175    O dano foi ainda agravado pelo facto de a diretora ter tentado por todos os meios não lhe dar acesso a elementos e documentos‑chave nos quais se baseou para se pronunciar, na primeira decisão impugnada, sobre o seu primeiro pedido de assistência. Ora, a transparência e a clareza são indispensáveis para tentar restabelecer a confiança em que a entidade patronal repudia efetivamente as violações de direitos conferidos pelo Estatuto, mesmo quando essas violações podem ser imputadas ao pessoal de direção.

176    Os quatro anos que decorreram entre o início dos comportamentos do chefe de unidade em relação ao recorrente e a apresentação do primeiro pedido de assistência constituem um prazo razoável, tendo em conta o lapso de tempo necessário para poder tomar consciência da situação, o seu estado de esgotamento e o prazo de renovação do seu contrato em 2014. O recorrente acrescenta que, em todo o caso, já tinha alertado a administração, pessoalmente e por intermédio do Comité do Pessoal, para o comportamento do chefe de unidade. Não deixou de pedir ajuda durante anos, sem ser realmente ouvido e ainda menos compreendido.

177    O ECDC alega que, desde a apresentação do primeiro pedido de assistência do recorrente, respeitou o seu dever de diligência e o princípio da boa administração procedendo à abertura do inquérito administrativo após obtenção da autorização do OLAF, à adoção de medidas de proteção, ao reconhecimento de assédio e à aceitação do pedido de demissão do chefe de unidade no interesse do serviço. O nível muito elevado de stress e de ansiedade só foi denunciado pelo recorrente em 2 de julho de 2018, no âmbito da sua reclamação. O ECDC sustenta que, se tivesse tido mais cedo conhecimento de que o recorrente se sentia assediado, teria tomado as medidas adequadas, como fez logo após a apresentação do primeiro pedido de assistência. Quanto à data em que este pedido foi introduzido, o ECDC indica que não afirmou que tinha prescrito.

178    No que respeita à realidade do prejuízo, o ECDC objeta que não foi apresentada nenhuma prova, uma vez que o atestado médico junto à petição tem, em seu entender, muito pouco valor informativo.

179    Por último, o nexo de causalidade entre a alegada falta e o prejuízo moral também não está demonstrado.

180    A título preliminar, há que precisar o alcance do pedido de indemnização do recorrente.

181    Com efeito, como foi indicado no n.o 36, supra, o recorrente e outros membros do pessoal do ECDC apresentaram, em 11 de outubro de 2018, outro pedido de indemnização, com base no artigo 90.o, n.o 1, do Estatuto. No âmbito desse pedido conjunto, o recorrente solicitou um montante de 356 400 euros em razão do prejuízo material e moral que tinha sofrido entre 2012 e 2018, período durante o qual o ECDC não assegurou um ambiente de trabalho adequado e demorou em reagir face ao comportamento do chefe de unidade. Esse pedido foi indeferido pela diretora e foi objeto, sucessivamente, de uma reclamação e de um recurso para o Tribunal Geral, registado sob o número de processo T‑864/19. Por conseguinte, não há que apreciar os prejuízos invocados pelo recorrente neste último pedido.

182    Resulta da petição que o prejuízo moral invocado pelo recorrente no presente processo decorre da primeira e segunda decisões impugnadas. Em especial, o recorrente alega que a primeira decisão impugnada encerrou o inquérito sem reconhecer completamente o seu estatuto de vítima e sem aplicar uma sanção disciplinar ao chefe de unidade, em razão da sua demissão. Este prejuízo foi agravado pela recusa de acesso ao relatório de inquérito, constante da segunda decisão impugnada.

183    Por conseguinte, o recorrente pede a reparação do prejuízo moral resultante das ilegalidades denunciadas no âmbito do terceiro fundamento apresentado em apoio do pedido de anulação da primeira decisão impugnada e do fundamento único invocado contra a segunda decisão impugnada.

184    Como resulta dos n.os 116 e 170, supra, estes fundamentos foram parcialmente acolhidos. Com efeito, constatou‑se, por um lado, que o ECDC não demonstrou os factos de forma completa na sequência do relatório de inquérito nem informou o recorrente do seguimento dado ao seu primeiro pedido de assistência, em violação do artigo 24.o do Estatuto. Por outro lado, o acesso restrito ao relatório de inquérito que foi concedido ao recorrente não era conforme com o artigo 41.o, n.o 2, alínea b), da Carta dos Direitos Fundamentais.

185    Segundo jurisprudência constante, a anulação de um ato ferido de ilegalidade constitui, em si mesma, a reparação adequada e, em princípio, suficiente de todo o prejuízo moral que esse ato possa ter causado. Todavia, não pode ser esse o caso quando o recorrente demonstre ter sofrido um prejuízo moral dissociável da ilegalidade em que se baseia a anulação e insuscetível de ser integralmente reparado por essa anulação (v. Acórdão de 13 de julho de 2018, Curto/Parlamento, T‑275/17, EU:T:2018:479, n.o 114 e jurisprudência aí referida).

186    É o que sucede, primeiro, quando o ato anulado contém uma apreciação explicitamente negativa das capacidades do recorrente que o possa ofender, segundo, quando a irregularidade cometida é particularmente grave e, terceiro, quando a anulação fica privada de todo o efeito útil, não podendo assim constituir em si mesma a reparação adequada e suficiente de todo o prejuízo moral causado pelo ato impugnado (v. Acórdão de 23 de outubro de 2012, Strack/Comissão, F‑44/05 RENV, EU:F:2012:144, n.o 128 e jurisprudência aí referida).

187    Por outro lado, segundo a jurisprudência, o caráter moral do dano alegadamente sofrido não é suscetível de inverter o ónus da prova da existência e da extensão do dano, que incumbe ao recorrente. Com efeito, a responsabilidade da União apenas é desencadeada se o recorrente conseguir demonstrar a realidade do seu prejuízo (v. Acórdão de 29 de abril de 2015, CC/Parlamento, T‑457/13 P, EU:T:2015:240, n.o 49 e jurisprudência aí referida).

188    No caso em apreço, o recorrente não demonstrou a existência de um prejuízo moral dissociável das ilegalidades em que se baseia a anulação da primeira e segunda decisões impugnadas, que não é suscetível de ser integralmente reparado por essa anulação. Na audiência, limitou‑se, a este respeito, a reafirmar que o chefe de unidade tinha beneficiado de uma situação de impunidade e que a ansiedade e o sofrimento de que havia sido vítima continuavam a ser uma realidade, sobretudo após os esforços que tivera de empreender para obter acesso ao que era essencial para ele, a saber, o relatório de inquérito. Todavia, o recorrente não expôs as razões pelas quais este prejuízo não podia ser reparado pela anulação da primeira e segunda decisões impugnadas.

189    À luz das considerações anteriores, o pedido de indemnização pelo prejuízo moral decorrente dessas decisões deve ser julgado improcedente.

IV.    Quanto às despesas

190    Nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. No entanto, se tal se afigurar justificado tendo em conta as circunstâncias do caso, o Tribunal pode decidir que, além das suas próprias despesas, uma parte suporte uma fração das despesas da outra parte.

191    No caso em apreço, há que decidir, em aplicação desta disposição, que, além das suas próprias despesas, o ECDC suportará três quartos das despesas do recorrente e que este suportará um quarto das suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

decide:

1)      A Decisão do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), de 18 de maio de 2018, adotada em resposta ao pedido de assistência apresentado em 20 de junho de 2017 por AI é anulada.

2)      A Decisão do ECDC de 20 de junho de 2018 é anulada na medida em que recusou a AI o acesso às partes não confidenciais e que lhe dizem respeito do relatório de inquérito relativo ao seu pedido de assistência de 20 de junho de 2017 e da mensagem de correio eletrónico de A de 17 de janeiro de 2018.

3)      A Decisão do ECDC, de 26 de outubro de 2018, que indefere a reclamação de AI de 2 de julho de 2018 é anulada.

4)      O pedido de indemnização é improcedente.

5)      O ECDC suportará, além das suas próprias despesas, três quartos das despesas incorridas por AI.

6)      AI suportará um quarto das suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de julho de 2021.

Assinaturas


*      Língua do processo: inglês.


1      Dados confidenciais ocultados.