Language of document : ECLI:EU:T:2023:105

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

8 de março de 2023 (*)

«FEAGA e Feader — Despesas excluídas do financiamento — Despesas efetuadas pela Bulgária — Ações de promoção — Relatório de inquérito do OLAF — Apuramento da conformidade — Dever de fundamentação»

No processo T‑235/21,

República da Bulgária, representada por T. Mitova e L. Zaharieva, na qualidade de agentes,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por G. Koleva, J. Aquilina e A. Sauka, na qualidade de agentes,

recorrida,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto, nas deliberações, por: H. Kanninen, presidente, N. Półtorak (relatora) e M. Stancu, juízes,

secretário: G. Mitrev, administrador,

vista a fase escrita do processo,

após a audiência de 27 de setembro de 2022,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso baseado no artigo 263.o TFUE, a República da Bulgária pede a anulação da Decisão de Execução (UE) 2021/261 da Comissão, de 17 de fevereiro de 2021, que exclui do financiamento da União Europeia determinadas despesas efetuadas pelos Estados‑Membros a título do Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) e do Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (FEADER) (JO 2021, L 59, p. 10; a seguir «decisão impugnada»), na parte em que respeita a determinadas despesas por ela efetuadas.

 Antecedentes do litígio

 Procedimento administrativo

2        Através da carta Ares (2016) 6881454, de 4 de janeiro de 2017 (1), a Direção‑Geral (DG) da Agricultura e Desenvolvimento Rural da Comissão Europeia pediu à República da Bulgária que lhe transmitisse os seus comentários sobre informações comunicadas pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) no âmbito do inquérito INT/2016/101/BG (a seguir «comunicação das conclusões»). Em substância, resultava do referido inquérito que atividades fraudulentas estavam na origem de pagamentos indevidos de fundos da União Europeia. Assim, a DG da Agricultura e do Desenvolvimento Rural indicou à República da Bulgária que a elegibilidade para o financiamento pelo Fundo Europeu Agrícola de Garantia (FEAGA) de todas as despesas ligadas a programas implementados por [confidencial] era posta em causa. Por conseguinte, a DG da Agricultura e do Desenvolvimento Rural sublinhou que, em conformidade com o artigo 52.o do Regulamento (UE) n.o 1306/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 17 de dezembro de 2013, relativo ao financiamento, à gestão e ao acompanhamento da Política Agrícola Comum e que revoga os Regulamentos do Conselho (CEE) n.o 352/78, (CE) n.o 165/94, (CE) n.o 2799/98, (CE) n.o 814/2000, (CE) n.o 1200/2005 e n.o 485/2008 (JO 2013, L 347, p. 549), examinava a possibilidade de excluir essas despesas do financiamento da União. Recomendou igualmente às autoridades búlgaras que suspendessem os pagamentos a título de qualquer programa e de qualquer transação em que participava [confidencial] quando tivessem razões suficientes para o fazer.

3        Através da carta Ares (2017) 4323588, de 2 de maio de 2017, a DG da Agricultura e do Desenvolvimento Rural convidou as autoridades búlgaras a participarem numa reunião bilateral, em conformidade com o artigo 34.o, n.o 2, primeiro parágrafo, do Regulamento de Execução (UE) n.o 908/2014 da Comissão, de 6 de agosto de 2014, que estabelece as normas de execução do Regulamento (UE) n.o 1306/2013 no que diz respeito aos organismos pagadores e outros organismos, gestão financeira, apuramento das contas, controlos, garantias e transparência (JO 2014, L 255, p. 59), e informou a República da Bulgária de que mantinha a sua posição segundo a qual as conclusões do OLAF indicavam a existência de graves irregularidades a respeito das despesas mencionadas no ponto 2, supra. Precisou que forneceria, igualmente por carta e após a saída do relatório final do OLAF, informações complementares relativas às diferentes etapas que seriam seguidas no âmbito do procedimento de apuramento iniciado. Concluiu sublinhando que, enquanto aguarda o referido relatório, mantinha a sua posição segundo a qual todas as despesas ligadas aos programas implementados por [confidencial] apresentavam risco. Esta primeira reunião bilateral teve lugar em 12 de julho de 2017.

4        Através da carta Ares (2017) 4417644, de 11 de setembro de 2017, a DG da Agricultura e do Desenvolvimento Rural transmitiu a ata da reunião bilateral que teve lugar em 12 de julho de 2017 à República da Bulgária e colocou‑lhe questões complementares. Indicou‑lhe igualmente que havia que aguardar o relatório final do OLAF para passar às etapas seguintes do processo de apuramento, nomeadamente no que respeitava à avaliação quantitativa do risco para o fundo em causa ligado às deficiências detetadas. Ao aplicar o artigo 34.o, n.o 9, do Regulamento n.o 908/2014, a DG da Agricultura e do Desenvolvimento Rural decidiu prorrogar por três meses o prazo de seis meses previsto no artigo 34.o, n.o 3, desse mesmo regulamento, para comunicar à República da Bulgária as conclusões a que tinha chegado.

5        Através da carta Ares (2018) 329836, de 19 de janeiro de 2018, a DG da Agricultura e do Desenvolvimento Rural transmitiu o relatório final do OLAF sob a referência OF/2012/0565/B (a seguir «primeiro relatório do OLAF») à República da Bulgária. Informou as autoridades búlgaras de que organizaria uma segunda reunião bilateral com as mesmas a fim de discutir do referido relatório.

6        Através da carta Ares (2018) 2319201, de 7 de maio de 2018, a DG da Agricultura e do Desenvolvimento Rural convidou a República da Bulgária para uma segunda reunião bilateral a fim de discutir do primeiro relatório do OLAF (a seguir «segundo convite para uma reunião bilateral»). Indicou igualmente que, após ter analisado o referido relatório, mantinha a sua posição segundo a qual todas as despesas ligadas aos programas de promoção em que participava [confidencial] estavam expostas a um risco. Assim, recomendou às autoridades búlgaras que não renovassem os pagamentos para todos os programas em que participava [confidencial] e que procedessem à recuperação dos pagamentos irregulares junto dos seus beneficiários, em conformidade com o artigo 54.o do Regulamento n.o 1306/2013. Esta reunião bilateral teve lugar em 23 de maio de 2018.

7        Através da carta Ares (2018) 3168772, de 29 de junho de 2018, a DG da Agricultura e do Desenvolvimento Rural transmitiu a ata da segunda reunião bilateral à República da Bulgária. Aí recordou também que tinham sido pedidas informações complementares durante a referida reunião.

8        Através da carta Ares (2018) 451290, de 3 de setembro de 2018, a DG da Agricultura e do Desenvolvimento Rural transmitiu o relatório do OLAF com a referência OF/2016/0390/B5 (a seguir «segundo relatório do OLAF») às autoridades búlgaras. O referido relatório incidia sobre irregularidades cometidas por [confidencial] no âmbito de programas de promoção financiados pelo FEAGA.

9        Através da carta Ares (2019) 1300497, de 1 de março de 2019, a DG da Agricultura e do Desenvolvimento Rural solicitou às autoridades búlgaras que fornecessem informações complementares, em conformidade com o artigo 34.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 908/2014, a propósito da recuperação dos montantes relacionados com as despesas realizadas pelo FEAGA no âmbito dos nove programas de promoção identificados como apresentando riscos para o fundo em causa, bem como a inscrição dos montantes correspondentes no grande registo dos devedores, em conformidade com o artigo 54.o do Regulamento n.o 1306/2013. Indicou igualmente que, ao abrigo do referido artigo, o pedido de recuperação dos montantes ligados aos programas implementados por [confidencial] devia ser apresentado o mais tardar 18 meses depois de 19 de janeiro de 2018, ao passo que o dos montantes ligados ao programa implementado por [confidencial] devia ser apresentado o mais tardar 18 meses após 3 de setembro de 2018, ou seja, as datas em que o primeiro e o segundo relatórios do OLAF (a seguir designados em conjunto, «relatórios finais do OLAF») tinham sido respetivamente transmitidos ao organismo pagador búlgaro.

10      Através da carta Ares (2019) 7043430, de 19 de novembro de 2019, a DG da Agricultura e do Desenvolvimento Rural transmitiu à República da Bulgária uma comunicação ao abrigo do artigo 34.o, n.o 3, terceiro parágrafo, do Regulamento n.o 908/2014 (a seguir «comunicação oficial»), que analisava, nomeadamente, as informações fornecidas pelas autoridades búlgaras na carta n.o 99‑116, de 20 de julho de 2018, na carta n.o 99‑162, de 21 de setembro de 2018, e na carta n.o 53‑1‑129, de 24 de abril de 2019. Daí resultava, em substância, que, na sequência da discussão bilateral de 29 de maio de 2018 e com base nas informações complementares que lhe tinham sido posteriormente transmitidas pela República da Bulgária e nos relatórios finais do OLAF, considerava que o financiamento de nove programas de promoção implementados por [confidencial] e [confidencial] não estava em conformidade com as regras aplicáveis. Além disso, considerava que, na medida em que nenhum procedimento de recuperação e de registo no grande livro dos devedores do organismo pagador tinha sido iniciado pela República da Bulgária, o sistema de gestão e de controlo desta última não estava em conformidade com as exigências previstas pelo direito da União e que existia, portanto, um risco para o fundo em causa. Por conseguinte, propôs excluir o montante de 7 656 848,97 euros do financiamento pelo FEAGA.

11      Através da carta n.o 99‑170, de 18 de dezembro de 2019, a República da Bulgária recorreu para o Órgão de Conciliação, em conformidade com o artigo 40.o, n.o 1, do Regulamento n.o 908/2014. O Órgão de Conciliação emitiu um parecer em 25 de fevereiro de 2020.

12      Através da carta Ares (2020) 4231484, de 12 de agosto de 2020, a DG da Agricultura e do Desenvolvimento Rural transmitiu o seu parecer definitivo à República da Bulgária (a seguir «parecer definitivo»), informando‑a de que mantinha a sua posição tal como expressa na correspondência Ares (2019) 7043430, de 19 de novembro de 2019, e propôs, portanto, excluir um montante de 7 656 848,97 euros do financiamento pelo FEAGA.

 Decisão impugnada

13      Em 17 de fevereiro de 2021, a Comissão adotou a decisão impugnada, através da qual aplicou, com base no artigo 52.o do Regulamento n.o 1306/2013, uma correção pontual ao excluir do financiamento da União determinadas despesas efetuadas pela República da Bulgária a título dos programas operacionais cofinanciados pelo FEAGA e pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural (Feader). Em substância, daí resultou que, à luz das verificações efetuadas, das discussões bilaterais e do procedimento de conciliação, uma parte das despesas declaradas pela República da Bulgária não preenchia os requisitos para ser financiada a título do FEAGA, devido à inexistência de recuperações.

14      Por conseguinte, a decisão impugnada excluiu do financiamento da União um montante de 7 656 848,97 euros.

 Pedidos das partes

15      A República da Bulgária conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão impugnada na parte em que lhe aplicou uma correção financeira relativa ao inquérito INT/2016/101/BG no montante total de 7 656 848,97 euros;

–        condenar a Comissão nas despesas.

16      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a República da Bulgária nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade da prova apresentada em 26 de setembro de 2022

17      Em 26 de setembro de 2022, ou seja, na véspera da audiência de alegações, a República da Bulgária apresentou uma nova prova, a saber, uma carta da Comissão através da qual esta lhe tinha transmitido um relatório do OLAF que a República da Bulgária considerava ter um objeto semelhante aos relatórios finais do OLAF, em causa no presente processo.

18      Na audiência de alegações, a República da Bulgária invocou que não tinha podido apresentar essa prova na fase escrita do processo, uma vez que a tinha recebido posteriormente ao encerramento desta, a saber, em 12 de maio de 2022, o que a Comissão não contesta.

19      A Comissão sustenta que a prova deve ser considerada inadmissível na medida em que foi apresentada tardiamente.

20      A este respeito, importa recordar que, segundo o artigo 85.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a título excecional, as partes principais podem ainda apresentar ou oferecer provas antes do encerramento da fase oral ou antes da decisão do Tribunal de decidir sem fase oral, desde que o atraso na apresentação desses elementos seja justificado.

21      No caso em apreço, a prova apresentada em 26 de setembro de 2022 consiste numa carta da Comissão recebida pela República da Bulgária em 12 de maio de 2022. Ora, a réplica foi apresentada em 6 de outubro de 2021 e a fase escrita do processo foi encerrada em 30 de novembro de 2021.

22      Assim, a República da Bulgária não podia apresentar essa prova antes do termo da fase escrita do processo. Por conseguinte, há que considerá‑la admissível.

 Quanto ao mérito

23      A República da Bulgária invoca cinco fundamentos de recurso, relativos, respetivamente e em substância, o primeiro, à violação dos seus direitos processuais na condução do procedimento administrativo no termo do qual a decisão impugnada foi adotada; o segundo, a uma insuficiência de fundamentação; o terceiro, a uma interpretação errada do artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013 no que respeita à fixação do início do prazo de 18 meses a contar do qual a recuperação de qualquer pagamento indevido deve ser exigida ao beneficiário pelo Estado‑Membro em questão; o quarto, a um erro de apreciação cometido pela Comissão na medida em que esta considerou que o organismo pagador não tinha agido com a diligência exigida para recuperar as quantias controvertidas e que tinha dado mostras de negligência ao não dar início a um procedimento administrativo de recuperação nos prazos previstos no artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013; e, o quinto, ao facto de que o montante das despesas excluídas do financiamento da União pela decisão impugnada não é conforme com o artigo 54.o do Regulamento n.o 1306/2013, nem com o princípio da proporcionalidade.

24      A título preliminar, há que lembrar que, segundo jurisprudência constante, os Fundos agrícolas da União apenas financiam as intervenções efetuadas em conformidade com as disposições da União no âmbito da organização comum dos mercados agrícolas (v., neste sentido, Acórdão de 6 de novembro de 2014, Países Baixos/Comissão, C‑610/13 P, não publicado, EU:C:2014:2349, n.o 59 e jurisprudência referida).

25      Além disso, a gestão do financiamento dos Fundos da União cabe principalmente às Administrações Nacionais encarregadas de assegurar a estrita observância das regras da União e tem por base a confiança entre as autoridades nacionais e as autoridades da União. Só o Estado‑Membro está em condições de conhecer e de determinar com precisão os dados necessários à elaboração das contas do Fundos, uma vez que a Comissão suficientemente próxima para obter junto dos agentes económicos as informações de que necessita (v., neste sentido, Acórdãos de 7 de outubro de 2004, Espanha/Comissão, C‑153/01, EU:C:2004:589, n.o 133 e jurisprudência referida, e de 4 de setembro de 2009, Áustria/Comissão, T‑368/05, não publicado, EU:T:2009:305, n.o 182 e jurisprudência referida).

26      É à luz destas considerações que há que examinar os fundamentos invocados pela República da Bulgária em apoio do seu recurso.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação dos direitos processuais da República da Bulgária na condução do procedimento administrativo no termo do qual a decisão impugnada foi adotada

27      A República da Bulgária sustenta que, na comunicação das conclusões, a Comissão deu início ao procedimento de apuramento controvertido com fundamento no artigo 52.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013, o que foi posteriormente confirmado durante os diversos contactos que se lhe seguiram. A este respeito, precisa que, por força do artigo 34.o, n.o 2, do Regulamento n.o 908/2014, se, na sequência de um inquérito, a Comissão considerar que não foram efetuadas despesas em conformidade com as regras da União, comunicará ao Estado‑Membro em causa as suas conclusões, indicando as medidas corretivas necessárias para garantir, de futuro, o respeito das regras da União. As reservas da Comissão deveriam, assim, ter sido expostas de forma perfeitamente clara. Todavia, a República da Bulgária indica a este respeito que, a partir do segundo convite para uma reunião bilateral, a Comissão mencionou pela primeira vez a violação potencial do artigo 54.o, n.o 5, alíneas a) e c), do Regulamento n.o 1306/2013, continuando simultaneamente a fazer referência ao artigo 52.o do referido regulamento. Observa que, no termo do procedimento administrativo, a correção financeira controvertida se baseou finalmente numa negligência por parte do organismo pagador, ligada à falta de recuperação, junto dos beneficiários das despesas em causa, nos termos do artigo 54.o, n.o 5, alíneas a) e c), do Regulamento n.o 1306/2013, e à sua não inscrição no registo dos devedores, no prazo fixado no artigo 54.o, n.o 1, deste regulamento.

28      Em face do que precede, a República da Bulgária sustenta que a evolução da posição da Comissão quanto à base jurídica em que assenta a correção financeira controvertida induziu o organismo pagador em erro, na medida em que este considerou inicialmente que o procedimento de apuramento tinha sido desencadeado ao abrigo do artigo 52.o do Regulamento n.o 1306/2013 devido a deficiências nos sistemas de gestão e de controlo da regularidade das operações financiadas pelo FEAGA. Sublinha que, nas primeiras etapas do referido procedimento, essas deficiências não foram constatadas, ao passo que nenhum problema relativo ao sistema de cobrança de créditos tinha, então, sido evocado. Por conseguinte, alega que os esclarecimentos prestados pela Comissão no momento da receção, pelo organismo pagador, do pedido de informações complementares previsto no artigo 34.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 908/2014, se verificaram demasiado tarde. A Comissão aí expôs, pela primeira vez, a sua interpretação do artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013, segundo a qual o prazo de 18 meses para a recuperação dos créditos controvertidos tinha, no caso em apreço, começado a correr quando o organismo pagador tinha recebido os relatórios finais do OLAF, ou seja, em 19 de janeiro de 2018, para o primeiro relatório, e em 3 de setembro de 2018, para o segundo relatório. Além disso, considera que os dados transmitidos pela Comissão através da comunicação das conclusões poderiam tê‑lo sido numa fase mais precoce. Resulta do que precede que a República da Bulgária considera não ter beneficiado das garantias processuais previstas no artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1306/2013 e no artigo 34.o, n.o 2, do Regulamento n.o 908/2014.

29      A Comissão contesta essa argumentação.

30      A título preliminar, há que observar que, através do presente fundamento, a República da Bulgária sustenta, em substância, que o procedimento de apuramento da conformidade conduzido no caso em apreço padece de vícios que não lhe permitiram beneficiar das garantias processuais decorrentes do artigo 52.o, n.o 3, do Regulamento n.o 1306/2013 e do artigo 34.o, n.o 2, do Regulamento n.o 908/2014. Em seu entender, este incumprimento das referidas garantias constituiu uma violação dos direitos de defesa e do princípio da cooperação leal, do princípio do contraditório e do princípio da boa administração e deveria, por conseguinte, implicar a anulação da decisão impugnada. A este respeito, o presente fundamento articula‑se em duas partes distintas, relativas, a primeira, ao facto de a Comissão não estar autorizada a alterar a base jurídica em que finalmente assentou a decisão impugnada durante o procedimento administrativo e, a segunda, ao facto de, ao proceder deste modo, a Comissão a ter induzido em erro, ao deixar pensar que as deficiências detetadas respeitavam ao seu sistema de gestão e de controlo, únicas hipóteses evocadas pelo artigo 52.o do Regulamento n.o 1306/2013, e não à recuperação dos fundos em causa, que depende, por sua vez, do artigo 54.o do referido regulamento.

31      A este respeito, há que recordar, quanto à violação alegada dos direitos de defesa e do direito de ser ouvido, que, segundo a jurisprudência, o respeito dos direitos de defesa, constitui um princípio fundamental de direito da União que deve ser garantido, mesmo na falta de regulamentação relativa ao procedimento. Este princípio exige que os destinatários de decisões que afetem de modo sensível os seus interesses sejam colocados em condições de dar utilmente a conhecer o seu ponto de vista (v. Acórdão de 19 de janeiro de 2006, Comunità montana della Valnerina/Comissão, C‑240/03 P, EU:C:2006:44, n.o 129 e jurisprudência referida). No contexto dos processos relativos ao FEAGA, foi considerado que o referido princípio exigia que a decisão final e definitiva relativa ao apuramento das contas fosse tomada ao termo de um processo contraditório específico no decurso do qual os Estados‑Membros em questão devem dispor de todas as garantias exigidas para apresentar o seu ponto de vista (v., neste sentido, Acórdão de 9 de outubro de 2012, Itália/Comissão, T‑426/08, não publicado EU:T:2012:526, n.o 141 e jurisprudência referida).

32      Quanto ao respeito do direito a ser ouvido, este exige designadamente que a Comissão tenha em conta todas as informações dadas pelo Estado‑Membro durante o processo contraditório prévio à decisão final sobre o montante a ser excluído (v., neste sentido, Acórdãos de 18 de setembro de 2003, Reino Unido/Comissão, C‑346/00, EU:C:2003:474, n.o 70, e de 26 de novembro de 2008, Grécia/Comissão, T‑263/06, não publicado, EU:T:2008:529, n.o 136).

33      Por outro lado, importa recordar que, com fundamento no artigo 52.o do Regulamento n.o 1306/2013, a Comissão adota atos de execução que determinam os montantes a excluir do financiamento da União quando esta considera que despesas abrangidas pelo âmbito de aplicação do artigo 4.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013, a saber, despesas do FEAGA, não foram efetuadas em conformidade com o direito da União. Este prevê, portanto, o procedimento a seguir para a aplicação de correções no âmbito do apuramento da conformidade. Este procedimento é, além disso, precisado pelo artigo 34.o do Regulamento n.o 908/2014.

34      O artigo 54.o do Regulamento n.o 1306/2013 visa satisfazer o objetivo geral de preservação dos interesses financeiros da União, impondo aos Estados‑Membros uma obrigação específica de iniciar com celeridade um processo de recuperação dos créditos quando irregularidades ou negligências afetem despesas realizadas no âmbito do fundo em causa. A este respeito, o artigo 54.o, n.o 5, do referido regulamento prevê, nomeadamente, que a Comissão pode excluir do financiamento da União algumas dessas despesas, desde que o procedimento previsto no artigo 52.o do Regulamento n.o 1306/2013 tenha sido seguido.

35      É à luz das considerações precedentes que há que apreciar o primeiro fundamento do recurso.

36      Por força do artigo 34.o do Regulamento n.o 908/2014, o procedimento de apuramento da conformidade deve, em substância, seguir seis etapas. Primeiro lugar, a Comissão comunica as suas conclusões ao Estado‑Membro em causa, especificando as medidas corretivas que considera dever adotar e indicando o nível provisório de correção financeira que considera adequado. O referido Estado‑Membro deve responder no prazo de dois meses a contar da receção dessa comunicação. Em segundo lugar, a Comissão organiza uma reunião bilateral para tentar chegar a um acordo sobre as medidas a tomar tendo em conta as conclusões expostas na comunicação das conclusões e para avaliar a gravidade da infração e do prejuízo financeiro causado à União. Deve comunicar a ata dessa reunião no prazo de 30 dias úteis ao Estado‑Membro em questão, o qual pode transmitir ele próprio as suas observações a esse respeito. Em terceiro lugar, no prazo de seis meses após o envio da referida ata, a Comissão comunica as suas conclusões. Em quarto lugar, o Estado‑Membro em questão pode pedir a realização de um procedimento de conciliação cujas modalidades são previstas pelo artigo 40.o do Regulamento n.o 908/2014. Em quinto lugar, se o procedimento de conciliação não resultar, a Comissão comunicará ao Estado‑Membro em questão as suas conclusões. Por último, em sexto lugar, a Comissão pode adotar uma ou várias decisões ao abrigo do artigo 52.o do Regulamento n.o 1306/2013, a fim de excluir do financiamento da União as despesas abrangidas pelo desrespeito da regulamentação pertinente.

37      Quanto à primeira etapa descrita no n.o 36, supra, resulta da jurisprudência que a comunicação pela Comissão das suas conclusões, na aceção do artigo 34.o, n.o 2, do Regulamento n.o 908/2014, deve desde logo identificar de modo suficientemente preciso todas as irregularidades apontadas ao Estado‑Membro em causa que, em última análise, estiveram na base da correção financeira efetuada. Só essa comunicação permite garantir um perfeito conhecimento das reservas da Comissão (v., por analogia, Acórdão de 3 de maio de 2012, Espanha/Comissão, C‑24/11 P, EU:C:2012:266, n.o 31). Além disso, deve identificar o objeto e o resultado das investigações realizadas pela Comissão e indicar as medidas corretivas que deverão ser adotadas no futuro (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 26 de setembro de 2018, Portugal/Comissão, T‑463/16, não publicado, EU:T:2018:606, n.o 68).

38      No caso em apreço, a Comissão deu início ao procedimento de apuramento ao transmitir a comunicação das conclusões à República da Bulgária em 4 de janeiro de 2017. Nesse documento, conforme acima resumido no n.o 2, indicava‑se que, em conformidade com o artigo 52.o do Regulamento n.o 1306/2013 e na sequência das informações comunicadas pelo OLAF, a Comissão examinava a possibilidade de excluir do financiamento pela União uma parte das despesas ligadas aos programas e às transações em que participava [confidencial]. Houve, em seguida, contactos antes, durante e após a primeira reunião bilateral destinada a discutir os problemas identificados pela Comissão.

39      Após ter recebido o primeiro relatório do OLAF elaborado no inquérito OF/2016/0390/B5 e que tinha transmitido à República da Bulgária em 19 de janeiro de 2018, a Comissão decidiu convocar esta última para uma segunda reunião bilateral por correspondência de 7 de maio de 2018. Nessa convocatória, passava a ser feita referência ao artigo 54.o do Regulamento n.o 1306/2013 e recomendava‑se, a título de aplicação deste último, que se procedesse à recuperação dos pagamentos que o primeiro relatório do OLAF considerava terem sido irregularmente pagos. A República da Bulgária transmitiu as suas observações sobre essa convocatória por carta de 22 de maio de 2018. Informou expressamente a Comissão de que não pretendia proceder de imediato à recuperação das despesas controvertidas, alegando a este respeito que os seus próprios órgãos de inquérito competentes não tinham proferido uma decisão no procedimento preliminar iniciado a esse respeito. Manteve a sua posição no prosseguimento do processo de apuramento até ao seu desenlace. Por carta de 3 de setembro de 2018, a Comissão transmitiu o segundo relatório do OLAF à recorrente, dedicado às irregularidades cometidas por [confidencial].

40      No parecer definitivo, em 12 de agosto de 2020, a Comissão informou a República da Bulgária de que mantinha a posição, já expressa na comunicação oficial, de lhe aplicar uma correção financeira baseada no artigo 54.o, n.o 5, alíneas a) e c), do Regulamento n.o 1306/2013 devido a negligências do organismo pagador em pedir a recuperação dos créditos controvertidos aos seus beneficiários e em inscrever os montantes em causa no grande livro dos devedores no prazo fixado pelo artigo 54.o, n.o 1, do referido regulamento. Na decisão impugnada, foi indicado, em primeiro lugar, de forma geral, que esta tinha sido adotada, nomeadamente, à luz do artigo 52.o do Regulamento n.o 1306/2013. No que respeita, mais precisamente, à correção financeira aplicada à República da Bulgária, foi seguidamente indicado que esta decorria da falta de recuperação para ações de promoção levadas a cabo entre 2010 e 2017.

41      Em face do que precede, observe‑se que, como resulta dos n.os 38 a 40, supra, os fundamentos da correção financeira controvertida, tal como foram expostos no relatório de síntese e na decisão impugnada, só parcialmente correspondem aos que tinham justificado a abertura do procedimento de apuramento controvertido, tal como tinham sido explicitados pela Comissão na comunicação das conclusões.

42      Todavia, conforme acima descrito no n.o 39, a Comissão convidou a República da Bulgária para uma segunda reunião bilateral. Neste segundo convite, assinalava‑se, nomeadamente, que certos pagamentos poderiam ser considerados inelegíveis para financiamento pela União e era recomendado, por um lado, que não fossem renovados os pagamentos considerados de risco para o fundo em causa e, por outro, que fossem recuperados os pagamentos irregulares junto dos beneficiários respetivos, em conformidade com o artigo 54.o do Regulamento n.o 1306/2013. Além disso, o segundo convite para uma reunião bilateral incluía, em primeiro lugar, uma referência ao artigo 34.o do Regulamento n.o 908/2014; em segundo lugar, uma identificação precisa das irregularidades que, nesta fase, poderiam justificar uma correção financeira, e, em terceiro lugar, uma indicação sobre as medidas corretivas a ponderar. Nesta medida, pode considerar‑se que esse convite adaptou, em substância, a comunicação das conclusões, transmitida à República da Bulgária em 4 de janeiro de 2017.

43      A este respeito, importa igualmente observar que foi porque a Comissão tomou conhecimento do primeiro relatório do OLAF que lhe tinha sido transmitido que pôde, apenas nessa fase, pronunciar‑se de forma definitiva quanto à necessidade de iniciar um processo de recuperação em conformidade com o prescrito no artigo 54.o do Regulamento n.o 1306/2013.

44      Por outro lado, resulta dos autos que a República da Bulgária se pôde pronunciar sobre todas as problemáticas abordadas pela Comissão no segundo convite para uma reunião bilateral, nomeadamente sobre a relativa à recuperação das despesas controvertidas e à aplicação do artigo 54.o do Regulamento n.o 1306/2013. Assim, a República da Bulgária pôde apresentar as suas observações a este respeito, primeiro através de uma carta de 22 de maio de 2018 e, portanto, antes da organização da segunda reunião bilateral, como prevê o artigo 34.o do Regulamento n.o 908/2014 e depois, na segunda reunião bilateral e nas etapas seguintes do processo de apuramento.

45      Além disso, foi apenas na fase dos intercâmbios descritos no n.o 44, supra, que a República da Bulgária comunicou expressamente à Comissão que não tinha a intenção de empreender nenhuma diligência especial para proceder a essa cobrança nessa fase, alegando que os seus próprios órgãos de inquérito competentes não tinham proferido uma decisão no procedimento preliminar instaurado a esse respeito. Assim, foi porque se viu confrontada com tal recusa que a Comissão, desde a segunda reunião bilateral, comunicou à República da Bulgária que esperava que iniciasse processos de cobrança e que a mantivesse informada da execução dessa medida corretiva. Por outro lado, a República da Bulgária comunicou à Comissão que finalizaria a inscrição dos montantes em causa no grande livro dos devedores, prevista no artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013, nas semanas seguintes.

46      Em face do que precede, há que observar que foi porque a Comissão foi confrontada com a recusa da República da Bulgária em dar cumprimento a uma parte das medidas corretivas previstas, a saber, a recuperação dos pagamentos controvertidos o mais rapidamente possível, que, no pedido de informações complementares transmitido em 1 de março de 2019, recordou à República da Bulgária as exigências que decorriam do artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013. Nessa ocasião, a Comissão sublinhou, nomeadamente, que a República da Bulgária devia exigir a recuperação dos pagamentos indevidos aos seus beneficiários no prazo de 18 meses após a notificação dos relatórios finais do OLAF nos dois inquéritos por este conduzidos. Além disso, a remissão para o artigo 54.o do Regulamento n.o 1306/2013 não deixava nenhuma margem para dúvidas quanto à possibilidade de correções financeiras se o referido prazo não fosse respeitado.

47      Ora, as partes não contestam que foi dada à República da Bulgária a possibilidade de se pronunciar sobre a interpretação do artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013 dada pela Comissão, nomeadamente no que respeitava ao ponto de partida do prazo que devia ser respeitado no caso em apreço para iniciar as diligências de recuperação das despesas controvertidas junto dos seus beneficiários. Com efeito, na sua carta de 24 de abril de 2019, a República da Bulgária exprimiu expressamente o seu desacordo com a referida interpretação, sem, no entanto, alegar que era impossível dar início a um processo de recuperação das despesas controvertidas. O conjunto destes debates era, além disso, conhecido do Órgão de Conciliação, como disso é prova o resumo dos factos elaborado por este último no relatório de conciliação.

48      Neste contexto, a República da Bulgária não pode sustentar que não lhe foi dada a possibilidade de compreender que uma correção financeira lhe poderia ser aplicada se não iniciasse um processo de recuperação das despesas controvertidas junto do seu beneficiário, em conformidade com o artigo 54.o do Regulamento n.o 1306/2013.

49      Além disso, na medida em que a posição da Comissão quanto à necessária recuperação das despesas controvertidas lhe tinha sido comunicada antes da segunda reunião bilateral e em que todas as questões relativas à aplicação, no caso em apreço, do artigo 54.o do Regulamento n.o 1306/2013 foram debatidas ao longo de todo o processo de apuramento, incluindo no Órgão de Conciliação, não se pode considerar que tenham sido violados os direitos processuais da República da Bulgária, nem os seus direitos de defesa, o princípio da cooperação leal, o princípio do contraditório ou o princípio da boa administração.

50      Esta conclusão não é posta em causa pelos argumentos invocados pela República da Bulgária dos quais resulta, em primeiro lugar, que a Comissão nunca mencionou irregularidades no sistema de gestão e de controlo instituído pela República da Bulgária, nem lacunas nos controlos posteriores do organismo pagador e, em segundo lugar, que a comunicação de acusações que estiveram na base da decisão impugnada pela Comissão foi demasiado tardia para lhe permitir adaptar o seu comportamento em consequência.

51      Com efeito, no que respeita ao primeiro argumento, é irrelevante para a apreciação da legalidade da decisão impugnada, uma vez que esta não se baseia em alegadas falhas do sistema de gestão e de controlo instituído pela República da Bulgária, mas na falta de recuperação, por esta, das despesas controvertidas aos seus beneficiários nos prazos previstos no artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013.

52      No que respeita ao segundo argumento, há que observar, por um lado, que a afirmação segundo a qual a comunicação de acusações da Comissão poderia ter sido menos tardia não tem fundamento. Por outro lado, na medida em que a República da Bulgária sustenta que a carta enviada em 1 de março de 2019 era demasiado tardia para lhe permitir adotar as medidas necessárias, uma vez que o prazo de 18 meses previsto para iniciar a cobrança dos créditos relativos a [confidencial] tinha praticamente expirado, ao passo que esse prazo já tinha expirado há mais de 6 meses quanto aos créditos de [confidencial], esse argumento corresponde aos argumentos suscitados no âmbito do terceiro fundamento de recurso. Por conseguinte, há que o analisar no âmbito do exame do referido fundamento.

53      Por outro lado, na medida em que a República da Bulgária sustenta que a carta da Comissão que recebeu em 12 de maio de 2022 é suscetível de apoiar as hipóteses que aquela defende no âmbito do presente processo, há que observar que a República da Bulgária não explica a que hipóteses tal conclusão deveria aplicar‑se em particular, tanto mais que tal não resulta da leitura da referida carta.

54      Consequentemente, o primeiro fundamento deve julgado improcedente, na totalidade.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo a uma violação do dever de fundamentação

55      A República da Bulgária sustenta, em substância, que a decisão impugnada está viciada por fundamentação insuficiente. A este respeito, remete para algumas das considerações expostas no âmbito do primeiro fundamento, e que considera serem igualmente pertinentes para demonstrar que a decisão impugnada está insuficientemente fundamentada. Além disso, recorda que foi apenas na fase do convite para uma segunda reunião bilateral que a Comissão mencionou, pela primeira vez, o artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013 e acrescenta que esta não formulou observações a respeito da posição expressa pelo organismo pagador na sua resposta ao referido convite, segundo a qual, tendo em conta o primeiro relatório final do OLAF, havia que partilhar as consequências financeiras da ação de [confidencial] entre ela própria e a União. Por outro lado, alega que, apesar de a Comissão ter admitido que os factos denunciados nos relatórios finais do OLAF constituíam delitos segundo o Código Penal búlgaro, esta limitou‑se a remeter para a sua interpretação do artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013 e para a necessidade de abrir o procedimento administrativo de inscrição dos beneficiários na lista de devedores e para a cobrança das despesas irregulares. Na fase da réplica, a República da Bulgária alega que o procedimento de elaboração da decisão impugnada, conforme descrito no primeiro fundamento, não lhe permitiu compreender os seus fundamentos. A este respeito, sustenta que a Comissão deveria ter aberto um novo procedimento de apuramento baseado nos fundamentos pertinentes que, no caso em apreço, só invocou no decurso do procedimento litigioso.

56      A Comissão contesta essa argumentação.

57      A título preliminar cabe recordar que a fundamentação exigida pelo artigo 296.o TFUE, deve ser adaptada à natureza do ato em causa e revelar de modo claro e inequívoco o raciocínio da instituição autora do ato, a fim de permitir aos interessados conhecerem as justificações da medida tomada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização (v. Acórdão de 29 de abril de 2004, Países Baixos/Comissão, C‑159/01, EU:C:2004:246, n.o 65 e jurisprudência referida).

58      Em especial, o dever de fundamentar um ato lesivo, que constitui um corolário do princípio do respeito dos direitos de defesa, tem por objetivo, por um lado, fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se o ato foi devidamente fundamentado ou se eventualmente enferma de um vício que permita impugnar a sua validade perante o juiz da União, e, por outro, permitir a este último exercer a sua fiscalização da legalidade desse ato (v. Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, Roménia/Comissão, T‑145/15, EU:T:2017:86, n.o 43 e jurisprudência referida).

59      Não se pode, porém, exigir que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes Com efeito, a questão de saber se a fundamentação de uma decisão respeita as exigências recordadas nos n.os 39 e 40, supra, deve ser apreciada tendo em conta não só a sua redação, mas também o seu contexto bem como o conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em questão (v. Acórdão de 16 de fevereiro de 2017, Roménia/Comissão, T‑145/15, EU:T:2017:86, n.o 44 e jurisprudência referida).

60      Importa igualmente recordar que as decisões da Comissão em matéria de apuramento das contas dos fundos são tomadas com base num relatório de síntese e numa troca de correspondência entre a Comissão e o Estado‑Membro em questão (v., neste sentido, Acórdão de 14 de março de 2002, Países Baixos/Comissão, C‑132/99, EU:C:2002:168, n.o 39). Nestas condições, a fundamentação de uma decisão que recusa imputar ao fundo uma parte das despesas declaradas deve ser considerada suficiente quando o Estado destinatário tenha sido estreitamente associado ao processo de elaboração dessa decisão e conhecia as razões pelas quais a Comissão considerava não dever imputar ao fundo a quantia controvertida (v., neste sentido, Acórdãos de 20 de setembro de 2001, Bélgica/Comissão, C‑263/98, EU:C:2001:455, n.o 98, e de 17 de maio de 2013, Grécia/Comissão, T‑294/11, não publicado, EU:T:2013:261, n.o 94).

61      Em primeiro lugar, na medida em que a República da Bulgária sustenta que a Comissão apenas mencionou o artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013 na fase do convite para uma segunda reunião bilateral, basta constatar que, como foi indicado nos n.os 38 a 40, supra, a República da Bulgária foi associada ao processo de elaboração da decisão impugnada e que, como resulta do exame do primeiro fundamento do recurso, a questão da cobrança dos créditos controvertidos, em conjugação com o artigo 54.o do Regulamento n.o 1306/2008, foi discutida várias vezes entre as partes.

62      Por conseguinte, a República da Bulgária não pode alegar que não foi avisada das razões pelas quais a Comissão pretendia impor‑lhe a correção financeira controvertida, nem que não estava em condições de compreender os fundamentos da decisão impugnada quanto a este ponto.

63      Em segundo lugar, a República da Bulgária sustenta que a Comissão não respondeu à observação, comunicada na fase da resposta ao segundo convite para uma reunião bilateral, segundo a qual se impunha que a União partilhasse com ela as consequências financeiras das irregularidades controvertidas.

64      A este respeito, basta salientar que a Comissão deu uma resposta explícita a esta observação na comunicação oficial, que lhe transmitiu em 19 de novembro de 2019, em conformidade com o artigo 34.o, n.o 3, do Regulamento n.o 908/2014, e que este argumento carece de base factual.

65      Em terceiro lugar, a República da Bulgária alega que a Comissão não mencionou as regras específicas do direito da União que foram violadas por [confidencial] e por [confidencial] e nas quais se poderia ter baseado para pedir a recuperação dos créditos controvertidos.

66      Resulta, no entanto, de tudo o que precede que as conclusões da Comissão, nas diferentes fases do processo de apuramento, se baseavam nomeadamente nos relatórios de inquérito intermédios e nos relatórios finais do OLAF. Estes últimos incluíam análises detalhadas das irregularidades constatadas pelo OLAF. Ora, resulta da ata da segunda reunião bilateral que a República da Bulgária reconheceu, em substância, que as provas apresentadas pelo OLAF eram muito sérias e demonstravam que as despesas efetuadas nos nove programas de promoção em causa apresentavam um risco para o fundo em causa. Daqui decorre que a República da Bulgária não pode afirmar que ignorava que as referidas despesas deviam ser objeto de recuperação, uma vez que não estavam em conformidade com as regras específicas da União previstas, nomeadamente, no artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013.

67      Em quarto lugar, na medida em que a República da Bulgária remete para as passagens dos seus articulados incluídas no primeiro fundamento do recurso, porque considera que são igualmente pertinentes para demonstrar uma violação do artigo 296.o TFUE, basta observar que esta não suscita nenhum argumento suscetível de explicar por que razão se deveria considerar que é esse o caso.

68      De resto, resulta de todas as apreciações precedentes, bem como dos fundamentos e dos argumentos invocados pela República da Bulgária em apoio do seu recurso, que a fundamentação da decisão impugnada lhe permitiu conhecer as razões da correção financeira controvertida e que permite igualmente ao Tribunal Geral exercer a sua fiscalização.

69      Por conseguinte, o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

 Quanto ao terceiro fundamento, relativo a uma interpretação errada do artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013

70      A República da Bulgária afirma que a Comissão considerou erradamente que o prazo de 18 meses previsto no artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013 para que o organismo pagador exigisse a recuperação dos pagamentos indevidos junto dos seus beneficiários começava a correr a partir da receção, pelo Estado‑Membro em causa, dos relatórios finais do OLAF. Com efeito, considera que, quando é aberto um procedimento ao abrigo do artigo 52.o do Regulamento n.o 1306/2013, este exige que uma decisão de recusa de financiamento seja em seguida adotada de acordo com as diferentes etapas previstas pelo artigo 34.o do Regulamento n.o 908/2014. Ora, alega que, quando o OLAF transmitiu os seus relatórios finais, a Comissão ainda não tinha comunicado a sua conclusão final em conformidade com o artigo 34.o, n.o 4, do referido regulamento. Além disso, observa que, no caso em apreço, os montantes indicados nos relatórios finais do OLAF não correspondiam aos excluídos do financiamento da União pela decisão impugnada.

71      A República da Bulgária deduz do que precede que os diferentes documentos trocados durante o procedimento administrativo só podem ser considerados documentos preparatórios da decisão impugnada e não podem ser considerados um relatório de controlo ou documento semelhante na aceção do artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013. Por conseguinte, considera que o referido artigo deve ser interpretado no sentido de que é o momento da notificação da decisão impugnada que, no caso em apreço, devia ser considerado o momento da receção desse relatório de controlo ou de um documento semelhante. Além disso, baseando‑se no Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de setembro de 2013, relativo aos inquéritos efetuados pelo OLAF e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (Euratom) n.o 1074/1999 do Conselho (JO 2013, L 248, p. 1), precisa que a transmissão dos relatórios finais e das recomendações do OLAF às autoridades nacionais não é acompanhada de obrigações quanto ao seguimento que as referidas autoridades lhe devem dar. Daí deduz que os referidos relatórios não podem conduzir automaticamente à abertura de um processo administrativo ou judicial, nem à adoção de atos da União como a decisão impugnada. Por último, acrescenta que a interpretação adotada pela Comissão não foi objeto de nenhuma informação por intermédio de orientações ou da legislação pertinente.

72      A Comissão contesta essa argumentação.

73      Por força do artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013, «[r]elativamente aos pagamentos indevidos efetuados na sequência de irregularidade ou negligência, os Estados‑Membros pedem o seu reembolso aos beneficiários no prazo de 18 meses após a aprovação de um relatório de controlo ou [um] documento semelhante, indicando a ocorrência da irregularidade».

74      A República da Bulgária sustenta que, no caso em apreço, só a notificação da decisão impugnada podia ser considerada o momento da receção de um relatório de controlo ou de um documento semelhante, uma vez que devem ser interpretados conjuntamente os artigos 52.o e 54.o do Regulamento n.o 1306/2013.

75      Todavia, em primeiro lugar, por força do artigo 52.o do Regulamento n.o 1306/2013, conforme completado pelo artigo 34.o do Regulamento n.o 908/2014, o procedimento de apuramento termina com a adoção, pela Comissão, de atos de execução que determinam os montantes a excluir do financiamento da União.

76      Ora, se o legislador tivesse pretendido fixar o ponto de partida do prazo de 18 meses previsto para que os Estados‑Membros exijam a recuperação dos pagamentos indevidos junto dos seus beneficiários no momento da conclusão formal do processo de apuramento, conforme previsto no artigo 52.o do Regulamento n.o 1306/2013, ter‑se‑ia referido expressamente aos atos de execução mencionados no n.o 74, supra. Além disso, não fez referência a um relatório de controlo ou a um documento semelhante, uma vez que o emprego destes dois conceitos deixa entender que pode tratar‑se de documentos de natureza diversa, quando só as decisões podem encerrar o procedimento de apuramento da conformidade.

77      Em segundo lugar, não se pode estar ao lado da República da Bulgária quando esta sustenta que os relatórios finais do OLAF não podiam ser equiparados aos relatórios de controlo ou aos documentos semelhantes mencionados no artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013, porque não permitiam fixar definitivamente os montantes a excluir do financiamento da União.

78      Com efeito, a interpretação da República da Bulgária assenta numa leitura errada da disposição em causa, da qual resulta claramente que o objeto de um relatório de controlo ou de um documento semelhante não é fixar o montante das despesas que importa excluir do financiamento da União, mas indicar a existência de uma irregularidade.

79      Em terceiro lugar, baseando‑se no Regulamento n.o 883/2013, a República da Bulgária considera que, uma vez que os relatórios finais do OLAF não podem conduzir automaticamente à abertura de um processo administrativo ou judicial a nível nacional, também não podem ser considerados relatórios de controlo ou documentos semelhantes na aceção do artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013.

80      No entanto, no âmbito de um procedimento de apuramento da conformidade, a determinação do ato que fundamenta a obrigação de o Estado‑Membro em questão exigir a recuperação dos pagamentos indevidos junto dos seus beneficiários não depende da interpretação do Regulamento n.o 883/2013, mas da do Regulamento n.o 1306/2013. Por outras palavras, o facto de resultar, em substância, do artigo 11.o do Regulamento n.o 883/2013 e do Despacho de 21 de junho de 2017, Inox Mare/Comissão (T‑289/16, EU:T:2017:414), que as autoridades competentes dos Estados‑Membros decidem do seguimento a dar aos inquéritos cuja conclusão é caracterizada pela transmissão de um relatório final do OLAF não prejudica em nada que esse relatório final possa ser considerado um relatório de controlo ou um documento semelhante, na aceção do artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013.

81      Com efeito, a obrigação de exigir a recuperação dos créditos afetados pelas irregularidades constatadas no referido relatório final não decorre do Regulamento n.o 883/2013, mas do artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013, que prevê que, quando essa irregularidade tenha sido indicada ao Estado‑Membro em causa, este dispõe de um prazo de 18 meses para exigir a referida recuperação junto dos seus beneficiários.

82      Por conseguinte, o terceiro fundamento deve ser julgado improcedente na íntegra.

 Quanto ao quarto fundamento, relativo a um erro de apreciação na medida em que a Comissão considerou que o organismo pagador não agiu com a diligência exigida e tinha feito prova de negligência

83      A República da Bulgária sustenta que o direito da União distingue entre os conceitos de irregularidade e de fraude. A este respeito, sublinha que os Estados‑Membros dispõem de liberdade de escolha quanto às sanções aplicáveis. Considera que nenhuma avaliação das circunstâncias do caso em apreço no que respeita às ações empreendidas pelos organismos pagadores à luz da legislação búlgara foi levada a cabo pela Comissão e que a existência de negligência foi, portanto, presumida. Mais especificamente, sustenta que o organismo pagador tinha cumprido os seus deveres ao impugnar as decisões dos seus próprios órgãos jurisdicionais nacionais de primeira instância através das quais foram anuladas as decisões de suspensão dos pagamentos e que as suas autoridades, de qualquer modo, forneceram todas as informações pedidas no decurso do procedimento de apuramento.

84      No que respeita, mais precisamente, à recuperação dos créditos, a República da Bulgária afirma que a propositura de uma ação cível permite desencadear a responsabilidade, tratando‑se do reembolso das despesas, não apenas dos beneficiários da ajuda, mas também das pessoas singulares postas em causa, quando tal possibilidade não é dada ao organismo pagador no âmbito de um procedimento administrativo. Ao constituir‑se parte cível no processo penal, o Estado estaria igualmente em condições de tomar conhecimento das provas recolhidas no decurso do inquérito conduzido na fase preliminar. Acrescenta que foi decidido que a possibilidade de o Estado intentar uma ação cível no âmbito do processo penal constitui uma via processual autónoma para proteger os direitos e interesses legítimos em caso de violação da proibição geral de não causar prejuízo a outrem e que não entrava em concorrência com o procedimento previsto pelo processo fiscal especial, dado que um não substitui o outro.

85      Por outro lado, quanto à adoção de uma medida administrativa, a República da Bulgária indica que as injunções de suspensão dos pagamentos do organismo pagador foram anuladas pelos órgãos jurisdicionais administrativos nacionais búlgaros. Sublinha que o organismo pagador não retomou, apesar de tudo, o procedimento de apreciação dos pedidos de pagamento, o que justificou a propositura de uma ação por um dos beneficiários por inexecução de uma sentença. Foi aplicada uma coima ao presidente do organismo pagador a este respeito e foi igualmente concedido provimento a um recurso de anulação de uma decisão tácita de indeferimento por parte deste último de retomar o procedimento de apreciação dos pedidos de pagamento suspensos. Por conseguinte, considera que, para obter a recuperação da totalidade dos montantes pagos no âmbito de um programa específico, a emissão de um aviso que declare um crédito de Estado público baseado nos motivos de suspensão dos pagamentos evocados nos relatórios do OLAF está, nesta fase, condenada ao fracasso. No caso em apreço, considera que os dados dos relatórios do OLAF foram examinados e que foram intentadas ações com fundamento nos mesmos.  Além disso, alega que as regras processuais búlgaras impõem uma obrigação de suspender o procedimento administrativo ou judicial nos casos em que é descoberto um facto constitutivo de delito cuja verificação influenciará o resultado do referido processo e que o OLAF não comunicou, até à data, um incumprimento imputável às autoridades competentes devido a deficiências no sistema de controlo instituído.

86      A Comissão contesta essa argumentação.

87      A título preliminar, importa recordar que o artigo 58.o, n.o 1, alínea e), do Regulamento n.o 1306/2013 dispõe que os Estados‑Membros devem tomar todas as medidas necessárias para garantir uma proteção eficaz dos interesses financeiros da União, em particular para recuperar as quantias perdidas em consequência de irregularidades ou de negligência. Além disso, são obrigados a tomar as medidas necessárias para, sendo caso disso, instaurar os processos judiciais necessários a essa recuperação (Acórdão de 30 de janeiro de 2019, Bélgica/Comissão, C‑587/17 P, EU:C:2019:75, n.o 66).

88      O artigo 58.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013, ao impor aos Estados‑Membros que assegurem a proteção dos interesses financeiros da União e de recuperar as quantias indevidamente pagas, é a expressão, no que respeita ao financiamento da política agrícola comum, do dever geral de diligência previsto no artigo 4.o, n.o 3, TUE. Esse dever, que se aplica ao longo de todo o processo de recuperação dessas quantias, implica que as autoridades nacionais procedam à recuperação com prontidão e em tempo útil e recorram aos meios de verificação e de recuperação ao seu dispor a fim de garantirem a proteção desses interesses (Acórdão de 30 de janeiro de 2019, Bélgica/Comissão, C‑587/17 P, EU:C:2019:75, n.o 67). Com efeito, decorrido um certo prazo, a recuperação das quantias indevidamente pagas corre o risco de ser complicada ou de se tornar impossível, em razão de certas circunstâncias, tais como, nomeadamente, a cessação de atividades ou a perda de documentos contabilísticos (Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Portugal/Comissão, T‑292/18, EU:T:2020:18, n.o 65).

89      Contudo, essas disposições não precisam as medidas específicas que devam ser adotadas para esse fim, nomeadamente que processos judiciais devem ser instaurados com vista à recuperação dessas quantias (Acórdão de 30 de janeiro de 2019, Bélgica/Comissão, C‑587/17 P, EU:C:2019:75, n.o 68).

90      Assim, cabe às autoridades nacionais, sob reserva do respeito do dever de diligência, escolher as vias de recurso que entendam mais adequadas com vista à recuperação das quantias em causa, em função das circunstâncias específicas do caso (v., neste sentido, Acórdão de 30 de janeiro de 2019, Bélgica/Comissão, C‑587/17 P, EU:C:2019:75, n.o 70).

91      No caso em apreço, por um lado, há que determinar se o organismo pagador da República da Bulgária não cumpriu o seu dever de diligência ao não encetar, nos prazos previstos no artigo 54.o, n.o 1, do Regulamento n.o 1306/2013, as diligências administrativas necessárias à recuperação dos montantes que o OLAF considerou terem sido indevidamente pagos no âmbito de oito dos programas em causa. Por outro lado, há que apreciar se a República da Bulgária incorreu em negligência, na aceção do artigo 54.o, n.o 5, alínea c), deste mesmo regulamento, ao comunicar à Comissão, durante o processo de apuramento que, enquanto o inquérito penal que aí estava atualmente a decorrer não estivesse concluído, o referido organismo pagador também não encetaria nenhuma diligência nesse sentido a respeito do nono programa em questão.

92      Como resulta, nomeadamente, do parecer definitivo, a correção financeira impugnada foi imposta à República da Bulgária com o fundamento de que o organismo pagador búlgaro se tinha revelado negligente ao não exigir aos seus beneficiários a recuperação das despesas controvertidas nos prazos previstos no artigo 54.o, n.o 5, alíneas a) e c), do Regulamento n.o 1306/2013.

93      No entanto, a República da Bulgária alega, em substância, que o organismo pagador não podia respeitar os referidos prazos, porque, uma vez que estavam em causa fraudes, tinham sido instaurados processos de natureza penal que não lhe permitiam instaurar paralelamente um processo de recuperação das despesas em questão. Assim, afirma que caberia aguardar a conclusão desses procedimentos para proceder à referida recuperação.

94      A esse propósito, há que observar que decorre da jurisprudência, por um lado que, embora caiba aos Estados‑Membros da União escolher os meios adequados para assegurar a eficácia dos controlos e a rápida recuperação dos auxílios indevidamente pagos, a instauração de um processo penal não implica, todavia, necessariamente que as autoridades competentes possam abster‑se de adotar, além disso, qualquer medida que vise, senão a recuperação, pelo menos a garantia de um crédito resultante de um pagamento indevido ao abrigo do fundo em questão (v., neste sentido, Acórdão de 10 de outubro de 2012, Grécia/Comissão, T‑158/09, não publicado, EU:T:2012:530, n.o 83), e, por outro, em substância, que um incumprimento de um dever de diligência que impõe aos Estados‑Membros tomar todas as medidas necessárias para garantir uma proteção eficaz dos interesses financeiros da União e recuperar as quantias indevidamente pagas não pode ser justificado por estes últimos invocando a lentidão dos processos administrativos ou judiciais intentados pelo operador económico em questão (Acórdão de 30 de janeiro de 2020, Portugal/Comissão, T‑292/18, EU:T:2020:18 n.o 66).

95      Ora, no caso em apreço e como foi confirmado na audiência, é pacífico que, na data da adoção da decisão impugnada, a República da Bulgária não tinha adotado nenhuma medida cível ou administrativa para obter a recuperação das despesas controvertidas. Assim, o único processo então instaurado era de natureza penal e este encontrava‑se na fase de inquérito preliminar e não na sua fase jurisdicional. Por outro lado, as injunções do organismo pagador, que a República da Bulgária alega terem sido anuladas pelos seus próprios órgãos jurisdicionais nacionais, visavam suspender os pagamentos ligados aos programas a que diziam respeito as fraudes mencionadas nos relatórios finais do OLAF, e não recuperar montantes já pagos.

96      Além disso, não se pode partilhar da tese da República da Bulgária quando esta afirma que é tendo em conta a probabilidade de as medidas tomadas pelo organismo pagador serem anuladas e de se revelarem, portanto, ineficazes e dispendiosas, que este decidiu não encetar tais diligências nesta fase.

97      Com efeito, como foi constatado no n.o 95, supra, as injunções do organismo pagador que foram anuladas pelos órgãos jurisdicionais nacionais búlgaros tinham por objeto a suspensão dos pagamentos aos programas de promoção em relação aos quais tinha sido declarado nos relatórios finais do OLAF que eram de risco, e não q recuperação das despesas controvertidas.

98      A este respeito, resulta dos autos que nem todas as injunções do organismo pagador foram impugnadas nos órgãos jurisdicionais nacionais da República da Bulgária. Por conseguinte, nada permite afirmar que, se tivessem sido adotadas medidas destinadas à recuperação das despesas controvertidas, todas elas teriam sido objeto de um pedido de anulação nesses mesmos órgãos jurisdicionais. Do mesmo modo, é também hipoteticamente que poderiam ter sido anuladas pelos órgãos jurisdicionais nacionais búlgaros.

99      Neste contexto, importa igualmente sublinhar que, por força do artigo 54.o, n.o 2, segundo parágrafo, do Regulamento n.o 1306/2013, se a República da Bulgária tivesse adotado medidas administrativas com vista à cobrança das quantias em questão e que, paralelamente, os tribunais nacionais búlgaros tivessem concluído pela inexistência de irregularidade, teria então podido declarar ao fundo em causa, como despesa, o encargo financeiro que tinha suportado a esse respeito.

100    Em terceiro lugar, importa igualmente constatar que a República da Bulgária não deu nenhuma indicação quanto aos prazos em que os processos instaurados eram suscetíveis de ser concluídos.

101    Tendo em conta tudo o que precede, há que julgar improcedente o quarto fundamento na sua totalidade.

 Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do artigo 54.o do Regulamento n.o 1306/2013 e do princípio da proporcionalidade

102    A República da Bulgária observa que a Comissão não detetou nenhuma irregularidade quando controlou os diferentes programas de promoção para os quais se considerou que as despesas controvertidas representavam finalmente um risco para o fundo em causa. Além disso, alega que decorre do artigo 54.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1306/2013 que o encargo financeiro resultante da falta de recuperação de quantias indevidamente pagas deve ser repartido uniformemente entre a União e o Estado‑Membro em causa. Acrescenta que não existem regras de apuramento da conformidade quando as irregularidades não incidem sobre deficiências nos sistemas de gestão e de controlo dos Estados‑Membros. Precisa que os pagamentos efetuados pelos Estados‑Membros no âmbito do FEAGA são reembolsados pelo orçamento da União. Assim, considera que, na medida em que os Estados‑Membros atuam por conta da União, é esta que deve suportar as perdas causadas pelo comportamento de particulares quando os referidos Estados fizeram o que estava em seu poder para assegurar a regularidade das operações financiadas pelo FEAGA. Por conseguinte, considera que, no caso em apreço, a responsabilidade pelas consequências financeiras das irregularidades constatadas pela Comissão deve ser partilhada com a União e que o montante das correções financeiras controvertidas é, portanto, desproporcionado.

103    A Comissão contesta esta argumentação.

104    Em primeiro lugar, a República da Bulgária sustenta, em substância, que não existe uma regra de apuramento da conformidade quando as irregularidades constatadas pela Comissão não dizem respeito a deficiências nos sistemas de gestão e de controlo dos Estados‑Membros.

105    Basta, a este respeito, constatar que resulta do artigo 54.o, n.o 5, do Regulamento n.o 1306/2013 que, desde que siga o procedimento previsto no artigo 52.o, n.o 3, desse mesmo regulamento, a Comissão pode, designadamente, adotar atos de execução que excluam do financiamento da União os montantes imputados ao seu orçamento em três situações que não correspondem forçosamente a deficiências nos sistemas de gestão e de controlo dos Estados‑Membros.

106    Ora, no caso em apreço, é pacífico que a correção financeira controvertida foi adotada com fundamento em duas situações, a saber, a prevista no artigo 54.o, n.o 5, alínea a), do Regulamento n.o 1306/2013, que se refere à falta de recuperação de despesas indevidas nos prazos fixados pelo artigo 54.o, n.o 1, do referido regulamento, e a prevista no artigo 54.o, n.o 5, alínea c), desse mesmo regulamento, que visa, nomeadamente, à falta de recuperação de tais despesas devido a negligências imputáveis à Administração ou a um serviço ou organismo de um Estado‑Membro.

107    Por conseguinte, o argumento de que as irregularidades constatadas pela Comissão no caso em apreço não têm por objeto deficiências nos sistemas de gestão e de controlo da República da Bulgária carece de pertinência para efeitos da apreciação da legalidade da decisão impugnada e por essa razão deve ser afastado.

108    Do mesmo modo, resulta do exposto que as considerações pelas quais a República da Bulgária alega que não cometeu nenhum incumprimento das obrigações decorrentes do Regulamento (CE) n.o 3/2008 do Conselho, de 17 de dezembro de 2007, relativo a ações de informação e promoção a favor dos produtos agrícolas no mercado interno e nos países terceiros (JO 2008, L 3, p. 1), e do Regulamento (CE) n.o 501/2008 da Comissão, de 5 de junho de 2008, que estabelece as regras de execução do Regulamento n.o 3/2008 (JO 2008, L 147, p. 3), e que a aplicação do regime «programa de promoção» é partilhada com a Comissão carecem de pertinência e devem também elas ser afastadas pela mesma razão.

109    Em segundo lugar, a República da Bulgária invoca o artigo 54.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1306/2013, para reclamar a repartição do encargo financeiro resultante das irregularidades que afetam as despesas controvertidas com a Comissão.

110    Todavia, resulta do considerando 37 do Regulamento n.o 1306/2013 que «[e]m determinados casos de negligência por parte do Estado‑Membro, é também correta a imputação da totalidade do montante ao Estado‑Membro em causa».

111    Ora, no caso em apreço, a Comissão adotou a correção financeira impugnada porque considerou que a falta de adoção da mínima das medidas com vista a recuperar as despesas controvertidas devia ser considerada como uma negligência desse tipo, cometida pela República da Bulgária.

112    Além disso, há que observar que é o artigo 54.o, n.o 2, do Regulamento n.o 1306/2013 que prevê os casos em que o encargo financeiro decorrente de irregularidades que afetem despesas realizadas no âmbito do FEAGA pode ser repartido entre o Estado‑Membro em causa e a Comissão. Assim, este prevê que, «[s]e a recuperação [de despesas indevidas] não tiver ocorrido no prazo de quatro anos a contar da data do pedido de recuperação, ou no prazo de oito anos quando esta for submetida às jurisdições nacionais, 50 % das consequências financeiras da não recuperação são assumidas pelo Estado‑Membro em causa e 50 % pelo orçamento da União».

113    Ora, esta disposição não é aplicável no caso em apreço, uma vez que a República da Bulgária não apresentou nenhum pedido de cobrança, na aceção da referida disposição, e que esse pedido também não foi apresentado nos seus órgãos jurisdicionais nacionais, o que constitui, aliás, o próprio motivo da correção financeira controvertida.

114    Consequentemente, o quinto fundamento deve ser julgado improcedente na sua totalidade e, por conseguinte, deve ser negado provimento ao recurso.

 Quanto às despesas

115    Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

116    Tendo a República da Bulgária sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com os pedidos da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A República da Bulgária é condenada nas despesas.

Kanninen

Półtorak

Stancu

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 8 de março de 2023.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.


1      Dados confidenciais omitidos.