Language of document : ECLI:EU:C:2003:430

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

9 de Setembro de 2003 (1)

«Direito da concorrência - Legislação nacional anticoncorrencial - Competência da autoridade nacional de controlo da concorrência para declarar inaplicável essa legislação - Condições de inimputabilidade às empresas dos comportamentos contrários à concorrência»

No processo C-198/01,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° CE, pelo Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Itália), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Consorzio Industrie Fiammiferi (CIF)

e

Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato,

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 81.° CE,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

composto por: G. C. Rodríguez Iglesias, presidente, J.-P. Puissochet, M. Wathelet (relator) e C. W. A. Timmermans, presidentes de secção, C. Gulmann, D. A. O. Edward, A. La Pergola, P. Jann, V. Skouris, S. von Bahr e J. N. Cunha Rodrigues, juízes,

advogado-geral: F. G. Jacobs,


secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação do Consorzio Industrie Fiammiferi (CIF), por G. M. Roberti, F. Lattanzi e F. Sciaudone, avvocati,

-    em representação da Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato, por S. M. Carbone e F. Sorrentino, avvocati,

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por L. Pignataro e A. Berlinguer, na qualidade de agentes,

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Consorzio Industrie Fiammiferi (CIF), representado por G. M. Roberti, F. Lattanzi e A. Franchi, avvocato, da Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato, representada por S. M. Carbone, e da Comissão, representada por L. Pignataro, na audiência de 24 de Setembro de 2002,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 30 de Janeiro de 2003,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por despacho de 24 de Janeiro de 2001, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de Maio seguinte, o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio submeteu, nos termos do artigo 234.° CE, duas questões prejudiciais relativas à interpretação do artigo 81.° CE.

2.
    Estas questões foram suscitadas no âmbito de um recurso interposto pelo Consorzio Industrie Fiammiferi, consórcio italiano de produtores nacionais de fósforos (a seguir «CIF»), da decisão da Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato, autoridade nacional encarregada da protecção da concorrência na Itália (a seguir «Autoridade»), de 13 de Julho de 2000, que declarou que a legislação que aprova e regula a operação do CIF é contrária aos artigos 10.° CE e 81.° CE, que considerou que o CIF e as empresas membros (a seguir «empresas membros») tinham violado o artigo 81.° CE ao atribuírem quotas de produção e ordenou ao consórcio e aos seus membros que parassem com as infracções verificadas.

Legislação nacional

3.
    Através do Decreto real n.° 560, de 11 de Março de 1923 (a seguir «Decreto real n.° 560/1923»), o órgão legislativo italiano adoptou um novo regime de produção e venda de fósforos, criando um consórcio dos produtores nacionais de fósforos, o CIF. O decreto concede a este consórcio um monopólio comercial, consistente no direito exclusivo de produzir e vender os fósforos necessários para consumo no mercado nacional italiano.

4.
    Além disso, foram atribuídas ao CIF vinhetas especiais oficiais, que serviam para a cobrança do imposto específico sobre o fabrico dos fósforos, que tinha sido instituído pelo mesmo decreto. Estas vinhetas deviam ser distribuídas às empresas membros do consórcio para serem apostas nas caixas de fósforos que aquelas produziam.

5.
    Portanto, o CIF, nasceu como um consórcio obrigatório e fechado, instituído pela lei italiana para a produção e venda dos fósforos necessários para satisfazer as necessidades nacionais.

6.
    A actividade do CIF era regulada por uma convenção celebrada entre o CIF e o Estado italiano, anexa ao decreto e dele fazendo parte integrante. Por força desta convenção, o Estado italiano comprometia-se a proibir a distribuição no mercado nacional de produtos provenientes de empresas estranhas ao CIF, a impedir a constituição de novas empresas produtoras de fósforos e a fixar, através de uma medida do Ministério das Finanças, o preço de venda dos fósforos. O CIF, por seu turno, estava principalmente encarregado de assegurar o pagamento do imposto específico sobre o fabrico dos fósforos destinados ao consumo interno por todas as empresas membros, através do sistema das vinhetas.

7.
    A convenção também regulava em detalhe o funcionamento interno do CIF. O seu artigo 4.° confiava a contingentação e a repartição da produção de fósforos entre as empresas do CIF a uma comissão ad hoc (a seguir «comissão de repartição das quotas»). Esta comissão é composta por um funcionário da Amministrazione dei Monopoli di Stato (a seguir «administração dos monopólios do Estado», que preside, e por um representante do CIF e três representantes das empresas membros designados pelo conselho de administração do CIF, que delibera por maioria. As suas decisões são comunicadas, para aprovação, à administração dos monopólios do Estado. Além disso, determinadas decisões, designadamente as cessões de quotas, devem ser comunicadas ao Ministério das Finanças, para aprovação. O estatuto do CIF determina que as quotas de produção devem ser atribuídas «tomando em conta as partes percentuais existentes».

8.
    O cumprimentos destas quotas é controlado por uma outra comissão que está prevista no artigo 23.°, segundo parágrafo, do estatuto do CIF (a seguir «comissão do cumprimento das quotas»), composto por três membros designados pelo conselho de administração do CIF, que, no princípio de cada ano, apresenta propostas à administração do CIF para o programa de fornecimento de fósforos pelas empresas membros.

9.
    O sistema permaneceu praticamente inalterado até ao acórdão da Corte costituzionale n.° 78, de 3 de Junho de 1970, pelo qual o modo de organização do CIF foi declarado ilegal, por violação do princípio da liberdade de iniciativa económica privada enunciado no artigo 41.° da Constituição italiana, na medida em que impedia o acesso de novas empresas ao CIF.

10.
    Pelo Decreto ministerial de 23 de Dezembro de 1983, que aprova uma nova convenção entre o CIF e o Estado italiano, foi admitido que também pudessem aderir ao CIF as novas sociedades que tivessem obtido da Administração Fiscal uma licença de fabrico de fósforos.

11.
    No entanto, a participação no CIF continuou obrigatória pelo menos até à supressão do monopólio fiscal em 1993 (quanto a esta supressão, ver n.° 14 do presente acórdão).

12.
    O Decreto do Ministério das Finanças de 5 de Agosto de 1992 (a seguir «Decreto de 5 de Agosto de 1992») aprovou a última versão da convenção entre o CIF e o Estado italiano, cuja termo de vigência foi fixado em 31 de Dezembro de 2001 (a seguir «convenção de 1992»).

13.
    Nos termos do artigo 4.° desta convenção, que regula a actividade do CIF, as quotas de produção devem ser sempre repartidas entre as empresas membros pela comissão de repartição das quotas. Quanto ao controlo do respeito das quotas, continua a ser da competência da comissão do cumprimento das quotas.

14.
    Através do Decreto-Lei n.° 331, de 30 de Agosto de 1993 (a seguir «Decreto-Lei n.° 331/1993»), o órgão legislativo italiano adoptou novas regras sobre impostos específicos de consumo e outros impostos indirectos. O artigo 29.° deste decreto-lei determina que o produtor e o importador são directamente responsáveis pelo pagamento do imposto específico sobre a produção. De acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, esta norma aboliu o monopólio fiscal do CIF.

15.
    Porém, há posições diferentes quanto à natureza obrigatória ou voluntária da inscrição no CIF, depois dessa data, em relação aos produtores de fósforos que já eram membros antes de ter terminado o monopólio fiscal.

16.
    Até 1996, a Autoridade era competente apenas para aplicar a lei italiana da concorrência, não o direito comunitário nesta matéria. Desde a entrada em vigor da Lei n.° 52, de 6 de Fevereiro de 1996 (a seguir «Lei n.° 52/1996»), contudo, passou também a ser competente para aplicar os artigos 81.°, n.° 1, CE, e 82.° CE.

O litígio no processo principal

17.
    Agindo com base numa denúncia de um produtor alemão de fósforos, que alegava dificuldades na distribuição dos seus produtos no mercado italiano, a Autoridade iniciou, em Novembro de 1998, uma investigação relativamente ao CIF, às empresas membros do consórcio e ao Consorzio Nazionale Attivà Economico-Distributiva Integrata (a seguir «Conaedi»), uma emanação da quase totalidade dos gerentes dos Magazzini di Generi di Monopolio, entrepostos de artigos sujeitos a monopólio que desempenham as funções de grossistas, para verificar a existência de violações dos artigos 85.° e 86.° do Tratado CE (actuais artigos 81.° CE e 82.° CE) e para verificar se o acto de constituição do CIF e as convenções sucessivas celebradas entre o CIF e o Estado italiano violavam o artigo 85.°, n.° 1, do Tratado.

18.
    O objectivo da investigação foi pouco depois alargado para abranger, em especial, o acordo entre o CIF e um dos principais produtores europeus de fósforos, a sociedade de direito suíço Swedish Match SA (a seguir «Swedish Match»), nos termos do qual o CIF se tinha comprometido a adquirir à Swedish Match uma quantidade de fósforos correspondente a uma percentagem predeterminada do consumo doméstico italiano.

19.
    Na sua decisão final de 13 de Julho de 2000, a Autoridade verificou que, embora a conduta adoptada pelos participantes no mercado italiano de fósforos resultasse mais ou menos directamente do quadro legal que tinha regido o sector desde o Decreto real n.° 560/1923, era, no entanto, parcialmente resultado de decisões de negócios autónomas.

20.
    A Autoridade distingue três tipos de condutas entre os actos do CIF: condutas que lhe eram impostas por disposições normativas, condutas que eram simplesmente favorecidas por disposições normativas e condutas livremente escolhidas pelo CIF. A este respeito, a Autoridade procedeu também a uma separação entre dois períodos.

21.
    Em primeiro lugar, antes da entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 331/1993, a Autoridade atribuiu exclusivamente à legislação nacional referida supra tanto a constituição do CIF como o facto de ter atribuído ao mesmo a função de tratar da produção e da comercialização dos fósforos.

22.
    A Autoridade considerou, em primeiro lugar, que, uma vez que exigia a participação no CIF para poder produzir e vender fósforos em Itália, o quadro jurídico em vigor, nesta época, oferecia um «escudo legal» («copertura legale») a condutas do CIF e das empresas membros que, de outro modo, seriam proibidas; em segundo lugar, que este quadro jurídico tinha «de deixar de ser aplicado por qualquer juiz ou Administração Pública», uma vez que era contrário aos artigos 3.°, n.° 1, alínea g), CE, 10.° CE e 81.°, n.° 1, CE; e, em terceiro lugar, que esta inaplicação «implicaria» («implicherebbe») a supressão do «escudo legal».

23.
    A Autoridade concluiu também que era possível considerar como um comportamento de empresas, na acepção do artigo 81.° CE, a acção desenvolvida pelos operadores económicos no exercício do poder de repartição da produção, atribuído pelo artigo 4.° da convenção a uma comissão composta em grande parte por representantes dos produtores de fósforos italianos.

24.
    Nesta perspectiva, a Autoridade chegou à conclusão de que as modalidades concretamente aplicadas para repartição da produção eram a causa de uma efectiva e suplementar restrição da concorrência relativamente à que já resultava do quadro legal. A este respeito, referiu-se à aplicação feita pela comissão de repartição das quotas de um critério de repartição que reflecte as quotas históricas de cada empresa e as frequentes cessões de quotas de produção ou trocas de produção entre as empresas membros.

25.
    Em segundo lugar, após observar que o Decreto-Lei n.° 331/1993 e a convenção de 1992 tinham abolido de facto os monopólios fiscal e comercial do CIF, a Autoridade concluiu que, a partir de 1994, a participação no CIF deixou de ser obrigatória para a produção e comercialização de fósforos no território italiano.

26.
    Daí deduziu, além disso, que o Decreto-Lei n.° 331/1993, embora não tivesse revogado a convenção de 1992, tinha alterado o regime jurídico da participação das empresas no CIF, tornando-a apenas voluntária, com a consequente possibilidade de cada empresa membro se retirar antes mesmo do fim do prazo previsto.

27.
    Por conseguinte, a Autoridade considerou que os comportamentos das empresas membros deviam ser apreciados, a partir de 1994, como resultado de escolhas empresariais autónomas, das quais as referidas empresas podiam ser consideradas responsáveis.

28.
    Além disso, a Autoridade considerou que duas convenções celebradas pelo CIF eram restritivas da concorrência. A convenção celebrada com a Swedish Match, principal concorrente europeu do CIF, teve por efeito evitar que esta sociedade comercialize directamente os seus fósforos no mercado italiano. A convenção celebrada com o Conaedi teve por efeito permitir ao CIF monopolizar a exclusividade do canal comercial constituído pela rede dos Magazzini di Generi di Monopolio.

29.
    Por estes motivos, a Autoridade decidiu, designadamente, que:

-    a existência e a actividade do CIF, tais como são regulamentadas pelo Decreto real n.° 560/1923 e pela convenção anexa, na redacção que lhe foi dada em último lugar pelo Decreto de 5 de Agosto de 1992, contrariam os artigos 3.°, n.° 1, alínea g), CE, 10.° CE e 81.°, n.° 1, CE, na medida em que, até 1994, impuseram, e, a partir dessa data, permitiram e facilitaram ao CIF e às empresas membros comportamentos anticoncorrenciais, em violação do artigo 81.°, n.° 1, CE;

-    de qualquer modo, o CIF e as empresas membros adoptaram decisões consorciadas e celebraram acordos que, na medida em que têm por objectivo definir as modalidades e os mecanismos de repartição, entre estas empresas, da produção de fósforos destinados a ser comercializados pelo referido CIF de modo a limitar a concorrência, ultrapassando o que permite a legislação aplicável, lesam a concorrência, em violação do artigo 81.°, n.° 1, CE;

-    o CIF e a Swedish Match celebraram um acordo de repartição da produção de fósforos e de distribuição em comum dos mesmos pelo CIF, o que constitui infracção à concorrência, em violação do artigo 81.°, n.° 1, CE.;

-    o CIF, as empresas membros e a Swedish Match cessam o prosseguimento das infracções verificadas e abstêm-se, futuramente, de qualquer acordo que possa ter um objectivo ou efeito análogo ao acordo celebrado;

-    o Conaedi e os Magazzini di Generi di Monopolio devem cessar as infracções verificadas e abster-se, futuramente, de celebrar acordos que tenham um objectivo ou efeito análogo aos acordos verificados.

O processo principal

30.
    Em 14 de Novembro de 2000, o CIF interpôs recurso no Tribunale amministrativo regionale per il Lazio da decisão da Autoridade.

31.
    Para além da contestação da apreciação da matéria de facto e da interpretação da matéria de direito feitas pela Autoridade, o CIF alegou que esta não estava habilitada a controlar a validade e a eficácia das normas da legislação nacional, na medida em que esta competência não lhe foi atribuída nem pela Lei n.° 52/1996 nem pelo princípio do primado do direito comunitário. Com efeito, este princípio apenas se aplica para afastar as aplicações de tipo incidental e não com o objectivo de verificar medidas a título principal através de decisão autónoma.

32.
    Embora não esteja convencido por esta última distinção, o órgão jurisdicional de reenvio duvida da competência da Autoridade para declarar inaplicável a legislação italiana no caso vertente por uma outra razão.

33.
    Com efeito, não lhe parece que a jurisprudência comunitária esteja firmemente estabelecida quanto à questão de saber se a inaplicação de medidas normativas nacionais incompatíveis com os artigos 81.° CE e 82.° CE pode ser também decidida numa perspectiva como aquela em que se colocou a Autoridade.

34.
    As dúvidas suscitadas por uma possibilidade deste género não têm apenas por origem a duvidosa imputabilidade do atentado à concorrência a um operador que, em todo o caso, age ou agiu a coberto da lei nacional e beneficia, portanto, de uma presunção de boa fé.

35.
    O recurso ao mecanismo da inaplicação de uma legislação nacional in malam partem (ou seja, a inaplicação de uma legislação nacional favorável aos operadores económicos privados em questão, o que se traduz na imposição de obrigações a seu cargo) por um órgão dotado de poderes de punição revela-se também problemático à luz do peso considerável de que a certeza jurídica se reveste, certeza que figura entre os princípios gerais do direito comunitário.

36.
    O órgão jurisdicional de reenvio duvida também de que a legislação italiana deixasse e deixe subsistir, tanto antes como após 1994, a possibilidade de uma concorrência susceptível de ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das empresas. Com efeito, ela não permitia às empresas membros iniciar uma concorrência em termos de preços, cuja fixação compete ao poder tarifário ministerial, e, além disso, sujeitava as referidas empresas a um regime de quotas contingentadas de produção.

37.
    A este respeito, o órgão jurisdicional de reenvio indica que o litígio perante si pendente respeita a um mercado caracterizado pelo facto de a fixação do preço dos produtos (os fósforos) ser da competência do Ministério das Finanças, por força do artigo 6.° da convenção. Ao mesmo tempo, vigora um regime de contingentação (embora com efeitos prejudiciais atenuados pela recente supressão do monopólio comercial do CIF), com atribuição do poder de repartição entre as empresas membros da produção para o consumo interno a uma comissão ad hoc, composta essencialmente por representantes dos próprios produtores (artigo 4.° da convenção).

38.
    Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio considera que não pode considerar-se manifestamente infundada a tese do CIF segundo a qual as normas reguladoras da actividade do sector já arruinavam radicalmente a livre concorrência, sem deixar subsistir qualquer possibilidade significativa de concorrência entre as empresas. Com efeito, não pode excluir-se, do ponto de vista da protecção da concorrência, que seja indiferente a circunstância de a quota individual ser detida por uma ou por outra empresa, ou cedida a um terceiro, uma vez que se trata, de qualquer forma, de acontecimentos internos de um regime que se rege por normas que impedem o desenvolvimento da concorrência entre as empresas.

39.
    Assim, o Tribunal amministrativo regionale per il Lazi decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)    Em presença de circunstâncias em relação às quais um acordo entre empresas provoca efeitos prejudiciais no comércio comunitário, no caso de o mesmo acordo ser imposto ou favorecido por uma medida legislativa nacional, que legitima ou reforça os seus efeitos, com referência específica à determinação dos preços e à repartição do mercado, o artigo 81.° CE impõe ou permite à autoridade nacional designada para a protecção da concorrência não aplicar essa legislação, devendo aplicar uma sanção ou, pelo menos, impedir no futuro o comportamento anticoncorrencial das empresas e, se assim for, com que consequências jurídicas?

2)    Uma legislação nacional que remeta para a competência ministerial a determinação do preço de venda de um produto e atribua, além disso, a um consórcio obrigatório entre os produtores o poder de repartir a produção entre as empresas, pode ser considerada, para efeitos da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, uma legislação que deixa subsistir a possibilidade de uma concorrência susceptível de ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das empresas?»

Quanto à primeira questão

40.
    O CIF recorda que, segundo jurisprudência do Tribunal de Justiça, os artigos 81.° CE e 82.° CE referem-se apenas a comportamentos contrários à concorrência adoptados pelas empresas por sua própria iniciativa. Se às empresas for imposto por uma legislação nacional um comportamento contrário à concorrência, ou se esta legislação criar um quadro jurídico que, por si só, elimina qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte, os artigos 81.° CE e 82.° CE não são aplicáveis. Numa situação deste tipo, como resulta das referidas disposições, a limitação da concorrência não é causada por comportamentos autónomos das empresas. Pelo contrário, os artigos 81.° CE e 82.° CE podem ser aplicados se se revelar que a legislação nacional deixa subsistir a possibilidade de existência de concorrência susceptível de ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das empresas (acórdão de 11 de Novembro de 1997, Comissão e França/Ladbroke Racing, C-359/95 P e C-379/95 P, Colect., p. I-6265, n.os 33 e 34).

41.
    O CIF salienta também que, no âmbito da análise pela Comissão quanto à aplicabilidade dos artigos 81.° CE e 82.° CE aos comportamentos das empresas, a avaliação prévia de uma legislação nacional que tem incidência sobre esses comportamentos só incide, portanto, sobre a questão de saber se a referida legislação deixa subsistir a possibilidade de existência de concorrência susceptível de ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos da parte das empresas (acórdão Comissão e France/Ladbroke Racing, já referido, n.° 35).

42.
    Daí deduz o CIF que, no âmbito das investigações que conduz, a Autoridade deve, numa fase preliminar, determinar apenas se a legislação italiana deixa ou não deixa margens de manobra aos comportamentos das empresas em questão. Apenas na afirmativa é que podem ser aplicados às referidas empresas os artigos 81.° CE e 82.° CE. Daí resulta, de modo implícito, que não se pode conceber, na esfera jurídica das empresas, nenhuma obrigação de não aplicar a legislação italiana perante disposições nacionais vinculativas.

43.
    Segundo o CIF, embora a Lei n.° 52/1996 atribua à Autoridade a competência para aplicar o artigo 81.° CE para verificar e punir acordos anticoncorrenciais entre empresas, não lhe confere o poder de controlo da validade de actos normativos nacionais à luz das disposições combinadas dos artigos 3.° CE, 10.° CE e 81.° CE.

44.
    Em consequência, comportamentos de empresas como os do CIF só se podem incluir no âmbito de aplicação do artigo 81.° CE se a Autoridade tiver verificado e declarado previamente - e a título acessório - a autonomia destas empresas em relação ao que está previsto na legislação nacional.

45.
    A este respeito, há que, em primeiro lugar, recordar que, sendo embora verdade que, em si mesmo, os artigos 81.° CE e 82.° CE apenas abrangem o comportamento das empresas e não as medidas legislativas ou regulamentares adoptadas pelos Estados-Membros, não é menos certo que estes artigos, interpretados conjuntamente com o artigo 10.° CE, que institui um dever de cooperação, impõem a proibição de os Estados-Membros tomarem ou manterem em vigor medidas, mesmo de natureza legislativa ou regulamentar, susceptíveis de eliminar o efeito útil das regras de concorrência aplicáveis às empresas (v. acórdãos de 16 de Novembro de 1977, GB-Inno-BM, 13/77, Colect., p. 753, n.° 31, de 21 de Setembro de 1988, Van Eycke, 267/86, Colect., p. 4769, n.° 16; de 17 de Novembro de 1993, Reiff, C-185/91, Colect., p. I-5801, n.° 14; de 9 de Junho de 1994, Delta Schiffahrts- und Speditionsgesellschaft, C-153/93, Colect., p. I-2517, n.° 14; de 5 de Outubro de 1995, Centro Servizi Spediporto, C-96/94, Colect., p. I-2883, n.° 20, e de 19 de Fevereiro de 2002, Arduino, C-35/99, Colect., p. I-1529, n.° 34).

46.
    O Tribunal de Justiça decidiu, designadamente, que existe violação dos artigos 10.° CE e 81.° CE quando um Estado-Membro impõe ou favorece a celebração de acordos contrários ao artigo 81.° CE ou reforça os seus efeitos, ou retira à sua própria regulamentação a sua natureza estatal, delegando em operadores privados a responsabilidade de tomar decisões de intervenção de interesse económico (v. acórdãos, já referidos, Van Eycke, n.° 16; Reiff, n.° 14; Delta Schiffahrts- und Speditionsgesellschaft, n.° 14; Centro Servizi Spediporto, n.° 21, e Arduino, n.° 35).

47.
    Além disso, desde a entrada em vigor do Tratado de Maastricht, o Tratado CE prevê expressamente que, no âmbito da sua política económica, a acção dos Estados-Membros deve respeitar o princípio de uma economia de mercado aberto e de livre concorrência [v. artigos 3.°-A, n.° 1, e 102.°-A do Tratado CE (actuais artigos 4.°, n.° 1, CE e 98.° CE, respectivamente)].

48.
    Há que recordar, em segundo lugar, que, de acordo com uma jurisprudência assente, o primado do direito comunitário exige que não se aplique uma norma de direito interno contrária a uma norma de direito comunitário, seja ela anterior ou posterior a esta última.

49.
    Este dever de deixar de aplicar legislação nacional que contraria o direito comunitário aplica-se não só a tribunais nacionais mas também a todos os órgãos do Estado incluindo as autoridades administrativas (v., neste sentido, acórdão de 22 de Junho de 1989, Fratelli Costanzo, 103/88, Colect., p. 1839, n.° 31), o que implica, se for caso disso, a obrigação de adoptar todas as disposições para facilitar a realização do pleno objecto do direito comunitário (v. acórdão de 13 de Julho de 1972, Comissão/Itália, 48/71, Colect., p. 181, n.° 7).

50.
    Quando uma autoridade nacional da concorrência como a Autoridade tem competência para assegurar, designadamente, o respeito do artigo 81.° CE e que esta norma, conjugada com o artigo 10.° CE, impõe um dever de abstenção aos Estados-Membros, o efeito útil das normas comunitárias da concorrência seria reduzido se, no âmbito de uma investigação sobre o comportamento de empresas nos termos do artigo 81.° CE, a referida autoridade não pudesse verificar que uma medida nacional é contrária às disposições conjugadas dos artigos 10.° CE e 81.° CE e se, em consequência, não deixasse de a aplicar.

51.
    A este respeito, pouco importa que, no caso de a legislação nacional impor a empresas a adopção de comportamentos contra a concorrência, estas não possam ser acusadas de violação dos artigos 81.° CE e 82.° CE (v., neste sentido, acórdão Comissão e França/Ladbroke Racing, já referido, n.° 33). Com efeito, as obrigações a cargo dos Estados-Membros por força dos artigos 3.°, n.° 1, alínea g), CE, 10.° CE, 81.° CE e 82.° CE, que diferem das decorrentes para as empresas dos artigos 81.° CE e 82.° CE, não deixam de existir, de modo que a autoridade nacional da concorrência mantém a obrigação de deixar de aplicar a medida nacional em causa.

52.
    Em relação, contudo, a sanções susceptíveis de serem aplicadas às empresas em causa, há que proceder a uma dupla distinção, consoante a legislação nacional exclua ou não a possibilidade de uma concorrência ainda susceptível de ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das empresas e, no primeiro caso, consoante os factos em questão sejam anteriores ou posteriores à declaração da autoridade nacional da concorrência de deixar de aplicar a referida legislação nacional.

53.
    Em primeiro lugar, se uma lei nacional excluir a possibilidade de uma concorrência susceptível de ser impedida, falseada ou restringida por comportamentos autónomos das empresas, há que dizer que, sob pena de violar o princípio geral de direito comunitário da segurança jurídica, a obrigação de as autoridades nacionais da concorrência deixarem de aplicar uma tal lei anticoncorrencial não pode expor as empresas em causa a sanções, sejam elas de natureza penal ou administrativa, por um comportamento passado, quando este comportamento era imposto pela referida lei.

54.
    A decisão de deixar de aplicar a lei em causa nada retira, com efeito, ao facto de esta ter condicionado o comportamento das empresas no passado. Por conseguinte, esta lei continua a constituir, para o período anterior à decisão de deixar de a aplicar, uma causa justificativa que livra as empresas em questão de todas as consequências da violação dos artigos 81.° CE e 82.° CE, e isto tanto face às autoridades públicas como a outros operadores económicos.

55.
    Em relação à punição de futuros comportamentos das empresas até então obrigadas por uma lei nacional a adoptar comportamentos anticoncorrenciais, há que indicar que, desde o momento em que a decisão da autoridade nacional da concorrência, que declara uma violação ao artigo 81.° CE e que deixa de aplicar essa lei anticoncorrencial, se torna definitiva a seu respeito, esta decisão se impõe às empresas em causa. A partir deste momento, as empresas deixam de poder pretender estar obrigadas por essa lei a violar as normas comunitárias da concorrência. O seu comportamento futuro é, portanto, passível de sanções.

56.
    Em segundo lugar, se uma lei nacional se limitar a encorajar ou a facilitar a adopção, pelas empresas, de comportamentos anticoncorrenciais autónomos, estas continuam sujeitas aos artigos 81.° CE e 82.° CE e podem ser punidas inclusive por comportamentos anteriores à decisão de deixar de aplicar essa lei.

57.
    No entanto, há que salientar que, embora tal situação não possa levar a admitir práticas susceptíveis de agravar ainda as infracções à concorrência, não deixa de ter por consequência, na determinação do nível da sanção, ser o comportamento das empresas em causa apreciado à luz da circunstância atenuante que o quadro jurídico nacional constitui (v., neste sentido, acórdão de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.° 620).

58.
    Vistas as considerações que precedem, há que, por conseguinte, responder à primeira questão prejudicial que, perante comportamentos de empresas contrários ao artigo 81.°, n.° 1, CE, que sejam impostos ou favorecidos por uma legislação nacional que legitima ou reforça os seus efeitos, mais especialmente no que respeita à fixação dos preços e à repartição do mercado, uma autoridade nacional da concorrência que tem por missão, designadamente, assegurar o respeito do artigo 81.° CE:

-    tem a obrigação de deixar de aplicar essa legislação nacional;

-    não pode aplicar sanções às empresas em causa por comportamentos passados, quando estes lhes tenham sido impostos por essa legislação nacional;

-    pode aplicar sanções às empresas em causa por comportamentos posteriores à decisão de deixar de aplicar essa legislação nacional, uma vez que esta decisão se tenha tornado definitiva a seu respeito;

-    pode aplicar sanções às empresas em causa por comportamentos passados quando estes tenham sido apenas facilitados ou encorajados por essa legislação nacional, sem deixar de ter em devida conta as especificidades do quadro normativo em que as empresas actuaram.

Quanto à segunda questão

59.
    Através da sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio deseja saber se uma legislação nacional que remete para a competência ministerial a determinação do preço de venda a retalho de um produto e atribui, além disso, a um consórcio obrigatório dos produtores o poder de repartir a produção entre as empresas, pode ser considerada, para efeitos da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, uma legislação que deixa subsistir a possibilidade de uma concorrência susceptível de ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das referidas empresas.

60.
    Liminarmente, há que salientar, por um lado, que, segundo a Autoridade, o CIF só foi um «consórcio obrigatório» até 1994. Com efeito, o Decreto-Lei n.° 331/1993 tornou facultativa a participação das empresas no CIF.

61.
    Nestas condições, compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se a sua segunda questão diz apenas respeito ao período anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei n.° 331/1993 ou se respeita também ao período posterior.

62.
    Por outro lado, convém recordar que, no quadro de um processo objecto do artigo 234.° CE, que se baseia numa clara separação de funções entre os órgãos jurisdicionais nacionais e o Tribunal de Justiça, este último apenas tem competência para se pronunciar sobre a interpretação ou a validade de uma disposição comunitária, com base nos factos que lhe são indicados pelo órgão jurisdicional nacional (v. acórdão de 2 de Junho de 1994, AC-Atel Electronics Vertriebs, C-30/93, Colect., p. I-2305, n.° 16). Não lhe compete nem aplicar o direito comunitário ao litígio do processo principal (v. acórdão de 10 de Julho de 1980, Giry et Guerlain e o., 253/78 e 1/79 a 3/79, Recueil, p. 2327, n.° 6) nem apreciar os factos do processo principal.

63.
    O CIF alega que, ao impor-lhe a obrigação de proceder à repartição das quotas entre as empresas membros - independentemente das modalidades e dos critérios segundo os quais estas quotas são determinadas -, o órgão legislativo italiano eliminou, desde o princípio, toda e qualquer possibilidade de estas empresas entrarem em concorrência, de modo a conquistarem quotas de mercados mais importantes.

64.
    O CIF afirma que o artigo 4.° da convenção de 1992 obriga a proceder à repartição da produção de fósforos entre as empresas membros através de um comité ad hoc, ou seja, a comissão de repartição das quotas, composto por representantes da indústria e presidido por um funcionário da administração dos monopólios do Estado, designado pelo Ministro das Finanças.

65.
    Portanto, abstraindo da quota efectivamente atribuída a cada empresa, o sistema de repartição querido pelo legislador elimina a priori a concorrência entre as empresas membros, que têm sempre de se conformar com o nível de produção atribuído. Por conseguinte, qualquer esforço concorrencial com vista a aumentar a referida produção é inútil.

66.
    De modo a responder à segunda questão, há que examinar, em primeiro lugar, se uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal deixa subsistir a possibilidade de uma concorrência que seja ainda susceptível de ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das empresas e, na afirmativa, verificar, em seguida, se eventuais restrições suplementares censuradas às empresas não são, de facto, imputáveis ao Estado-Membro em questão.

67.
    Em primeiro lugar, há que recordar que a possibilidade de excluir um determinado comportamento anticoncorrencial do âmbito de aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, devido ao facto de ter sido imposto às empresas em causa pela legislação nacional existente ou de esta ter eliminado qualquer possibilidade de comportamento concorrencial da sua parte, só foi admitida de forma restritiva pelo Tribunal de Justiça (v., a título de exemplo, acórdãos de 29 de Outubro de 1980, Van Landewyck e o./Comissão, 209/78 a 215/78 e 218/78, Recueil, p. 3125, n.os 130 a 134; de 20 de Março de 1985, Itália/Comissão, 41/83, Recueil, p. 873, n.° 19, e de 10 de Dezembro de 1985, Stichting Sigarettenindustrie e o./Comissão, 240/82 a 242/82, 261/82, 262/82, 268/82 e 269/82, Recueil, p. 3831, n.os 27 a 29).

68.
    Há que recordar, em segundo lugar, que a concorrência através dos preços não constitui a única forma eficaz de concorrência nem aquela a que se deve, em qualquer circunstância, conceder uma prioridade absoluta (v. acórdão de 25 de Outubro de 1977, Metro/Comissão, 26/76, Colect., p. 659, n.° 21).

69.
    Por conseguinte, a fixação antecipada do preço de venda dos fósforos pelo Estado italiano não exclui, por si própria, toda e qualquer possibilidade de comportamento concorrencial. Embora limitada, a concorrência pode realizar-se através de outros factores.

70.
    Há que indicar, em terceiro lugar, que, embora a legislação italiana em causa no processo principal atribua ao CIF, consórcio obrigatório de produtores, a competência para repartir a produção entre as empresas membros, não define nem os critérios nem as modalidades segundo as quais esta repartição se deve efectuar. Além disso, assim como indicou o advogado-geral no n.° 7 das suas conclusões, parece que o monopólio comercial do CIF foi abolido desde 1993, quando a proibição de os não membros do consórcio produzirem e venderem fósforos foi abolida.

71.
    Nestas condições, o jogo da concorrência residual entre as empresas membros é susceptível de ser falseada para além do que resulta da própria obrigação legal.

72.
    A este respeito, a investigação conduzida pela Autoridade revelou um sistema de transferências fixas e temporárias das quotas de produção, bem como acordos quanto às trocas de produções realizados entre as empresas, ou seja, acordos não previstos pela lei.

73.
    Além disso, a Comissão referiu-se a uma quota «fixa» de aproximadamente 15% reservada às importações. Na sua opinião, esta quota não era determinada pela legislação nacional, de modo que o CIF dispunha de autonomia de decisão a esse respeito.

74.
    Ainda segundo a Comissão, o acordo celebrado entre o CIF e a Swedish Match que, desde 1994, permitiu a esta última fornecer importantes quantidades de fósforos para comercialização em Itália através do CIF, mediante compromisso da Swedish Match de não penetrar directamente no mercado italiano, é a expressão da livre escolha empresarial do CIF.

75.
    Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se tais asserções são fundadas.

76.
    Em quarto e último lugar, não resulta dos autos que as decisões do CIF como as invocadas nos n.os 70 a 74 do presente acórdão escapem à aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, em consequência da intervenção de um acto da autoridade pública.

77.
    Por um lado, quatro dos cinco membros da comissão de repartição das quotas são representantes dos produtores que nada, na legislação nacional em questão, impede de agirem no exclusivo interesse dos produtores. Esta comissão, que decide por maioria simples, pode adoptar resoluções apesar do voto contrário do seu presidente, única pessoa investida de uma missão de interesse público, de modo que se pode conformar às exigências das empresas membros.

78.
    Além disso, as autoridades públicas não dispõem de um poder efectivo de controlo sobre as decisões da comissão de repartição das quotas.

79.
    Por outro lado, a investigação conduzida pela Autoridade revelou que a tarefa de repartir a produção entre as empresas membros é efectuada, na realidade, não pela comissão de repartição das quotas, mas pela comissão do cumprimento das quotas, que é apenas composta por membros do CIF, com base em acordos estabelecidos pelas empresas membros.

80.
    Por conseguinte, há que responder à segunda questão prejudicial que compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que remete para a competência ministerial a determinação do preço de venda a retalho de um produto e atribui, além disso, a um consórcio obrigatório entre os produtores o poder de repartir a produção entre as empresas, pode ser considerada, para efeitos da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, uma legislação que deixa subsistir a possibilidade de uma concorrência ainda susceptível de ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das referidas empresas.

Quanto às despesas

81.
    As despesas efectuadas pela Comissão, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA,

pronunciando-se sobre as questões submetidas pelo Tribunale amministrativo regionale per il Lazio, por despacho de 24 de Janeiro de 2001, declara:

1)    Perante comportamentos de empresas contrários ao artigo 81.°, n.° 1, CE, que sejam impostos ou favorecidos por uma legislação nacional que legitima ou reforça os seus efeitos, mais especialmente no que respeita à fixação dos preços e à repartição do mercado, uma autoridade nacional da concorrência que tem por missão, designadamente, assegurar o respeito do artigo 81.° CE:

-    tem a obrigação de deixar de aplicar essa legislação nacional;

-    não pode aplicar sanções às empresas em cuasa por comportamentos passados, quando estes lhes tenham sido impostos por essa legislação nacional;

-    pode aplicar sanções às empresas em causa por comportamentos posteriores à decisão de deixar de aplicar essa legislação nacional, uma vez que esta decisão se tenha tornado definitiva a seu respeito;

-    pode aplicar sanções às empresas em causa por comportamentos passados quando estes tenham sido apenas facilitados ou encorajados por essa legislação nacional, sem deixar de ter em devida conta as especificidades do quadro normativo em que as empresas actuaram.

2)    Compete ao órgão jurisdicional de reenvio apreciar se uma legislação nacional como a que está em causa no processo principal, que remete para a competência ministerial a determinação do preço de venda a retalho de um produto e atribui, além disso, a um consórcio obrigatório entre os produtores o poder de repartir a produção entre as empresas, pode ser considerada, para efeitos da aplicação do artigo 81.°, n.° 1, CE, uma legislação que deixa subsistir a possibilidade de uma concorrência ainda susceptível de ser impedida, restringida ou falseada por comportamentos autónomos das referidas empresas.

Rodríguez Iglesias
Puissochet
Wathelet

Timmermans

Gulmann
Edward

La Pergola

Jann
Skouris

von Bahr

Cunha Rodrigues

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de Setembro de 2003.

O secretário

O presidente

R. Grass

G. C. Rodríguez Iglesias


1: Língua do processo: italiano.