Language of document : ECLI:EU:T:2022:217

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada)

6 de abril de 2022 (*)

«Auxílios estatais — Regime de auxílios executado pelo governo de Gibraltar relativo ao imposto sobre as sociedades — Isenção fiscal para rendimentos gerados por juros e por royalties de propriedade intelectual — Decisões fiscais antecipadas em proveito de empresas multinacionais — Decisão da Comissão que declara o auxílio incompatível com o mercado interno — Dever de fundamentação — Erro manifesto de apreciação — Vantagem seletiva — Direito de apresentar observações»

No processo T‑508/19,

Mead Johnson Nutrition (Asia Pacific) Pte Ltd, com sede em Singapura (Singapura),

MJN Global Holdings BV, com sede em Amesterdão (Países Baixos),

Mead Johnson BV, com sede em Nimègue (Países Baixos),

Mead Johnson Nutrition Co., com sede em Chicago, Ilinóis (Estados Unidos),

representadas por C. Quigley, barrister, M. Whitehouse e P. Halford, solicitors,

recorrentes,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Flynn, B. Stromsky e P. Němečková, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 263.o TFUE e destinado à anulação parcial da Decisão (UE) 2019/700 da Comissão, de 19 de dezembro de 2018, relativa ao auxílio estatal SA.34914 (2013/C) concedido pelo Reino Unido no que respeita ao regime de tributação do rendimento das sociedades de Gibraltar (JO 2019, L 119, p. 151),

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada),

composto por: V. Tomljenović (relatora), presidente, F. Schalin, P. Škvařilová‑Pelzl, I. Nõmm e G. Steinfatt, juízes,

secretário: I. Pollalis, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 28 de junho de 2021,

profere o presente

Acórdão

I.      Antecedentes do litígio

A.      Adoção do Income Tax Act de 2010 e concessão da decisão fiscal antecipada da MJN GibCo de 2012

1        Em 1 de janeiro de 2011, o Income Tax Act de 2010 (Lei relativa à tributação das sociedades de Gibraltar de 2010, a seguir «ITA 2010»), entrou em vigor e revogou o Income Tax Act de 1952 (Lei relativa à tributação das sociedades de Gibraltar de 1952, a seguir «ITA 1952»). A ITA 2010 instituiu uma taxa geral de tributação das sociedades de 10 %. Até à alteração da ITA 2010, que entrou em vigor em 30 de junho de 2013 no que respeita aos rendimentos gerados por juros passivos, e depois, em 31 de dezembro do mesmo ano no que respeita aos rendimentos gerados por royalties (a seguir «alteração de 2013 da ITA 2010»), esses rendimentos não estavam incluídos nas categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar enumeradas no anexo 1 da ITA 2010.

2        Até à sua dissolução, em 16 de outubro de 2018, a MJN Holdings (Gibraltar) Ltd (a seguir «MJN GibCo») era uma sociedade com sede em Gibraltar, pertencente ao grupo internacional Mead Johnson Nutrition (a seguir «grupo MJN»), ativa no fabrico de produtos nutricionais infantis ou destinados a crianças. A MJN GibCo tinha por atividade a detenção, na qualidade de sócio comanditário, de uma participação no capital da Mead Johnson Three CV (a seguir «MJT CV»), uma sociedade em comandita simples de direito neerlandês (comanditária vennootschap, a seguir «CV neerlandesa»), com sede nos Países Baixos até à sua dissolução, em 15 de dezembro de 2017.

3        A MJT CV detinha licenças de direitos de propriedade intelectual (designadamente patentes, marcas e informações técnicas) sobre as quais concedia, mediante o pagamento de royalties, sublicenças à Mead Johnson BV (a seguir «MJ BV»), uma sociedade de direito neerlandês.

4        Os acionistas da MJT CV eram, por um lado, a MJN GibCo (a 99,99 %) e, por outro, a MJN Asia Pacific Holding LLC (a 0,01 %), uma sociedade de responsabilidade limitada de direito americano. A participação da MJN GibCo no capital da MJT CV conferia‑lhe direito a 99,99 % dos lucros desta última.

5        Até junho de 2017, a sociedade‑mãe do grupo MJN era a Mead Johnson Nutrition Co. (a seguir «MJN US»), uma sociedade estabelecida no Delaware (Estados Unidos). A Mead Johnson Nutrition (Asia Pacific) Pte Ltd, com sede em Singapura (Singapura) e que tem por atividade o fabrico e a venda de produtos nutricionais infantis, era, por sua vez, a sociedade‑mãe a 100 % da MJN GibCo, até à dissolução desta última.

6        Em 11 de setembro de 2012, na sequência de um pedido apresentado no mesmo dia pelos advogados da MJN US, a sociedade‑mãe do grupo MJN (a seguir «pedido de decisão fiscal antecipada»), as autoridades fiscais de Gibraltar concederam à MJN GibCo uma decisão fiscal antecipada que confirmou a não tributação, em relação à MJN GibCo, dos rendimentos da MJT CV gerados por royalties (a seguir «DFA da MJN GibCo de 2012»).

7        O pedido de decisão fiscal antecipada precisava que a MJT CV era considerada uma sociedade em comandita à luz do direito fiscal de Gibraltar. Segundo os autores do pedido de decisão fiscal antecipada, uma vez que essa sociedade é transparente à luz da fiscalidade de Gibraltar, deve considerar‑se que qualquer rendimento gerado por um royalty recebido pela MJT CV era recebido diretamente pela MJN GibCo. Indicava‑se, porém, que, segundo os mesmos, qualquer rendimento gerado por royalties que pudesse ser recebido não seria abrangido pelas categorias de rendimentos tributáveis a título da ITA 2010 («heads of charge taxable under the ITA 2010»). Assim, pedia‑se às autoridades de Gibraltar que confirmassem essa interpretação da ITA 2010 bem como o facto de qualquer rendimento gerado por royalties que fosse recebido pela MJN GibCo, devido à sua participação na MJT CV, não daria lugar a nenhuma sujeição a imposto.

8        Através da DFA de MJN GibCo de 2012, os serviços do imposto sobre o rendimento (Income Tax Office) responderam que, «com base nos factos e circunstâncias apresentados no [pedido de decisão fiscal antecipada], [era] confirmado, em nome do comissário [do imposto sobre o rendimento de Gibraltar], que os rendimentos futuros gerados por royalties recebidos pela [MNJ GibCo] não [seriam] sujeitos ao imposto por força das disposições da [ITA 2010]».

B.      Procedimento administrativo na Comissão

9        Em 1 de junho de 2012, o Reino de Espanha apresentou uma queixa à Comissão Europeia a propósito do auxílio de Estado pretensamente recebido pelas sociedades offshore de Gibraltar no quadro do regime fiscal estabelecido pela ITA 2010.

10      Em 16 de outubro de 2013, a Comissão deu início ao procedimento formal de investigação (a seguir «decisão de dar início ao procedimento»), a fim de verificar se a não tributação («isenção fiscal» no texto da referida decisão) dos rendimentos gerados pelos juros passivos e pelos royalties de propriedade intelectual, prevista pela ITA 2010, beneficiava de forma seletiva certas empresas, em violação das regras da União Europeia em matéria de auxílios estatais.

11      Em 1 de outubro de 2014, a Comissão informou o Reino Unido da sua decisão de alargar o procedimento estabelecido no artigo 108.o, n.o 2, TFUE, a fim de incluir neste a prática das decisões fiscais antecipadas em Gibraltar e, mais especificamente, a adoção de 165 decisões fiscais antecipadas (a seguir «decisão de alargar o procedimento»).

C.      Decisão impugnada

12      Em 19 de dezembro de 2018, a Comissão adotou a Decisão (UE) 2019/700, de 19 de dezembro de 2018, relativa ao auxílio estatal SA.34914 (2013/C) concedido pelo Unido no que respeita ao regime de tributação do rendimento das sociedades de Gibraltar (JO 2019, L 119, p. 151, a seguir «decisão impugnada»). Em substância, a Comissão declarou, por um lado, que a «isenção» dos rendimentos gerados pelos juros passivos e pelos royalties, aplicável a Gibraltar entre 2011 e 2013 ao abrigo da ITA 2010, constituía um regime de auxílios estatais ilegalmente executado e incompatível com o mercado interno e, por outro, que o tratamento fiscal concedido pelo governo de Gibraltar com base em decisões fiscais antecipadas concedidas a cinco sociedades estabelecidas em Gibraltar detentoras de uma participação em CV neerlandeses e que recebiam rendimentos gerados por juros passivos e por royalties de propriedade intelectual (a seguir «cinco decisões fiscais antecipadas») constituía auxílios estatais individuais ilegais e incompatíveis com o mercado interno.

1.      «Isenção» dos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties (regime de auxílios)

13      Na decisão de dar início ao procedimento, a Comissão tinha concluído, a título preliminar, que a «isenção» dos rendimentos gerados por juros passivos (a seguir «não tributação dos rendimentos gerados por juros passivos») e a «isenção» dos rendimentos gerados por royalties (a seguir «não tributação dos rendimentos gerados por royalties») constituíam, cada uma, um regime de auxílios. A fim de ter em conta a alteração de 2013 da ITA 2010, nos termos da qual os rendimentos gerados por royalties e por juros passivos foram introduzidos entre as categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar enumeradas no anexo 1 da ITA 2010, que se verificou posteriormente à decisão de dar início ao procedimento, a Comissão limitou o âmbito de aplicação da decisão recorrida aos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties recebidos ou a receber entre a entrada em vigor da ITA 2010 (em 1 de janeiro de 2010) e 30 de junho de 2013 (para os rendimentos gerados por juros passivos) ou 31 de dezembro de 2013 (para os rendimentos gerados por royalties).

14      Quanto à análise do critério da vantagem, a Comissão declarou, em substância, que os rendimentos gerados por juros passivos e por royalties recebidas por uma empresa em Gibraltar eram normalmente considerados gerados ou com origem em Gibraltar e, portanto, normalmente sujeitos ao imposto em Gibraltar por força do princípio da territorialidade. Consequentemente, concluiu que essa «isenção» introduzia uma redução do imposto que as empresas que dela beneficiassem deveriam de outra forma ter pago (considerandos 81 a 83 da decisão impugnada).

15      Quanto à análise da seletividade, em aplicação da jurisprudência relativa à seletividade material de medidas fiscais, a Comissão começou por considerar que o quadro de referência a ter em conta para examinar a não tributação dos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties era a ITA 2010, cujo objetivo era cobrar o imposto sobre os rendimentos dos contribuintes que recebem rendimentos gerados ou que tivessem origem em Gibraltar. Por outro lado, precisou que a «isenção» dos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties não resultava de uma isenção formal prevista pelo regime fiscal, mas da não inclusão desses rendimentos nas categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar enumeradas no anexo 1 da ITA 2010, por outras palavras, de uma «isenção implícita» (considerandos 89 a 93 da decisão impugnada).

16      Em seguida, a Comissão examinou se a não tributação dos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties dava lugar a um tratamento fiscal diferente a empresas que se encontrassem numa situação comparável. Salientou que, na falta da «isenção» dos rendimentos gerados por royalties e por juros passivos, estes teriam estado sujeitos ao imposto em Gibraltar em aplicação do princípio da territorialidade.

17      Além disso, após ter exposto que, quando a medida examinada não resultava de uma derrogação formal ao regime fiscal, havia que considerar os efeitos desta, a fim de avaliar se essa medida beneficiava significativamente um grupo de empresas em especial, a Comissão considerou, com base em dados numéricos, que a não tributação dos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties beneficiava sociedades pertencentes a grupos multinacionais que exercessem atividades como a concessão de empréstimos intragrupo ou de direitos de utilizar ativos incorpóreos. Uma vez que essas empresas se encontram, tendo em conta o objetivo da ITA 2010, na mesma situação jurídica e factual que as outras empresas que recebem rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar, a Comissão concluiu daí que essas medidas eram a priori seletivas (considerandos 94 a 104 da decisão impugnada).

18      Por último, a Comissão considerou que a não tributação dos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties não era justificada pela lógica intrínseca do regime fiscal da ITA 2010. Designadamente, afastou as justificações invocadas pelas autoridades do Reino Unido como a boa gestão administrativa (considerandos 105 a 109 da decisão impugnada). Consequentemente, a Comissão considerou que essas medidas constituíam, cada uma delas, um regime de auxílios ilegal e incompatível com o mercado interno.

2.      Cinco decisões fiscais antecipadas (medidas de auxílios individuais)

19      Na decisão de alargar o procedimento, a Comissão tinha identificado 165 decisões fiscais antecipadas concedidas pelas autoridades fiscais de Gibraltar, em relação às quais tinha concluído, a título preliminar, que eram materialmente seletivas e que constituíam potencialmente auxílios estatais.

20      Na decisão impugnada, a Comissão considerou que 160 das 165 decisões fiscais antecipadas analisadas correspondiam a uma aplicação normal do regime fiscal de direito comum de Gibraltar, sem que se possa concluir pela existência de um auxílio de Estado, por uma outra razão (considerandos 132 a 150 da decisão impugnada). Em contrapartida, considerou que as cinco decisões fiscais antecipadas, entre as quais a DFA de MJN GibCo de 2012, que faltava examinar, constituíam medidas de auxílio individuais. Através das cinco decisões fiscais antecipadas, que se tinham mantido em vigor depois da alteração de 2013 da ITA 2010, inclusive após as auditorias realizadas em 2015, as autoridades fiscais de Gibraltar tinham confirmado aos seus destinatários que os rendimentos gerados por royalties ao nível de CV neerlandeses de que detinham participações não eram tributáveis por força da ITA 2010.

21      Antes de mais, a Comissão indicou, no considerando 153 da decisão impugnada, que as cinco decisões fiscais antecipadas diziam geralmente respeito à seguinte estrutura de grupo:

Image not found

22      A Comissão precisou que, segundo as comunicações das autoridades do Reino Unido, as autoridades fiscais de Gibraltar consideravam que os rendimentos recebidos por CV neerlandesas eram diretamente recebidos pelas empresas de Gibraltar que detivessem uma participação nas referidas CV. Acrescentou que, na medida em que, na sequência das modificações da ITA 2010, os rendimentos gerados por juros passivos e por royalties foram incluídos nas categorias de rendimentos enumeradas no anexo 1 da ITA 2010 e se tornaram tributáveis em Gibraltar, independentemente da sua origem, tais rendimentos tornaram‑se tributáveis ao nível dos parceiros estabelecidos em Gibraltar. A Comissão identificou então, nos considerandos 161 e 162 da decisão impugnada, as partes de lucros provenientes de rendimentos passivos ou de royalties de propriedade intelectual que deveriam ter sido integrados na matéria coletável das cinco empresas beneficiárias dessas decisões, estabelecidas em Gibraltar, e tributadas segundo as regras de tributação «normais de Gibraltar». Quanto à MJN GibCo, indicou que esta detinha 99,99 % das participações sociais e que os seus lucros tributáveis em Gibraltar ascendiam a 330 785 918,10 dólares dos Estados Unidos (USD) em relação a 2014, a 254 328 564,60 USD em relação a 2015, e a 232 375 224,15 USD em relação a 2016. Essas participações deveriam, em seu entender, ter sido integradas na matéria coletável da MJN GibCo e tributadas segundo as regras de tributação de Gibraltar.

23      Quanto à vantagem seletiva, a Comissão começou por considerar que o quadro de referência pertinente para o exame da seletividade era a ITA 2010 e remeteu, a este respeito, para as considerações desenvolvidas na secção 7.1.3.1 da decisão impugnada, relativa ao exame da seletividade dos regimes de auxílios que consistissem na não tributação dos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties. Acrescentou que teria sido necessário, por força das regras da common law, ter em conta a parte dos lucros ou das mais‑valias resultantes de uma CV, enquanto empresa parceira, como se essa participação representasse os lucros ou as mais‑valias da empresa estabelecida em Gibraltar.

24      A Comissão constatou em seguida, relativamente ao período anterior à alteração de 2013, que as decisões fiscais antecipadas aplicavam regimes de auxílios que previam a isenção dos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties, que tinham sido examinados na secção 7 da decisão impugnada. Para o período posterior a essa alteração, salientou que as cinco decisões fiscais antecipadas autorizavam os seus beneficiários a continuarem a beneficiar dos regimes de isenção dos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties e concluiu daí que as autoridades fiscais de Gibraltar tinham prorrogado a existência desse regime em cinco casos individuais, o que constituía uma derrogação ao regime fiscal ordinário.

25      Por último, a Comissão considerou que as cinco sociedades de Gibraltar que beneficiaram das cinco decisões fiscais antecipadas se encontravam numa situação jurídica e factual comparável à de todas as sociedades contribuintes, que gerassem rendimentos em Gibraltar ou com proveniência de Gibraltar, sujeitas ao imposto em Gibraltar, e que essa derrogação não podia ser justificada pela natureza e pela lógica do sistema.

26      Quanto aos beneficiários das medidas de auxílio identificadas, a Comissão considerou que as sociedades‑mãe, proprietárias das sociedades parceiras estabelecidas em Gibraltar, eram, in fine, beneficiárias dessas medidas. Salientou que as cinco sociedades de Gibraltar que beneficiavam das cinco decisões fiscais antecipadas, incluindo a MJN GibCo, faziam parte de grandes grupos internacionais e que a estrutura dos grupos que compreendia uma CV neerlandesa favorecia as sociedades‑mãe, ao lhes permitir gerar lucros graças à exploração de direitos de propriedade intelectual, sem que estes sejam tributados. A Comissão acrescentou que a estrutura do grupo de empresa que incluía uma sociedade de responsabilidade limitada neerlandesa, uma CV neerlandesa, sociedades parceiras de Gibraltar e uma sociedade‑mãe constituía uma única e mesma unidade económica, na aceção da jurisprudência, pelo que todas estas diferentes sociedades deviam ser consideradas beneficiárias da medida de auxílio de que esta empresa tinha retirado proveito.

D.      Dispositivo da decisão recorrida

27      O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redação:

«Artigo 1.o

1. O regime de auxílio estatal sob a forma de isenção do imposto sobre os rendimentos decorrentes de juros passivos aplicável em Gibraltar ao abrigo da lei relativa à tributação dos rendimentos de 2010 entre 1 de janeiro de 2011 e 30 de junho de 2013, e ilegalmente executado por Gibraltar em violação do artigo 108.o, n.o 3, do TFUE é incompatível com o mercado interno na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE.

2. O regime de auxílio estatal sob a forma de isenção do imposto sobre os rendimentos decorrentes de royalties aplicável em Gibraltar ao abrigo da lei relativa à tributação dos rendimentos de 2010 entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2013, e ilegalmente executado por Gibraltar em violação do artigo 108.o, n.o 3, do TFUE é incompatível com o mercado interno na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE.

Artigo 2.o

Os auxílios estatais individuais concedidos pelo governo de Gibraltar, com base nas decisões fiscais […] a cinco empresas de Gibraltar com participações em sociedades em comandita neerlandesas [CV], que recebem rendimentos decorrentes de royalties e juros passivos, ilegalmente executados pelo Reino Unido em violação do artigo 108.o, n.o 3, do TFUE, são incompatíveis com o mercado interno na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE.

[…]

Artigo 5.o

1. O Reino Unido deve recuperar todos os auxílios incompatíveis concedidos com base nos regimes de auxílio referidos no artigo 1.o ou nas decisões fiscais referidas no artigo 2.o junto dos beneficiários desses auxílios.

2. Qualquer auxílio individual concedido com base nas [cinco] decisões fiscais referidas no artigo 2.o que não possa ser recuperado junto da empresa de Gibraltar em questão deve ser recuperado junto de outras entidades que formem uma única unidade económica com a referida empresa de Gibraltar, isto é, a BV neerlandesa, a CV neerlandesa ou a empresa‑mãe em causa da empresa de Gibraltar.

[…]»

II.    Tramitação processual e pedidos das partes

28      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 15 de julho de 2019, as recorrentes, Mead Johnson Nutrition (Asia Pacific), MJN Global Holdings BV, MJ BV e MJN US, interpuseram o presente recurso.

29      Em aplicação do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, as recorrentes apresentaram, em 27 de março de 2020, um pedido fundamentado de realização de audiência de alegações.

30      Sob proposta da Segunda Secção, o Tribunal Geral decidiu, em aplicação do artigo 28.o do Regulamento de Processo, remeter o processo a uma formação de julgamento alargada.

31      Em 12 de maio de 2021, o Tribunal Geral fez perguntas escritas às partes através de uma medida de organização do processo, prevista no artigo 89.o, n.o 3, do Regulamento de Processo. As partes deram resposta ao pedido do Tribunal Geral dentro do prazo fixado.

32      Foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às perguntas feitas pelo Tribunal Geral na audiência de 28 de junho de 2021.

33      As recorrentes concluem pedindo que o Tribunal se digne:

–        anular o artigo 1.o, n.o 2, o artigo 2.o o artigo 5.o, n.os 1 e 2, da decisão impugnada na medida em que estes lhes são lhes são aplicáveis;

–        condenar a Comissão nas despesas.

34      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso inadmissível ou improcedente;

–        condenar as recorrentes nas despesas.

III. Questão de direito

35      A título preliminar, importa salientar que a Comissão renunciou, na tréplica, a invocar a inadmissibilidade do recurso por este ser extemporâneo.

A.      Quanto à estrutura do recurso

36      Como resulta do dispositivo da decisão recorrida e dos n.os 13 a 26 supra, a decisão impugnada tem por objeto, em primeiro lugar, dois regimes de auxílios, a saber, por um lado, a não tributação dos rendimentos gerados por juros passivos, prevista no artigo 1.o, n.o 1, da referida decisão, e, por outro, a não tributação dos rendimentos gerados por royalties, prevista no artigo 1.o, n.o 2, da mesma decisão, e, em segundo lugar, cinco medidas individuais concedidas com base nas cinco decisões fiscais antecipadas, visadas no artigo 2.o desta mesma decisão.

37      A qualificação de medidas como auxílios individuais das cinco decisões fiscais antecipadas, para o período posterior a 31 de dezembro de 2013 (data a partir da qual foi posto fim aos regimes de auxílios), é totalmente independente da qualificação da não tributação dos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties de regime de auxílios. A decisão impugnada contém, assim, duas secções distintas nas quais os diferentes critérios de existência de um auxílio de Estado são examinados em separado.

38      Por outro lado, o artigo 5.o, n.os 1 e 2, da decisão impugnada tem por objeto a recuperação das medidas de auxílio referidas nos artigos 1.o e 2.o desta mesma decisão.

39      Com o seu recurso, as recorrentes pedem a anulação parcial da decisão impugnada e, mais especificamente, a anulação do artigo 1.o, n.o 2, do artigo 2.o, bem como do artigo 5.o, n.os 1 e 2, da referida decisão na medida em que estes a elas se aplicam.

40      A petição inicial divide‑se em três partes distintas. A primeira parte do recurso tem por objeto a anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, na medida em que a Comissão qualificou de regime de auxílios a não tributação dos rendimentos gerados por royalties e a ordem de recuperação ligada a essa medida. A segunda parte do recurso tem por objeto a anulação do artigo 2.o da decisão impugnada, na medida em que a Comissão concluiu que a MJN GibCo tinha beneficiado de medidas de auxílio, para o período que vai até 31 de dezembro de 2013, e, para o período posterior a essa data, com base na DFA de MJN GibCo de 2012, bem como na ordem de recuperação ligada a essas medidas. A terceira parte do recurso, por sua vez, tem por objeto a anulação do artigo 5.o, n.o 2, da decisão impugnada, na medida em que a Comissão ordenou a recuperação das medidas de auxílio junto da MJN GibCo e, não sendo possível, junto das recorrentes.

41      Por conseguinte, há que examinar sucessivamente cada uma destas partes.

42      A este respeito, a Comissão alega que, para que seja concedido provimento ao presente recurso seja julgado procedente, as recorrentes devem contestar eficazmente ao mesmo tempo o artigo 1.o, n.o 2, e o artigo 2.o da decisão impugnada. Por outro lado, sublinha que, mesmo que o recurso fosse julgado parcialmente procedente, a impugnação da ordem de recuperação formulada no artigo 5.o da decisão impugnada só pode ser aceite quanto à parte dos auxílios para a qual foi concedido provimento ao recurso e unicamente na medida em que a decisão diga respeito às recorrentes. As recorrentes sustentam, por sua vez, que uma vez que a petição contém partes distintas que visam impugnar artigos diferentes do dispositivo da decisão impugnada, poderiam obter ganho de causa sobre um dos dois artigos ou sobre os dois artigos que são objeto do recurso.

43      Segundo a jurisprudência, o simples facto de o Tribunal considerar fundado um fundamento invocado pelo recorrente em apoio do seu recurso de anulação não lhe permite anular automaticamente o ato impugnado na íntegra. Com efeito, não se pode decidir por uma anulação integral quando se afigure evidente que esse fundamento, que visa unicamente um aspeto específico do ato impugnado, pode apenas alicerçar uma anulação parcial (Acórdão de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Département du Loiret, C‑295/07 P, EU:C:2008:707, n.o 104).

44      Porém, a anulação parcial de um ato da União só é possível se os elementos cuja anulação é pedida forem destacáveis do resto do ato. Não está preenchida essa exigência de separabilidade quando a anulação parcial de um ato tiver por efeito modificar a substância deste (v. Acórdão de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Département du Loiret, C‑295/07 P, EU:C:2008:707, n.os 105 e 106 e jurisprudência referida).

45      Observe‑se, desde já, que as diferentes partes do recurso visam, cada uma, a anulação parcial da decisão impugnada e têm por objeto diferentes partes do dispositivo dessa decisão que dizem respeito a cada uma das medidas de auxílio completamente distintas e independentes, pelo que, se alguns dos fundamentos invocados em apoio dessas partes devessem ser acolhidos, apenas poderiam conduzir a uma anulação parcial da decisão impugnada. Em seguida, como as recorrentes confirmaram na audiência de alegações, o seu recurso visa unicamente a anulação do artigo 2.o da decisão impugnada na parte em que visa o auxílio concedido à MJN GibCo e não os auxílios individuais concedidos aos beneficiários das quatro outras decisões fiscais antecipadas, pelo que, se os fundamentos de anulação desse artigo fossem acolhidos, isso levaria unicamente à anulação do referido artigo na parte em que este visa a medida de auxílio que beneficia a MJN GibCo e as recorrentes. Além disso, se as alegações destinadas à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada ou do artigo 2.o da referida decisão, na parte em que este se aplica às recorrentes, fossem acolhidas, isso teria como consequência a anulação do artigo 5.o da decisão impugnada na parte em que este prevê a recuperação das quantias pagas a título das medidas de auxílio visadas por essas diferentes partes do dispositivo.

B.      Quanto à primeira parte do recurso, que tem por objeto a anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, relativo à não tributação dos rendimentos gerados por royalties, bem como da ordem de recuperação ligada a essa medida

46      Em apoio da primeira parte do seu recurso, que tem por objeto a anulação do artigo 1.o, n.o 2, e do artigo 5.o, n.o 1, da decisão impugnada, na medida em que estas disposições se aplicam às recorrentes, estas suscitam, em substância, três séries de fundamentos.

47      O primeiro fundamento diz respeito a erros manifestos de apreciação, a violação do princípio da atribuição de competências, consagrado no artigo 5.o TUE, a violação do princípio da autonomia fiscal e da soberania fiscal dos Estados‑Membros, bem como a um excesso de poder da Comissão [secção b) da primeira parte da petição].

48      O segundo, terceiro e quarto fundamentos dizem respeito a erros manifestos de apreciação e a violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, na medida em que a Comissão não demonstrou a existência de uma vantagem, nem o caráter seletivo desta [secções c), d) e e) da primeira parte da petição].

49      O quinto fundamento diz respeito a erros manifestos de apreciação e à violação do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento (CE) n.o 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, que estabelece as regras de execução do artigo [108.o TFUE] (JO 1999, L 83, p. 1), na medida em que a Comissão considerou que o regime de isenção constituía um auxílio existente [secção f) da primeira parte da petição].

50      Além disso, na secção a) da primeira parte da petição, as recorrentes identificam vários erros manifestos de apreciação no que respeita à interpretação das disposições da ITA 2010 e da ITA 1952, para as quais se remete nos diferentes fundamentos relativos à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada.

51      O Tribunal examinará sucessivamente os diferentes fundamentos identificados nos n.os 47 a 49, supra, e considerará, neste contexto, os diferentes erros identificados na secção a) da primeira parte da petição.

1.      Quanto ao fundamento relativo a um erro manifesto de apreciação, à violação do artigo 5.o TUE, à violação do princípio da soberania fiscal e ao abuso de poder (primeiro fundamento, que visa a anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada)

52      No âmbito do seu primeiro fundamento, que tem por objeto a anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, as recorrentes sustentam, em substância, que a Comissão violou o princípio da atribuição de competências previsto no artigo 5.o TUE, em aplicação do qual o domínio da fiscalidade direta é abrangido pela soberania e pela competência dos Estados‑Membros, e cometeu um abuso de poder, tendo em conta o artigo 17.o, n.o 1, TUE, ao utilizar os seus poderes em matéria de auxílios estatais para lutar contra uma dupla isenção aparente. A Comissão contornaria assim o procedimento previsto no artigo 116.o TFUE, que lhe permite agir quando constata que uma disparidade existente entre as disposições legislativas dos Estados‑Membros falseia as condições de concorrência no mercado interno.

53      As recorrentes sublinham que a fiscalização dos auxílios estatais não prejudica o poder dos Estados‑Membros de escolherem o regime fiscal que considerem mais adequado e, neste âmbito, de determinarem de forma soberana as categorias e o modo de cálculo dos rendimentos e lucros tributáveis (a matéria coletável). Resulta claramente da jurisprudência que a existência de uma vantagem deve ser demonstrada em relação à tributação dita «normal», tal como definida pelas regras fiscais nacionais, uma vez que a Comissão não tem competência para definir de maneira autónoma a tributação dita «normal». Assim, se os Estados‑Membros devem exercer a sua competência em matéria fiscal no respeito do direito da União, isso não confere à Comissão o poder de alargar o âmbito de aplicação das regras fiscais normais que constituem o quadro de referência pertinente, nem interferir com as decisões soberanas de um Estado‑Membro para além da eliminação das derrogações às regras que constituam o referido quadro.

54      Ora, por um lado, as recorrentes alegam que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao considerar que o objetivo da ITA 2010 era tributar as sociedades sobre o montante total dos seus lucros ou das suas mais‑valias e ao considerar que a não tributação dos rendimentos (passivos) gerados por royalties constitui uma derrogação à ITA 2010. Por outro lado, sustentam que a Comissão fez uma aplicação demasiado extensiva do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e do princípio segundo o qual um auxílio de Estado é determinado pelos seus efeitos e que o caso em apreço se distingue dos que deram origem aos Acórdãos de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), invocados na decisão impugnada.

55      A Comissão contesta estes argumentos.

56      Em primeiro lugar, no que diz respeito à alegação de violação do artigo 5.o TUE, recorde‑se que, fora dos domínios nos quais o direito fiscal da União é objeto de harmonização, a determinação das características constitutivas de cada imposto faz parte do poder de apreciação dos Estados‑Membros, no respeito da sua autonomia fiscal, devendo esse poder, de qualquer modo, ser exercido no respeito do direito da União. É o que sucede, designadamente, em relação à escolha da taxa do imposto, que pode ser proporcional ou progressiva, mas também em relação à determinação da sua matéria coletável e do seu facto gerador (Acórdão de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, EU:C:2021:201, n.o 38).

57      Todavia, segundo jurisprudência constante, embora a fiscalidade direta seja, no estado atual do desenvolvimento do direito da União, da competência dos Estados‑Membros, estes devem, no entanto, exercer essa competência no respeito do direito da União (v. Acórdão de 12 de julho de 2012, Comissão/Espanha, C‑269/09, EU:C:2012:439, n.o 47 e jurisprudência referida). Assim, as intervenções dos Estados‑Membros nos domínios que não foram objeto de harmonização na União, tais como a fiscalidade direta, não estão excluídas do âmbito de aplicação da regulamentação relativa à fiscalização dos auxílios estatais.

58      Com efeito, os Estados‑Membros devem exercer a sua competência em matéria fiscal em conformidade com o direito da União e, neste contexto, não tomar qualquer medida suscetível de constituir um auxílio estatal incompatível com o mercado interno (v., neste sentido, Acórdão de 3 de junho de 2010, Comissão/Espanha, C‑487/08, EU:C:2010:310, n.o 37).

59      Por conseguinte, a Comissão pode qualificar uma medida fiscal de auxílio de Estado desde que as condições para essa qualificação estejam reunidas (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, EU:C:1974:71, n.o 28; e de 22 de junho de 2006, Bélgica e Forum 187/Comissão, C‑182/03 e C‑217/03, EU:C:2006:416, n.o 81, e de 25 de março de 2015, Bélgica/Comissão, T‑538/11, EU:T:2015:188, n.os 65 e 66).

60      Ora, no que respeita à condição segundo a qual a medida em causa deve conceder uma vantagem económica, há que recordar que, segundo jurisprudência constante, são considerados auxílios estatais as intervenções que, independentemente da forma que assumam, sejam suscetíveis de favorecer diretamente ou indiretamente empresas ou que devam ser consideradas como conferindo à empresa beneficiária uma vantagem económica que esta não teria obtido em condições normais de mercado (v. Acórdão de 2 de setembro de 2010, Comissão/Deutsche Post, C‑399/08 P, EU:C:2010:481, n.o 40 e jurisprudência referida; Acórdão de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia, C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 21).

61      Mais precisamente, uma medida através da qual as autoridades públicas concedem a determinadas empresas um tratamento fiscal vantajoso que, ainda que não implique uma transferência de recursos de Estado, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável do que a dos outros contribuintes, constitui um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (Acórdão de 15 de março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, EU:C:1994:100, n.o 14; v., igualmente, Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 46 e jurisprudência referida). Por outro lado, no caso das medidas fiscais, a própria existência de uma vantagem só pode ser demonstrada quer em relação a uma tributação dita «normal» (Acórdão de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 56), quer em relação às regras fiscais definidas pelo Estado‑Membro em virtude da sua autonomia fiscal.

62      Consequentemente, a autonomia fiscal dos Estados‑Membros não implica que qualquer medida fiscal, que afete nomeadamente a base de tributação tida em conta pelas autoridades fiscais, escape à aplicação do artigo 107.o TFUE. Com efeito, se uma medida fiscal operar, de facto, uma discriminação entre sociedades que se encontrem numa situação comparável atento o objetivo prosseguido pelo regime fiscal normal, que constitui o quadro de referência a ter em conta e, por esse motivo, confere aos beneficiários da medida vantagens seletivas que favorecem «certas» empresas ou «certas» produções, essa medida poderá ser considerada um auxílio estatal na aceção do artigo 107.o, n.o, 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 104).

63      Decorre do exposto que a Comissão, sendo competente para velar pelo respeito do artigo 107.o TFUE, não ultrapassou as suas competências quando examinou a não tributação dos rendimentos gerados por royalties para verificar se essa medida constituía um regime de auxílios e, em caso afirmativo, se era compatível com o mercado interno, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

64      Nenhum dos outros argumentos das recorrentes é de natureza a pôr em causa esta conclusão.

65      Em primeiro lugar, é certo que decorre da jurisprudência exposta no n.o 57, supra, que a Comissão não dispõe, nesta fase do desenvolvimento do direito da União, da competência que lhe permita definir de forma autónoma a tributação dita «normal» de uma empresa, abstraindo das regras fiscais nacionais. Todavia, importa salientar que, a título da análise dos critérios da vantagem e da seletividade, a Comissão referiu‑se às disposições do direito fiscal aplicáveis a Gibraltar, a saber, as disposições da ITA 2010 e, em especial, os artigos 11.o, 16.o e 74.o da referida lei e o seu anexo 1, bem como às observações do Reino Unido e das autoridades de Gibraltar destinadas a clarificar o conteúdo e os princípios orientadores do regime de tributação instituído pela ITA 2010. Assim, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão não definiu de forma autónoma a tributação dita «normal» e não pode ter violado, no caso em apreço, o princípio da atribuição de competências.

66      Em segundo lugar, a Comissão não pode desrespeitar a competência reservada dos Estados‑Membros em matéria de fiscalidade direta ao proceder a uma interpretação das disposições fiscais aplicáveis a Gibraltar. Com efeito, a Comissão está em condições, a título de fiscalização das medidas fiscais em matéria de auxílios estatais, de apreciar ela própria as disposições fiscais nacionais, apreciação essa que pode, se for caso disso, ser contestada pelo Estado‑Membro em causa ou por eventuais partes interessadas no âmbito de um recurso de anulação para o Tribunal Geral.

67      Importa, a este respeito, sublinhar que a Comissão baseou a sua apreciação das disposições fiscais aplicáveis a Gibraltar nas informações comunicadas pelas autoridades do Reino Unido e de Gibraltar. Em especial, como resulta do considerando 93 da decisão impugnada e da nota de rodapé n.o 46 da decisão impugnada, a Comissão definiu o quadro de referência, incluindo os princípios orientadores de uma tributação normal, bem como o objetivo desse quadro com base nas informações que lhe foram comunicadas pelas autoridades do Reino Unido no âmbito do procedimento administrativo.

68      Em terceiro lugar, como refere a Comissão no n.o 75 da contestação, o seu poder que consiste em fiscalizar a existência de um auxílio de Estado em matéria fiscal não está limitado ao caso de existir uma derrogação formal à regra fiscal nacional. Com efeito, a técnica regulamentar é irrelevante para os fins da apreciação dos efeitos de uma medida nacional à luz do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 79). Assim, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão não ultrapassou os seus poderes ao examinar a não tributação de uma categoria de rendimentos, ou seja, a sua não inclusão nas categorias de rendimentos tributáveis, à luz dos princípios orientadores do regime de tributação instituído pela ITA 2010.

69      Em quarto lugar, os erros de apreciação e violações alegados pelas recorrentes, designadamente no que respeita à identificação do objetivo e dos princípios orientadores da ITA 2010, à falta de demonstração de uma eventual discriminação e à aplicação, ao caso em apreço, dos Acórdãos de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), são inoperantes para fins de demonstrar a eventual incompetência da Comissão. Tais argumentos visam, pelo contrário, apontar quer erros manifestos de apreciação, bem como uma violação, pela Comissão, do artigo 107.o TFUE, quer erros e uma violação cometidos no âmbito do próprio exercício da sua competência.

70      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que declarar que a Comissão não violou o artigo 5.o TUE ao adotar a decisão impugnada.

71      Em segundo lugar, no que diz respeito à alegação de desvio de poder, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, um ato só está ferido de desvio de poder se se verificar, com base em indícios objetivos, pertinentes e concordantes, que foi tomado exclusivamente ou, no mínimo de modo determinante, para fins diferentes daqueles que foram invocados ou com o objetivo de eludir um procedimento especialmente previsto pelo Tratado (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de abril de 2013, Espanha e Itália/Conselho, C‑274/11 e C‑295/11, EU:C:2013:240, n.o 33, e de 12 de julho de 2018, PA/Parlamento, T‑608/16, não publicado, EU:T:2018:440, n.o 42).

72      Ora, no caso em apreço, a Comissão não pode ser acusada de ter cometido um desvio de poder ao adotar a decisão impugnada, a qual, no termo de uma fase formal de investigação, visa constatar que a não tributação das receitas geradas por royalties constitui um auxílio de Estado incompatível com o mercado interno.

73      Além disso, a simples afirmação segundo a qual a Comissão utilizou os seus poderes em matéria de auxílios estatais para combater uma dupla isenção aparente não constitui um conjunto de indícios objetivos, pertinentes e concordantes que permitam concluir que a Comissão procurou contornar o procedimento previsto no artigo 116.o TFUE. Para além do facto de a decisão impugnada não se destinar a pôr em causa a aplicação do princípio da territorialidade, há que observar, por um lado, que a análise segundo a qual a não tributação das receitas geradas por royalties constitui uma medida de auxílio não tem em conta a questão de saber se esses rendimentos são tributados ou não noutras jurisdições fiscais e assenta unicamente nas regras fiscais aplicáveis a Gibraltar. Por outro lado, não resulta da decisão impugnada que a Comissão tenha procurado alinhar o direito fiscal aplicável a Gibraltar pelos direitos aplicáveis nos diferentes Estados‑Membros.

74      Nestas condições, há que concluir que a Comissão não cometeu um desvio de poder.

75      Tendo em conta as considerações anteriores, há que julgar improcedente o primeiro fundamento destinado à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada.

2.      Quanto aos fundamentos relativos a erros manifestos de apreciação e à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (segundo, terceiro e quarto fundamentos, destinados à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada)

76      Em substância, o segundo, terceiro e quarto fundamentos, destinados à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, dizem respeito a erros manifestos de apreciação e a violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, na medida em que a Comissão considerou que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties conferia uma vantagem seletiva aos seus beneficiários. As recorrentes contestam, em primeiro lugar, a análise da vantagem (segundo fundamento, que visa a anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada), em segundo lugar, os pedidos relativos à seletividade (terceiro fundamento, que visa a anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada) e, em terceiro lugar, o alcance da vantagem seletiva declarada pela Comissão (terceiro fundamento, destinado à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada). Os diferentes fundamentos invocados pelas recorrentes remetem para os erros manifestos de apreciação relativos ao conteúdo e ao alcance do direito fiscal de Gibraltar, identificados na secção a) da primeira parte do recurso.

a)      Considerações preliminares

1)      Quanto à medida de auxílio que constitui o objeto do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada

77      A título preliminar, importa recordar que, como resulta dos considerandos 28, 33, 82 da decisão recorrida, a medida que constitui objeto do artigo 1.o, n.o 2, da referida decisão é a não tributação dos rendimentos gerados por royalties, qualificada pela Comissão de «isenção fiscal dos [rendimentos gerados por] royalties de propriedade intelectual». Como a Comissão salientou nos considerandos 28, 33 e 93 da decisão impugnada, essa não tributação resulta da não inclusão dos rendimentos gerados por royalties nas categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar enumerados no anexo 1 da ITA 2010, que indica de forma exaustiva as categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar.

78      A este respeito, importa salientar, por um lado, que resulta da decisão de dar início ao procedimento (v., designadamente, considerando 34 da referida decisão) à luz da qual deve ser lida a decisão impugnada, que a medida que constitui objeto do artigo 1.o, n.o 2, decisão impugnada é, mais precisamente, a não tributação dos rendimentos gerados por royalties enquanto rendimentos passivos («passive income»). Tal leitura resulta igualmente do considerando 76 da decisão impugnada, lido em conjugação com a nota de pé de página 25 da referida decisão, na qual a Comissão explicou que a apreciação contida na decisão impugnada tinha apenas por objeto os rendimentos gerados por juros passivos e por royalties e que esta não visava outras categorias de rendimentos passivos. Por outro lado, como precisado no considerando 76 da decisão impugnada, o exame da não tributação dos rendimentos gerados por royalties dizia unicamente respeito ao período compreendido entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2013.

79      Ora, em primeiro lugar, na medida em que as recorrentes alegam que a Comissão qualificou erradamente a não tributação dos rendimentos gerados por royalties de «isenção implícita» e ignorou o facto de que, segundo o artigo 11.o da ITA 2010, apenas os rendimentos abrangidos por uma das categorias enumeradas no anexo 1 estavam sujeitos a imposto em Gibraltar, há que salientar que, no considerando 93 da decisão impugnada, a Comissão teve efetivamente em conta o facto de que, segundo o artigo 11.o da ITA 2010, apenas os rendimentos abrangidos pelo anexo de Gibraltar estavam sujeitos a imposto em Gibraltar. Com efeito, esclareceu, na decisão impugnada, que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties de propriedade intelectual constituía uma «isenção implícita», na medida em que os rendimentos gerados por royalties não estavam incluídos nas categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar enumeradas no anexo 1 e abrangidos pelo regime fiscal da ITA 2010. Resulta igualmente dos considerandos 28, 32 e 33, bem como da nota de rodapé n.o 17 da decisão impugnada, que a Comissão teve efetivamente em conta o facto de que, entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2013, os rendimentos gerados por royalties não estavam incluídos nas categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar enumeradas no anexo 1 da ITA 2010 e não estavam sujeitos ao imposto.

80      Por outro lado, recorde‑se, a este respeito, a jurisprudência constante segundo a qual o artigo 107.o, n.o 1, TFUE não distingue consoante as causas ou os objetivos das intervenções estatais, mas define‑os em função dos seus efeitos e, por conseguinte, independentemente das técnicas utilizadas (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.o 87 e jurisprudência referida).

81      Assim, a circunstância de os rendimentos gerados por royalties não estarem sujeitos ao imposto sobre os rendimentos em Gibraltar, devido à sua não inclusão nas categorias de rendimentos enumeradas no anexo 1 da ITA 2010, produzia os mesmos efeitos que seriam produzidos se essa categoria de rendimentos tivesse sido incluída no referido anexo, mas beneficiava formalmente de uma isenção de imposto. Com efeito, como salientou, em substância, o advogado‑geral M. Campos Sánchez‑Bordona nas suas Conclusões no processo Wereldhave Belgium e o. (C‑448/15, EU:C:2016:808, n.os 40 e 42), nas hipóteses de não tributação, o facto gerador não se produz, ao passo que, nas hipóteses de isenção, o facto se produz. Nestes últimos casos, a obrigação fiscal principal constitui‑se, em teoria, mas o sujeito passivo está isento pela lei da totalidade ou de parte do pagamento, que, definitivamente, não lhe pode ser exigido. Assim, a «não sujeição» e a «isenção» produzem os mesmos efeitos, a saber, a não tributação. Daqui decorre que a Comissão não cometeu um erro ao qualificar a não tributação dos rendimentos gerados por royalties de «isenção implícita».

82      Em segundo lugar, na medida em que as recorrentes contestam a afirmação contida no considerando 33 da decisão impugnada, segundo a qual os rendimentos gerados por royalties nunca eram tributáveis por força da ITA 2010 e alegam que esses rendimentos estavam abrangidos, incluindo antes da alteração de 2013 da ITA 2010, na categoria A de rendimentos enumerada no anexo 1 da ITA 2010, a saber, lucros «comerciais, empresariais e profissionais», importa salientar o seguinte.

83      Como resulta dos n.os 77 e 78, supra, a medida que constitui objeto do artigo 1.o, n.o 2, da referida decisão é a não tributação dos rendimentos gerados por royalties qualificada pela Comissão de «isenção fiscal dos [rendimentos gerados por] royalties de propriedade intelectual», como resulta da não inclusão dos rendimentos gerados por royalties nas categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar enumeradas no anexo 1 da ITA 2010. Esta medida diz especificamente respeito aos rendimentos gerados por royalties, na medida em que constituem rendimentos passivos. Ora, as recorrentes admitem elas próprias que os rendimentos de royalties «puramente passivos», que não resultam de uma atividade empresarial, não eram abrangidos por nenhuma categoria de rendimentos enumeradas no anexo 1 da ITA 2010 até à entrada em vigor, em 1 de janeiro de 2014, das alterações de 2013 da ITA 2010 e não eram, por isso, tributáveis em Gibraltar.

84      Daqui decorre que os erros alegados pelas recorrentes não são suscetíveis de pôr em causa a conclusão de que os rendimentos gerados por royalties, que constituem rendimentos passivos, não estavam, em princípio, incluídos nas categorias de rendimentos enumeradas no anexo 1 da ITA 2010, na sua versão anterior a 1 de janeiro de 2014, nem eram, por conseguinte, tributáveis em Gibraltar. Consequentemente, estes argumentos não são suscetíveis de pôr em causa a legalidade do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada e devem ser afastados por serem inoperantes.

85      De qualquer modo, a Comissão não incorreu em erro ao afirmar que os rendimentos gerados por royalties não eram tributáveis em Gibraltar, sem examinar se esses rendimentos podiam ser tributados a título da categoria A dos rendimentos enumerados no anexo 1 da ITA 2010.

86      Com efeito, as autoridades do Reino Unido e de Gibraltar confirmaram de modo constante, nas suas diferentes observações apresentadas no âmbito do procedimento administrativo, que os rendimentos gerados por royalties de propriedade intelectual não eram tributáveis em Gibraltar em aplicação da ITA 2010, na sua versão em vigor entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2013. Além disso, o Reino Unido explicou claramente, na apresentação da ITA 2010 anexada às suas observações de 14 de setembro de 2012, que os rendimentos gerados por tais royalties não estavam incluídos nas categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar enumeradas no anexo 1 da ITA 2010 e, em especial, que não podiam ser considerados lucros comerciais ou empresariais abrangidos pela categoria A de rendimentos enumerada no referido anexo.

87      Por outro lado, importa salientar que a interpretação da ITA 2 010 segundo a qual os rendimentos gerados por royalties nunca eram tributáveis em Gibraltar é compatível com o conteúdo do pedido de decisão fiscal antecipada, datado de 11 de setembro de 2012, com base no qual foi concedida a DFA de MJN GibCo de 2012. Com efeito, nesse documento, as próprias recorrentes tinham indicado que, em seu entender, qualquer rendimento gerado por royalties, recebido pela MJN GibCo, não era abrangido por nenhuma das categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar enumeradas no anexo 1 da ITA 2010.

88      Daqui decorre que a Comissão não incorreu em erro ao considerar que os rendimentos gerados por royalties não eram tributáveis em Gibraltar entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2013, nem ao examinar se essa medida de não tributação era suscetível de conferir uma vantagem seletiva aos seus beneficiários e, assim, de constituir um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

2)      Quanto à análise dos critérios da vantagem e da seletividade

89      Segundo a jurisprudência, a qualificação de auxílio de Estado exige que todas as condições previstas no artigo 107.o TFUE estejam preenchidas. Está, assim, estabelecido que, para que uma medida possa ser qualificada de auxílio de Estado, na aceção desta disposição, em primeiro lugar, deve tratar‑se de uma intervenção do Estado ou através de recursos de Estado, em segundo lugar, essa intervenção deve ser suscetível de afetar as trocas comerciais entre os Estados‑Membros, em terceiro lugar, deve conceder uma vantagem seletiva ao seu beneficiário e, em quarto lugar, deve falsear ou ameaçar falsear a concorrência (v. Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/Hansestadt Lübeck, C‑524/14 P, EU:C:2016:971, n.o 40 e jurisprudência referida).

90      Importa salientar a este respeito, que, no âmbito da análise das medidas fiscais sob a perspetiva do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, tanto o exame do critério da vantagem como do da seletividade implica, previamente, determinar as regras normais de tributação que formam o quadro de referência pertinente para esse exame.

91      Por um lado, no caso das medidas fiscais, a própria existência de uma vantagem só pode ser estabelecida em relação a uma tributação dita «normal» (Acórdão de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 56). Com efeito, tal medida confere uma vantagem económica ao seu beneficiário sempre que aliviar os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, deste modo, sem ser uma subvenção no sentido estrito da palavra, for da mesma natureza e produzir efeitos idênticos (Acórdão de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia, C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 22). Assim, é precisamente a tributação dita «normal» que é estabelecida pelo quadro de referência.

92      Por outro lado, a qualificação de uma medida fiscal nacional de seletiva pressupõe, num primeiro momento, a identificação e o exame prévios do regime fiscal comum ou normal aplicável no Estado‑Membro em questão (Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 49).

93      Por outro lado, a Comissão precisou a sua interpretação do conceito de quadro de referência na sua Comunicação sobre o conceito de auxílio estatal nos termos do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (JO 2016, C 262, p. 1). Esta comunicação, embora não possa vincular o Tribunal, pode, porém, servir de fonte de inspiração útil (v., neste sentido e por analogia, Acórdão de 26 de julho de 2017, República Checa/Comissão, C‑696/15 P, EU:C:2017:595, n.o 53).

94      É indicado, designadamente, no n.o 133 da comunicação relativa ao conceito de Estado que o sistema de referência é constituído por um conjunto coerente de regras que são, em geral, aplicáveis — com base em critérios objetivos — a todas as empresas abrangidas pelo seu âmbito de aplicação conforme definido pelo seu objetivo. No referido ponto da comunicação relativa ao conceito de auxílio de Estado precisa‑se que, o mais frequentemente, essas regras definem não só o âmbito de aplicação do sistema mas também as condições em que o sistema se aplica, os direitos e as obrigações das empresas que lhe estão submetidas e os aspetos técnicos do funcionamento do sistema.

95      No caso em apreço, embora as recorrentes não contestem que a Comissão considerou corretamente que a ITA 2010 constituía as regras normais de tributação que formam o quadro de referência pertinente para examinar a não tributação dos rendimentos gerados por royalties, contestam, em apoio dos segundo a quarto fundamentos destinados à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, a interpretação adotada pela Comissão quanto ao conteúdo e ao objetivo da ITA 2010.

96      Consequentemente, há que examinar, num primeiro momento, os argumentos das recorrentes destinados a contestar a interpretação, pela Comissão, do conteúdo e do objetivo das regras normais de tributação dos rendimentos das sociedades em Gibraltar que constituem o quadro de referência antes de examinar sucessivamente, num segundo momento, os diferentes fundamentos destinados a contestar a análise da vantagem seletiva feita pela Comissão.

b)      Quanto às apreciações da Comissão relativas ao quadro de referência e às regras normais de tributação em Gibraltar

97      Como resulta dos considerandos 28 a 30 da decisão impugnada, as disposições pertinentes da ITA 2010 no que respeita ao sistema de tributação dos rendimentos das sociedades em Gibraltar eram, principalmente, os artigos 11.o, 16.o e 74.o

98      A parte II da ITA 2010, intitulada «Sujeição ao imposto» («Charge to Tax»), incluía, nomeadamente, o artigo 11.o da ITA 2010, epigrafado «A sujeição ao imposto» («The Charge to Taxation»), que dispunha que:

«1. O imposto ser[ia] devido, sem prejuízo das disposições da [ITA 2010] e das regras, à taxa fixada periodicamente para cada ano de tributação ou para cada período contabilístico sobre os rendimentos de qualquer pessoa especificada nas tabelas A a C do anexo 1 e geradas ou com origem em Gibraltar.

[…]»

99      Na versão aplicável entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2013, o anexo 1, intitulado «Head of charges», para o qual remete diretamente o artigo 11.o, n.o 1, da ITA 2010, identificava três categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar, a saber:

–        a categoria A, que incluía, por um lado, os lucros e os ganhos de uma empresa ou de um trust resultantes de qualquer comércio, de qualquer empresa ou de qualquer profissão (comércio, negócio, profissão ou vocação) e, por outro, os rendimentos de propriedade imobiliária (real property);

–        a categoria B, que visava os rendimentos das pessoas que exercessem uma atividade profissional e dos independentes;

–        a categoria C, que visava os «Outros rendimentos» (other income), entre os quais figuravam, nomeadamente, os dividendos e os rendimentos provenientes de fundos e de regimes de pensões.

100    Além disso, o artigo 74.o da ITA 2010 definia o conceito de «gerado ou com origem em Gibraltar», utilizado no artigo 11.o da ITA 2010, do seguinte modo:

«a)      Sem prejuízo da alínea b), ser definido por referência ao local onde são exercidas as atividades (ou a preponderância das atividades) na origem dos lucros.

b)      para efeitos da alínea a), a preponderância das atividades que geram os lucros da empresa [é considerada] ter tido lugar em Gibraltar no caso de:

i)      uma empresa cuja atividade subjacente que gera o rendimento está sujeita a uma licença e a uma regulamentação por força da lei de Gibraltar ou que;

ii)      uma empresa que pode legalmente fazer transações em Gibraltar, por intermédio de uma sucursal ou de uma qualquer forma de estabelecimento permanente, pelo facto de ser titular de uma licença noutra jurisdição que goza de direitos de passagem para Gibraltar e que exigiria, de outro modo, essa licença e regulamentação em Gibraltar;

c)      o ponto b) não se aplica a nenhuma sucursal ou estabelecimento estável de uma sociedade de Gibraltar que exerça atividades fora de Gibraltar até ao limite das atividades assim exercidas fora de Gibraltar.»

101    A parte III da ITA 2010, intitulada «Cálculo do imposto» («computation of assessment»), incluía o artigo 16.o, n.o 1, epigrafado «Base tributável» («basis of assessment»), que dispunha que:

«1. Salvo disposição em contrário, os lucros ou mais‑valias tributáveis de uma empresa correspondem ao montante total dos lucros ou mais‑valias registados pela sociedade num período contabilístico.»

102    Por um lado, as recorrentes alegam que a Comissão considerou erradamente, em violação do caráter «cedular» do sistema de tributação dos rendimentos das sociedades em Gibraltar, que o objetivo da ITA 2010 era tributar o lucro contabilístico e, assim, todos os rendimentos das sociedades contribuintes. Por outro lado, alegam que a Comissão considerou erradamente que, por força do princípio da territorialidade, os rendimentos gerados por royalties recebidos por sociedades de Gibraltar eram considerados gerados ou com origem em Gibraltar.

103    Na medida em que as partes se opõem sobre o ónus da prova e sobre o alcance da fiscalização a fazer pelo Tribunal sobre as apreciações da Comissão no que respeita a conteúdo e ao alcance do direito fiscal de Gibraltar, saliente‑se que, no âmbito da adoção de uma decisão em matéria de auxílios estatais, a determinação do direito nacional é uma questão de facto (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2011, A2A/Comissão, C‑318/09 P, não publicado, EU:C:2011:856, n.o 125 e jurisprudência referida). Assim, a questão de saber se e em que medida a Comissão interpretou corretamente o conteúdo e o alcance de uma regra nacional inscreve‑se na apreciação dos factos pelo juiz da União e está sujeita às regras sobre a administração da prova e sobre a repartição do ónus da prova (v., neste sentido, Acórdão de 26 de novembro de 2015, Comunidad Autónoma del País Vasco e Itelazpi/Comissão, T‑462/13, EU:T:2015:902, n.o 71 e jurisprudência referida).

104    Importa recordar, a este respeito, que, no âmbito da fiscalização dos auxílios estatais, compete, em princípio, à Comissão apresentar, na decisão impugnada, a prova da existência desse auxílio (v., neste sentido, Acórdãos de 12 de setembro de 2007, Olympiaki Aeroporia Ypiresies/Comissão, T‑68/03, EU:T:2007:253, n.o 34, e de 25 de junho de 2015, SACE e Sace BT/Comissão, T‑305/13, EU:T:2015:435, n.o 95). Neste contexto, a Comissão deve conduzir o procedimento de investigação das medidas em causa de forma diligente e imparcial, a fim de dispor, quando da adoção de uma decisão final que estabelece a existência e, se for o caso, a incompatibilidade ou a ilegalidade do auxílio, dos elementos mais completos e fiáveis possíveis (v., neste sentido, Acórdãos de 2 de setembro de 2010, Comissão/Scott, C‑290/07 P, Colet., EU:C:2010:480, n.o 90, e de 3 de abril de 2014, França/Comissão, C‑559/12 P, Colet., EU:C:2014:217, n.o 63).

105    Por outro lado, em matéria de auxílios estatais, a repartição do ónus da prova está subordinada ao respeito das obrigações processuais respetivas que recaem sobre a Comissão e sobre o Estado‑Membro em questão, no âmbito do exercício, por esta instituição, do poder de que dispõe para levar o Estado‑Membro a fornecer‑lhe todas as informações necessárias (v. Acórdão de 28 de novembro de 2008, Hotel Cipriani e o./Comissão, T‑254/00, T‑270/00 e T‑277/00, EU:T:2008:537, n.o 232 e jurisprudência referida). Em especial, cabe ao Estado‑Membro em causa, por força do seu dever de cooperação com a Comissão, e aos interessados devidamente instados a apresentar as suas observações em conformidade com o artigo 108.o, n.o 2, TFUE, invocarem os seus argumentos e fornecerem à Comissão todas as informações suscetíveis de esclarecer o conjunto dos dados do processo (v., neste sentido, Acórdão de 28 de novembro de 2008, Hotel Cipriani e o./Comissão, T‑254/00, T‑270/00 e T‑277/00, EU:T:2008:537, n.o 233).

106    Com efeito, não existe para a Comissão obrigação de examinar oficiosamente e por suposição quais são os elementos de facto ou de direito que teriam podido ser‑lhe apresentados durante o procedimento administrativo (v., neste sentido, Acórdão de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, EU:C:1998:154, n.o 60, e de 14 de janeiro de 2004, Fleuren Compost/Comissão, T‑109/01, EU:T:2004:4, n.o 49).

107    Por último, refira‑se que, no âmbito de um recurso de anulação baseado no artigo 263.o TFUE, a legalidade de uma decisão em matéria de auxílios estatais deve ser apreciada em função dos elementos de informação, designadamente no que diz respeito ao quadro jurídico nacional, de que a Comissão podia dispor no momento em que a tomou (v., neste sentido, Acórdão de 16 de julho de 2014, Zweckverband Tierkörperbeseitigung/Comissão, T‑309/12, não publicado, EU:T:2014:676, n.o 97 e jurisprudência referida).

108    É à luz destes princípios que devem ser examinados os diferentes erros invocados pelas recorrentes quanto à apreciação, pela Comissão, do conteúdo e do alcance da ITA de 2010.

1)      Quanto ao objetivo da ITA 2010 e quanto à identificação dos rendimentos tributáveis ao abrigo desta lei

109    Através de uma primeira série de argumentos, as recorrentes pretendem, no essencial, contestar as apreciações da Comissão segundo as quais a ITA 2010 visava tributar a totalidade do lucro contabilístico e, assim, todos os rendimentos gerados ou que tinham origem em Gibraltar. Em especial, censuram a Comissão por não ter tido em conta o facto de apenas certas categorias de rendimentos, enumeradas no anexo 1 da ITA 2010, serem tributáveis em Gibraltar.

110    As recorrentes alegam que a Comissão considerou erradamente, nomeadamente no considerando 90 da decisão impugnada, que o lucro contabilístico constituía a base tributável das sociedades estabelecidas em Gibraltar e que o objetivo da ITA 2010 era tributar a integralidade do «lucro contabilístico» das referidas sociedades, pelo que todos os seus rendimentos estavam abrangidos pelo âmbito de aplicação da ITA 2010. Com efeito, os rendimentos das sociedades só eram tributáveis em Gibraltar na dupla condição de pertencerem às «categorias de rendimentos tributáveis» enumeradas no anexo 1 da ITA 2010 (artigo 11.o da ITA 2010) e de serem gerados ou de terem origem em Gibraltar (artigos 11.o e 74.o da ITA 2010). A este respeito, os recorrentes sustentam que o sistema de tributação em Gibraltar era um regime «cedular», na medida em que consistia em apenas sujeitar ao imposto certas categorias de rendimentos definidas com precisão pela lei. Com efeito, não existe nenhuma regra geral por força da qual os rendimentos de uma sociedade estabelecida em Gibraltar aí foram geralmente tributados. Além disso, a Comissão não teve suficientemente em conta o artigo 11.o da ITA 2010, que foi a disposição fundamental para determinar os rendimentos que teriam sido tributáveis em Gibraltar, e à luz da qual as outras disposições da ITA 2010, entre as quais o artigo 16.o, deveriam ter sido lidas.

111    Em especial, as recorrentes insistem no facto de que os rendimentos passivos gerados por royalties não estavam incluídos na matéria coletável e não eram, portanto, abrangidos pelo âmbito de aplicação da ITA 2010. O objetivo da ITA 2010 não era tributar as sociedades sobre a totalidade do seu lucro contabilístico, mas unicamente sobre as categorias de rendimentos enumeradas no anexo 1 da ITA 2010.

112    Além disso, as recorrentes alegam que a Comissão afirmou erradamente, designadamente no considerando 28 da decisão impugnada, que as sociedades que residiam habitualmente em Gibraltar eram, em princípio, tributáveis em Gibraltar. O regime de tributação em Gibraltar foi «baseado na origem» ou «na fonte» dos rendimentos recebidos e não «na residência» da sociedade que os recebia e o imposto só era devido em Gibraltar pelos rendimentos que «[tinham sido] gerados ou com origem em Gibraltar».

113    A Comissão contesta estes argumentos.

114    A título preliminar, importa salientar que, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão não afirmou, no considerando 28 da decisão impugnada, que as sociedades que residiam habitualmente em Gibraltar aí eram, em princípio, tributáveis, nem que o regime de tributação em Gibraltar se baseava na origem do sujeito passivo. Com efeito, limitou‑se a afirmar que as sociedades que residiam habitualmente residentes em Gibraltar «pod[iam]» ser contribuintes em Gibraltar. De resto, a Comissão explicou, nos considerandos 28 e 30 da decisão impugnada, que as categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar estavam enumeradas no anexo 1 da ITA 2010 e que esses rendimentos só podiam ser tributados em Gibraltar na condição de aí terem sido gerados ou de aí terem origem.

115    Além disso, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão teve efetivamente em conta o facto de o artigo 11.o da ITA 2010 prever que apenas os rendimentos incluídos nas categorias de rendimentos enumeradas no anexo 1 da referida lei eram tributáveis. Tal conclusão resulta, em particular, do considerando 28 da decisão impugnada, no qual a Comissão reproduziu as três categorias de rendimentos enumeradas nos quadros A, B e C do anexo 1 da ITA 2010, bem como do considerando 93 dessa mesma decisão, no qual esta concluiu, com base na conclusão de que os royalties não estavam incluídos nas categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar enumeradas no anexo 1 da ITA 2010, que estas estavam implicitamente isentas de imposto.

116    Do mesmo modo, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão não considerou, na decisão impugnada, que o objetivo da ITA 2010 era tributar os contribuintes pela integralidade do seu lucro contabilístico. Com efeito, no considerando 93 da decisão impugnada, a Comissão declarou que o objetivo da ITA 2010 era «cobrar o imposto sobre o rendimento dos contribuintes sujeitos a impostos em Gibraltar (por outras palavras, os contribuintes que recebam rendimentos gerados ou que tenham origem em Gibraltar)». Além disso, resulta do considerando 82 da decisão impugnada que a Comissão baseou a sua análise da não tributação dos rendimentos gerados por royalties na conclusão de que a ITA 2010 se baseava no «princípio geral segundo o qual o imposto sobre as sociedades [era] cobrado a todos os sujeitos passivos que receb[essem] rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar».

117    Tendo em conta estes elementos e na medida em que as recorrentes acusam a Comissão de não ter tido em conta o facto de o regime fiscal de Gibraltar ter sido um regime cedular cujo objetivo era tributar unicamente as sociedades sobre as categorias de rendimentos enumeradas no anexo 1 da ITA 2010, há que analisar se a Comissão tinha razão em considerar que o objetivo da ITA 2010 era tributar os rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar.

118    A este respeito, importa recordar que o conceito de objetivo ou de natureza do sistema normal de tributação que forma o quadro de referência refere‑se aos princípios fundadores ou orientadores desse sistema e não se refere às políticas que podem, sendo caso disso, ser financiadas através dos recursos que este proporciona nem às finalidades que poderiam ser procuradas ao instituir derrogações a esse sistema (Acórdão de 16 de maio de 2019, Polónia/Comissão, T‑836/16 e T‑624/17, EU:T:2019:338, n.o 62).

119    Em primeiro lugar, não se contesta que resulta do artigo 11.o da ITA 2010, intitulado «Sujeição ao imposto», conforme acima reproduzido no n.o 98, supra, que o sistema de tributação de Gibraltar assenta no princípio da territorialidade, segundo o qual são tributáveis os rendimentos gerados ou que têm origem em Gibraltar. Acresce que as autoridades do Reino Unido precisaram por diversas vezes, nomeadamente nas suas observações de 14 de setembro de 2012, que a base territorial de tributação constituía a característica central ou ainda a regra geral («general norm») do sistema de tributação de Gibraltar.

120    Em segundo lugar, importa sublinhar que o artigo 16.o da ITA 2010, intitulado «Base tributável», dispõe que os rendimentos tributáveis de uma sociedade correspondem ao montante total dos lucros contabilísticos num período contabilístico. Ora, contrariamente ao que afirmam as recorrentes, e tal como, com razão, a Comissão alega, resulta da epígrafe e da redação do artigo 16.o da ITA 2010 (v. n.o 101, supra) que este tem por objeto a identificação, enquanto tal, da base tributável e não apenas sobre o período de referência a ter em conta para determinar a referida base.

121    Decorre desta disposição que todos os rendimentos contabilísticos recebidos pelo contribuinte são tidos em conta para efeitos de tributação em Gibraltar. Importa, no entanto, salientar, como resulta dos considerandos 30, 90 e 91 da decisão impugnada, que o cálculo da matéria coletável das sociedades é efetuado sobre uma base territorial, como indicado no artigo 11.o da ITA 2010, pelo que os rendimentos contabilísticos só podem ser tributados se forem «gerados ou tiverem origem em Gibraltar».

122    Neste contexto, importa salientar que, nas suas observações de 3 de dezembro de 2012, as autoridades do Reino Unido precisaram que todas as sociedades que recebiam rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar estavam sujeitas ao imposto em aplicação da ITA 2010. Acrescentaram que o princípio da territorialidade se aplicava geralmente a todas as sociedades e a todos os tipos de rendimentos destas últimas. Do mesmo modo, nas suas observações de 18 de abril de 2013, as autoridades do Reino Unido precisaram uma vez mais que o sistema territorial de tributação previsto pela ITA 2010 se aplicava a todas as empresas de todos os setores da indústria, da finança e do comércio e que esse princípio era universal na sua aplicação.

123    Resulta, portanto, da leitura dos artigos 11.o e 16.o da ITA 2010, como acima referidos nos n.os 98 a 101, supra, bem como das observações apresentadas pelas autoridades do Reino Unido, no âmbito do procedimento administrativo, que estas disposições deviam ser interpretadas no sentido de que o regime de tributação instituído pela ITA 2010 assentava em dois princípios orientadores, a saber, o princípio da territorialidade, segundo o qual os rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar estavam sujeitos a imposto, e o princípio segundo o qual todos os rendimentos contabilísticos dos contribuintes eram tributáveis. Daqui decorre que a Comissão considerou corretamente que o regime de tributação de Gibraltar, tal como introduzido pela ITA 2010, assentava no objetivo de tributar todos os sujeitos passivos sobre os seus rendimentos gerados ou que têm origem em Gibraltar.

124    Além disso, importa salientar que nem as autoridades do Reino Unido nem as autoridades de Gibraltar contestaram, nas respetivas observações sobre a decisão de dar início ao procedimento, a leitura da Comissão segundo a qual o objetivo da ITA 2010 era tributar todos os sujeitos passivos sobre os seus rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar. Com efeito, as autoridades do Reino Unido e de Gibraltar limitaram‑se a alegar que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties não constituía uma medida seletiva, na medida em que se tratava de uma medida geral, aplicável a todos os setores da indústria, do comércio e das finanças, e disponível para todas as empresas. Não formularam qualquer observação sobre o considerando 32 da decisão de abertura do procedimento, no qual a Comissão afirmou expressamente que o princípio orientador do sistema de tributação de Gibraltar consistia na tributação de todas as sociedades que recebessem rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar, evitando assim a dupla tributação e permitindo uma simplificação. Do mesmo modo, as autoridades do Reino Unido e de Gibraltar não contestaram o conteúdo do considerando 35 da decisão de abertura do procedimento, no qual a Comissão expôs claramente que o objetivo do sistema de tributação de Gibraltar era tributar todas as sociedades que recebessem rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar.

125    A este respeito, na medida em que as recorrentes põem em causa a pertinência das observações do Reino Unido e alegam que o facto de nem as autoridades do Reino Unido nem as de Gibraltar terem contestado a interpretação das disposições da ITA 2010, feita pela Comissão durante o procedimento formal de investigação, não obsta a que ponham em causa esta interpretação, há que salientar que, como resulta dos n.os 103 a 107, supra, no âmbito do exame de uma medida fiscal ao abrigo do artigo 107.o TFUE, a fiscalização da interpretação do direito nacional acolhida pela Comissão, a qual constitui uma decisão de facto, deve ser feita tendo em conta os elementos disponíveis na data da adoção da decisão impugnada, e tendo em conta as informações comunicadas pelo Estado‑Membro em causa e pelos interessados. Neste contexto, importa, em especial, salientar que, no âmbito do procedimento formal de investigação, cabe ao Estado‑Membro e ao beneficiário potencial da medida que é objeto do referido processo esclarecer a Comissão sobre o conjunto dos dados do processo (v., neste sentido, Acórdão de 18 de novembro de 2004, Ferriere Nord/Comissão, T‑176/01, EU:T:2004:336, n.o 93).

126    Ora, uma vez que os elementos de informação em que a Comissão se baseou para interpretar o direito nacional emanavam diretamente das autoridades do Estado‑Membro e do território aos quais o procedimento dizia respeito e tinham sido reiterados em vários intercâmbios e que a compreensão, por parte da Comissão, das informações comunicadas por estas autoridades tinha sido implicitamente confirmada em resultado da decisão de dar início ao procedimento, a Comissão não pode ser acusada de ter considerado que essas informações eram suficientemente fiáveis e credíveis. Além disso, na medida em que as observações formuladas pelas autoridades do Reino Unido e de Gibraltar não contradiziam o conteúdo das disposições pertinentes da ITA 2010 e em que a Comissão não dispunha de informações suscetíveis de pôr em causa essas observações, podia, na data da adoção da decisão impugnada, basear‑se nestas para interpretar o direito fiscal de Gibraltar.

127    Por outro lado, importa salientar que as recorrentes, ainda que tenham tido a possibilidade de formular observações sobre a decisão de dar início ao procedimento e ainda que resultasse claramente deste que o objeto do procedimento eram os rendimentos, gerados por royalties, recebidos por sociedades de Gibraltar entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2013, não consideraram necessário fazê‑lo. Nem o relatório de peritagem apresentado pelas recorrentes em anexo à réplica (a seguir «relatório de peritagem»), nem as informações nele contidas no que respeitava ao caráter pretensamente cedular do regime de tributação de Gibraltar, tinham sido comunicadas à Comissão pelas partes antes da adoção da decisão impugnada. Ora, como resulta do n.o 106, supra, na falta de informações suscetíveis de pôr em causa a interpretação do direito fiscal nacional acolhida na decisão de abertura do procedimento, a Comissão não podia examinar por estimativa todos os argumentos que teriam potencialmente podido pôr em causa a sua interpretação do direito nacional, que, de resto, tinha sido confirmada pelas autoridades do Estado‑Membro e do território em causa. Além disso, como resulta de todas as considerações precedentes, as recorrentes não conseguiram demonstrar que as informações com base nas quais a Comissão se baseou estavam erradas ou que careciam de fiabilidade e de credibilidade.

128    Decorre do exposto que foi acertadamente que a Comissão considerou que o sistema de tributação de Gibraltar era um sistema de tributação territorial, segundo o qual todos os rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar deviam ser aí tributados.

129    Esta conclusão não é posta em causa pelos outros argumentos das recorrentes.

130    Em especial, na medida em que as recorrentes alegam que o sistema de tributação de Gibraltar era um regime cedular cujo objetivo era tributar as categorias de rendimentos enumeradas no anexo 1 da ITA 2010, importa, é certo, salientar que, como sustentam as recorrentes, o artigo 11.o da ITA 2010 implica que, para serem tributáveis, os rendimentos das sociedades devem estar abrangidos por uma das categorias de rendimentos enumeradas no anexo 1 da ITA 2010. Assim, na falta dessa inclusão, como no caso dos rendimentos gerados por royalties, certos tipos de rendimentos podiam escapar tecnicamente a qualquer tributação a título da ITA 2010.

131    Todavia, importa, antes de mais, sublinhar que nem as autoridades de Gibraltar nem as do Reino Unido afirmaram alguma vez que o regime de tributação de Gibraltar era um regime cedular. Pelo contrário, precisaram, nas suas observações de 14 de novembro de 2013, que a ITA 2010 previa um único regime de tributação, independentemente das categorias de rendimentos tributáveis enunciadas nos quadros A a C do anexo 1 da ITA 2010. Por outro lado, nas diferentes observações apresentadas durante o procedimento administrativo, as autoridades do Reino Unido apenas definiram o sistema de tributação de Gibraltar como sendo um regime de tributação territorial.

132    Em seguida, importa salientar que as regras normais de tributação ou, por outras palavras, as regras que constituem o quadro de referência devem ser examinadas na sua globalidade e tendo em conta os princípios orientadores do sistema de tributação nacional. Com efeito, uma medida fiscal não pode ser justamente apreciada à luz de algumas disposições que foram artificialmente retiradas de um quadro legislativo mais lato [v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (insolvência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 103].

133    Ora, considerar, como alegam as recorrentes, que o sistema de tributação de Gibraltar instituído pela ITA 2010 é um regime cedular cujo objetivo é tributar as categorias de rendimentos enumerados no anexo 1 da ITA 2010 equivaleria a abstrair das outras disposições da ITA 2010 e, assim, da lógica dos princípios orientadores deste sistema de tributação. Com efeito, como foi observado no n.o 121, supra, a ITA 2010 assenta, não só no princípio da territorialidade, conforme consagrado no seu artigo 11.o, mas igualmente no princípio segundo o qual o conjunto dos rendimentos contabilísticos dos contribuintes são sujeitos ao imposto, tal como este decorre do artigo 16.o São estes dois princípios que devem ser tomados em conta para efeito do exame do objetivo prosseguido pela ITA 2010.

134    Por último, em conformidade com a jurisprudência, o recurso a uma determinada técnica regulamentar não pode permitir a regras fiscais nacionais escapar desde logo à fiscalização prevista pelo Tratado FUE em matéria de auxílios estatais. Do mesmo modo, a menos que se faça prevalecer de maneira decisiva a forma de intervenções estatais sobre os seus efeitos, a técnica regulamentar utilizada não pode ser um fator decisivo para fins do exame do conteúdo e do alcance das regras que constituam o quadro de referência [v., por analogia, Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Falência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 92].

135    Ora, no caso em apreço, a circunstância de o artigo 11.o da ITA 2010, lido conjuntamente com o anexo 1 da ITA 2010, prever que a sujeição ao imposto seja definida positivamente, de modo que só as categorias de rendimentos expressamente enumeradas no referido anexo 1 estão sujeitas a imposto, produz, na prática, os mesmos efeitos que uma isenção expressa de tributação ou que uma situação em que a não sujeição ao imposto seja definida negativamente, pelo que todos os rendimentos estariam sujeitos ao imposto e apenas certas categorias de rendimentos estariam excluídas do âmbito de aplicação da ITA 2010. Com efeito, como foi acima exposto no n.o 81, supra, a «não sujeição» e a «isenção» produzem os mesmos efeitos, a saber, a não tributação. Por conseguinte, o que as recorrentes qualificam de «regime cedular» apenas constituía, na realidade, a escolha de uma técnica regulamentar e não de uma regra de tributação determinante para efeitos da análise do sistema de tributação de Gibraltar.

136    Importa, a este respeito, salientar que, como a Comissão sublinhou no considerando 27 da decisão impugnada, a ITA 2010 instituiu uma taxa geral de tributação das sociedades de 10 %, aplicável às empresas de qualquer economia de Gibraltar, com exceção de certos prestadores de serviços. Daqui decorre que as diferentes categorias de rendimentos tributáveis estavam sujeitas a uma taxa única de 10 % e não eram abrangidas por um regime de tributação distinto. Tal análise resulta, aliás, das observações de 14 de novembro de 2013, nas quais as autoridades do Reino Unido explicaram que a legislação de Gibraltar não previa que o imposto fosse cobrado relativamente a uma categoria de rendimentos. Precisaram que o sistema de tributação de Gibraltar não exigia que se determinasse previamente a categoria a que pertenciam os rendimentos recebidos, para poder aplicar‑lhes uma tributação que teria sido específica a uma categoria de rendimentos particular, mas que este sistema de tributação previa apenas um regime de tributação geral dos rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar.

137    Decorre, portanto, do que precede que o artigo 11.o e o anexo 1 da ITA 2010, na medida em que preveem categorias de rendimentos tributáveis, constituem simples modalidades de tributação, e que estas disposições não podem ser artificialmente retiradas do seu contexto, para efeitos da definição do objetivo da ITA 2010. Assim, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, não se pode deduzir do artigo 11.o da ITA 2010 que o objetivo do sistema de tributação de Gibraltar tenha sido tributar as categorias de rendimentos enumerados no anexo 1 da ITA 2010.

138    Tendo em conta as considerações precedentes, há que rejeitar as acusações das recorrentes de que a Comissão cometeu um erro na identificação do objetivo da ITA 2010.

2)      Quanto à aplicação do princípio da territorialidade aos royalties

139    As recorrentes alegam que a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação ao afirmar, nos considerandos 42, 82, 94 e 106 da decisão impugnada, que a aplicação do princípio da territorialidade significava que as receitas geradas por royalties eram geradas ou com origem em Gibraltar pelo simples facto de terem sido recebidas por uma sociedade de Gibraltar. As recorrentes sustentam que a declaração contida na comunicação do Reino Unido de 14 de setembro de 2012, na qual a Comissão se baseou para formular as referidas apreciações, é incoerente e errada. Segundo as recorrentes, os rendimentos que uma sociedade de Gibraltar obtém com as atividades exercidas fora desse território, incluindo quando se trata de rendimentos gerados por royalties, não eram tributáveis em Gibraltar. Na situação em que nenhum dos direitos de propriedade intelectual é gerido em Gibraltar, em que nem estes direitos nem o concessionário de licença estão situados em Gibraltar e em que os royalties não são pagos a Gibraltar, não se pode considerar que os rendimentos tenham sido gerados por estas últimas ou que tiveram origem em Gibraltar.

140    A Comissão contesta estes argumentos.

141    Como se concluiu no n.o 125, supra, no âmbito do exame de uma medida fiscal ao abrigo do artigo 107.o TFUE, a fiscalização da interpretação do direito nacional adotada pela Comissão, que constitui uma questão de facto, deve ser efetuada tendo em conta os elementos disponíveis à data da adoção da decisão em causa, e tendo em conta as informações comunicadas pelo Estado‑Membro em causa e as partes interessadas.

142    No caso em apreço, é certo que a ITA 2010, na sua versão aplicável entre 1 de janeiro de 2010 e 31 de dezembro de 2013, não continha nenhuma disposição que previsse expressamente que os rendimentos gerados por royalties, recebidos por sociedades de Gibraltar, eram considerados gerados ou com origem em Gibraltar. Com efeito, tal regra só foi expressamente incorporada na ITA 2010 na sequência da alteração de 2013 da ITA 2010, que entrou em vigor em 1 de janeiro de 2014.

143    Todavia, como é indicado na nota de rodapé n.o 49 da decisão impugnada, a afirmação segundo a qual os rendimentos gerados por royalties recebidos por sociedades de Gibraltar eram necessariamente considerados gerados ou que com origem nesse território assenta numa informação que emana diretamente do Estado‑Membro em causa. Com efeito, nas suas observações de 14 de setembro de 2012, as autoridades do Reino Unido afirmaram expressamente que o princípio da territorialidade implicava que «qualquer rendimento gerado por royalties recebidos por uma sociedade de Gibraltar [era] gerado ou [tinha] origem em Gibraltar».

144    A este respeito, importa observar, em primeiro lugar, que a afirmação segundo a qual os rendimentos gerados por royalties cobradas por sociedades de Gibraltar eram gerados ou com origem em Gibraltar era compatível com o conteúdo do artigo 74.o da ITA 2010 e que podia assim decorrer de uma simples aplicação do princípio da territorialidade e da regra segundo a qual havia que ter em conta o lugar da atividade que está na origem dos rendimentos.

145    Com efeito, o artigo 74.o da ITA 2010 definia o conceito de «gerados ou com origem em Gibraltar» em função do «local onde [tinham] lugar as atividades […] na origem dos lucros».

146    Ora, na medida em que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties dizia respeito a rendimentos passivos, ou seja, dito por outras palavras, rendimentos que eram recebidos por entidades que se limitavam a deter os direitos de propriedade intelectual, era coerente considerar que «a atividade na origem dos rendimentos», na aceção do artigo 74.o da ITA 2010, se situava no lugar de residência das sociedades que detinham os direitos de propriedade intelectual que conferiam direito a esses royalties. Assim, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a afirmação segundo a qual os rendimentos gerados por royalties recebidos por uma sociedade de Gibraltar eram considerados gerados ou com origem em Gibraltar implicava efetivamente a existência de um elemento que permitia ligar os referidos rendimentos ao território de Gibraltar.

147    Além disso, a afirmação das autoridades do Reino Unido também não é incompatível com a jurisprudência do Judicial Committee of the Privy Council (Comité Judicial do Conselho Privado, Reino Unido, a seguir «JCPC») invocada no procedimento administrativo, a qual, embora não vinculativa, era pertinente para interpretar o artigo 74.o da ITA 2010. Com efeito, na decisão adotada pelo JCPC, no que dizia respeito à Hong Kong, no processo Commissioner of Inland Revenue c. HK‑TVB International Ltd [1992] 2 AC 397, o JCPC tinha indicado que eram gerados e tinham origem em Hong Kong os rendimentos recebidos por uma sociedade de Hong Kong que sublicenciava filmes a sociedades estabelecidas no estrangeiro e que os exploravam no estrangeiro. É certo que, à semelhança das recorrentes, importa salientar que, nesse processo, o JCPC tinha tido em conta um certo número de elementos específicos do caso em apreço, entre os quais a circunstância de que os contratos de sublicença tinham sido preparados em Hong Kong e que certos serviços adicionais eram por vezes fornecidos a partir de Hong Kong. Todavia, importa salientar que o JCPC teve igualmente em conta o facto de que um royalty fixo era pago ao contribuinte situado em Hong Kong. Além disso, como as autoridades do Reino Unido sublinharam nas suas observações de 14 de novembro de 2013, a referida decisão adotada pelo JCPC confirmava claramente que rendimentos gerados por royalties podiam ser gerados por uma sociedade de Gibraltar ou terem origem nesse território, mesmo que os direitos de propriedade intelectual fossem explorados unicamente fora deste.

148    Em segundo lugar, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a afirmação contida nas observações de 14 de setembro de 2012 não era isolada nem incompatível com as outras informações contidas nesse documento.

149    Com efeito, esta afirmação era corroborada por um gráfico, que figura na página 22 das observações de 14 de setembro de 2012, que tinha por objeto ilustrar o impacto da não tributação dos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties em aplicação da ITA 2010. O referido gráfico salientava os montantes que representavam os rendimentos gerados por juros passivos e por royalties recebidos pelos contribuintes relativamente ao período posterior a 1 de janeiro de 2010, fazendo ao mesmo tempo uma distinção entre os rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar e os gerados ou com origem fora desse território. Ora, o facto de a totalidade dos rendimentos gerados pelos royalties terem sido indicados como tendo origem em Gibraltar confirmava efetivamente que estes eram normalmente considerados rendimentos com origem em Gibraltar.

150    Por outro lado, na medida em que as recorrentes alegam que a afirmação das autoridades do Reino Unido, referida no n.o 143, supra, estava em contradição com a afirmação, que figura na página 10 das observações de 14 de setembro de 2012, segundo a qual «[a]s 785 antigas “exempt companies” (sociedades isentas) que [tinham] rendimentos tributáveis não gerados ou que não tinham origem em Gibraltar [eram], em geral, ou proprietárias de bens imóveis comerciais fora de Gibraltar (e [estavam], portanto, sujeitos ao imposto sobre os rendimentos locativos no país onde o bem [estava] situado) ou recebiam [rendimentos gerados por] dividendos, juros ou royalties», importa salientar que, é certo, esse excerto poderia permitir pensar que, segundo as autoridades do Reino Unido, os rendimentos gerados por royalties constituíam rendimentos tributáveis que não tinham origem em Gibraltar.

151    Todavia, há que constatar que o referido excerto contém um erro de escrita. Com efeito, como referem as recorrentes, este período dizia respeito à situação nos termos da ITA 2010, na versão em vigor até 31 de dezembro de 2013. Ora, as autoridades do Reino Unido explicaram várias vezes, no documento em questão, que os rendimentos gerados por royalties não constituíam rendimentos tributáveis nesse período. Em especial, resulta da página 10 das observações de 14 de setembro de 2012 que as autoridades do Reino Unido distinguiam efetivamente, entre as empresas que não estavam sujeitas a imposto em Gibraltar, entre as empresas que não tinham rendimento tributável (a saber, as que recebiam rendimentos passivos) e aquelas cujos rendimentos não eram gerados ou não tinham origem em Gibraltar.

152    Assim, a contradição assinalada pelas recorrentes não é suscetível de pôr em causa a credibilidade da afirmação das autoridades do Reino Unido segundo a qual os rendimentos gerados por royalties de propriedade intelectual são considerados gerados ou que têm origem em Gibraltar.

153    Em terceiro lugar, no considerando 45 da decisão de dar início ao procedimento, a Comissão precisou expressamente que as autoridades do Reino Unido lhe tinham indicado que o princípio da territorialidade implicava que qualquer rendimento gerado por royalties, recebido por uma sociedade de Gibraltar, era gerado ou tinha origem em Gibraltar. Ora, o facto de as autoridades do Reino Unido e de Gibraltar não terem contestado esta afirmação nas suas observações sobre a decisão de dar início ao procedimento confirma efetivamente a boa compreensão, pela Comissão, das informações que lhe tinham sido comunicadas no procedimento administrativo e da aplicação do princípio da territorialidade no que respeitava aos rendimentos gerados por royalties.

154    Por outro lado, importa salientar que, nas suas observações sobre a decisão de dar início ao procedimento, as autoridades do Reino Unido e de Gibraltar distinguiram entre, por um lado, os juros com fonte no estrangeiro (foreign‑source interest) e, por outro, os rendimentos gerados por juros passivos com origem em Gibraltar e por royalties. O facto de as autoridades do Reino Unido e de Gibraltar não terem distinguido, para os rendimentos gerados por royalties, entre os que tinham origem em Gibraltar e os que tinham origem no estrangeiro corroborava a afirmação de que esses rendimentos eram considerados gerados ou com origem em Gibraltar.

155    Em quarto lugar, importa sublinhar que nem o relatório de peritagem nem nenhuma informação destinada a pôr em causa a afirmação do Reino Unido quanto à aplicação do princípio da territorialidade aos royalties foram comunicadas à Comissão durante o procedimento administrativo. De resto, há que salientar que as recorrentes não consideraram útil formular observações sobre a decisão de dar início ao procedimento, quando tinham sido convidadas a fazê‑lo e estavam em condições de compreender, tendo em conta o conteúdo da decisão de dar início ao procedimento, que a MJN GibCo era um beneficiário potencial do regime de auxílios tal como é identificado pela Comissão na referida decisão. Ora, como resulta do n.o 106, supra, a Comissão não podia examinar por estimativa todos os argumentos que poderiam potencialmente ter posto em causa a interpretação do direito fiscal nacional feita na decisão de abertura do procedimento, que, de resto, tinha sido confirmada pelo Estado‑Membro em questão.

156    Decorre das considerações expostas nos n.os 141 a 155, supra, que a afirmação do Reino Unido relativa à aplicação do princípio da territorialidade aos rendimentos gerados por royalties, que emana diretamente do Estado‑Membro em causa, podia ser considerada pela Comissão como uma informação suficientemente fiável e credível. Por conseguinte, ao retomar a interpretação do direito fiscal de Gibraltar fornecida pelas autoridades do Reino Unido, a Comissão não cometeu nenhum erro de apreciação.

157    Além disso, nenhum dos outros argumentos suscitados pelas recorrentes é suscetível de demonstrar que a afirmação das autoridades do Reino Unido relativa à aplicação do princípio da territorialidade aos royalties estava errada.

158    Antes de mais, o simples facto de ser sustentado no relatório pericial que a afirmação das autoridades do Reino Unido é muito estranha e que o autor do referido relatório explica, enquanto profissional experiente do direito fiscal de Gibraltar, que jamais teve conhecimento da existência, antes da entrada em vigor da alteração de 2013, de uma presunção relativa à aplicação do princípio da territorialidade aos royalties, não basta para demonstrar que a afirmação nesse sentido que emana diretamente do Estado‑Membro em causa e relativa à aplicação do seu próprio direito era inexata.

159    Em seguida, na medida em que as recorrentes sublinham que não era lógico que tenha existido, entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2013, uma presunção segundo a qual os rendimentos gerados por royalties recebidos por sociedades de Gibraltar foram aí gerados, quando essa categoria de rendimentos não teria sido tributável em Gibraltar, basta constatar que não resulta da afirmação das autoridades do Reino Unido que estas sustentaram que existia uma regra escrita que previsse um regime específico para a aplicação do princípio da territorialidade aos rendimentos gerados por royalties. Com efeito, como resulta dos n.os 144 a 146, supra, a afirmação das autoridades do Reino Unido refletia uma simples aplicação do princípio da territorialidade, como decorria dos artigos 11.o e 74.o da ITA 2010.

160    Por outro lado, na medida em que as recorrentes remetem, nos seus articulados, para a comunicação do comissário do imposto sobre o rendimento de Gibraltar intitulada «Guia de 2018 relativo aos rendimentos gerados ou com origem», publicada em 25 de outubro de 2018, há que salientar que esta comunicação, que era posterior à alteração da ITA 2010 que teve lugar em 2013, não era pertinente para interpretar a ITA 2010, na sua versão aplicável entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2013.

161    Por último, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, o facto de considerar que os rendimentos passivos eram gerados no local onde se situava a sociedade que os recebia, embora implicasse ter em conta o local onde a referida sociedade estava estabelecida ou registada, não deixava de constituir uma aplicação do princípio da territorialidade e não podia ser equiparado a uma tributação baseada no critério da residência. Com efeito, como se expõe no n.o 146, supra, no caso dos royalties, que constituem rendimentos passivos, ou seja, dito por outras palavras, rendimentos recebidos por entidades que se limitavam a deter os direitos de propriedade intelectual, era coerente considerar que «a atividade que deu origem aos rendimentos», na aceção do artigo 74.o da ITA 2010, se situava no lugar de residência das sociedades que detinham os direitos de propriedade intelectual que conferiam direito a esses royalties.

162    Decorre, portanto, de todas as considerações precedentes que foi acertadamente que a Comissão concluiu que os rendimentos gerados por royalties recebidos por sociedades de Gibraltar eram considerados gerados ou com origem em Gibraltar.

c)      Quanto ao exame do critério da vantagem (segundo fundamento, que tem por objeto a anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada)

163    Com o seu segundo fundamento, que tem por objeto a anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, as recorrentes alegam que a Comissão cometeu erros manifestos de apreciação e violou o artigo 107.o, n.o 1, TFUE, na medida em que não conseguiu demonstrar a existência de uma vantagem económica.

164    Em primeiro lugar, as recorrentes sustentam que a Comissão fez uma confusão, no considerando 82 da decisão impugnada, entre o conceito de vantagem económica e o de seletividade. Por um lado, não explicou de que modo a não tributação de rendimentos gerados por royalties conferiu uma vantagem económica, quando, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, era obrigada a identificar, em primeiro lugar, a existência de uma vantagem económica e, depois, a proceder à análise da seletividade. Por outro lado, a análise feita pela Comissão fazia parte da apreciação da seletividade e não apreciação da vantagem económica.

165    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a Comissão cometeu um erro de direito ao afirmar, no considerando 83 da decisão impugnada, que a «isenção» de imposto sobre os rendimentos gerados por royalties tinha introduzido uma redução de imposto e conferiu assim uma vantagem aos seus beneficiários. Com efeito, uma vez que os rendimentos gerados por royalties não eram abrangidos pelo âmbito de aplicação da ITA 2010, a sua não tributação não podia consistir numa isenção nem numa renúncia das autoridades tributárias de Gibraltar a receitas que estas poderiam ter arrecadado. Neste contexto, alegam que a Comissão cometeu vários erros manifestos de apreciação no que respeita ao conteúdo e ao objetivo da ITA 2010, nomeadamente, à apreciação segundo a qual os rendimentos gerados por royalties recebidos por sociedades de Gibraltar eram considerados gerados ou com origem em Gibraltar.

166    Além disso, as recorrentes alegam que o tratamento fiscal transparente dos lucros de uma CV estava previsto unicamente pelo artigo 18.o da ITA 2010 e na condição de que uma atividade comercial de empresa ou profissional fosse exercida através dessa CV. Acrescentam que, no caso vertente, se os rendimentos da MJTCV pudessem ser abrangidos pela categoria dos lucros comerciais e ser atribuídos à MJN GibCo, em aplicação do artigo 18.o da ITA 2010, não teriam sido tributados em Gibraltar, na medida em que não eram gerados nem tinham origem nesse território.

167    A Comissão contesta estes argumentos.

1)      Quanto à primeira acusação do segundo fundamento, relativa a uma confusão entre os critérios da vantagem e da seletividade

168    Com a sua primeira acusação, as recorrentes censuram à Comissão o facto de ter confundido o critério da vantagem com o da seletividade. Recorde‑se a este respeito que, em princípio, a seletividade e a vantagem constituem dois critérios distintos. No que diz respeito à vantagem, a Comissão deve demonstrar que a medida melhora a situação financeira do beneficiário (v., neste sentido, Acórdão de 2 de julho de 1974, Itália/Comissão, 173/73, EU:C:1974:71, n.o 33). Em contrapartida, no que diz respeito à seletividade, a Comissão deve demonstrar que a vantagem não aproveita a outras empresas numa situação jurídica e factual semelhante à do beneficiário tendo em conta o objetivo do quadro de referência (v., neste sentido,  Acórdão de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 49).

169    Importa, no entanto, precisar que, em matéria fiscal, o exame da vantagem e o da seletividade coincidem, na medida em que estes dois critérios implicam que se demonstre que a medida fiscal impugnada conduz a uma redução do montante do imposto de que seria normalmente devedor o beneficiário da medida, em aplicação do regime fiscal comum, e, portanto, do regime aplicável aos restantes contribuintes que se encontrem na mesma situação. Por outro lado, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que estes dois critérios podem ser examinados conjuntamente, enquanto «terceira condição» prevista no artigo 107.o, n.o 1, TFUE, relativa à existência de uma «vantagem seletiva» (v., neste sentido, Acórdão de 30 de junho de 2016, Bélgica/Comissão, C‑270/15 P, EU:C:2016:489, n.o 32).

170    No caso em apreço, há que salientar, no que respeita à não tributação dos rendimentos gerados por royalties, que a Comissão examinou separadamente o critério da vantagem e o da seletividade em duas secções distintas da decisão impugnada, a saber, a secção 7.1.2, intitulada «Vantagem», e a secção 7.1.3, intitulada «Seletividade».

171    Quanto ao exame do critério da vantagem, resulta do considerando 83 da decisão impugnada, o qual se inscreve na secção 7.1.2 da referida decisão, que a Comissão examinou efetivamente o efeito da medida em causa na situação dos beneficiários. Com efeito, expôs, nesse considerando, que a isenção introduzia uma redução do imposto que as empresas beneficiárias da não tributação dos rendimentos gerados por royalties teriam, de outra forma, de suportar. Daqui decorre que a Comissão não fez, de qualquer modo, confusão entre o critério da vantagem e o da seletividade, mas procurou demonstrar que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties melhorava a situação financeira dos beneficiários dessa medida na aceção da jurisprudência referida no n.o 168, supra.

172    O facto de a Comissão ter precisado, no considerando 83 da decisão impugnada, que os beneficiários da não tributação gozavam, assim, de uma posição financeira mais favorável do que os outros contribuintes não é de molde a pôr em causa esta conclusão. Com efeito, a circunstância de a Comissão ter igualmente feito referência a apreciações que são mais do âmbito do exame do critério da seletividade do que do critério da vantagem não tem nenhuma incidência no facto de aquela ter efetivamente examinado se a medida em causa conferia uma vantagem aos seus beneficiários.

173    Consequentemente, há que rejeitar a primeira acusação do segundo fundamento, relativa à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada.

2)      Quanto à segunda acusação do segundo fundamento, que se destina a contestar a existência de uma redução fiscal

174    Com a sua segunda acusação, as recorrentes contestam que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties constituía uma vantagem económica na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE.

175    Segundo jurisprudência constante, são considerados auxílios estatais as intervenções que, independentemente da forma que assumam, são suscetíveis de favorecer diretamente ou indiretamente empresas, ou que devam ser consideradas uma vantagem económica que a empresa beneficiária não teria obtido em condições normais de mercado (v. Acórdão de 2 de setembro de 2010, Comissão/Deutsche Post, C‑399/08 P, EU:C:2010:481, n.o 40 e jurisprudência referida; Acórdão de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia, C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 21).

176    Como está exposto no n.o 91, supra, a própria existência de uma vantagem só pode ser afirmada em relação a uma tributação dita «normal» (Acórdão de 6 de setembro de 2006, Portugal/Comissão, C‑88/03, EU:C:2006:511, n.o 56). Por conseguinte, tal medida confere uma vantagem económica ao seu beneficiário sempre que aliviar os encargos que normalmente oneram o orçamento de uma empresa e que, por esse facto, sem ser uma subvenção no sentido estrito da palavra, são da mesma natureza e produzem efeitos idênticos (Acórdão de 9 de outubro de 2014, Ministerio de Defensa e Navantia, C‑522/13, EU:C:2014:2262, n.o 22). Assim, uma medida através da qual as autoridades públicas concedem a certas empresas um tratamento fiscal vantajoso que, ainda que não implique uma transferência de recursos do Estado, coloca os beneficiários numa situação financeira mais favorável do que a dos outros contribuintes, constitui um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de março de 1994, Banco Exterior de España, C‑387/92, EU:C:1994:100, n.o 14, e de 8 de setembro de 2011, Paint Graphos e o., C‑78/08 a C‑80/08, EU:C:2011:550, n.o 46 e jurisprudência referida).

177    Consequentemente, para determinar se existe uma vantagem fiscal, há que comparar a situação do beneficiário resultante da aplicação da medida em causa com a situação deste na falta dessa medida e em aplicação das regras normais de tributação (v. Acórdão de 24 de setembro de 2019, Países Baixos e o./Comissão, T‑760/15 e T‑636/16, EU:T:2019:669, n.o 147 e jurisprudência referida).

178    No caso em apreço, a Comissão entendeu, no considerando 82 da decisão impugnada, que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties constituía uma vantagem, atendendo a que essa medida estava em contradição com o princípio segundo o qual o imposto sobre os rendimentos devia ser cobrado a todos os sujeitos passivos que recebiam rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar. Acrescentou que os rendimentos gerados por royalties recebidos por uma empresa em Gibraltar deveriam normalmente ter sido sujeitos ao imposto, em aplicação do princípio da territorialidade, uma vez que estes são considerados como tendo sido gerados ou com origem nesse território. No considerando 83 da decisão impugnada, a Comissão concluiu que a «isenção» dos rendimentos gerados por royalties introduzia uma redução de imposto que as empresas deveriam, de outro modo, ter suportado. A este respeito, há que salientar que o raciocínio da Comissão, contido nos considerandos 81 a 83 da decisão impugnada, deve ser lido à luz desta decisão considerada no seu conjunto e, em especial, da constatação, mencionada no considerando 93 da referida decisão, segundo a qual a não tributação dos rendimentos gerados por royalties era o resultado da não inclusão dessas categorias de rendimentos no anexo 1 da ITA 2010.

179    Por um lado, como resulta dos n.os 116 a 128, supra, a Comissão entendeu corretamente, no considerando 82 da decisão impugnada, que existia um princípio segundo o qual o imposto sobre os rendimentos devia ser cobrado a todos os sujeitos passivos que recebessem rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar e que tal princípio fazia parte das regras normais de tributação à luz das quais devia examinar a não tributação dos rendimentos decorrentes de royalties. Com efeito, como foi constatado no n.o 123, supra, o regime de tributação introduzido pela ITA 2010 assentava em dois princípios orientadores, a saber, o princípio da territorialidade, segundo o qual os rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar estavam sujeitos a imposto, e o princípio segundo o qual todos os rendimentos contabilísticos dos contribuintes deviam ser sujeitos a imposto.

180    Do mesmo modo, como resulta dos n.os 141 a 156, supra, em aplicação do princípio da territorialidade, os rendimentos gerados por royalties recebidos por uma sociedade em Gibraltar eram considerados gerados ou com origem em Gibraltar.

181    Decorre destas constatações que a não inclusão dos rendimentos gerados por royalties entre as categorias de rendimentos enumerados no anexo 1 da ITA 2010 permitia a esses rendimentos escapar ao imposto sobre os rendimentos em Gibraltar, ao passo que, em conformidade com os princípios identificados pela Comissão no considerando 82 da decisão impugnada, tais rendimentos, que eram gerados ou tinham origem em Gibraltar, deveriam normalmente ter sido sujeitos a esse imposto.

182    Por conseguinte, foi com razão que a Comissão concluiu que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties introduzia uma redução do imposto que as empresas que recebiam tais rendimentos deveriam, de outro modo, ter suportado em aplicação das regras de tributação normais e concluiu pela existência de uma vantagem económica a favor dessas empresas.

183    Nenhum dos outros argumentos das recorrentes é de natureza a pôr em causa esta conclusão.

184    Em primeiro lugar, na medida em que as recorrentes alegam que a medida não podia constituir uma vantagem pelo facto de que as autoridades fiscais, uma vez que não beneficiam de uma base que as autorizasse a tributar esses rendimentos, não tinham podido renunciar a tributar os rendimentos gerados por royalties, basta observar que a não inclusão desta categoria de rendimentos no anexo 1 da ITA 2010 constitui uma renúncia do legislador de Gibraltar e, portanto, das autoridades competentes do território em causa. Por outro lado, não se pode censurar à Comissão o facto de ter violado a soberania fiscal dos Estados‑Membros na determinação da matéria coletável para efeitos de tributação sobre o rendimento, uma vez que, como resulta dos n.os 178 e 181, supra, examinou efetivamente a referida medida tendo em conta o conteúdo e o objetivo da ITA 2010 e, assim, das regras de tributação normais.

185    Em segundo lugar, na medida em que as recorrentes alegam que não existia nenhuma regra explícita que previsse a tributação dos royalties, de modo que essa categoria de rendimentos não era abrangida pelo âmbito de aplicação da ITA 2010, importa recordar que o facto de uma medida fiscal ser concebida segundo uma certa técnica regulamentar não tem incidência para efeitos da análise da referida medida à luz do artigo 107.o TFUE, considerando que há o risco de as regras fiscais nacionais escaparem, desde logo, à fiscalização em matéria de auxílios estatais pelo simples facto de estarem abrangidas por outra técnica regulamentar ainda que, de direito ou de facto, devido ao ajustamento e à combinação de diversas regras fiscais, produzam os mesmos efeitos. Em contrapartida, é jurisprudência constante que o artigo 107.o, n.o 1, TFUE não faz distinções consoante as causas ou os objetivos das intervenções estatais, antes definindo essas intervenções em função dos respetivos efeitos e, por conseguinte, independentemente das técnicas utilizadas [v., neste sentido, Acórdão de 28 de junho de 2018, Andres (Falência Heitkamp BauHolding)/Comissão, C‑203/16 P, EU:C:2018:505, n.o 91 e jurisprudência referida].

186    Ora, como acima se expõe no n.o 81, supra, a não inclusão de uma categoria de rendimentos na matéria coletável e a isenção de imposto formal de uma categoria de rendimentos que normalmente fazem parte da matéria coletável produzem os mesmos efeitos. Assim, a circunstância de não existir, na ITA 2010, uma regra explícita que previsse a tributação dos rendimentos gerados por royalties não se opunha a que tal medida tivesse conferido uma vantagem na aceção do artigo 107.o TFUE.

187    Em terceiro lugar, na medida em que as recorrentes alegam que a Comissão não demonstrou que os potenciais beneficiários do auxílio, a saber, as dez empresas às quais era feita referência no considerando 98 da decisão impugnada, tinham efetivamente beneficiado da não tributação dos rendimentos gerados por royalties, basta recordar que, segundo jurisprudência constante, no âmbito de uma decisão relativa a um regime de auxílios, a Comissão pode limitar‑se a estudar as características do regime em causa para apreciar, nos fundamentos da sua decisão, se, em razão das modalidades que esse regime prevê, este assegura uma vantagem significativa aos beneficiários em relação aos concorrentes destes e é suscetível de beneficiar essencialmente empresas que participam nas trocas comerciais entre Estados‑Membros. Assim, a Comissão não é obrigada a fazer uma análise do auxílio concedido em cada caso individual com fundamento em tal regime. É apenas na fase de recuperação dos auxílios que será necessário verificar a situação individual de cada empresa em causa (v., neste sentido, Acórdão de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 63 e jurisprudência referida).

188    Daqui decorre que a Comissão não era obrigada a demonstrar que os dez beneficiários potenciais tinham efetivamente beneficiado da medida fiscal. Tais argumentos não são suscetíveis de conduzir à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada e devem ser julgados inoperantes.

189    Pelos mesmos motivos, há que julgar inoperantes os argumentos relativos à situação específica da MJN GibCo para efeitos da análise da legalidade do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada. Em especial, quanto aos argumentos relativos à transparência fiscal das CV, importa salientar que, uma vez que a Comissão não baseou de forma nenhuma a sua apreciação do regime de auxílios decorrente da não tributação dos rendimentos gerados por royalties na questão da transparência fiscal, tais argumentos não têm pertinência alguma para efeitos de examinar se a Comissão considerou corretamente que esta medida conferia uma vantagem fiscal aos seus beneficiários.

190    Em face do exposto, há que julgar improcedente a segunda acusação do segundo fundamento, relativa à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada e, portanto, esse fundamento no seu todo.

d)      Quanto ao exame da seletividade (terceiro fundamento destinado à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada)

191    Com o seu terceiro fundamento, relativo à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, as recorrentes alegam, em substância, que a Comissão cometeu erros manifestos de apreciação e violou o artigo 107.o, n.o 1, TFUE ao considerar que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties era uma medida seletiva.

192    Em primeiro lugar, as recorrentes sustentam que a Comissão cometeu um erro na determinação do quadro de referência. Precisam que, em matéria fiscal, a apreciação do critério da seletividade só pode ser feita ao abrigo da tributação dita «normal», cuja definição, à semelhança da escolha da matéria coletável, é da soberania dos Estados‑Membros. Embora as recorrentes confirmem que a ITA 2010 constitui o quadro de referência apropriado, alegam que a Comissão cometeu vários erros quanto ao conteúdo e ao objetivo desta lei.

193    Em segundo lugar, as recorrentes alegam que a Comissão identificou erradamente uma derrogação ao quadro de referência.

194    Antes de mais, a não tributação dos rendimentos gerados por royalties não constitui uma isenção, uma derrogação ou uma «derrogação implícita», antes resultando somente do facto de esses rendimentos não estarem abrangidos pelo âmbito de aplicação da ITA 2010.

195    Em seguida, a Comissão adotou uma má compreensão do alcance do princípio segundo o qual uma medida constitutiva de um auxílio de Estado deveria ser definida pelos seus efeitos. É verdade que nos Acórdãos de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981), o Tribunal entendeu que uma medida poderia ser seletiva quando tivesse por efeito excluir certas empresas da base de tributação. Todavia, esses processos visaram circunstâncias excecionais e não justificaram que o conceito de auxílio de Estado definido pelos seus efeitos fosse demasiado distendido. De resto, o Tribunal Geral esclareceu, no Acórdão de 16 de maio de 2019, Polónia/Comissão (T‑836/16 e T‑624/17, EU:T:2019:338), que uma medida fiscal pode prever diferenças de tratamento sem, no entanto, ser qualificada de seletiva, desde que essas diferenças não sejam arbitrárias, sejam aplicadas de forma não discriminatória e se mantenham conformes com o objetivo do imposto em causa.

196    Por último, as recorrentes alegam que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties não introduzia diferenciação alguma entre operadores económicos que se encontram na mesma situação jurídica e factual. Sustentam, a este respeito, que nenhuma condição da não tributação era aplicável unicamente às empresas multinacionais e que a circunstância de essa medida beneficiar essencialmente os grupos multinacionais mais não era do que uma circunstância aleatória e não um «efeito [desta]».

197    A Comissão contesta estes argumentos.

198    Resulta da jurisprudência do Tribunal que a apreciação da seletividade impõe que se determine se, no quadro de um dado regime jurídico, a medida nacional em causa é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» em relação a outras, que se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo referido regime, numa situação factual e jurídica comparável e que são, deste modo, alvo de um tratamento diferenciado que pode, em substância, ser qualificado de discriminatório (v. Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 54 e jurisprudência referida).

199    Quando a medida em causa é considerada um regime de auxílio e não um auxílio individual, cabe à Comissão demonstrar que essa medida, ainda que preveja uma vantagem de alcance geral, confere o seu benefício exclusivo a certas empresas ou a certos setores de atividade (v. Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 55 e jurisprudência referida). Com efeito, uma medida geral aplicável indistintamente a todos os operadores económicos não constitui uma medida de auxílio na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (v., neste sentido, Acórdão de 19 de setembro de 2000, Alemanha/Comissão, C‑156/98, EU:C:2000:467, n.o 22).

200    Em matéria fiscal, classicamente, a jurisprudência exige uma análise da seletividade em três etapas. Essa análise implica, num primeiro momento, identificar o regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa, que constitui o quadro de referência, e, num segundo momento, demonstrar que a medida fiscal em causa derroga o referido quadro de referência, na medida em que introduz diferenciações entre operadores que se encontrem, tendo em conta o objetivo prosseguido por esse quadro de referência, numa situação jurídica e factual comparável (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 57). Num terceiro momento, cabe ao Estado‑Membro demonstrar que a diferenciação introduzida pela medida em causa, que é «a priori seletiva», é justificada, uma vez que resulta da natureza ou da economia geral do quadro em que essa medida se insere (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 58).

201    A condição da seletividade está, portanto, preenchida quando a Comissão consegue demonstrar que a medida derrogatória do regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa, introduzindo, assim, através dos seus efeitos concretos, um tratamento diferenciado entre operadores, quando os operadores que beneficiam da vantagem fiscal e os que dela são excluídos se encontram, tendo em conta o objetivo prosseguido pelo referido regime fiscal desse Estado‑Membro, numa situação factual e jurídica comparável (Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 67).

202    No Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o. (C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.o 74), o Tribunal de Justiça estabeleceu, em substância, uma distinção entre, por um lado, o caso em que a medida se apresentava sob a forma de uma vantagem fiscal derrogatória de um regime fiscal comum e, por outro, aquele em que a medida se apresentava sob a forma da aplicação de um regime fiscal «geral» mas procedendo, de facto, a uma discriminação entre certas empresas, implicando, assim, uma «seletividade de facto». Tal distinção baseia‑se diretamente no Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732), no qual as medidas que eram objeto do exame ao abrigo do artigo 107.o, n.o 1, TFUE eram as regras relativas à determinação da matéria coletável para efeitos do imposto sobre as sociedades. Nesse processo, o Tribunal de Justiça tinha considerado que o sistema de tributação que consistia num imposto sobre o número de trabalhadores e num imposto sobre a dimensão das instalações tinha por efeito, tal como estava concebido, excluir desde logo qualquer tributação das sociedades «offshore», devido ao facto de estas não terem trabalhadores nem instalações profissionais.

203    Em tal situação, a medida pode ter caráter seletivo, ainda que seja de natureza geral e não constitua uma derrogação ao regime comum fiscal, mas que dele faça parte integrante (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.os 91 e 92). Cabe então à Comissão demonstrar que o regime fiscal é, em si mesmo, manifestamente discriminatório tendo em conta o objetivo que é suposto aquele prosseguir e, assim, que as medidas em causa, que fazem parte integrante do regime fiscal, são contrárias ao objetivo prosseguido por este, na medida em que esvaziam da sua substância o objetivo do imposto (v., neste sentido, Acórdãos de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia, C‑562/19 P, n.os 42 e 43, e de 16 de maio de 2019, Polónia/Comissão, T‑836/16 e T‑624/17, EU:T:2019:338, n.os 70, 79 e 94). É esse o caso quando a Comissão demonstra que o regime, através dos seus efeitos, favorece certas empresas em razão das suas características próprias e específicas (v., neste sentido, Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Governo de Gibraltar e Reino Unido, C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732, n.os 87 e 88, e de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.os 74 a 76).

204    No caso em apreço, há que observar que, na decisão impugnada, a Comissão examinou a não tributação dos rendimentos gerados por royalties não só tendo em conta a análise em três etapas da seletividade de medidas fiscais que apresentem caráter derrogatório, mas igualmente aplicando a análise adotada pelo Tribunal de Justiça no Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732).

205    Com efeito, por um lado, resulta claramente dos considerandos 87, 90 a 94, 100, 103 e 105 a 110 da decisão impugnada, bem como do título das secções 7.1.3.1, 7.1.3.2 e 7.1.3.3 dessa mesma decisão que a Comissão considerou que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties constituía uma medida derrogatória e aplicou a análise em três etapas da seletividade.

206    Mais precisamente, a Comissão começou por considerar que o quadro de referência era a ITA 2010, cujo objetivo era cobrar o imposto sobre os rendimentos dos contribuintes que recebam rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar (considerandos 90 a 93 e 100 da decisão impugnada) e considerou que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties constituía uma «isenção implícita» da tributação sobre os rendimentos. Em seguida, a Comissão considerou, tendo em conta o objetivo da ITA 2010, que as empresas que beneficiavam da não tributação dos rendimentos gerados por royalties, a saber, sociedades pertencentes a grupos multinacionais que concediam licenças sobre direitos de propriedade intelectual, estavam numa situação jurídica e factual semelhante à de todas as outras empresas estabelecidas em Gibraltar que recebam rendimentos gerados ou com em Gibraltar (considerandos 100 e 103 da decisão impugnada). Para demonstrar que a não tributação dos rendimentos gerados por Royalties levava a aplicar um tratamento fiscal diferente a essas empresas, apesar de se encontrarem numa situação comparável, a Comissão salientou que, na falta da «isenção» dos rendimentos gerados por royalties, o regime de tributação territorial consideraria que os rendimentos gerados por royalties recebidos por uma empresa estabelecida em Gibraltar têm origem em Gibraltar (considerando 94 da decisão impugnada). Por último, a Comissão afastou as justificações alegadas pelas autoridades do Reino Unido (considerandos 105 a 108 da decisão impugnada).

207    Por outro lado, a Comissão precisou igualmente que, quando «a medida não resulta[va] de uma derrogação formal do sistema de tributação […] [era] particularmente pertinente considerar os efeitos da medida para apreciar se esta favorece significativamente um determinado grupo de empresas» (considerando 97 da decisão impugnada). Expôs então que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties tinha beneficiado unicamente dez empresas que faziam todas parte de grupos de empresas multinacionais e que nenhuma empresa independente tinha recebido rendimentos gerados por royalties em Gibraltar (considerando 98 da decisão impugnada). Além disso, a Comissão afirmou, no considerando 104 da decisão impugnada, que o facto de a «isenção» das receitas geradas por royalties beneficiar principalmente grupos multinacionais não era uma consequência aleatória do regime e que essa regra tinha sido concebida para atrair ou favorecer as empresas pertencentes a grupos, nomeadamente, grupos multinacionais que exercem determinadas atividades (concessão de licenças sobre direitos de propriedade intelectual), retomando assim a terminologia utilizada no Acórdão de 15 de novembro de 2011, Comissão e Espanha/Government of Gibraltar e Reino Unido (C‑106/09 P e C‑107/09 P, EU:C:2011:732).

208    Resulta, portanto, dos considerandos 90 a 104 da decisão impugnada que a Comissão, como confirmou em resposta a uma pergunta do Tribunal na audiência de alegações, considerou, a título principal, que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties constituía uma medida derrogatória que era seletiva, na medida em que favorecia as empresas que recebessem rendimentos gerados por royalties em relação a todas as outras empresas que recebam rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar e que, a título subsidiário, examinou igualmente a seletividade «de facto» da não tributação de rendimentos gerados por royalties.

209    Importa, portanto, num primeiro momento, examinar se a Comissão podia, para demonstrar o caráter seletivo da não tributação dos rendimentos gerados por royalties, considerar, a título principal, que esta constituía uma derrogação em relação à ITA 2010, na medida em que podia ter por consequência aplicar às empresas de Gibraltar que recebessem rendimentos gerados por royalties um tratamento fiscal distinto do aplicado às empresas tributáveis em Gibraltar que recebessem rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar, quando estas duas categorias de empresas se encontravam em situações comparáveis, tendo em conta o objetivo prosseguido pela ITA 2010.

210    Importa, a este respeito, salientar que, como resulta dos n.os 118 a 128, supra, a Comissão concluiu corretamente que o objetivo da ITA 2010 era cobrar o imposto sobre os rendimentos dos contribuintes que recebessem rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar. Do mesmo modo, como decorre dos n.os 141 a 156, supra, considerou, com razão, que os rendimentos gerados por royalties recebidos por sociedades em Gibraltar eram considerados gerados ou com origem em Gibraltar. Neste contexto, a Comissão considerou corretamente que as empresas de Gibraltar que recebam rendimentos gerados por royalties deveriam normalmente estar sujeitas ao imposto em Gibraltar e que estavam numa situação jurídica e factual semelhante às das outras empresas que recebam rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar.

211    Por conseguinte, a Comissão não cometeu nenhum erro ao declarar que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties favorecia as empresas que recebam rendimentos gerados por royalties em relação às outras empresas que recebam rendimentos gerados ou com origem em Gibraltar. Daqui decorre que foi com razão que considerou que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties apresentava um caráter derrogatório da ITA 2010 e do seu objetivo.

212    Só estas considerações bastam para estabelecer o caráter a priori seletivo da não tributação das receitas geradas por royalties, sem que seja necessário verificar se a Comissão considerou corretamente que a medida beneficiava especificamente as empresas multinacionais que exerçam certas atividades, como a concessão de licenças sobre direitos de propriedade intelectual. Com efeito, não é necessário, para fins da demonstração da seletividade de uma medida fiscal derrogatória, que a Comissão identifique certas características específicas comuns às empresas beneficiárias da vantagem fiscal, que permitem distingui‑las das que dela são excluídas (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.os 71, 76 e 78). Com efeito, se, para estabelecer a seletividade de uma medida fiscal, nem sempre é necessário que esta tenha um caráter derrogatório em relação a um regime fiscal comum, a circunstância de essa medida apresentar esse caráter é absolutamente pertinente para esse efeito quando daí decorre que duas categorias de operadores são distinguidas e são, a priori, objeto de um tratamento diferenciado, a saber, os abrangidos pela medida derrogatória e os que continuam a ser abrangidos pelo regime fiscal comum, mesmo quando essas duas categorias se encontram numa situação comparável tendo em conta o objetivo prosseguido pelo referido regime (v., neste sentido, Acórdão de 21 de dezembro de 2016, Comissão/World Duty Free Group e o., C‑20/15 P e C‑21/15 P, EU:C:2016:981, n.os 77 e 78).

213    Por outro lado, importa observar que as recorrentes não contestam as conclusões da Comissão segundo as quais a não tributação dos rendimentos gerados por royalties não era justificada pela natureza ou pela economia geral do regime fiscal de Gibraltar. Por conseguinte, foi com razão que a Comissão concluiu pelo caráter seletivo da não tributação dos rendimentos gerados por royalties e considerou que essa não tributação, devido à não inclusão, entre 1 de janeiro de 2011 e 31 de dezembro de 2013, dos rendimentos gerados por royalties nas categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar enumeradas no anexo 1 da ITA 2010, constituía um regime de auxílios. Na medida em que a análise em três etapas da seletividade é suficiente para sustentar esta conclusão, não é necessário examinar os argumentos das recorrentes destinados a contestar o raciocínio subsidiário da Comissão, segundo o qual a não tributação das receitas geradas por royalties era de facto seletiva. Com efeito, na medida em que certos fundamentos de uma decisão são, por si só, de molde a justificar suficientemente essa decisão, os vícios de que pudessem estar feridos outros fundamentos do ato não têm, de qualquer modo, influência no seu dispositivo. Além disso, quando o dispositivo de uma decisão da Comissão assenta em vários pilares de raciocínio, sendo cada um deles, por si só, suficiente para fundamentar esse dispositivo, esse ato só pode ser anulado, em princípio, se cada um desses pilares estiver ferido de ilegalidade. Nessa hipótese, um erro ou uma outra ilegalidade que afete apenas um dos pilares do raciocínio não basta para justificar a anulação da decisão controvertida, sempre que esse erro não possa ter tido uma influência determinante na parte decisória adotada pela instituição autora dessa decisão (v. Acórdão de 1 de março de 2018, Polónia/Comissão, T‑316/15, não publicado, EU:T:2018:106, n.o 91 e jurisprudência referida).

214    Em especial, importa salientar que os argumentos das recorrentes relativos às consequências a retirar, no caso em apreço, dos Acórdãos de 16 de março de 2021, Comissão/Polónia (C‑562/19 P, EU:C:2021:201), e de 16 de março de 2021, Comissão/Hungria (C‑596/19 P, EU:C:2021:202), bem como dos Acórdãos de 16 de maio de 2019, Polónia/Comissão (T‑836/16 e T‑624/17, EU:T:2019:338), e de 27 de junho de 2019, Hungria/Comissão (T‑20/17, EU:T:2019:448), são inoperantes, na medida em que têm por objeto a análise da seletividade de facto e não a análise em três etapas da seletividade.

215    Por outro lado, na medida em que as recorrentes contestam, no âmbito dos seus argumentos relativos à análise da seletividade, a afirmação da Comissão, no n.o 95 da contestação, segundo a qual esta não era obrigada a explicar detalhadamente as razões que a levaram, na decisão impugnada, a concluir que a não tributação dos rendimentos gerados pelos royalties constituía um regime de auxílios simplesmente pelo facto de que já tinha examinado esses elementos, em detalhe, na decisão de dar início ao procedimento, há que salientar, por um lado, que o Tribunal Geral já declarou que a decisão de iniciar o procedimento formal fazia parte do contexto da decisão que põe termo a esse procedimento e que o primeiro podia ser tido em conta no âmbito do exame da fundamentação do segundo (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2018, Áustria/Comissão, T‑356/15, EU:T:2018:439, n.o 535). Por outro lado, e de qualquer modo, como resulta dos n.os 204 a 208, supra, a decisão recorrida expunha em detalhe os elementos que tinham levado a Comissão a considerar que a não tributação das receitas geradas por royalties constituía uma medida seletiva.

216    Tendo em conta o exposto, há que julgar improcedente o terceiro fundamento, relativo à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada.

e)      Quanto ao alcance da vantagem seletiva (quarto fundamento, relativo à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada)

217    Com o seu quarto fundamento, as recorrentes alegam que, de qualquer modo e mesmo supondo que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties tenha efetivamente conferido uma vantagem seletiva, a Comissão cometeu um erro manifesto de apreciação e um erro de direito ao considerar que essa vantagem seletiva era extensiva aos royalties gerados por atividades e por direitos de propriedade intelectual que não se situassem em Gibraltar, uma vez que esses rendimentos não são abrangidos pelo âmbito de aplicação territorial da ITA 2010.

218    Segundo as recorrentes, os rendimentos que uma sociedade de Gibraltar recebia em resultado de atividades exercidas fora desse território, incluindo quando se tratava de rendimentos gerados por royalties, não eram tributáveis em Gibraltar. Alegam que, na sua situação em que nenhum dos direitos de propriedade intelectual se constituiu em Gibraltar, esses direitos não estão situados em Gibraltar, os concessionários de licença não estão situados em Gibraltar e os rendimentos gerados por royalties não são pagos a Gibraltar, estes últimos não são gerados nem têm origem em Gibraltar. Assim, as recorrentes sustentam que, no caso em apreço, apesar da transparência fiscal, a parte da MJN GibCo nos rendimentos da MJT CV não era tributável na medida em que estes rendimentos não eram gerados ou não tinham origem em Gibraltar.

219    A Comissão contesta estes argumentos.

220    Na medida em que, como foi constatado nos n.os 141 a 162, supra, a Comissão não cometeu qualquer erro ao considerar que os rendimentos gerados por royalties recebidos por sociedades de Gibraltar eram considerados como sendo gerados ou com origem em Gibraltar, há que rejeitar os argumentos das recorrentes segundo os quais os rendimentos gerados por royalties relativos a atividades e a direitos de propriedade intelectual não se situavam em Gibraltar não eram abrangidos pelo âmbito de aplicação territorial da ITA 2010, e segundo os quais a Comissão cometeu assim um erro ao considerar que a vantagem seletiva conferida pela não imposição dos rendimentos gerados por royalties era extensiva aos royalties cima referidos.

221    Por outro lado, na medida em que as recorrentes sustentam que, no caso da MJN GibCo, os rendimentos gerados por royalties não eram gerados ou não tinham origem em Gibraltar, tal argumento não é suscetível de pôr em causa a análise da Comissão segundo a qual a não tributação dos rendimentos gerados por royalties constituía um regime de auxílios, nem a legalidade do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, e deve ser rejeitado por ser inoperante. Com efeito, admitindo que é fundado, este argumento permite, quando muito, pôr em causa a qualidade de beneficiário do auxílio da MJN GibCo. Ora, o artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada limita‑se a afirmar que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties constitui um regime de auxílios, sem identificar os potenciais beneficiários do referido regime. Além disso, como resulta da jurisprudência acima exposta no n.o 187, supra, numa decisão que tem por objeto um regime de auxílios, a Comissão não é obrigada a efetuar uma análise do auxílio concedido, em cada caso individual, com fundamento em tal regime.

222    Em face do exposto, há que julgar improcedente o quarto fundamento, relativo à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada.

3.      Quanto ao fundamento relativo a erros manifestos de apreciação e à violação do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 659/1999 (quinto fundamento relativo à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada)

223    Com o seu quinto fundamento, destinado à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, as recorrentes contestam a conclusão que decorre da secção 7.2 da decisão impugnada, segundo a qual a não tributação dos rendimentos gerados por royalties constituía um auxílio novo na aceção do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 659/1999.

224    Por um lado, as recorrentes alegam que a decisão impugnada não contém uma análise da qualificação de auxílio novo da medida que consiste na não tributação dos rendimentos gerados por royalties. Alegam que, embora a Comissão tivesse efetivamente afirmado, na decisão de dar início ao procedimento, que os rendimentos gerados por royalties tinham sido excluídos do âmbito de aplicação da tributação sobre os rendimentos pela primeira vez na ITA 2010, a decisão impugnada não continha tal constatação.

225    Por outro lado, alegam que, mesmo que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties constituísse um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.o, n.o 1, TFUE, haveria que considerá‑la um auxílio existente, na medida em que os rendimentos passivos gerados por royalties não eram tributados em Gibraltar sob a ITA 1952, em vigor antes da adoção da ITA 2010, pelo que esta regra já era aplicável em 1 de janeiro de 1973, data em que o Reino Unido se tinha tornado um Estado‑Membro. Em especial, as recorrentes sustentam que, embora o artigo 6.o, n.o 1, da ITA 1952 enumerasse, entre as seis categorias de rendimentos tributáveis, a categoria «Rendimentos, royalties, prémios e outros benefícios decorrentes de direitos de propriedade», tal categoria apenas visava, na realidade, os direitos de propriedade imobiliários. O termo «royalties» teria unicamente em vista os royalties decorrentes da exploração mineira.

226    A Comissão contesta estes argumentos.

227    Em substância, as recorrentes suscitam duas acusações, relativas, por um lado, a falta de fundamentação, em violação do artigo 296.o TFUE, na medida em que a Comissão não explicou, na decisão impugnada, em que medida a não tributação dos rendimentos gerados por royalties teria constituído um auxílio novo, e, por outro, uma violação do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 659/1999, na medida em que a Comissão considerou erradamente que a referida medida constituía uma medida de auxílio existente.

228    Em conformidade com jurisprudência constante, o dever de fundamentação previsto no artigo 296.o TFUE constitui uma formalidade essencial que deve ser distinguida da questão do bem fundado dos motivos, uma vez que este está abrangido pela legalidade de fundo do ato controvertido (v. Acórdãos de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, EU:C:2011:620, n.o 146 e jurisprudência referida, e de 14 de maio de 2014, Donau Chemie/Comissão, T‑406/09, EU:T:2014:254, n.o 28 e jurisprudência referida). Por conseguinte, há que analisar, em primeiro lugar, a alegação relativa, em substância, a violação do dever de fundamentação, previsto no artigo 296.o TFUE, e depois, em segundo lugar, a alegação relativa à violação do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 659/1999.

a)      Quanto à primeira acusação, relativa à falta de fundamentação na aceção do artigo 296.o TFUE

229    Por força do artigo 296.o, segundo parágrafo, TFUE, os atos jurídicos são fundamentados. Segundo jurisprudência constante, a fundamentação exigida deve ser adaptada à natureza do ato em causa e deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do ato, de forma a permitir aos interessados conhecer as razões da medida tomada e ao órgão jurisdicional competente exercer a sua fiscalização. No que respeita, em especial, à fundamentação das decisões individuais, o dever de fundamentar tais decisões tem, assim, por finalidade, além de permitir uma fiscalização jurisdicional, fornecer ao interessado indicações suficientes para saber se a decisão enferma eventualmente de um vício que permita contestar a sua validade (v. Acórdão de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, EU:C:2011:620, n.os 146 a 148 e jurisprudência referida; Acórdãos de 11 de julho de 2013, Ziegler/Comissão, C‑439/11 P, EU:C:2013:513, n.os 114, 115, e de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.o 44).

230    Não é exigido que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um ato satisfaz as exigências do artigo 296.o TFUE deve ser apreciada à luz não só do seu teor mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (Acórdãos de 29 de setembro de 2011, Elf Aquitaine/Comissão, C‑521/09 P, EU:C:2011:620, n.o 150; de 11 de julho de 2013, Ziegler/Comissão, C‑439/11 P, EU:C:2013:513, n.o 116; e de 13 de dezembro de 2016, Printeos e o./Comissão, T‑95/15, EU:T:2016:722, n.o 45).

231    No caso em apreço, importa observar que, embora a Comissão tenha considerado que a não tributação das receitas geradas por royalties constituía um auxílio ilegal (considerandos 216 e 217 da decisão impugnada), a decisão impugnada não contém nenhum elemento, incluindo na secção intitulada «Caráter de novo auxílio da medida» (considerandos 118 a 121 da decisão impugnada), destinado a explicar em que medida a referida medida constituía um auxílio novo. Com efeito, os elementos contidos nesta secção incidem unicamente sobre o regime de auxílios relativo à não tributação dos rendimentos gerados por juros passivos.

232    Todavia, como resulta do n.o 230, supra, o respeito do dever de fundamentação deve ser examinado tendo em conta o conteúdo do ato, mas igualmente o seu contexto e as regras jurídicas aplicáveis. Por outro lado, no âmbito do procedimento de fiscalização dos auxílios estatais, a decisão final, tomada no termo do procedimento formal de investigação, constitui um ato cuja elaboração se efetua em várias fases. O Tribunal já declarou assim que a decisão de abertura do procedimento formal fazia parte do contexto da decisão que põe termo ao procedimento formal e que a primeira podia ser tida em conta no âmbito do exame da fundamentação da segunda (v., neste sentido, Acórdão de 12 de julho de 2018, Áustria/Comissão, T‑356/15, EU:T:2018:439, n.o 535).

233    Ora, por um lado, resulta dos considerandos 217 e 221 da decisão recorrida que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties era uma medida de auxílio ilegal que devia ser recuperada, pelo que a Comissão tinha necessariamente considerado, na decisão impugnada, que a referida medida era uma medida de auxílio novo. Com efeito, como decorre do artigo 108.o, n.os 1 e 3, TFUE e do artigo 1.o, alínea f), do Regulamento n.o 659/1999, só uma medida de auxílio novo, executada sem autorização da Comissão, pode ser qualificada de auxílio ilegal. Os regimes de auxílios existentes são, por sua vez, objeto de um exame permanente, no âmbito do qual a Comissão propõe as medidas adequadas exigidas pelo desenvolvimento progressivo ou pelo funcionamento do mercado interno.

234    Por outro lado, resulta dos considerandos 45, 66 e 67 da decisão de dar início ao procedimento que a Comissão tinha qualificado de auxílio novo a não tributação dos rendimentos gerados por royalties, com o fundamento de que os rendimentos gerados por royalties estavam sujeitos ao imposto em Gibraltar por força da ITA 1952, e isto até à entrada em vigor da ITA 2010.

235    Assim, na medida em que a constatação, feita na decisão recorrida, de que a medida em causa era uma medida de auxílio ilegal era compatível com a análise contida na decisão de dar início ao procedimento e em que essa decisão e a decisão impugnada não continham elementos que levassem a pensar que a Comissão tinha modificado a sua posição quanto a esse aspeto preciso, há que considerar que, no caso em apreço, a decisão de dar início ao procedimento fazia parte do contexto em que a decisão recorrida tinha sido adotada e devia ser tida em conta para efeitos da análise da fundamentação desta última, no que dizia respeito à qualificação como medida de auxílio nova da não tributação dos rendimentos gerados por royalties.

236    Por outro lado, importa salientar que as recorrentes contestam a análise segundo a qual a não tributação dos rendimentos gerados por royalties era um auxílio novo e, em particular, o facto de esses rendimentos estarem sujeitos ao imposto sobre o rendimento por força da ITA 1952. Isto demonstra efetivamente que estavam em condições de conhecer os motivos pelos quais a Comissão tinha considerado que a não tributação das receitas geradas por royalties constituía uma medida de auxílio novo ilegal.

237    Tendo em conta o que precede, há que julgar improcedente a acusação relativa à falta de fundamentação da decisão impugnada.

b)      Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 659/1999

238    Nos termos do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 659/1999, que estabelece as regras de execução do artigo 108.o TFUE, um auxílio novo é constituído por quaisquer auxílios, a saber, quaisquer regimes de auxílio e auxílios individuais, que não sejam um auxílio existente, incluindo quaisquer alterações de um auxílio existente.

239    Ora, em conformidade com o artigo 1.o, alíneas b), i), ii) e v), do Regulamento n.o 659/1999, constitui um auxílio existente qualquer auxílio autorizado, a saber, os regimes de auxílios e os auxílios individuais autorizados pela Comissão ou pelo Conselho da União Europeia, qualquer auxílio existente antes da entrada em vigor do Tratado no Estado‑Membro em causa, a saber, os regimes de auxílios e os auxílios individuais postos em execução antes da referida data de entrada em vigor, mas que continuavam a ser aplicáveis depois dessa data, bem como qualquer auxílio que seja considerado existente, por não poder ser demonstrado que não constituía um auxílio no momento em que foi posto em vigor mas que se tornou num auxílio a seguir, em razão da evolução do mercado comum, e sem ter sido modificado pelo Estado‑Membro em causa.

240    Devem, assim, ser considerados auxílios novos, as medidas tomadas depois da entrada em vigor do Tratado no Estado‑Membro em causa que se destinam a instituir ou a modificar auxílios (v. Acórdão de 20 de maio de 2010, Todaro Nunziatina & C., C‑138/09, EU:C:2010:291, n.o 46 e jurisprudência referida).

241    É por referência às disposições que o preveem, às suas modalidades e aos seus limites que um auxílio pode ser qualificado como novidade ou como modificação do regime existente (v. Acórdão de 16 de dezembro de 2010, Países Baixos e NOS/Comissão, T‑231/06 e T‑237/06, EU:T:2010:525, n.o 180 e jurisprudência referida).

242    No caso em apreço, as recorrentes limitam‑se a contestar a conclusão da Comissão segundo a qual os rendimentos gerados por royalties eram tributados em aplicação da ITA 1952 e só tinham sido excluídos do âmbito de aplicação do imposto sobre o rendimento em Gibraltar com a adoção da ITA 2010.

243    Ora, a este respeito, há que salientar que, como a Comissão observou na decisão de dar início ao procedimento, o artigo 6.o, n.o 1, alínea e), da ITA 1952, que foi revogado pela ITA 2010, enumerava expressamente os rendimentos gerados por royalties entre as categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar. Esses rendimentos estavam, portanto, sujeitos ao imposto sobre o rendimento em Gibraltar até à entrada em vigor da ITA 2010, em 1 de janeiro de 2011.

244    Não podem ser acolhidos os argumentos das recorrentes segundo os quais o termo «royalties», referido no artigo 6.o, n.o 1, alínea e), da ITA 1952, cobria exclusivamente os rendimentos gerados por royalties recebidos ligados a bens imóveis e designava os royalties decorrentes da exploração mineira.

245    Por um lado, a análise das recorrentes está em contradição com as informações comunicadas pelas autoridades do Reino Unido no procedimento administrativo. Com efeito, estas afirmaram expressamente, por diversas vezes, nomeadamente, nas suas observações de 14 de setembro e 3 de dezembro de 2012, que, «antes da adoção da [ITA 2010], os [rendimentos gerados por royalties] eram tributados e não davam lugar a receitas fiscais significativas», razão pela qual tinham sido excluídos da tributação pela Lei de 2010. Resulta do contexto destas observações que as autoridades do Reino Unido faziam efetivamente referência aos royalties de propriedade intelectual e não aos royalties ligadas à exploração mineira.

246    Além disso, como sustenta a Comissão, as autoridades do Reino Unido e de Gibraltar não contestaram a sua análise da ITA 1952 contida na decisão de dar início ao procedimento. Ora, como resulta do n.o 106, supra, na falta de informações suscetíveis de pôr em causa a interpretação do direito fiscal nacional feita na decisão de abertura do procedimento, a Comissão não podia examinar, através de suposições, todos os argumentos que poderiam potencialmente pôr em causa a referida interpretação, a qual, de resto, assentava diretamente em informações provenientes do Estado‑Membro em causa, que podiam ser consideradas suficientemente fiáveis e credíveis.

247    Por outro lado, os argumentos contidos no relatório de peritagem, comunicado em anexo à réplica, não permitem pôr em causa a constatação segundo a qual os rendimentos gerados por royalties de propriedade intelectual estavam sujeitos ao imposto sobre o rendimento em aplicação do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), da ITA 1952. Com efeito, embora o termo «royalties» estivesse inserido, no artigo 6.o, n.o 1, alínea e), da ITA 1952, entre os termos «rendas» (rents), «prémios» (premium) e «outros benefícios decorrentes de propriedades», não resultava da redação deste artigo que o conjunto destas categorias de rendimentos se referia a bens imóveis. Com efeito, o termo «propriedade» (property) podia fazer referência tanto a propriedades imobiliárias como a qualquer outra forma de propriedade, incluindo intelectual.

248    Por outro lado, na medida em que o relatório de peritagem se baseia na jurisprudência do JCPC relativa à interpretação do direito aplicável em antigas colónias caracterizadas pela sua riqueza mineira, há que salientar, à semelhança da Comissão, que é incoerente aplicar essa jurisprudência, por analogia, à situação de Gibraltar, cujo território é desprovido de tais características, a fim de concluir que o termo «royalty», na aceção do artigo 6.o, n.o 1, alínea e), da ITA 1952, visa unicamente os royalties de explorações mineiras.

249    Decorre, portanto, do que precede que a Comissão considerou corretamente que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties tinha sido introduzida com a adoção da ITA 2010. Por conseguinte, a Comissão não cometeu qualquer erro ao qualificar essa não imposição de medida de auxílio novo e ilegal.

250    Assim, há que julgar improcedente a segunda acusação e, portanto, o quinto fundamento, relativo à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada.

251    Por conseguinte, há que negar provimento ao recurso na parte em que é pedida a anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, relativa à não tributação dos rendimentos gerados por royalties e à ordem de recuperação associada a essa medida.

C.      Quanto à segunda parte do recurso, que tem por objeto a anulação do artigo 2.o da decisão impugnada no que respeita ao auxílio de Estado individual concedido à MJN GibCo, bem como à ordem de recuperação ligada a esta medida

252    A segunda parte do recurso visa a anulação do artigo 2.o da decisão impugnada, nos termos do qual a Comissão declarou que os auxílios estatais individuais concedidos com base em cinco decisões fiscais antecipadas, concedidas a cinco sociedades estabelecidas em Gibraltar, que detinham uma participação em CV neerlandeses e recebiam rendimentos gerados por juros passivos e royalties de propriedade intelectual, eram ilegais e incompatíveis com o mercado interno. A DFA da MJN GibCo de 2012 faz parte das cinco decisões fiscais antecipadas referidas no artigo 2.o da decisão impugnada.

253    Como resulta do n.o 40, supra, o presente recurso tem por objeto a anulação dos artigos 2.o e 5.o da decisão impugnada unicamente na parte em que dizem respeito à situação da MJN GibCo.

254    Em apoio dos seus pedidos de anulação do artigo 2.o, bem como do artigo 5.o, n.os 1 e 2, da decisão impugnada, as recorrentes invocam quatro fundamentos:

–        o primeiro fundamento é relativo à violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e do artigo 6.o do Regulamento n.o 659/1999, na medida em que a Comissão não deu informações suficientes na decisão de extensão do procedimento formal de investigação sobre o objeto desse procedimento [secção a) da segunda parte da petição];

–        o segundo e terceiro fundamentos são relativos à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE e a erros manifestos de apreciação quanto ao significado e aos efeitos da DFA de MJN GibCo de 2012, bem como à sua qualificação de medida de auxílio individual [secções b) e c) da segunda parte da petição];

–        o quarto fundamento é relativo a um desvio de poder, na medida em que a Comissão recorreu ao procedimento de fiscalização dos auxílios estatais a fim de contestar o recurso a uma CV nas estruturas dos grupos multinacionais conjugado com o princípio territorial de tributação [secção d) da quarta parte da petição].

1.      Considerações preliminares sobre o alcance do artigo 2.o da decisão impugnada

255    O artigo 2.o da decisão impugnada dispõe que «[o]s auxílios estatais individuais concedidos pelo governo de Gibraltar com base nas [cinco] decisões fiscais antecipadas a cinco empresas estabelecidas em Gibraltar com participações em [CV] neerlandesas, que recebem rendimentos [gerados por] royalties e [por] juros passivos, ilegalmente executados pelo Reino Unido em violação do artigo 108.o, n.o 3, do TFUE, são incompatíveis com o mercado interno na aceção do artigo 107.o, n.o 1, do TFUE». A este respeito, importa recordar que a DFA de MJN GibCo de 2012 é uma das cinco decisões fiscais antecipadas em causa.

256    Com o seu recurso, as recorrentes pedem a anulação da decisão impugnada, na parte em que declarou que a DFA da MJN GibCo de 2012 constituía um auxílio individual concedido à MJN GibCo, tanto para o período que vai até 31 de dezembro de 2013 como para o período posterior a essa data. Em especial, resulta das respostas das recorrentes às perguntas escritas do Tribunal Geral que estas consideraram que o artigo 2.o da decisão impugnada dispunha que, quanto ao período que vai até 31 de dezembro de 2013, tinha‑lhes sido concedido um auxílio individual com base no regime de auxílios identificado no artigo 1.o, n.o 2, da referida decisão. A Comissão, por sua vez, esclareceu, em resposta a uma pergunta do Tribunal na audiência de alegações, que o artigo 2.o da decisão impugnada dizia respeito unicamente ao período posterior a 31 de dezembro de 2013.

257    Importa, portanto, examinar se o artigo 2.o da decisão impugnada visa apenas a medida de auxílio individual ad hoc concedida com base na DFA de MJN GibCo de 2012 para o período posterior a 31 de dezembro de 2013 ou se esta parte do dispositivo deve ser interpretada na parte em que declara igualmente que, para o período que vai até 31 de dezembro de 2013, a MJN GibCo beneficiou de uma medida de auxílio individual, em aplicação do regime de auxílios referido no artigo 1.o, n.o 2, da decisão recorrida.

258    Em primeiro lugar, importa recordar que, por força do artigo 1.o, alínea e), do Regulamento n.o 659/1999, constitui um «auxílio individual» um auxílio que não é concedido com base num regime de auxílios, ou que é concedido com base num regime de auxílios, mas que deve ser notificado.

259    Assim, decorre da jurisprudência do Tribunal de Justiça que uma decisão da Comissão que declara a existência de um auxílio de Estado não pode ser interpretada no sentido de que tem por objeto, simultaneamente, um regime de auxílios e as decisões individuais que aplicam esse regime, e isso apesar de a Comissão se ter pronunciado, nos motivos e no dispositivo da referida decisão, sobre os auxílios individualmente concedidos a certos beneficiários, identificados pelo nome, ao indicar que esses auxílios deviam ser considerados ilegais e incompatíveis com o mercado (v., neste sentido, Acórdão de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.os 70 a 77).

260    No caso em apreço, por um lado, resulta dos considerandos 183 e 196 da decisão impugnada que a Comissão precisou que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties concedidos aos beneficiários da DFA de MJN GibCo de 2012 constituía, para o período que vai até 31 de dezembro de 2013, um auxílio de Estado concedido com base no regime de auxílios que tinha sido examinado na secção 7 da decisão impugnada. Com efeito, a DFA da MJN GibCo de 2012 dizia respeito a um «regime de auxílios», na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 659/1999, e não a uma medida individual, uma vez que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties era suscetível de beneficiar, devido à simples não inclusão desses rendimentos entre as categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar enumeradas no anexo 1 da ITA 2010, a cada uma das empresas de Gibraltar que recebessem tais rendimentos, definidas de um modo geral e abstrato, em relação a um montante e a um período indeterminados, e isso sem que seja necessário tomar medidas de aplicação suplementares e sem que essas disposições estejam ligadas à realização de um projeto específico. Importa, além disso, observar que as disposições fiscais que permitiam às sociedades que recebem rendimentos gerados por royalties beneficiar da não tributação dos referidos rendimentos constavam de uma medida de alcance geral, a saber, a ITA 2010, na versão em vigor até 31 de dezembro de 2013.

261    Por outro lado, no considerando 183 da decisão impugnada, a Comissão precisou que, no que dizia respeito ao período compreendido entre 30 de junho de 2013 e 31 de dezembro de 2013, respetivamente, a parte das cinco decisões fiscais antecipadas relativas à isenção dos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties mais não fazia do que confirmar a aplicação das disposições fiscais aplicáveis à época, a saber, que esses rendimentos não eram tributáveis em Gibraltar. Ora, a este respeito, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que medidas individuais que se limitam a pôr em prática um regime de auxílios que, enquanto tal, deveria ter sido notificado à Comissão pelo Estado‑Membro em causa, constituem simples medidas de execução do regime geral, que não devem, em princípio, ser notificadas a essa instituição. Tal medida não constitui, portanto, um «auxílio individual», na aceção do artigo 1.o, alínea e), do Regulamento n.o 659/1999.

262    Em segundo lugar, importa recordar que, no caso de um regime de auxílios, deve ser feita uma distinção entre a adoção desse regime, por um lado, e a concessão de auxílios com base no referido regime, por outro (v., nesse sentido, Acórdão de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.o 66 e jurisprudência referida).

263    Com efeito, no caso específico de um regime de auxílios, a Comissão pode limitar‑se a estudar as características do regime em causa para apreciar, nos fundamentos da decisão, se, em razão das modalidades que esse regime prevê, este assegura uma vantagem aos beneficiários dos auxílios concedidos no âmbito deste em relação aos seus concorrentes e é suscetível de beneficiar as empresas que participam nas trocas entre Estados‑Membros. Assim, a Comissão, numa decisão que tem por objeto esse regime, não é obrigada a efetuar uma análise do auxílio concedido em cada caso individual com fundamento em tal regime. É apenas na fase da recuperação dos auxílios que será necessário verificar a situação individual de cada empresa em causa (Acórdãos de 9 de junho de 2011, Comitato «Venezia vuole vivere» e o./Comissão, C‑71/09 P, C‑73/09 P e C‑76/09 P, EU:C:2011:368, n.o 63; de 13 de junho de 2013, HGA e o./Comissão, C‑630/11 P a C‑633/11 P, EU:C:2013:387, n.o 114, e de 29 de julho de 2019, Azienda Napoletana Mobilità, C‑659/17, EU:C:2019:633, n.o 27).

264    Daqui resulta que, para determinar a existência da vantagem, a Comissão devia examinar exclusivamente, na decisão impugnada, o «regime de auxílios», na aceção do artigo 1.o, alínea d), do Regulamento n.o 659/1999, tal como este é identificado no artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, e não os auxílios concedidos com base e em aplicação automática desse regime. Neste contexto, foi declarado que era irrelevante o facto de os fundamentos e o dispositivo da decisão impugnada terem identificado diretamente potenciais destinatários da decisão impugnada (v., neste sentido, Acórdão de 4 de março de 2021, Comissão/Fútbol Club Barcelona, C‑362/19 P, EU:C:2021:169, n.os 70, 71, 74, 75 e 86).

265    Importa, de resto, salientar que a decisão impugnada não continha uma análise detalhada da situação da MJN GibCo, a fim de verificar se esta tinha efetivamente beneficiado de uma vantagem em aplicação do regime de auxílios referido no artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, antes se limitando, nos seus considerandos 183 e 196, a remeter para a análise do regime de auxílios que tinha sido efetuada na sua secção 7.

266    Decorre das considerações anteriores que, uma vez que, na decisão impugnada, a Comissão constatou que a não tributação dos rendimentos gerados por royalties constituía um regime de auxílios incompatível e ilegal, o seu artigo 2.o não pode ser interpretado no sentido de que declara, relativamente ao período que vai até 31 de dezembro de 2013, que tinha sido concedida à MJN GibCo uma medida de auxílio individual em aplicação desse regime, e isso independentemente do facto de os fundamentos da decisão impugnada identificarem a MJN GibCo como sendo um potencial beneficiário do regime de auxílios em questão. Com efeito, a questão da identificação da MJN GibCo e dos recorrentes enquanto beneficiários efetivos do regime de auxílios dizia unicamente respeito à fase da recuperação do auxílio.

267    Consequentemente, há que considerar que o artigo 2.o da decisão impugnada se referia apenas às medidas de auxílio concedidas com base nas cinco decisões fiscais antecipadas, e não aos auxílios executados com base no regime de auxílios referido no artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, e, assim, visava apenas o período posterior a 31 de dezembro de 2013.

268    Por conseguinte, há que afastar, por serem inoperantes, os argumentos das recorrentes destinados a contestar o artigo 2.o da decisão impugnada, na medida em que visava medidas de auxílio individuais que foram concedidas com base na DFA de MJN GibCo de 2012, relativamente ao período que vai até 31 de dezembro de 2013.

2.      Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e do artigo 6.o do Regulamento n.o 659/1999 (primeiro fundamento destinado à anulação do artigo 2.o da decisão impugnada)

269    Com o seu primeiro fundamento destinado à anulação do artigo 2.o da decisão impugnada, as recorrentes acusam a Comissão de não ter, na decisão de alargar o procedimento, cumprido a exigência, decorrente do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e do artigo 6.o do Regulamento n.o 659/1999, que consiste em recapitular os elementos pertinentes de facto e de direito e em incluir uma avaliação provisória que visa determinar se a medida examinada na referida decisão tinha a natureza de auxílio e a expor as razões que a levavam a duvidar da sua compatibilidade com o mercado interno. Recordam que uma decisão de dar início, ou de alargar, o procedimento formal de investigação deve permitir aos interessados participar utilmente no procedimento e responder às conclusões preliminares da Comissão. Consequentemente, a Comissão é obrigada a definir suficientemente o quadro do seu exame para que o direito dos interessados a apresentarem as suas observações não seja esvaziado do seu conteúdo e não pode adotar uma decisão final sobre questões que não foram abordadas na decisão de dar início ao procedimento. Ora, no caso em apreço, a decisão de alargar o procedimento não continha elementos que lhes permitissem antecipar as apreciações, contidas na decisão impugnada, segundo as quais a DFA de MJN GibCo de 2012 constituía um auxílio de Estado individual em relação ao período posterior a 31 de dezembro de 2013.

270    Em primeiro lugar, as recorrentes alegam que o raciocínio seguido pela Comissão, na decisão recorrida, a respeito das cinco decisões fiscais antecipadas, entre as quais a DFA de MJN GibCo de 2012, assentava numa base totalmente diferente da identificada na decisão de alargar o procedimento. Segundo as recorrentes, a Comissão abordou a problemática do pagamento das receitas geradas por royalties através de estruturas baseadas em grupos de sociedades que incluem CV, bem como a estrutura do grupo MJN, pela primeira vez na decisão impugnada, e nada lhes permitia prever, pela leitura da decisão de alargar o procedimento, que a Comissão ia examinar essas questões. A única preocupação ligada à tributação dos rendimentos gerados por royalties, identificada pela Comissão na decisão de alargar o procedimento, residiu no facto de terem sido concedidas decisões fiscais antecipadas a sociedades de Gibraltar sem que as autoridades fiscais desse território tenham verificado o local onde se encontrava o utilizador dos direitos de propriedade intelectual. Ora, na medida em que resulta claramente do seu pedido de decisão fiscal antecipada que o utilizador dos direitos de propriedade intelectual se situava fora de Gibraltar, as recorrentes não consideraram útil apresentar observações à Comissão, e isso mesmo que a DFA de MJN GibCo de 2012 tenha figurado em anexo à decisão de alargar o procedimento.

271    Em segundo lugar, segundo as recorrentes, não resulta claramente da decisão de alargar o procedimento que o exame da Comissão incidia não apenas sobre a prática das decisões fiscais antecipadas, enquanto regime de auxílios, mas também sobre decisões fiscais antecipadas consideradas individualmente fora da aplicação desse regime. A circunstância de a Comissão ter identificado, na decisão de alargar o procedimento, certos aspetos da prática das decisões fiscais antecipadas não lhe deu o direito de examinar todos os aspetos do conjunto das 165 decisões fiscais antecipadas para verificar a sua conformidade com o direito fiscal de Gibraltar. As recorrentes acrescentam que, da leitura da decisão de alargar o procedimento, o único motivo pelo qual a Comissão teria podido examinar a questão da tributação dos rendimentos gerados por royalties no âmbito de estruturas de CV era a questão do lugar de estabelecimento dos utilizadores dos direitos de propriedade intelectual.

272    Em terceiro lugar, as recorrentes acusam a Comissão de não ter indicado que alargava o seu exame a auxílios individuais que tinham sido potencialmente consentidos posteriormente a 31 de dezembro de 2013. A este respeito, as recorrentes sublinham que a DFA de MJN GibCo de 2012 tinha deixado de vigorar após essa data, na medida em que tinha sido substituída pela decisão fiscal antecipada de 2014.

273    Em quarto lugar, as recorrentes acusam a Comissão der ter alterado a sua análise da seletividade entre a adoção da decisão de alargar o procedimento e a da decisão impugnada. Na decisão impugnada, a Comissão comparou os beneficiários das cinco decisões fiscais antecipadas não só com as empresas multinacionais mas igualmente com o conjunto das outras sociedades contribuintes em Gibraltar, incluindo as sociedades pertencentes a grupos multinacionais, os beneficiários das outras decisões fiscais antecipadas e as sociedades nacionais.

274    Segundo as recorrentes, essas falhas privaram‑nas da possibilidade de apresentarem utilmente as suas observações durante o procedimento formal de investigação, nomeadamente no que respeita à existência da DFA de 2014 que substituiu a de 2012.

275    A Comissão contesta esses argumentos.

276    Em substância, alega que a decisão de alargar o procedimento continha elementos suficientes sobre o objeto do procedimento de investigação e definia suficientemente a medida de auxílio individual resultante da DFA da MJN GibCo de 2012.

277    Primeiro, a Comissão indica que a decisão de alargar o procedimento fazia expressamente referência à DFA da MJN GibCo de 2012, que continha uma descrição da estrutura do grupo e fazia expressamente referência à MJN US, à MJ BV e à Mead Johnson Nutrition (Asia Pacific). A MJN GibCo e as recorrentes foram, portanto, necessariamente informadas do facto de que tinha dado início a um procedimento de investigação relativo à DFA da MJN GibCo de 2012 e que esse procedimento dizia respeito a outras entidades do grupo que não a MJN GibCo. Além disso, no que respeita à DFA de MJN GibCo de 2014, a Comissão sublinha que esta não lhe foi submetida pelas autoridades do Reino Unido e que, de qualquer modo, essa DFA não estava em contradição com a DFA de MJN GibCo de 2012 nem prevalecia sobre esta, na medida em que tratava da situação fiscal de uma entidade diferente, a saber, de MJT CV. A Comissão acrescenta que o relatório de fiscalização de 16 de dezembro de 2015, elaborado pelo centro de impostos de Gibraltar no termo de uma fiscalização exaustiva da DFA de MJN GibCo de 2012, confirmava efetivamente que a referida DFA ainda era aplicável em 2015.

278    Em segundo lugar, a Comissão considera que a decisão de alargar o procedimento era clara e precisa quanto à natureza e à origem do auxílio potencial, a saber, o poder de apreciação amplo das autoridades fiscais de Gibraltar e a eventual má aplicação das disposições fiscais por estas. Precisa que a dimensão das suas dúvidas e o âmbito de aplicação do procedimento de exame resultava claramente do considerando 52 da decisão de alargar o procedimento. O âmbito de aplicação deste procedimento não foi limitado aos exemplos identificados nos considerandos 32 e 53 desta última decisão. A Comissão explica que, tendo em conta o objeto da DFA de MJN GibCo de 2012, as recorrentes não deviam ter qualquer dúvida quanto ao facto de que estava preocupada com os rendimentos gerados por royalties e recebidos pela MJN GibCo pela sua participação na MJT CV.

279    Em terceiro lugar, a Comissão alega que nada, na decisão impugnada, indicava que o objeto do procedimento formal de investigação se limitava ao período anterior à entrada em vigor das alterações de 2013.

280    Em quarto lugar, considera que resultava claramente do considerando 68 da decisão de alargar o procedimento que o procedimento formal de investigação não se referia apenas ao eventual regime de auxílios decorrente de uma prática recorrente, mas igualmente aos 165 casos individuais de decisões fiscais antecipadas.

281    Em quinto lugar, em resposta aos argumentos segundo os quais alterou a sua apreciação da seletividade entre a adoção da decisão de alargar o procedimento e a da decisão impugnada, a Comissão alega que é livre de fazer evoluir a sua apreciação entre a decisão de dar início ao procedimento e a decisão final.

282    Em substância, com o primeiro fundamento, relativo à anulação do artigo 2.o da decisão impugnada, as recorrentes sustentam que a Comissão violou o artigo 108.o, n.o 2, TFUE e o artigo 6.o do Regulamento n.o 659/1999, bem como o seu direito de serem associadas ao procedimento formal de investigação, ao adotar, na decisão recorrida, uma análise da DFA da MJN GibCo de 2012 diferente da constante da decisão de alargar o procedimento. Não puderam, portanto, apresentar utilmente as suas observações no decurso do procedimento formal de investigação.

283    A este respeito cabe recordar que, por força do artigo 108.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE, quando a Comissão decide dar início a um procedimento formal de investigação, tem de notificar os interessados para apresentarem as suas observações.

284    Como resulta da jurisprudência, o artigo 108.o, n.o 2, primeiro parágrafo, TFUE tem como objetivo, por um lado, obrigar a Comissão a proceder de modo a que todas as pessoas potencialmente interessadas sejam avisadas e tenham oportunidade de fazer valer os seus argumentos e, por outro, permitir à Comissão estar completamente esclarecida sobre a totalidade dos dados do processo antes de tomar a sua decisão (Acórdão de 25 de junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T‑371/94 e T‑394/94, EU:T:1998:140, n.o 58).

285    O artigo 6.o, n.o 1, do Regulamento n.o 659/1999, epigrafado «Procedimento formal de investigação» prevê que a decisão de dar início a um procedimento formal de investigação recapitulará os elementos pertinentes de facto e de direito, incluirá uma avaliação preliminar, pela Comissão, da medida proposta visando determinar se esta apresenta a natureza de auxílio, expondo as razões que incitam a duvidar da sua compatibilidade com o mercado interno e convidará o Estado‑Membro em causa e a outras partes interessadas a apresentarem as suas observações dentro de um prazo determinado.

286    Neste contexto, cabe recordar que a jurisprudência reconhece às partes interessadas essencialmente o papel de fontes de informação para a Comissão no âmbito do procedimento administrativo instaurado ao abrigo do artigo 108.o, n.o 2, TFUE. Daí resulta que os interessados, longe de poderem invocar os direitos de defesa reconhecidos às pessoas contra as quais um procedimento é instaurado, dispõem exclusivamente do direito de ser associadas ao procedimento administrativo numa medida adequada, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto (Acórdãos de 25 de junho de 1998, British Airways e o./Comissão, T‑371/94 e T‑394/94, EU:T:1998:140, n.os 59 e 60, e de 30 de novembro de 2009, França e France Télécom/Comissão, T‑427/04 e T‑17/05, EU:T:2009:474, n.o 147). Em especial, o direito à informação dos interessados não pode ser alargado ao direito geral de se exprimir sobre todos os aspetos potencialmente capitais suscitadas durante o procedimento formal de investigação (Acórdão de 30 de novembro de 2009, França e France Télécom/Comissão, T‑427/04 e T‑17/05, EU:T:2009:474, n.o 149).

287    Embora a Comissão não possa ser obrigada a apresentar uma análise conclusiva a respeito do auxílio em causa na sua comunicação relativa à abertura desse procedimento, é necessário que defina suficientemente o âmbito da sua investigação, para não esvaziar de sentido o direito dos interessados de apresentarem as suas observações (v. Acórdão de 12 de julho de 2018, Áustria/Comissão, T‑356/15, EU:T:2018:439, n.o 703 e jurisprudência referida).

288    A decisão de abertura do procedimento formal de investigação deve, assim, colocar as partes interessadas em condições de participarem de modo eficaz no referido procedimento durante o qual terão a possibilidade de apresentar os seus argumentos. Para o efeito, basta que as partes interessadas conheçam o raciocínio que levou a Comissão a considerar provisoriamente que a medida em causa podia constituir um auxílio novo incompatível com o mercado comum (v. Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Ryanair e Airport Marketing Services/Comissão, T‑165/15, EU:T:2018:953, n.o 82 e jurisprudência referida).

289    Por outro lado, importa recordar que qualquer divergência entre a decisão de abertura do procedimento formal de investigação e a decisão final não pode ser considerada como sendo, em si mesma, constitutiva de um vício que enferme a legalidade desta última. Só uma alteração que afete a natureza das medidas em causa pode desencadear uma obrigação de a Comissão informar as partes interessadas novamente (Acórdão de 12 de julho de 2018, Áustria/Comissão, T‑356/15, EU:T:2018:439, n.o 727). Assim, quando a Comissão altera o seu raciocínio, na sequência da decisão de dar início ao procedimento formal de investigação, sobre factos ou uma qualificação jurídica desses factos que se revelem determinantes na sua apreciação da existência de um auxílio ou da sua compatibilidade com o mercado interno, deve retificar a decisão de dar início ao referido procedimento ou alargar esta, a fim de permitir às partes interessadas apresentarem utilmente observações (v., neste sentido, Acórdão de 30 de abril de 2019, UPF/Comissão, T‑747/17, EU:T:2019:271, n.o 77).

290    Neste contexto, refira‑se que a obrigação que incumbe à Comissão, na fase da decisão de abertura do procedimento, de colocar os interessados em posição de apresentar as suas observações reveste a natureza de uma formalidade essencial (v., neste sentido, Acórdão de 11 de dezembro de 2008, Comissão/Freistaat Sachsen, C‑334/07, EU:C:2008:709, n.o 55). Assim, a violação de tal formalidade implica a anulação do ato viciado, independentemente da questão de saber se essa violação causou um prejuízo a quem a invoca ou se o procedimento administrativo poderia ter conduzido a um resultado diferente (v., neste sentido, Acórdão de 22 de fevereiro de 2006, Le Levant 001 e o./Comissão, T‑34/02, EU:T:2006:59, n.os 95 a 99).

291    Por conseguinte, a obrigação de retificar ou de alargar o procedimento formal de investigação, a fim de colocar os em condições de apresentarem as suas observações, deve revestir igualmente o caráter de formalidade essencial quando a Comissão tiver alterado o seu raciocínio entre a decisão de dar início ao procedimento e a decisão final, baseando‑se em factos ou numa qualificação jurídica dos factos que se revelam determinantes na sua apreciação relativa à existência de um auxílio e que afetam a própria natureza da medida em causa.

292    Com efeito, em tal circunstância, a alteração da posição da Comissão é tal que altera o objeto e o alcance do procedimento formal de investigação. Ora, deixar à Comissão a possibilidade de alterar, posteriormente à decisão de dar início ao procedimento formal de investigação ou, como no caso em apreço, da decisão de extensão da referida decisão de dar início ao procedimento, o objeto do referido procedimento, bem como os elementos mais substanciais com base nos quais considerou que a medida examinada constituía potencialmente uma medida de auxílio, sem adotar uma decisão retificativa retiraria às partes interessadas a possibilidade de formularem as suas observações sobre o objeto alterado do procedimento formal de investigação. Isso privaria de efeito a obrigação que incumbe à Comissão de definir de forma suficientemente precisa o âmbito do seu exame para permitir às partes interessadas participar de modo eficaz no referido procedimento, quando apresentem as suas observações, e assim definir suficientemente o âmbito do seu exame. Como foi exposto no n.o 290, supra, esta obrigação reveste o caráter de formalidade essencial.

293    Esta apreciação não é posta em causa pelo Acórdão de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo (C‑56/18 P, EU:C:2020:192, n.os 76 a 82), no qual o Tribunal de Justiça censurou ao Tribunal Geral o facto de ter cometido um erro de direito ao declarar que o direito das partes interessadas de apresentarem observações revestia a natureza de formalidade essencial sem demonstrar que o procedimento administrativo teria podido conduzir a um resultado diferente. Com efeito, resulta dos n.os 78 a 82 do referido acórdão que a constatação desse erro era justificada pelas circunstâncias próprias do caso em apreço, a saber, que, mesmo que as partes interessadas não tivessem sido convidadas a apresentar as suas observações sobre a incidência de uma alteração de regime jurídico que se verificou depois da adoção da decisão de dar início ao procedimento, tal circunstância não revestia o caráter de formalidade essencial, na medida em que a referida alteração não era suscetível de alterar o sentido dessa decisão.

294    Acresce que, como resulta do n.o 85 do Acórdão de 11 de março de 2020, Comissão/Gmina Miasto Gdynia e Port Lotniczy Gdynia Kosakowo (C‑56/18 P, EU:C:2020:192), embora, em princípio, as alterações substanciais de uma base jurídica em que se baseia uma decisão da Comissão são suscetíveis de influenciar essa decisão, não era esse o caso em apreço na medida em que a decisão em questão assentava, além disso, numa base jurídica autónoma que não tinha mudado e que bastava para servir de base à referida decisão. Daqui decorre que a jurisprudência acima referida no n.o 290, supra, segundo a qual a Comissão deve colocar as partes interessadas em condições de apresentarem as suas observações quando decide dar início ao procedimento formal de investigação e segundo a qual essa obrigação reveste o caráter de formalidade essencial, não é posta em causa.

295    No caso em apreço, para analisar a existência de uma violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE, do artigo 6.o do Regulamento n.o 659/1999 e da obrigação de a Comissão colocar as partes interessadas em condições de apresentarem utilmente as suas observações, há que examinar se a análise contida na decisão de alargar o procedimento continha os elementos determinantes nos quais a Comissão baseou a sua apreciação, na decisão impugnada, segundo a qual a DFA de MJN GibCo de 2012, posteriormente a 31 de dezembro de 2013, constituía uma medida de auxílio de Estado individual concedida pelo governo de Gibraltar e, assim, se permitia identificar a natureza da medida que era objeto do artigo 2.o da decisão impugnada.

296    Para este efeito, importa começar por examinar os elementos determinantes do raciocínio que levou a Comissão a considerar, nomeadamente, no artigo 2.o da decisão recorrida, que, posteriormente a 31 de dezembro de 2013, os efeitos produzidos pela DFA da MJN GibCo de 2012 constituíam um auxílio estatal individual.

297    Em primeiro lugar, importa salientar que o artigo 2.o da decisão impugnada visava «[o]s auxílios estatais individuais concedidos pelo governo de Gibraltar, com base nas [cinco] decisões fiscais [antecipadas] […], a cinco empresas de Gibraltar com participações em [CV] neerlandesas […], que recebem rendimentos [gerados por] juros passivos e [por] royalties [de propriedade intelectual]». Além disso, na secção 12, intitulada «Conclusão», mais precisamente, no considerando 246 desta mesma decisão, especificava‑se que era «o tratamento fiscal concedido pelo governo de Gibraltar com base nas [cinco] decisões fiscais [antecipadas] concedidas a cinco empresas com participação em [CV] neerlandesas, que recebem rendimentos decorrentes de [juros passivos e de royalties de propriedade intelectual]» que constituíam medidas de auxílios individuais.

298    Neste contexto, importa salientar que a Comissão indicou, no considerando 152 da decisão impugnada, que as cinco decisões fiscais antecipadas, entre as quais a DFA de MJN GibCo de 2012, tinham «[continuado] em vigor e não [tinham sido] revogadas pelas autoridades fiscais, nem na sequência das alterações à ITA 2010 em 2013, que incluíram os [rendimentos gerados por] juros [passivos] e [por] royalties no âmbito de aplicação da tributação, nem na sequência das auditorias realizadas em 2015».

299    Do mesmo modo, nos considerandos 180, 182 e 184 da decisão impugnada, a Comissão explicou que, embora fosse verdade que, no momento da concessão das cinco decisões fiscais antecipadas e, portanto, da DFA de MJN GibCo de 2012, estas estavam em conformidade com as disposições fiscais aplicáveis, desde 1 de julho de 2013 e 1 de janeiro de 2014, respetivamente, os rendimentos gerados por juros passivos e por royalties passaram a estar incluídos nas categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar enumeradas no anexo 1 da ITA 3010. Assim, constatou que as autoridades fiscais de Gibraltar tinham prolongado a existência do regime de não tributação dos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties o autorizar os beneficiários das cinco decisões fiscais antecipadas, entre as quais a MJN GibCo, a beneficiar dessas decisões após a entrada em vigor das alterações de 2013 da ITA 2010. Importa salientar, a este respeito, que a Comissão observou, na nota de pé de página 92 e no considerando 152 da decisão impugnada, que as cinco decisões fiscais antecipadas se tinham mantido em vigor pelo menos até 2015, data na qual uma auditoria tinha sido realizada pelas autoridades fiscais de Gibraltar.

300    Resulta destes elementos que não era a DFA de MJN GibCo de 2012 enquanto tal, nem a sua adoção, mas o tratamento fiscal concedido à MJN GibCo pelas autoridades fiscais de Gibraltar «com base» nessa decisão fiscal antecipada que confirmou a não tributação dos rendimentos dos royalties e, mais especificamente, a manutenção dessa decisão posteriormente a 31 de dezembro de 2013, que constituíam um auxílio de Estado individual, o que a Comissão confirmou na audiência de alegações, em resposta a uma pergunta do Tribunal.

301    Em segundo lugar, importa salientar que a Comissão concentrou a sua análise das cinco decisões fiscais antecipadas e, assim, da DFA de MJN GibCo de 2012 na estrutura, relatada nos pedidos de decisões fiscais antecipadas, caracterizada pela presença de uma CV neerlandesa que detém os direitos de propriedade intelectual e por sociedades parceiras estabelecidas em Gibraltar, que detêm as participações na CV, bem como no caráter transparente das CV neerlandesas para efeitos da aplicação da ITA 2010 (considerandos 153 a 159 da decisão impugnada). Em especial, a Comissão considerou que, segundo as comunicações das autoridades do Reino Unido, parecia que, na falta de regras específicas na ITA 2010, Gibraltar aplicava os princípios da common law e considerava as CV neerlandesas entidades transparentes, pelo que a parte correspondente dos rendimentos recebidos pelos CV devia ser considerada como sendo diretamente recebida pelas sociedades de Gibraltar que detêm a participação na CV (considerando 155 da decisão impugnada). Daí concluiu, nos considerandos 161 e 162 da decisão impugnada, que as participações de cada uma das cinco sociedades estabelecidas em Gibraltar que eram beneficiárias das cinco decisões fiscais antecipadas, entre as quais a MJN GibCo, no montante dos lucros realizados ao nível das CV neerlandesas deveriam ter sido integradas na matéria coletável destas cinco empresas e tributadas em Gibraltar.

302    Resulta do exposto que o raciocínio com base no qual a Comissão considerou que a manutenção da DFA de MJN GibCo de 2012 constituía uma medida de auxílio individual assentava essencialmente no facto de esta decisão fiscal antecipada ter por objeto uma estrutura de grupo que envolvia uma CV neerlandesa, a saber, a MJT CV, e um parceiro estabelecido em Gibraltar, a saber, a MJN GibCo, bem como a questão de saber se a MJT CV constituía uma entidade fiscalmente transparente, pelo que os rendimentos gerados por royalties que recebia deviam ser diretamente tributados no que respeita à MJN GibCo, como se esses rendimentos tivessem sido diretamente recebidos por esta última. Com efeito, a constatação da existência de uma vantagem seletiva assentava na constatação de que, em aplicação do direito fiscal de Gibraltar, na sua versão em vigor a partir de 1 de janeiro de 2014, as sociedades parceiras deveriam normalmente ter sido sujeitas ao imposto sobre o rendimento das sociedades em Gibraltar no valor da sua participação nos lucros da CV neerlandesa.

303    Estes diferentes elementos eram, portanto, determinantes na apreciação da Comissão, subjacente ao artigo 2.o da decisão impugnada, segundo a qual, posteriormente a 31 de dezembro de 2013, a manutenção da DFA de MJN GibCo de 2012 apresentava a natureza de um auxílio de Estado individual concedido pelo governo de Gibraltar.

304    Tendo em conta as apreciações precedentes, há que examinar se a decisão de alargar o procedimento continha informações suficientes, quanto à natureza do auxílio de Estado individual concedido à MJN GibCo, posteriormente a 31 de dezembro de 2013, pela DFA de MJN GibCo de 2012, conforme referida no artigo 2.o da decisão impugnada, para que a Comissão pudesse adotar a referida decisão sem violar o direito das partes interessadas de apresentarem utilmente as suas observações, em conformidade com o artigo 108.o, n.o 2, TFUE e com o artigo 6.o do Regulamento n.o 659/1999.

305    É certo que, como alega a Comissão, na decisão de alargar o procedimento, esta identificou a DFA da MJN GibCo de 2012 como podendo potencialmente constituir uma medida de auxílio individual. Do mesmo modo, contrariamente ao que sustentam as recorrentes, a Comissão não circunscreveu o procedimento formal de investigação à análise da prática das decisões fiscais antecipadas enquanto potencial regime de auxílios.

306    Com efeito, resulta claramente dos considerandos 62 e 69 da decisão de alargar o procedimento e da parte «Conclusões» dessa decisão que a extensão do procedimento formal de investigação incidia não apenas sobre a prática das decisões fiscais antecipadas mas também sobre 165 decisões fiscais antecipadas tomadas individualmente, as quais podiam, cada uma potencialmente, constituir uma medida de auxílio individual. A DFA de MJN GibCo de 2012 que figura na lista das 165 decisões fiscais antecipadas, anexada à decisão de alargar o procedimento, fazia parte do objeto do procedimento formal de investigação, enquanto potencial medida de auxílio individual.

307    Importa, porém, observar que os elementos tidos em conta pela Comissão, na decisão impugnada, para concluir que um auxílio individual tinha sido concedido com base na DFA de MJN GibCo de 2012, tal como foram identificados nos n.os 297 a 303, supra, diferiam da avaliação provisória dos efeitos produzidos pela DFA da MJN GibCo de 2012, posteriormente a 31 de dezembro de 2013, contida na decisão de alargar o procedimento.

308    Em primeiro lugar, a análise contida na decisão de alargar o processo centrava‑se principalmente na adoção das decisões fiscais antecipadas e na falta de verificação de que as condições descritas nos pedidos de decisões fiscais antecipadas tinham efetivamente sido satisfeitas.

309    Com efeito, nos considerandos 31, 32 e 53 da decisão de alargar o procedimento, a Comissão explicou, tendo em conta as 165 decisões fiscais antecipadas examinadas no âmbito do procedimento preliminar de investigação, entre as quais a DFA de MJN GibCo de 2012, que vários pedidos de decisões fiscais antecipadas deviam ter suscitado dúvidas às autoridades fiscais de Gibraltar quanto à questão de saber se as atividades estavam realmente isentas de tributação pelo facto de não terem sido geradas ou como tendo origem em Gibraltar. Assim, a Comissão baseou a sua análise preliminar das decisões fiscais antecipadas no facto de que as autoridades fiscais de Gibraltar não tinham, de modo geral, procedido a um verdadeiro exame das obrigações fiscais das empresas no exercício dos seus poderes discricionários.

310    Esta conclusão foi reiterada no considerando 62 da decisão de alargar o procedimento, no qual a Comissão considerou que havia potencialmente um auxílio de Estado em «todas as 165 decisões fiscais antecipadas», na medida em que «nenhuma delas se [tinha baseado] em informações suficientes para garantir que o nível de tributação das atividades em causa [estava] em conformidade com o imposto pago por outras empresas em situação semelhante e com as disposições fiscais aplicáveis».

311    Em segundo lugar, embora a Comissão tenha afirmado, na decisão de alargar o procedimento, que as decisões fiscais antecipadas examinadas iam para além da não tributação dos rendimentos passivos, tal como esta resultava da versão da ITA 2010 aplicável no momento da sua adoção, as únicas preocupações identificadas pela Comissão a respeito das decisões fiscais antecipadas relativas aos rendimentos gerados por royalties, como a DFA de MJN GibCo de 2012, diziam respeito ao facto de que 22 decisões fiscais antecipadas foram concedidas a sociedades de Gibraltar recebiam royalties de sociedades que estavam situadas fora de Gibraltar, sem verificar onde se situava o utilizador da propriedade intelectual. Segundo a Comissão, a «isenção» dos rendimentos gerados por royalties, sem proceder a tal verificação, levava a que esses rendimentos não fossem sujeitos em parte nenhuma ao imposto.

312    Como a Comissão confirmou em resposta a uma pergunta do Tribunal na audiência de alegações, a decisão de alargar o processo não continha outras observações sobre as decisões fiscais antecipadas relativas à não tributação dos rendimentos gerados por royalties.

313    Em terceiro lugar, importa constatar que, ainda que a decisão de alargar o processo tenha sido adotada em 1 de outubro de 2014, ou seja, posteriormente à entrada em vigor, em 1 de janeiro do mesmo ano, das alterações de 2013 da ITA 2010 e que tenha feito expressamente referência a essas alterações (v., designadamente, considerando 32 da referida decisão), não resulta dessa decisão que a análise da Comissão dizia respeito à manutenção da aplicação das decisões fiscais antecipadas que confirmavam a não tributação dos rendimentos gerados por royalties após a entrada em vigor das alterações de 2013 da ITA 2010. Acresce que, nenhum elemento da decisão de alargar o procedimento permitia compreender que, segundo a Comissão, os efeitos produzidos pela DFA de MJN GibCo de 2012 tinham sido mantidos depois de 31 de dezembro de 2013.

314    Em quarto lugar, a decisão de alargar o procedimento não continha nenhum elemento no que respeita às regras relativas à transparência fiscal, à situação factual dos beneficiários das cinco decisões fiscais antecipadas e, mais especificamente, à DFA de MJN GibCo de 2012 ou ao recurso a estruturas de grupo que incluam CV neerlandesas.

315    A análise preliminar contida na decisão de alargar o procedimento divergia, portanto, em todos os pontos, do raciocínio seguido pela Comissão na decisão impugnada. Por um lado, este último dizia respeito a uma aplicação errada da ITA 2010, na sua versão posterior a 31 de dezembro de 2013, e não ao facto de que, relativamente ao período entre 31 de dezembro de 2013, os rendimentos gerados por royalties não estavam sujeitos a imposto em nenhuma jurisdição fiscal. Por outro lado, a aplicação errada da ITA 2010 pelas autoridades de Gibraltar, tal como foi constatada na decisão impugnada, tinha por objeto a questão de saber se os rendimentos gerados por royalties, que passaram a estar incluídos nas categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar, enumeradas no anexo 1 da ITA 2010, eram gerados ou tinham origem nesse território, devido à transparência fiscal da sociedade que os recebeu fora de Gibraltar, e não à determinação do lugar no qual se situava o utilizador da propriedade intelectual.

316    Decorre das considerações precedentes que as apreciações, factuais ou jurídicas, contidas na decisão de alargar o procedimento não eram suficientes para permitir compreender que o procedimento formal de investigação tinha por objeto não só a adoção das decisões fiscais antecipadas mas igualmente a manutenção dos efeitos produzidos por algumas dessas decisões, entre as quais a DFA de MJN GibCo de 2012, após a alteração de 2013 da ITA 2010, apesar da inclusão dos royalties nas categorias de rendimentos tributáveis em Gibraltar, enumerados no anexo 1 da GibCo de 2010, bem como a conformidade destas decisões com esta última lei, na sua em vigor em 1 de janeiro de 2014. Ora, estes últimos elementos eram determinantes para identificar a medida que é objeto do exame da Comissão e para declarar, no artigo 2.o da decisão impugnada, que tinha sido concedido um auxílio estatal individual à MJN GibCo, com base na DFA da MJN GibCo de 2012, depois de 31 de dezembro de 2013.

317    Nenhum dos argumentos da Comissão é suscetível de pôr em causa esta conclusão.

318    Em primeiro lugar, o facto de a decisão de alargar o procedimento ter identificado a DFA de MJN GibCo de 2012 como podendo potencialmente constituir uma medida de auxílio individual e a circunstância de ter sido indicado, nos considerandos 32 e 53 da referida decisão, que a análise das diferentes categorias de decisões fiscais antecipadas era feita a título ilustrativo ou como «exemplos» do comportamento censurado às autoridades fiscais de Gibraltar não eram suficientes para considerar que a Comissão tinha respeitado a obrigação, que lhe incumbia por força do Regulamento n.o 659/1999, de colocar as partes interessadas em condições de apresentarem utilmente as suas observações. Com efeito, como resulta da jurisprudência acima exposta nos n.os 287 a 290, supra, incumbia à Comissão determinar com suficiente precisão o quadro do seu exame e não cabia às recorrentes, enquanto partes interessadas, antecipar todos os motivos pelos quais a Comissão poderia eventualmente considerar que um auxílio estatal individual tinha a sua origem na manutenção dos efeitos produzidos pela DFA de MJN GibCo de 2012, depois de 31 de dezembro de 2013.

319    Em segundo lugar, na medida em que a Comissão alega que resultava claramente da decisão de alargar o procedimento que o objeto do seu exame incidia sobre o amplo poder de apreciação de que as autoridades de Gibraltar dispunham, no que respeitava à aplicação laxista e, eventualmente, errada da ITA 2010, basta salientar que estes elementos não permitiam compreender que o procedimento formal de exame incidia sobre a manutenção dos efeitos produzidos por certas decisões fiscais antecipadas, entre as quais a DFA da MJN GibCo de 2012, após a entrada em vigor da alteração de 2013 da ITA 2010, e sobre as consequências a retirar da transparência fiscal das CV neerlandesas, como a MJT CV.

320    Em terceiro lugar, a circunstância, invocada pela Comissão, segundo a qual o pedido de decisão fiscal antecipada da MJN, ao qual se fazia referência em anexo à decisão de alargar o procedimento, descrevia a estrutura do grupo MJN e fazia referência à MJT CV, não bastava para considerar que essa questão e as consequências a retirar da transparência fiscal das CV neerlandesas eram precisamente o objeto do procedimento formal de exame. Com efeito, nada indicava, no corpo da decisão de alargar o procedimento, que a Comissão ia examinar esta questão no âmbito do procedimento formal de investigação. Como foi acima exposto no n.o 318, supra, não cabia às recorrentes, enquanto partes interessadas, antecipar todos os motivos pelos quais a Comissão teria podido considerar que um auxílio estatal individual teria tido origem na manutenção dos efeitos produzidos pela DFA da MJN GibCo de 2012 depois de 31 de dezembro de 2013.

321    Decorre de todas as considerações precedentes que as divergências entre a análise contida na decisão de alargar o procedimento e a decisão impugnada, na medida em que dizem respeito a elementos de apreciação determinantes para efeitos da qualificação como auxílio estatal individual dos efeitos produzidos pela DFA de MJN GibCo de 2012 após 31 de dezembro de 2013, são tais que a Comissão deveria ter adotado uma decisão retificativa ou uma segunda decisão de alargar o procedimento, a fim de permitir às recorrentes participarem de modo eficaz no procedimento (v. n.os 287 e 289, supra).

322    Por outro lado, há que salientar que a Comissão reconheceu nos considerandos 212 a 215 da decisão impugnada que abandonava a tese quanto à seletividade das 165 decisões fiscais antecipadas, que tinha defendido no âmbito da decisão de alargar o procedimento. Por conseguinte, as divergências entre a análise contida na decisão de alargar o procedimento e a decisão final constituem alterações substanciais suscetíveis de alterar o sentido da referida decisão final.

323    Ora, como decorre dos n.os 287 a 290, supra, a existência de divergências entre a decisão de alargar o procedimento e a decisão recorrida, relativas a elementos de apreciação determinantes para efeitos da qualificação como auxílio estatal individual dos efeitos produzidos pela DFA de MJN GibCo de 2012, depois de 31 de dezembro de 2013, basta para acarretar a anulação do artigo 2.o da decisão impugnada, no que respeita à DFA de MJN GibCo de 2012, bem como da ordem de recuperação ligada a essa medida.

324    Por conseguinte, há que acolher o primeiro fundamento que tem por objeto a anulação do artigo 2.o da decisão impugnada, na medida em que visa o auxílio estatal individual concedido à MJN GibCo e às recorrentes com base na DFA de MJN GibCo de 2012, e anular o referido artigo e o artigo 5.o, n.os 1 e 2, dessa mesma decisão, na parte em que dizem respeito ao referido auxílio, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos invocados pelas recorrentes.

D.      Quanto à terceira parte do recurso, que tem por objeto a anulação do artigo 5.o da decisão impugnada

325    Na terceira parte do seu recurso, as recorrentes sustentam que a Comissão cometeu um erro de direito ao declarar que a CV neerlandesa, as sociedades parceiras e a sociedade‑mãe constituíam uma única e mesma unidade económica e ao decidir, no artigo 5.o, n.o 2, da decisão impugnada, que o auxílio podia ser recuperado junto das entidades que formam essa unidade económica, no caso de não poder ser recuperado junto da empresa em causa estabelecida em Gibraltar, a saber, no caso em apreço, da MJN GibCo.

326    Censuram à Comissão o facto de não ter procurado demonstrar o exercício de um controlo efetivo pela MJN US ou pela Mead Johnson Nutrition (Asia Pacific) sobre a MJN GibCo, como exige a jurisprudência, nem o facto de a MJN Global Holdings e a MJ BV terem retirado proveito, direto ou indireto, do auxílio pretensamente concedido à MJN GibCo.

327    A Comissão contesta estes argumentos.

328    Tendo em conta, em primeiro lugar, a negação de provimento ao recurso na parte em que tem por objeto a anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, bem como da ordem de recuperação ligada a essa medida, em segundo lugar, a anulação do artigo 5.o, n.os 1 e 2, da decisão impugnada, na parte em que diz respeito ao auxílio individual concedido à MJN GibCo e às recorrentes, e, em terceiro lugar, o facto de o artigo 5.o, n.o 2, da decisão impugnada apenas dizer respeito à recuperação da medida de auxílio visada pelo artigo 2.o da referida decisão, já não há que examinar os presentes fundamentos, suscitados pelas recorrentes, destinados a obter a anulação do artigo 5.o, n.o 2, dessa mesma decisão, na parte em que estes lhes dizem respeito.

IV.    Quanto às despesas

329    Nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, se as partes forem vencidas, respetivamente num ou em vários pedidos, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. Tendo as recorrentes e a Comissão sido parcialmente vencidas, há que condenar cada uma das partes a suportar as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Segunda Secção alargada)

decide:

A Decisão (UE) 2019/700 da Comissão, de 19 de dezembro de 2018, relativa ao auxílio estatal SA.34914 (2013/C) concedido pelo Reino Unido no que respeita ao regime de tributação do rendimento das sociedades de Gibraltar, é anulada na medida em que é declarado, no artigo 2.o, que o auxílio individual concedido pelo governo de Gibraltar com base na manutenção, depois de 31 de dezembro de 2013, da decisão fiscal antecipada concedida à MJN Holdings (Gibraltar) Ltd é ilegal e incompatível com o mercado interno e na medida em que é ordenada, no artigo 5.o, n.os 1 e 2, a recuperação desse auxílio.É negado provimento ao recurso quanto ao restante.A Mead Johnson Nutrition (Asia Pacific) Pte Ltd, a MJN Global Holdings BV, a Mead Johnson BV, a Mead Johnson Nutrition Co. e a Comissão suportarão cada uma as suas próprias despesas.

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 6 de abril de 2022.


Índice


I. Antecedentes do litígio

A. Adoção do Income Tax Act de 2010 e concessão da decisão fiscal antecipada da MJN GibCo de 2012

B. Procedimento administrativo na Comissão

C. Decisão impugnada

1. «Isenção» dos rendimentos gerados por juros passivos e por royalties (regime de auxílios)

2. Cinco decisões fiscais antecipadas (medidas de auxílios individuais)

D. Dispositivo da decisão recorrida

II. Tramitação processual e pedidos das partes

III. Questão de direito

A. Quanto à estrutura do recurso

B. Quanto à primeira parte do recurso, que tem por objeto a anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada, relativo à não tributação dos rendimentos gerados por royalties, bem como da ordem de recuperação ligada a essa medida

1. Quanto ao fundamento relativo a um erro manifesto de apreciação, à violação do artigo 5.o TUE, à violação do princípio da soberania fiscal e ao abuso de poder (primeiro fundamento, que visa a anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada)

2. Quanto aos fundamentos relativos a erros manifestos de apreciação e à violação do artigo 107.o, n.o 1, TFUE (segundo, terceiro e quarto fundamentos, destinados à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada)

a) Considerações preliminares

1) Quanto à medida de auxílio que constitui o objeto do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada

2) Quanto à análise dos critérios da vantagem e da seletividade

b) Quanto às apreciações da Comissão relativas ao quadro de referência e às regras normais de tributação em Gibraltar

1) Quanto ao objetivo da ITA 2010 e quanto à identificação dos rendimentos tributáveis ao abrigo desta lei

2) Quanto à aplicação do princípio da territorialidade aos royalties

c) Quanto ao exame do critério da vantagem (segundo fundamento, que tem por objeto a anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada)

1) Quanto à primeira acusação do segundo fundamento, relativa a uma confusão entre os critérios da vantagem e da seletividade

2) Quanto à segunda acusação do segundo fundamento, que se destina a contestar a existência de uma redução fiscal

d) Quanto ao exame da seletividade (terceiro fundamento destinado à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada)

e) Quanto ao alcance da vantagem seletiva (quarto fundamento, relativo à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada)

3. Quanto ao fundamento relativo a erros manifestos de apreciação e à violação do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 659/1999 (quinto fundamento relativo à anulação do artigo 1.o, n.o 2, da decisão impugnada)

a) Quanto à primeira acusação, relativa à falta de fundamentação na aceção do artigo 296.o TFUE

b) Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 1.o, alínea c), do Regulamento n.o 659/1999

C. Quanto à segunda parte do recurso, que tem por objeto a anulação do artigo 2.o da decisão impugnada no que respeita ao auxílio de Estado individual concedido à MJN GibCo, bem como à ordem de recuperação ligada a esta medida

1. Considerações preliminares sobre o alcance do artigo 2.o da decisão impugnada

2. Quanto ao fundamento relativo à violação do artigo 108.o, n.o 2, TFUE e do artigo 6.o do Regulamento n.o 659/1999 (primeiro fundamento destinado à anulação do artigo 2.o da decisão impugnada)

D. Quanto à terceira parte do recurso, que tem por objeto a anulação do artigo 5.o da decisão impugnada

IV. Quanto às despesas


*      Língua do processo: inglês.