Language of document : ECLI:EU:C:2021:898

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção)

9 de novembro de 2021 (*)

«Reenvio prejudicial — Política comum em matéria de asilo e de proteção subsidiária — Normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional — Diretiva 2011/95/UE — Artigos 3.o e 23.o — Normas mais favoráveis que podem ser mantidas ou aprovadas pelos Estados‑Membros para alargar o benefício do direito de asilo ou da proteção subsidiária aos membros da família do beneficiário de proteção internacional — Concessão, a título derivado, do estatuto de refugiado de um progenitor ao seu filho menor — Preservação da unidade familiar — Interesse superior da criança»

No processo C‑91/20,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal, Alemanha), por Decisão de 18 de dezembro de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 24 de fevereiro de 2020, no processo

LW

contra

Bundesrepublik Deustschland,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Grande Secção),

composto por: K. Lenaerts, presidente, L. Bay Larsen, vice‑presidente, K. Jürimäe, C. Lycourgos, E. Regan, N. Jääskinen e J. Passer, presidentes de secção, M. Ilešič (relator), J. ‑C. Bonichot, A. Kumin e N. Wahl, juízes,

advogado‑geral: J. Richard de la Tour,

secretário: D. Dittert, chefe de unidade,

vistos os autos e após a audiência de 22 de fevereiro de 2021,

vistas as observações apresentadas:

—        em representação de LW, por F. Schleicher, Rechtsanwalt,

—        em representação do Governo alemão, por J. Möller e R. Kanitz, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo belga, por M. Jacobs e M. Van Regemorter, na qualidade de agentes,

—        em representação do Governo polaco, por B. Majczyna, na qualidade de agente,

—        em representação da Comissão Europeia, por G. Wils e A. Azema, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 12 de maio de 2021,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o e do artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida (JO 2011, L 337, p. 9).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe LW à Bundesrepublik Deutschland (República Federal da Alemanha), a respeito de uma decisão do Bundesamt für Migration und Flüchtlinge (Serviço Federal para a Migração e os Refugiados, Alemanha) (a seguir «Serviço») nos termos da qual este último se recusou a atribuir‑lhe o benefício do direito de asilo.

 Quadro jurídico

 Direito internacional

3        O artigo 1.o, secção A, n.o 2, da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada em Genebra, em 28 de julho de 1951 [Recueil des traités des Nations unies, vol. 189, p. 150, n.o 2545 (1954)] (a seguir «Convenção de Genebra»), enuncia:

«Para os fins da presente Convenção, o termo “refugiado” aplicar‑se‑á a qualquer pessoa:

[…]

2.      Que, […] receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver fora do país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar.

No caso de uma pessoa que tenha mais de uma nacionalidade, a expressão “do país de que tem a nacionalidade” refere‑se a cada um dos países de que essa pessoa tem a nacionalidade. Não será considerada privada da proteção do país de que tem a nacionalidade qualquer pessoa que, sem razão válida, fundada num receio justificado, não tenha pedido a proteção de um dos países de que tem a nacionalidade.»

 Direito da União

4        A Diretiva 2011/95 procedeu à «reformulação» da Diretiva 2004/83/CE do Conselho, de 29 de abril de 2004, que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros ou apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como relativas ao respetivo estatuto, e relativas ao conteúdo da proteção concedida (JO 2004, L 304, p. 12).

5        Os considerandos 4, 12, 14, 16, 18, 19, 36 e 38 da Diretiva 2011/95 têm a seguinte redação:

«(4)      A Convenção de Genebra e o seu protocolo constituem a pedra basilar do regime jurídico internacional relativo à proteção dos refugiados.

[…]

(12)      O principal objetivo da presente diretiva consiste em assegurar, por um lado, que os Estados‑Membros apliquem critérios comuns de identificação das pessoas que tenham efetivamente necessidade de proteção internacional e, por outro, que exista em todos os Estados‑Membros um nível mínimo de benefícios à disposição dessas pessoas.

[…]

(14)      Os Estados‑Membros deverão ter a possibilidade de prever ou manter disposições mais favoráveis do que as normas previstas na presente diretiva para os nacionais de países terceiros ou apátridas requerentes de proteção internacional num Estado‑Membro, sempre que se considere que tal pedido é apresentado com base na qualidade de refugiado, na aceção do ponto A do artigo 1.o da Convenção de Genebra, ou de pessoa elegível para proteção subsidiária.

[…]

(16)      A presente diretiva respeita os direitos fundamentais e os princípios reconhecidos nomeadamente pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. Em especial, a presente diretiva procura assegurar o respeito integral da dignidade humana e o direito de asilo dos requerentes de asilo e dos membros da sua família acompanhantes, e promover a aplicação dos artigos 1.o, 7.o, 11.o, 14.o, 15.o, 16.o, 18.o, 21.o, 24.o, 34.o e 35.o da Carta, e, por conseguinte, deverá ser aplicada em conformidade.

[…]

(18)      O “interesse superior da criança” deverá ser uma das principais preocupações a ter em consideração pelos Estados‑Membros na aplicação da presente diretiva, em conformidade com a Convenção das Nações Unidas […] sobre os Direitos da Criança[, celebrada em Nova Iorque, em 20 de novembro de 1989 (Recueil des traités des Nations unies, vol. 1577, p. 3)]. Ao avaliarem o interesse superior da criança, os Estados‑Membros deverão ter devidamente em conta o princípio da unidade familiar […]

(19)      É necessário alargar a noção de membro da família, tendo em conta […] a especial atenção a conferir ao interesse superior da criança.

[…]

(36)      Os familiares, meramente em virtude da sua relação de parentesco com o refugiado, são por regra vulneráveis a atos de perseguição que podem justificar o estatuto de refugiado.

[…]

(38)      Ao decidirem das condições de elegibilidade para os benefícios incluídos na presente diretiva, os Estados‑Membros deverão ter na devida consideração o interesse superior da criança, bem como as circunstâncias particulares da dependência em relação ao beneficiário de proteção internacional de parentes próximos que já se encontrem presentes nos Estados‑Membros e que não sejam familiares desse beneficiário. Em circunstâncias excecionais, quando o parente próximo do beneficiário de proteção internacional for um menor casado mas não acompanhado pelo seu cônjuge, pode considerar‑se que o interesse superior do menor reside na sua família de origem.»

6        O artigo 2.o desta diretiva, sob a epígrafe «Definições», enuncia:

«Para efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

[…]

d)      “Refugiado”, o nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a um determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país, ou o apátrida que, estando fora do país em que tinha a sua residência habitual, pelas mesmas razões que as acima mencionadas, não possa ou, em virtude do referido receio, a ele não queira voltar, e aos quais não se aplique o artigo 12.o;

[…]

j)      “Membros da família”, desde que a família já esteja constituída no país de origem, os seguintes familiares do beneficiário de proteção internacional que se encontrem presentes no mesmo Estado‑Membro devido ao seu pedido de proteção internacional:

—        o cônjuge do beneficiário de proteção internacional ou o parceiro não casado vivendo numa relação estável […],

—        os filhos menores dos casais referidos no primeiro travessão ou do beneficiário de proteção internacional, desde que sejam solteiros, independentemente de terem nascido do casamento ou fora do casamento ou de terem sido adotados nos termos do direito nacional,

—        o pai, a mãe ou outro adulto responsável, por força da lei ou da prática do Estado‑Membro em causa, pelo beneficiário de proteção internacional […];

k)      “Menor”, o nacional de um país terceiro ou um apátrida com menos de 18 anos de idade;

[…]

n)      “País de origem”, o país ou países de nacionalidade ou, no caso dos apátridas, o país em que tinha a sua residência habitual.»

7        O artigo 3.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Normas mais favoráveis», dispõe:

«Os Estados‑Membros podem aprovar ou manter normas mais favoráveis relativas à determinação das pessoas que preenchem as condições para beneficiarem do estatuto de refugiado ou que sejam elegíveis para proteção subsidiária, bem como à determinação do conteúdo da proteção internacional, desde que essas normas sejam compatíveis com a presente diretiva.»

8        O artigo 4.o da Diretiva 2011/95, sob a epígrafe «Apreciação dos factos e circunstâncias», prevê, no seu n.o 3, alínea e):

«A apreciação do pedido de proteção internacional deve ser efetuada a título individual e ter em conta:

[…]

e)      Se era razoável prever que o requerente podia valer‑se da proteção de outro país do qual pudesse reivindicar a cidadania.»

9        O artigo 12.o desta diretiva, sob a epígrafe «Exclusão», tem a seguinte redação:

«1.      O nacional de um país terceiro ou o apátrida é excluído da qualidade de refugiado se:

a)      Estiver abrangido pelo âmbito do ponto D do artigo 1.o da Convenção de Genebra, relativo à proteção ou assistência de órgãos ou agências das Nações Unidas, com exceção [da Agência] das Nações Unidas para os Refugiados [(ACNUR)]. Quando essa proteção ou assistência tiver cessado por qualquer razão sem que a situação da pessoa em causa tenha sido definitivamente resolvida em conformidade com as resoluções aplicáveis da Assembleia Geral das Nações Unidas, essa pessoa terá direito ipso facto a beneficiar do disposto na presente diretiva;

b)      As autoridades competentes do país em que tiver estabelecido a sua residência considerarem que tem os direitos e os deveres de quem possui a nacionalidade desse país, ou direitos e deveres equivalentes.

2.      O nacional de um país terceiro ou o apátrida é excluído da qualidade de refugiado quando existam suspeitas graves de que:

a)      Praticou crimes contra a paz, crimes de guerra ou crimes contra a humanidade, nos termos dos instrumentos internacionais que estabelecem disposições relativas a estes crimes;

b)      Praticou um crime grave de direito comum fora do país de refúgio antes de ter sido admitido como refugiado, ou seja, antes da data em que foi emitida uma autorização de residência com base na concessão do estatuto de refugiado; podem ser classificados como crimes de direito comum graves os atos particularmente cruéis ou desumanos, mesmo que praticados com objetivos alegadamente políticos;

c)      Praticou atos contrários aos objetivos e princípios das Nações Unidas enunciados no preâmbulo e nos artigos 1.o e 2.o da Carta das Nações Unidas.

3.      O n.o 2 aplica‑se às pessoas que tenham instigado ou participado de outra forma na prática dos crimes ou atos nele referidos.»

10      O artigo 23.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Preservação da unidade familiar», dispõe:

«1.      Os Estados‑Membros devem assegurar que a unidade familiar possa ser preservada.

2.      Os Estados‑Membros devem assegurar que os membros da família do beneficiário de proteção internacional que não possam por si mesmos beneficiar desta proteção, possam reivindicar os benefícios referidos nos artigos 24.o a 35.o, em conformidade com os procedimentos nacionais e na medida em que tal seja compatível com o seu estatuto jurídico pessoal.

3.      Os n.os 1 e 2 não se aplicam nos casos em que o membro da família fique ou ficasse excluído da proteção internacional nos termos dos capítulos III e V.

4.      Sem prejuízo dos n.os 1 e 2, os Estados‑Membros podem recusar, reduzir ou retirar os benefícios neles referidos por motivos de segurança nacional ou ordem pública.

5.      Os Estados‑Membros podem decidir aplicar também o presente artigo a outros familiares próximos que faziam parte do agregado familiar à data da partida do país de origem e estavam nessa altura total ou principalmente a cargo do beneficiário de proteção internacional.»

 Direito alemão

11      O § 3, n.o 1, da Asylgesetz (Lei relativa ao Direito de Asilo), de 26 de junho de 1992 (BGBl. 1992 I, p. 1126), conforme publicada em 2 de setembro de 2008 (BGBl. 2008 I, p. 1798), na sua versão aplicável ao litígio no processo principal (a seguir «AsylG»), dispõe:

«Um cidadão estrangeiro é considerado refugiado na aceção da [Convenção de Genebra] […], quando

1.      tiver fundado receio de ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a um determinado grupo social;

2.      se encontrar fora do país (país de origem),

a)      de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país,

[…]»

12      O § 26, n.o 2, da AsylG prevê:

«Ao filho solteiro de um beneficiário do direito de asilo que seja menor à data do seu pedido de asilo é concedido, a pedido, o direito de asilo se o reconhecimento do cidadão estrangeiro como beneficiário de asilo já não seja suscetível de recurso e esse reconhecimento não puder ser revogado ou retirado.»

13      O § 26, n.o 4, da AsylG exclui do benefício desta disposição, designadamente, as pessoas abrangidas por uma causa de exclusão prevista no artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95.

14      O § 26, n.o 5, da AsylG dispõe:

«Aos membros da família dos beneficiários de proteção internacional, na aceção dos n.os 1 a 3, são aplicáveis mutatis mutandis os n.os 1 a 4. Os conceitos de estatuto de refugiado ou de proteção subsidiária substituem o de beneficiário do direito de asilo […]»

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

15      A recorrente no processo principal nasceu na Alemanha em 2017 de mãe tunisina e de pai sírio.

16      A recorrente no processo principal possui nacionalidade tunisina. Não está demonstrado que possua igualmente nacionalidade síria.

17      Em outubro de 2015, o Serviço concedeu ao pai da recorrente no processo principal o estatuto de refugiado. O pedido de proteção internacional apresentado pela mãe da recorrente no processo principal, nascida na Líbia e que tinha declarado ter aí a sua residência habitual até à sua partida desse Estado, não foi acolhido.

18      Por Decisão de 15 de setembro de 2017, o Serviço indeferiu o pedido de asilo apresentado em nome da recorrente no processo principal após o seu nascimento por ser «manifestamente infundado».

19      Por Sentença de 17 de janeiro de 2019, o Verwaltungsgericht Cottbus (Tribunal Administrativo de Cottbus, Alemanha) anulou essa decisão na parte em que indeferiu o pedido de asilo da recorrente no processo principal por ser «manifestamente infundado», em vez de apenas «infundado», e negou provimento ao recurso quanto ao restante. Esse órgão jurisdicional considerou que a recorrente no processo principal não preenchia as condições de concessão do estatuto de refugiado, dado que não havia nenhuma razão para recear perseguições na Tunísia, país, ou um dos países, de que a recorrente tem a nacionalidade. Por outro lado, o referido órgão jurisdicional declarou que a mesma recorrente também não podia invocar, em aplicação do § 26, n.os 2 e 5, da AsylG, um direito ao abrigo da proteção da família do estatuto de refugiado que foi concedido ao seu pai na Alemanha. Com efeito, o mesmo órgão jurisdicional considerou que seria contrário ao princípio da subsidiariedade da proteção internacional alargar o benefício da proteção internacional a pessoas que, na qualidade de nacionais de um Estado que está em condições de lhes conceder proteção, estão excluídas da categoria de pessoas que necessitam de proteção.

20      A recorrente no processo principal interpôs recurso de «Revision» dessa sentença no órgão jurisdicional de reenvio, o Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal, Alemanha).

21      No âmbito desse recurso, a recorrente no processo principal alega que há que conceder aos filhos menores de pais com nacionalidades diferentes o estatuto de refugiado ao abrigo da proteção da família por força das disposições conjugadas do § 26, n.o 2 e n.o 5, primeiro período, da AsylG, incluindo no caso de esse estatuto só ter sido concedido a um desses progenitores. O princípio da subsidiariedade da proteção internacional dos refugiados não se opõe a esta concessão. O artigo 3.o da Diretiva 2011/95 autoriza um Estado‑Membro, no caso em que a proteção internacional foi concedida ao membro de uma família, a alargar o benefício desta proteção a outros membros da família, desde que estes não estejam abrangidos por nenhum dos motivos de exclusão enumerados no artigo 12.o desta diretiva e que a sua situação, devido à necessidade de preservar a unidade familiar, tenha uma conexão com o objetivo da proteção internacional. No âmbito desta legislação, deverá ser dada especial atenção à proteção dos menores e ao interesse da criança.

22      O órgão jurisdicional de reenvio refere que a recorrente no processo principal não pode beneficiar da concessão do estatuto de refugiado ao abrigo de um direito que lhe é próprio. Com efeito, resulta do artigo 1.o, secção A, n.o 2, segundo parágrafo, da Convenção de Genebra, que consagra o princípio da subsidiariedade da proteção internacional dos refugiados, que as pessoas que têm duas ou mais nacionalidades não podem beneficiar do estatuto de refugiado quando puderem pedir a proteção de um dos países de que têm a nacionalidade. É neste sentido que importa interpretar igualmente o artigo 2.o, alíneas d) e n), da Diretiva 2011/95. Apenas a pessoa sem proteção por não beneficiar de proteção efetiva de um país de origem, na aceção do artigo 2.o, alínea n), desta diretiva, é considerada refugiada, na aceção do artigo 2.o, alínea d), da referida diretiva. Ora, a recorrente no processo principal pode beneficiar de uma proteção efetiva na Tunísia, país de que tem a nacionalidade.

23      No entanto, a recorrente no processo principal preenche as condições, previstas no direito alemão, para lhe ser reconhecido o estatuto de refugiado enquanto filha menor solteira de um progenitor ao qual foi concedido esse estatuto. Com efeito, por força das disposições conjugadas do § 26, n.o 2 e n.o 5, primeiro e segundo períodos, da AsylG, há que conceder o estatuto de refugiado, a título derivado e para efeitos da proteção da família no âmbito do asilo, igualmente a um filho nascido na Alemanha e que possui, através do outro progenitor, a nacionalidade de um país terceiro em cujo território não é perseguido.

24      Todavia, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se se essa interpretação do direito alemão é compatível com a Diretiva 2011/95.

25      Nestas condições, o Bundesverwaltungsgericht (Supremo Tribunal Administrativo Federal) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      Deve o artigo 3.o da Diretiva [2011/95] ser interpretado no sentido de que se opõe à legislação de um Estado‑Membro da qual resulta que o filho menor solteiro de uma pessoa, à qual foi concedido o estatuto de refugiado, tem direito ao estatuto de refugiado derivado (a denominada “proteção concedida à família do refugiado”) mesmo no caso de esse menor ter também — através do outro progenitor — a nacionalidade de outro país, que é diferente do país de origem do refugiado e de cuja proteção pode beneficiar?

2)      Deve o artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva [2011/95] ser interpretado no sentido de que a restrição segundo a qual o direito dos membros da família aos benefícios referidos nos artigos 24.o a 35.o desta diretiva só deve ser concedido na medida em que isso seja compatível com o seu estatuto jurídico pessoal[…] proíbe a concessão ao filho menor, nas circunstâncias descritas na primeira questão, do estatuto de refugiado derivado do refugiado reconhecido?

3)      Para responder à primeira e […] segunda questões é relevante saber se é possível e razoável que o menor e os seus pais residam no país de que o menor e a sua mãe são nacionais, de cuja proteção podem beneficiar e que é diferente do país de origem do refugiado (o pai), ou é suficiente que a unidade familiar possa ser preservada no território da [República Federal da Alemanha] com base em regras relativas ao direito de residência?»

 Quanto às questões prejudiciais

26      Com as suas questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o e o artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 devem ser interpretados no sentido de que se opõem a que um Estado‑Membro, por força de disposições nacionais mais favoráveis, conceda, a título derivado e para efeitos de preservação da unidade familiar, o estatuto de refugiado ao filho menor solteiro de um nacional de um país terceiro a quem esse estatuto foi reconhecido em aplicação do regime instituído por esta diretiva, incluindo no caso de esse menor ter nascido no território deste Estado‑Membro e possuir, através do outro progenitor, a nacionalidade de outro país terceiro em cujo território não corre o risco de ser perseguido. Neste contexto, esse órgão jurisdicional pergunta igualmente se, para responder a esta questão, é pertinente saber se é possível e razoavelmente aceitável, para o menor e para os seus progenitores, instalarem‑se no território deste último país terceiro.

27      A título preliminar, há que recordar que resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que a interpretação das disposições da Diretiva 2011/95 deve ser efetuada à luz da sistemática e da finalidade desta, no respeito da Convenção de Genebra e dos outros Tratados pertinentes referidos no artigo 78.o, n.o 1, TFUE. Esta interpretação deve igualmente ser feita, como resulta do considerando 16 desta diretiva, no respeito dos direitos reconhecidos pela Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta») [v., neste sentido, Acórdão de 13 de janeiro de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Estatuto de refugiado de um apátrida de origem palestiniana), C‑507/19, EU:C:2021:3, n.o 39].

28      Para responder às questões submetidas, em primeiro lugar, há que constatar que um menor que se encontre numa situação como a evocada no n.o 26 do presente acórdão não preenche as condições para que lhe seja concedido, por si mesmo, o estatuto de refugiado em aplicação do regime instituído pela Diretiva 2011/95.

29      A este respeito, importa recordar que, nos termos do artigo 2.o, alínea d), da Diretiva 2011/95, se entende por refugiado, nomeadamente, «o nacional de um país terceiro que, receando com razão ser perseguido em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, convicções políticas ou pertença a um determinado grupo social, se encontre fora do país de que é nacional e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção desse país».

30      Resulta desta definição que o estatuto de refugiado exige o preenchimento de duas condições, que estão intrinsecamente ligadas e que dizem respeito, por um lado, ao receio de ser perseguido e, por outro, à falta de proteção contra atos de perseguição por parte do país terceiro de que a pessoa em questão tem a nacionalidade (v., neste sentido, Acórdão de 20 de janeiro de 2021, Secretary of State for the Home Department, C‑255/19, EU:C:2021:36, n.o 56).

31      A referida definição retoma, em substância, a que figura no artigo 1.o, secção A, n.o 2, da Convenção de Genebra. Ora, esta última precisa que, «[n]o caso de uma pessoa que tenha mais de uma nacionalidade, a expressão “do país de que tem a nacionalidade” refere‑se a cada um dos países de que essa pessoa tem a nacionalidade» e que «[n]ão será considerada privada da proteção do país de que tem a nacionalidade qualquer pessoa que, sem razão válida assente num receio justificado, não tenha pedido a proteção de um dos países de que tem a nacionalidade».

32      Embora esta precisão, que constitui uma consagração do princípio da subsidiariedade da proteção internacional, não esteja expressamente integrada na Diretiva 2011/95, resulta, todavia, do artigo 2.o, alínea n), desta que cada país de que um requerente tenha, se for caso disso, a nacionalidade deve ser considerado o seu «país de origem» para efeitos desta diretiva.

33      Decorre assim da leitura conjugada do artigo 2.o, alínea d), e do artigo 2.o, alínea n), da Diretiva 2011/95 que um requerente que tenha a nacionalidade de vários países terceiros só é considerado privado de proteção se não puder ou, devido ao receio de ser perseguido, não quiser pedir a proteção de nenhum desses países. Esta leitura é, aliás, confirmada pelo artigo 4.o, n.o 3, alínea e), desta diretiva, nos termos do qual figura, entre os elementos que importa ter em conta na apreciação individual de um pedido de proteção internacional, o facto de ser razoável prever que o requerente podia valer‑se da proteção de outro país do qual pudesse reivindicar a cidadania.

34      Ora, o órgão jurisdicional de reenvio salienta que a recorrente no processo principal pode beneficiar de uma proteção efetiva na Tunísia, país terceiro de que tem, através da mãe, a nacionalidade. Esse órgão jurisdicional sublinha, a este respeito, que não há nenhum elemento que permita pensar que a República Tunisina não está disposta ou em condições de conceder à recorrente no processo principal a proteção necessária contra perseguições e contra a repulsão para a Síria, país de origem do pai desta, ao qual as autoridades alemãs concederam o estatuto de refugiado, ou para outro país terceiro.

35      Neste contexto, importa recordar que, em aplicação do regime instituído pela Diretiva 2011/95, um pedido de proteção internacional não pode ser acolhido, a título individual, com o único fundamento de que um membro da família do requerente tem um receio fundado de perseguição ou corre um risco real de ofensas graves, quando se verificar que, apesar da sua relação com esse membro da família e da especial vulnerabilidade que, como salientado no considerando 36 da referida diretiva, resulta por regra dessa relação, o próprio requerente não está exposto a ameaças de perseguição ou de a ofensas graves (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova, C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 50).

36      Em segundo lugar, importa salientar que a Diretiva 2011/95 não prevê a extensão, a título derivado, do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária aos membros da família da pessoa a quem esse estatuto é concedido, que, individualmente, não satisfazem as condições de concessão deste estatuto. Com efeito, resulta do artigo 23.o desta diretiva que esta se limita a impor aos Estados‑Membros que adaptem o seu direito nacional de maneira a que os membros da família possam reivindicar, em conformidade com os procedimentos nacionais e na medida em que tal seja compatível com o estatuto jurídico pessoal destes membros da família, alguns benefícios, que incluem designadamente a emissão de um título de residência, o acesso ao emprego ou o acesso à educação e que têm por objeto preservar a unidade familiar (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova, C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 68).

37      Por outro lado, resulta da leitura conjugada do artigo 2.o, alínea j), da Diretiva 2011/95, que define o conceito de «membros da família» para efeitos desta diretiva, e do seu artigo 23.o, n.o 2, que a obrigação de os Estados‑Membros preverem o acesso a esses benefícios não é alargada aos filhos de um beneficiário de proteção internacional que tenham nascido no Estado‑Membro de acolhimento de uma família que nele tenha sido constituída.

38      Em terceiro lugar, a fim de determinar se um Estado‑Membro pode, no entanto, conceder, a título derivado e para efeitos de preservação da unidade familiar, o estatuto de refugiado a uma criança que se encontre numa situação como a que está em causa no processo principal, importa recordar que o artigo 3.o da Diretiva 2011/95 permite aos Estados‑Membros aprovar ou manter «normas mais favoráveis relativas à determinação das pessoas que preenchem as condições para beneficiarem do estatuto de refugiado ou que sejam elegíveis para proteção subsidiária, bem como à determinação do conteúdo da proteção internacional, desde que essas normas sejam compatíveis com [esta] diretiva».

39      O Tribunal de Justiça observou que resulta dessa redação, lida em conjugação com o considerando 14 da Diretiva 2011/95, que as normas mais favoráveis referidas no artigo 3.o desta diretiva podem, designadamente, consistir na flexibilização das condições em que um nacional de um país terceiro ou um apátrida pode beneficiar do estatuto de refugiado ou do estatuto conferido pela proteção subsidiária (v., neste sentido, Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova, C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 70).

40      Quanto à precisão que figura nesse artigo 3.o, segundo a qual a norma mais favorável deve ser compatível com a Diretiva 2011/95, o Tribunal de Justiça declarou que esta significa que essa norma não deve ser contrária à sistemática geral ou aos objetivos desta diretiva. São, em especial, proibidas normas destinadas a reconhecer o estatuto de refugiado ou o estatuto conferido pela proteção subsidiária a nacionais de países terceiros ou apátridas colocados em situações desprovidas de conexão com a lógica de proteção internacional (Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova, C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 71 e jurisprudência referida).

41      Ora, o reconhecimento automático, ao abrigo do direito nacional, do estatuto de refugiado a membros da família de uma pessoa à qual foi concedido esse estatuto nos termos do regime instituído pela Diretiva 2011/95 não é, a priori, desprovido de conexão com a lógica de proteção internacional (Acórdão de 4 de outubro de 2018, Ahmedbekova, C‑652/16, EU:C:2018:801, n.o 72).

42      Com efeito, por um lado, ao sublinhar na Ata Final da Conferência de Plenipotenciários das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados e Apátridas, de 25 de julho de 1951, que redigiu o texto da Convenção de Genebra, que «a unidade familiar […] é um direito essencial do refugiado» e ao recomendar aos Estados signatários que «tomem as medidas necessárias para a proteção da família do refugiado e, em especial, para […] [a]assegurar a preservação da unidade familiar do refugiado», os redatores desta convenção estabeleceram uma estreita conexão entre tais medidas e a lógica de proteção internacional. A existência desta conexão foi, aliás, confirmada em diversas ocasiões pelo ACNUR.

43      Por outro lado, a própria Diretiva 2011/95 reconhece a existência da referida conexão ao prescrever, em termos gerais, no seu artigo 23.o, n.o 1, a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem a preservação da unidade familiar do beneficiário de proteção internacional.

44      Por conseguinte, é necessário constatar que a extensão automática, a título derivado, do estatuto de refugiado ao filho menor de uma pessoa a quem esse estatuto foi concedido, independentemente do facto de esse menor satisfazer ou não, por si mesmo, as condições de concessão desse estatuto e incluindo quando o referido menor nasceu no Estado‑Membro de acolhimento, prevista na disposição nacional em causa no processo principal que, como o órgão jurisdicional de reenvio observa, prossegue o objetivo da proteção da família e da preservação da unidade familiar dos beneficiários de proteção internacional, apresenta uma conexão com a lógica de proteção internacional.

45      Contudo, importa salientar que pode haver situações em que essa extensão automática, a título derivado e para efeitos da preservação da unidade familiar, do estatuto de refugiado ao filho menor de uma pessoa a quem esse estatuto foi concedido seria, apesar da existência dessa conexão, incompatível com a Diretiva 2011/95.

46      Com efeito, por um lado, atendendo à finalidade das causas de exclusão previstas na Diretiva 2011/95, que é preservar a credibilidade do sistema de proteção por ela instituído no respeito da Convenção de Genebra, a reserva que figura no artigo 3.o desta diretiva opõe‑se a que um Estado‑Membro aprove ou mantenha disposições que concedem o estatuto de refugiado nela previsto a uma pessoa que está excluída desse mesmo estatuto por força do artigo 12.o, n.o 2, da referida diretiva (Acórdão de 9 de novembro de 2010, B e D, C‑57/09 e C‑101/09, EU:C:2010:661, n.o 115).

47      Ora, como sublinha o órgão jurisdicional de reenvio, o § 26, n.o 4, da AsylG exclui essas pessoas do benefício da extensão do estatuto de refugiado resultante da aplicação das disposições conjugadas dos n.os 2 e 5 deste § 26.

48      Por outro lado, resulta do artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 que o legislador da União pretendeu excluir que os benefícios concedidos ao beneficiário de proteção internacional sejam alargados a um membro da família desse beneficiário quando tal seja incompatível com o estatuto jurídico pessoal do membro da família em causa.

49      Decorre da génese desta disposição e do alcance da reserva que prevê que esta última é igualmente aplicável na hipótese de um Estado‑Membro decidir que não há que se limitar à extensão dos benefícios, mas pretende, em aplicação do artigo 3.o desta diretiva, aprovar normas mais favoráveis nos termos das quais o estatuto concedido a um beneficiário de proteção internacional é automaticamente alargado aos membros da sua família, independentemente de preencherem ou não, por si mesmos, as condições de concessão desse estatuto.

50      Com efeito, importa salientar que a reserva que passou a figurar no artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 foi proposta pelo Parlamento Europeu durante o processo legislativo que levou à adoção da Diretiva 2004/83, de que a Diretiva 2011/95 constitui a «reformulação» e cujo artigo 23.o corresponde amplamente ao mesmo artigo desta última diretiva. Esta proposta referia‑se à proposta da Comissão das Comunidades Europeias que previa a obrigação de os Estados‑Membros assegurarem «que os membros da família acompanhante possam beneficiar do mesmo estatuto que os requerentes de proteção internacional». Embora propondo a extensão desta obrigação aos membros da família que se juntem aos requerentes numa fase posterior, o Parlamento considerou que era adequado introduzir esta reserva a fim de ter em conta o facto de que os membros da família «poderão possuir um estatuto jurídico diferente [do do requerente] por direito próprio, que pode não ser compatível com o da proteção internacional» [v. Relatório do Parlamento Europeu, de 8 de outubro de 2002, sobre a proposta de diretiva do Conselho que estabelece normas mínimas relativas às condições a preencher por nacionais de países terceiros e apátridas para poderem beneficiar do estatuto de refugiado ou de pessoa que, por outros motivos, necessite de proteção internacional, bem como normas mínimas relativas ao respetivo estatuto, COM(2001)510, A 5‑0333/2002 final, alteração 22 (JO 2002, C 51 E, p. 325)].

51      O legislador da União acabou por não adotar a referida obrigação. Todavia, manteve a reserva de compatibilidade e limitou‑se a prescrever, no artigo 23.o, n.os 1 e 2, das Diretivas 2004/83 e 2011/95, que os Estados‑Membros assegurem que a unidade familiar possa ser preservada e que os membros da família do beneficiário de proteção internacional que não possam, por si mesmos, beneficiar desta proteção possam reivindicar determinados benefícios, em conformidade com os procedimentos nacionais.

52      Decorre, assim, da génese deste artigo 23.o que um Estado‑Membro que, no exercício da faculdade conferida pelo artigo 3.o destas diretivas, pretenda aprovar ou manter normas mais favoráveis, nos termos das quais o estatuto concedido a esse beneficiário é automaticamente alargado aos membros da sua família, independentemente de preencherem ou não, por si mesmos, as condições de concessão desse estatuto, deve, na aplicação dessas normas, assegurar o respeito da reserva enunciada no referido artigo 23.o, n.o 2.

53      Quanto ao alcance desta reserva, este deve ser determinado à luz do objetivo do artigo 23.o da Diretiva 2011/95 de assegurar a preservação da unidade familiar do beneficiário de proteção internacional e do contexto específico em que essa reserva se insere.

54      A este respeito, há que considerar que seria incompatível, nomeadamente, com o estatuto jurídico pessoal do filho do beneficiário de proteção internacional que, por si mesmo, não preenchesse as condições necessárias para obter essa proteção alargar‑lhe os benefícios previstos no artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 ou o estatuto concedido a esse beneficiário, quando esse filho tenha a nacionalidade do Estado‑Membro de acolhimento ou outra nacionalidade que lhe dê, tendo em conta todos os elementos que caracterizam o seu estatuto jurídico pessoal, direito a um melhor tratamento nesse Estado‑Membro do que o que resulta de uma extensão desse tipo.

55      Esta interpretação da reserva que figura no artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 tem plenamente em conta o interesse superior da criança, à luz do qual esta disposição deve ser interpretada e aplicada. O considerando 16 desta diretiva sublinha expressamente que esta respeita os direitos fundamentais consagrados na Carta e visa promover a aplicação, nomeadamente, do direito ao respeito pela vida familiar, garantido pelo artigo 7.o desta, e os direitos das crianças, reconhecidos pelo artigo 24.o da Carta, entre os quais figura, no n.o 2 desta última disposição, a obrigação de tomar em conta o interesse superior da criança [v., neste sentido, Acórdão de 9 de setembro de 2021, Bundesrepublik Deutschland (Membro da família), C‑768/19, EU:C:2021:709, n.os 36 a 38].

56      A referida interpretação corresponde, por outro lado, à proposta pelo ACNUR, cujos documentos beneficiam de uma pertinência particular tendo em conta o papel que lhe foi confiado pela Convenção de Genebra (Acórdão de 23 de maio de 2019, Bilali, C‑720/17, EU:C:2019:448, n.o 57).

57      Assim, nos seus comentários anotados sobre a Diretiva 2004/83 relativamente ao artigo 23.o, n.os 1 e 2, desta, «[o ACNUR] considera que devia ser concedido aos membros da mesma família o mesmo estatuto que ao requerente principal (estatuto derivado)», e sublinha o seguinte: «[O] princípio da unidade familiar deriva da Ata Final da Conferência de 1951 de Plenipotenciários das Nações Unidas sobre o Estatuto dos Refugiados e Apátridas, bem como do direito em matéria de direitos do Homem. A maioria dos Estados‑Membros da [União Europeia] prevê um estatuto derivado para os membros da família dos refugiados. A experiência [do ACNUR] revela igualmente que, geralmente, é a forma mais prática de proceder. Todavia, há situações em que este princípio de estatuto derivado não deve ser seguido, ou seja, quando os membros da família pretendem pedir asilo por si mesmos ou quando a concessão do estatuto derivado seja incompatível com o seu estatuto pessoal, por exemplo, porque são nacionais do país de acolhimento ou porque a sua nacionalidade lhes dá direito a um melhor tratamento».

58      Ora, sem prejuízo da verificação que caberá ao órgão jurisdicional de reenvio efetuar, não se afigura que a recorrente no processo principal tenha, pela sua nacionalidade tunisina ou outro elemento que caracteriza o seu estatuto jurídico pessoal, direito a um melhor tratamento na Alemanha do que o resultante da extensão, a título derivado, do estatuto de refugiado concedido ao seu pai, prevista na disposição em causa no processo principal.

59      Por último, importa constatar que a compatibilidade com a Diretiva 2011/95, e nomeadamente com a reserva que figura no artigo 23.o, n.o 2, desta, de uma disposição nacional mais favorável, como a que está em causa no processo principal, ou da sua aplicação a uma situação como a da recorrente no processo principal, não depende da questão de saber se é possível e razoavelmente aceitável, para esta e para os seus progenitores, instalarem‑se na Tunísia.

60      Com efeito, como salientou o advogado‑geral no n.o 93 das suas conclusões, a razão de ser do artigo 23.o desta diretiva consiste em permitir ao beneficiário de proteção internacional usufruir dos direitos que esta proteção lhe confere, preservando a unidade da sua vida familiar no território do Estado‑Membro de acolhimento. A existência da possibilidade de a família da recorrente no processo principal se instalar na Tunísia não pode, por conseguinte, justificar que a reserva que figura no n.o 2 desta disposição seja entendida no sentido de que exclui que se conceda a esta última o estatuto de refugiado, uma vez que tal interpretação implicaria que o seu pai renunciasse ao direito de asilo que lhe é concedido na Alemanha.

61      Além disso, nestas condições, a aplicação de uma legislação que permite conceder o estatuto de refugiado a membros da família de uma pessoa a quem esse estatuto foi concedido, apesar de existir tal possibilidade de instalação dessa família num país terceiro, não é suscetível de pôr em causa a constatação feita no n.o 41 do presente acórdão, segundo a qual essa legislação não é desprovida de conexão com a lógica de proteção internacional.

62      Tendo em conta todas as considerações precedentes, há que responder às questões submetidas que o artigo 3.o e o artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95 devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um Estado‑Membro, por força de disposições nacionais mais favoráveis, conceda, a título derivado e para efeitos de preservação da unidade familiar, o estatuto de refugiado ao filho menor de um nacional de um país terceiro a quem esse estatuto foi reconhecido em aplicação do regime instituído por esta diretiva, incluindo no caso de esse menor ter nascido no território deste Estado‑Membro e possuir, através do outro progenitor, a nacionalidade de outro país terceiro em cujo território não corre o risco de ser perseguido, desde que este menor não esteja abrangido por uma causa de exclusão prevista no artigo 12.o, n.o 2, da referida diretiva e que este não tenha, pela sua nacionalidade ou outro elemento que caracterize o seu estatuto jurídico pessoal, direito a um melhor tratamento no referido Estado‑Membro do que o que resulta da concessão do estatuto de refugiado. Não é pertinente a este respeito a questão de saber se é possível e razoavelmente aceitável, para o referido menor e para os seus progenitores, instalarem‑se nesse outro país terceiro.

 Quanto às despesas

63      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara:

O artigo 3.o e o artigo 23.o, n.o 2, da Diretiva 2011/95/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, que estabelece normas relativas às condições a preencher pelos nacionais de países terceiros ou por apátridas para poderem beneficiar de proteção internacional, a um estatuto uniforme para refugiados ou pessoas elegíveis para proteção subsidiária e ao conteúdo da proteção concedida, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a que um EstadoMembro, por força de disposições nacionais mais favoráveis, conceda, a título derivado e para efeitos de preservação da unidade familiar, o estatuto de refugiado ao filho menor de um nacional de um país terceiro a quem esse estatuto foi reconhecido em aplicação do regime instituído por esta diretiva, incluindo no caso de esse menor ter nascido no território deste EstadoMembro e possuir, através do outro progenitor, a nacionalidade de outro país terceiro em cujo território não corre o risco de ser perseguido, desde que este menor não esteja abrangido por uma causa de exclusão prevista no artigo 12.o, n.o 2, da referida diretiva e que este não tenha, pela sua nacionalidade ou outro elemento que caracterize o seu estatuto jurídico pessoal, direito a um melhor tratamento no referido EstadoMembro do que o que resulta da concessão do estatuto de refugiado. Não é pertinente a este respeito a questão de saber se é possível e razoavelmente aceitável, para o referido menor e para os seus progenitores, instalaremse nesse outro país terceiro.

Assinaturas


*      Língua do processo: alemão.