Language of document : ECLI:EU:T:2018:969

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

14 de dezembro de 2018 (*)

[Texto retificado por Despacho de 22 de janeiro de 2019]

«Função pública — Funcionários — Reforma do estatuto de 2014 — Licença sem vencimento — Contratação concomitante na qualidade de agente temporário — Medidas transitórias relativas a certas modalidades de cálculo dos direitos à pensão — Pedido de decisão antecipada — Ato lesivo — Finalidade das medidas transitórias — Aplicação ratione personae — Entrada ao serviço»

No processo T‑128/17,

Isabel Torné, funcionária da Comissão Europeia, residente em Algés (Portugal), representada por S. Orlandi e T. Martin, advogados,

recorrente,

apoiada por:

Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER), representada, inicialmente, por S. Manessi e, em seguida, por P. Martinet, na qualidade de agentes, assistidos por S. Orlandi e T. Martin, advogados,

por

Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex), representada por H. Caniard e S. Drew, na qualidade de agentes, assistidos por S. Orlandi e T. Martin, advogados,

por

Agência Europeia para a Gestão Operacional de Sistemas Informáticos de Grande Escala no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (euLISA), representada por M. Chiodi, na qualidade de agente, assistido por D. Waelbroeck e A. Duron, advogados,

por

Agência Europeia da Segurança Marítima (AESM), representada por S. Dunlop, na qualidade de agente, assistido por S. Orlandi e T. Martin, advogados,

por

Autoridade Bancária Europeia (EBA), representada por S. Giordano e J. Overett Somnier, na qualidade de agentes,

por

Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA), representada por A. Lorenzet e N. Vasse, na qualidade de agentes, assistidos por S. Orlandi e T. Martin, advogados,

e por

Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO), representado, inicialmente, por W. Stevens e, em seguida, por M. Vitsa, na qualidade de agentes, assistidos por A. Duron, advogado,

intervenientes,

contra

Comissão Europeia, representada, inicialmente, por G. Berscheid e A.‑C. Simon, em seguida, por M. Berscheid e L. Radu Bouyon e, finalmente, por M. Berscheid e B. Mongin, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 270.o TFUE e destinado à anulação da decisão da Comissão que indeferiu o pedido da recorrente, de 16 de dezembro de 2015, de adoção de uma decisão antecipada que fixe a data da sua entrada ao serviço, na aceção das disposições transitórias do anexo XIII do Estatuto dos Funcionários da União Europeia relativas a determinadas formas de cálculo dos direitos à pensão,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção),

composto por: S. Frimodt Nielsen, presidente, I. S. Forrester e E. Perillo (relator), juízes,

secretário: L. Ramette,

vistos os autos e após a audiência de 16 de outubro de 2018,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        Em 16 de abril de 2006, a recorrente, Isabel Torné, foi nomeada funcionária da Comissão Europeia no grau A 6, que passou a AD 6.

2        Em 1 de fevereiro de 2012, com base nas disposições do artigo 40.o do Estatuto dos Funcionários da União Europeia (a seguir «Estatuto»), quando estava classificada no grau AD 8, escalão 1, a recorrente foi colocada em licença sem vencimento, a seu pedido, por motivos pessoais.

3        No mesmo dia, a recorrente foi, no entanto, contratada pela Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex) como agente temporário, no grupo de funções AD, grau 12, escalão 2, através de um contrato celebrado com base no artigo 2.o, alínea a), do Regime aplicável aos outros agentes da União Europeia (a seguir «ROA»), na versão então em vigor, para exercer as funções de chefe da Unidade «Recursos humanos e serviços».

4        Quase dois anos mais tarde, o Estatuto dos Funcionários e o ROA foram alterados pelo legislador da União Europeia (a seguir «reforma de 2014»). O novo artigo 77.o do Estatuto, aplicável igualmente aos agentes temporários graças à referência feita no artigo 39.o, n.o 1, do ROA, define, no seu segundo parágrafo, uma nova taxa anual de aquisição dos direitos à pensão, passando assim a taxa anterior de 1,9 % para a taxa menos favorável de 1,8 %. O quinto parágrafo desse mesmo artigo 39.o, n.o 1, do ROA estabeleceu, por outro lado, que a idade de aposentação passaria de 63 para 66 anos.

5        Foi também previsto um regime transitório entre as antigas e as novas disposições legais. Assim, o artigo 21.o, segundo parágrafo, do anexo XIII do Estatuto, relativo às «[d]isposições transitórias aplicáveis aos funcionários da União», prevê, antes de mais, que o funcionário «que tiver iniciado funções no período entre 1 de maio de 2004 e 31 de dezembro de 2013» continua a adquirir, não obstante a entrada em vigor do novo artigo 77.o, direitos à pensão à taxa anual de 1,9 %.

6        Além disso, nos termos do artigo 22.o, n.o 1, quarto parágrafo, do anexo XIII do Estatuto, «para os funcionários com idade igual ou superior a 45 anos em 1 de maio de 2014 e que tenham iniciado funções entre 1 de maio de 2004 e 31 de dezembro de 2013, a idade de aposentação mantém‑se aos 63 anos».

7        Por outro lado, tal como referido no considerando 34 do Regulamento (UE, Euratom) n.o 1023/2013 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, que altera o [Estatuto] e o [ROA] (JO 2013, L 287, p. 15), e tendo em conta o elevado número de agentes temporários nas agências e a necessidade de estabelecer uma política de pessoal coerente neste setor específico, foi instituída pelo artigo 2.o, alínea f), do ROA uma nova categoria de agentes temporários contratados pelas agências (a seguir «pessoal das agências»), e foram estabelecidas várias regras específicas relativas a esta nova categoria.

8        Consequentemente, o contrato celebrado pela recorrente com a Frontex foi automaticamente convertido, a partir de 1 de janeiro de 2014, num contrato de agente temporário ao abrigo do artigo 2.o, alínea f), do ROA, em conformidade com o artigo 6.o do anexo desse regime, relativo às medidas transitórias aplicáveis aos agentes abrangidos pelo regime em causa.

9        [Conforme retificado por Despacho de 22 de janeiro de 2019] Em 1 de junho de 2015, a recorrente deixou a Frontex para ser contratada no mesmo dia pela Agência Europeia da Segurança Marítima (AESM), através da celebração de um contrato ao abrigo do artigo 2.o, alínea f), do ROA, como chefe do Departamento «Corporate services». O artigo 3.o do referido contrato estipulava que a recorrente continuaria classificada no grau AD 12, escalão 3, e manteria a sua antiguidade no grau em 1 de fevereiro de 2012 e no escalão em 1 de fevereiro de 2014. O artigo 4.o desse contrato previa que a data do seu termo seria a fixada no anterior contrato da recorrente com a Frontex, ou seja, 31 de janeiro de 2017. Nos termos do seu artigo 5.o, o contrato em causa foi renovado nas condições aplicáveis ao pessoal das agências, permitindo assim à recorrente prosseguir a sua atividade na AESM.

10      Importa ainda salientar que o artigo 1.o, n.o 1, do anexo ao ROA, relativo às medidas transitórias aplicáveis aos agentes sujeitos ao referido regime, estabeleceu, nomeadamente, que as disposições dos artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto, referidas nos n.os 5 e 6, supra, ou seja, a continuidade relativamente à taxa anual de aquisição (artigo 21.o) e a continuidade relativamente à idade de aposentação (artigo 22.o), se aplicavam por analogia a agentes «que tenham contrato» em 31 de dezembro de 2013.

 Procedimento précontencioso

11      Em 16 de dezembro de 2015, a recorrente apresentou ao diretor do Serviço «Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais» (PMO) da Comissão um pedido, nos termos do artigo 90.o, n.o 1, do Estatuto, de decisão da entidade habilitada a celebrar contratos de admissão (a seguir «EHCC») que fixasse antecipadamente determinados elementos do cálculo dos seus direitos à pensão (a seguir «pedido de 16 de dezembro de 2015»). Em substância solicitou a confirmação de que, após a entrada em vigor da reforma de 2014, continuava a beneficiar, apesar da sua transferência para a AESM, da taxa anual de aquisição de direitos à pensão de 1,9 % e da idade de aposentação em vigor antes de 1 de janeiro de 2014, ou seja, 63 anos.

12      O pedido de 16 de dezembro de 2015 foi, primeiro, objeto de um indeferimento implícito em 16 de abril de 2016, confirmado, em seguida, por um indeferimento explícito em 29 de abril de 2016, através de uma nota do chefe da Unidade «Pensões» do PMO (a seguir «nota de 29 de abril de 2016» ou «decisão impugnada»).

13      Na nota de 29 de abril de 2016, o chefe da Unidade «Pensões» do PMO indicava, em substância, à recorrente que a decisão que solicitava só podia ser tomada, de um ponto de vista administrativo, «no momento da cessação d[as suas] funções e com base na situação em que [se] encontra[r] no momento dessa cessação».

14      A nota de 29 de abril de 2016, porém, especificava que «as novas regras estatutárias [se aplicavam] quando se [verificava] uma descontinuidade na carreira de um agente», que «[s]e considerava que a mudança de empregador constituía essa descontinuidade», que «[i]sso [implicava] que, para o período de trabalho [subsequente] à celebração do contrato com a AESM, se aplicavam as disposições estatutárias [existentes] no momento do início do [referido] contrato» e que, «[p]ara esse período, os direitos à pensão [seriam] determinados com base na idade [de aposentação] de 66 anos e [na] taxa de aquisição de 1,80 %».

15      Por último, a nota de 29 de abril de 2016 assinalava igualmente que a recorrente «mant[inha] os [seus] direitos ao abrigo do [seu] estatuto de funcionária da Comissão, ao qual não [tinha] posto termo».

16      Em 18 de julho de 2016, a recorrente apresentou uma reclamação à EHCC, nos termos do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto, contra a resposta ao pedido de 16 de dezembro de 2015. Por decisão de 16 de novembro de 2016, a EHCC indeferiu a referida reclamação como inadmissível, alegando, em substância, que a nota de 29 de abril de 2016 não constituía uma decisão, mas apenas uma informação baseada nas regras estatutárias em vigor.

 Tramitação processual e pedidos das partes

17      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 27 de fevereiro de 2017, a recorrente interpôs o presente recurso.

18      Por requerimento separado entrado na Secretaria do Tribunal no mesmo dia, a recorrente pediu, nos termos do artigo 69.o, alínea c), do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a suspensão do processo na pendência do trânsito em julgado de uma decisão que põe fim à instância no processo T‑769/16, Picard/Comissão. Por decisão de 5 de abril de 2017, o presidente da Terceira Secção, após audição da Comissão, deferiu o pedido.

19      Por requerimento entrado na Secretaria do Tribunal Geral em 21 de março de 2017, a Comissão suscitou uma exceção de inadmissibilidade nos termos do artigo 130.o, n.o 1, do Regulamento de Processo.

20      Por requerimentos entrados na Secretaria do Tribunal em 15 de junho de 2017, a Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER), a Frontex, a Agência Europeia para a Gestão Operacional de Sistemas de Informáticos de Grande Escala no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (eu‑LISA), a AESM, a Autoridade Bancária Europeia (EBA), a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) e o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo (EASO) solicitaram a intervenção neste processo em apoio dos pedidos da recorrente.

21      Por decisão de 18 de julho de 2017, ouvidas as partes principais, o presidente da Terceira Secção decidiu retomar o processo, em conformidade com o artigo 70.o, n.o 2, do Regulamento de Processo.

22      Em 1 de setembro de 2017, a recorrente apresentou as suas observações sobre a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão (v. n.o 19, supra).

23      Por Despacho do Tribunal Geral de 5 de outubro de 2017, reservou‑se para final o conhecimento da exceção de inadmissibilidade.

24      Em 20 de novembro de 2017, a Comissão apresentou a sua contestação. Por carta de 6 de dezembro de 2017, a recorrente renunciou à entrega de réplica.

25      Por Despacho do presidente da Terceira Secção de 13 de dezembro de 2017, a ACER, a Frontex, a eu‑LISA, a AESM, a EBA, a ESMA e a EASO foram admitidas a intervir em apoio dos pedidos da recorrente.

26      Nos dias 26 e 27 de janeiro de 2018, os intervenientes apresentaram as suas alegações de intervenção. Por carta de 12 de fevereiro de 2018, a recorrente renunciou a apresentar observações e, em 15 de fevereiro de 2018, a Comissão apresentou as suas observações sobre as referidas alegações.

27      Por carta de 26 de fevereiro de 2018, a recorrente apresentou um pedido fundamentado, nos termos do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, para ser ouvida numa audiência de alegações. O Tribunal Geral deferiu este pedido e deu início à fase oral do processo.

28      Por carta entrada na Secretaria do Tribunal Geral em 10 de outubro de 2018, a EBA informou o Tribunal Geral de que renunciava a participar na audiência.

29      Através de uma medida de organização do processo, o Tribunal convidou a Comissão a responder a uma pergunta escrita. A Comissão deu cumprimento a este pedido no prazo fixado.

30      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

31      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        julgar o recurso manifestamente inadmissível;

–        a título subsidiário, negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

32      Os intervenientes concluem pedindo que o Tribunal Geral se digne:

–        anular a decisão recorrida;

–        condenar a Comissão nas despesas.

 Questão de direito

 Quanto à admissibilidade

 Argumentos das partes

33      A Comissão alega que, na falta de ato lesivo para a recorrente, o presente recurso é manifestamente inadmissível.

34      A título preliminar, a Comissão recorda que nenhuma disposição do Estatuto impõe expressamente à instituição em causa que fixe antecipadamente, em relação ao funcionário que o solicite antes da sua aposentação efetiva, determinados elementos de cálculo do montante dos seus direitos à pensão. Pelo contrário, o Estatuto não consagra, de modo algum, neste domínio, uma espécie de princípio de certeza quanto à determinação dos direitos à pensão antes da data da aposentação. Assim, o artigo 40.o do anexo VIII do Estatuto prevê que a liquidação dos direitos à pensão de um funcionário é feita no momento da sua aposentação.

35      Consequentemente, a Comissão afirma, em primeiro lugar, que, no caso em apreço, a nota de 29 de abril de 2016 não constitui uma decisão, ou seja, um ato lesivo, mas uma simples informação baseada em normas estatutárias.

36      Em segundo lugar, a Comissão alega que, no momento da apresentação do pedido de 16 de dezembro de 2015, a administração não tinha conhecimento de todos os elementos de cálculo dos futuros direitos à pensão da recorrente, continuando, aliás, atualmente, a não o ter. Em sua opinião, a informação relativa à data de entrada ao serviço da recorrente e a relativa à idade que esta tinha no momento da entrada em vigor da reforma de 2014 permitem‑lhe, no máximo, estimar o montante desses direitos à pensão.

37      A Comissão considera que só no momento da aposentação da recorrente é que o quadro jurídico que lhe é aplicável, incluindo eventualmente outras regras transitórias entretanto adotadas, será finalmente conhecido com certeza e que só nestas circunstâncias toda a sua carreira poderá ser definitivamente tomada em consideração, para efeitos do cálculo do montante da pensão de aposentação.

38      Segundo a Comissão, a atual taxa anual de aquisição dos direitos de pensão pode, eventualmente, ainda variar ao longo do tempo e a recorrente pode também adquirir direitos à pensão diferenciados em função da evolução da sua carreira, tal como previsto, por exemplo, no artigo 77.o, terceiro parágrafo, do Estatuto dos Funcionários, em caso de destacamento. Quanto à idade da aposentação, será objeto de uma avaliação atuarial quinquenal, a fim de, precisamente, assegurar o equilíbrio do regime de pensões da União, em conformidade com o artigo 83.o‑A, n.o 3, do Estatuto. O aumento deste fator no tempo não pode, por conseguinte, ser excluído antes da aposentação da recorrente.

39      Em terceiro lugar, a Comissão alega que, mesmo admitindo que determinados elementos de cálculo dos direitos à pensão da recorrente já fossem conhecidos no momento do pedido de 16 de dezembro de 2015, o recurso é, contudo, inadmissível, porque, estando os direitos à pensão «em formação», o seu conteúdo só pode ser fixado por uma decisão «definitiva» no momento da sua aposentação.

40      Por último, tal solução está em conformidade com a resultante do Acórdão de 12 de fevereiro de 1992, Pfloeschner/Comissão (T‑6/91, EU:T:1992:13, n.os 26 e 27).

41      Na audiência, a Comissão salientou também, a este respeito, que o Acórdão de 1 de fevereiro de 1979, Deshormes/Comissão (17/78, EU:C:1979:24, n.o 10), no qual o Tribunal de Justiça tinha admitido que a fixação antecipada de um elemento de cálculo dos direitos à pensão constituía um ato lesivo, se inscrevia num contexto particular que não era pertinente no caso em apreço.

42      A recorrente, apoiada pelos intervenientes, considera, em contrapartida, que a resposta ao pedido de 16 de dezembro de 2015, apresentado nos termos do artigo 90.o, n.o 1, do Estatuto, é um ato que causa prejuízo, na medida em que essa resposta constitui uma abstenção de tomar uma medida imposta pelo Estatuto, na aceção do artigo 90.o, n.o 2. Considera igualmente que a nota de 29 de abril de 2016 constitui, em virtude do seu conteúdo, que a priva da aplicação das disposições transitórias em causa, um ato lesivo.

 Apreciação do Tribunal Geral

43      Em primeiro lugar, importa recordar que, segundo jurisprudência constante, «apenas podem ser considerados lesivos atos que produzem efeitos jurídicos vinculativos que afetam de forma direta e imediata a situação jurídica dos interessados, alterando [também], de forma caracterizada, a sua situação jurídica» (v. Acórdão de 13 de outubro de 2015, Comissão/Verile e Gjergji, T‑104/14 P, EU:T:2015:776, n.o 28 e jurisprudência referida).

44      No caso vertente, é pacífico que, relativamente ao objeto do pedido de 16 de dezembro de 2015, o chefe da Unidade «Pensões» do PMO, na nota de 29 de abril de 2016, tomou claramente posição sobre a alteração dos elementos de cálculo do montante dos futuros direitos à pensão da recorrente, ou seja, por um lado, a taxa anual de aquisição desses direitos e, por outro, a idade da sua aposentação. Além disso, segundo a Comissão, estas alterações foram decididas devido à mudança de empregador da recorrente, ocorrida após a entrada em vigor da reforma de 2014 (v. n.o 13, supra). Considera, portanto, que foi devido à referida mudança de empregador, ou seja, na sequência de uma alteração substancial da relação contratual de trabalho da recorrente, que o PMO adaptou determinados fatores pertinentes para o cálculo dos direitos à pensão desta última.

45      Ora, há que observar que, devido ao seu conteúdo, não se pode considerar que tal tomada de posição contém simples informações relativas ao alcance das disposições estatutárias atinentes aos direitos à pensão e ao seu método de cálculo após a entrada em vigor da reforma de 2014.

46      Com efeito, na nota de 29 de abril de 2016, o chefe da Unidade «Pensões» do PMO informou a recorrente de que, na sequência da celebração do novo contrato com a AESM, em 1 de junho de 2015, era nessa data que era necessário considerar, para efeitos da aplicação do regime transitório previsto no quadro da reforma de 2014, que ela tinha «entrado ao serviço». Daqui decorre, na prática, por um lado, que, em virtude dessa nota, a idade de aposentação da recorrente passou agora, sem alteração do direito, para 66 anos (em vez de 63 anos) e que, por outro, a taxa anual de aquisição dos seus direitos à pensão passa de 1,9 % para 1,8 % a partir da mesma data.

47      A este respeito, a nota de 29 de abril de 2016 indica igualmente que a fixação da data da entrada ao serviço da recorrente, na aceção das disposições transitórias introduzidas com a reforma de 2014, «implica que para o período de trabalho subsequente à celebração do contrato com a AESM [e, portanto, a partir de 1 de junho de 2015], as disposições estatutárias aplicáveis [à recorrente são precisamente as que estavam em vigor] no momento do início do contrato» que esta celebrou com a AESM (v. n.o 13, supra).

48      Consequentemente, a nota de 29 de abril de 2016 produz efeitos jurídicos que afetam imediata e definitivamente a situação administrativa da recorrente, na medida em que, através dessa decisão, a Comissão a exclui do regime transitório instituído pelos artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto, aplicando‑lhe a taxa anual de aquisição dos direitos à pensão e a idade de aposentação conforme alteradas pela reforma de 2014. Além disso, a circunstância dessa decisão só poder ser executada no futuro e de os seus efeitos serem, por conseguinte, diferidos no tempo é, a este respeito, irrelevante (v., neste sentido, Acórdão de 1 de fevereiro de 1979, Deshormes/Comissão, 17/78, EU:C:1979:24, n.o 10).

49      Assim, é efetivamente a nota de 29 de abril de 2016, que fixa a data de entrada ao serviço da recorrente, que lhe causa prejuízo, e não a aplicação que dela será feita no âmbito do cálculo futuro dos direitos à pensão desta última, quando forem liquidados, no momento da aposentação definitiva.

50      Além disso, e diferentemente da situação analisada no Acórdão de 12 de fevereiro de 1992, Pfloeschner/Comissão (T‑6/91, EU:T:1992:13, n.o 27), a EHCC, tendo recebido o pedido de 16 de dezembro de 2015, estava obrigada, na sequência da alteração da relação contratual de trabalho da recorrente, a tomar uma decisão que especificasse se a recorrente beneficiava ou não das disposições transitórias previstas nos artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto, na medida em que esta EHCC dispunha de informações factuais sobre a situação administrativa da recorrente que eram certas e imutáveis.

51      Consequentemente, a data de entrada ao serviço da recorrente, que o PMO quis claramente fixar com base na sua própria interpretação das disposições transitórias aplicáveis, e as consequências que essa fixação teve relativamente às condições administrativas da recorrente antes dessa data como beneficiária do regime de pensões da União são suscetíveis de afetar imediata e diretamente a sua situação jurídica (v., neste sentido, Acórdão de 1 de fevereiro de 1979, Deshormes/Comissão, 17/78, EU:C:1979:24, n.os 10 a 17).

52      Daqui resulta que, em conformidade com a jurisprudência referida no n.o 43, supra, a resposta da Comissão ao pedido de 16 de dezembro de 2015 constitui um ato que causa prejuízo, na aceção do artigo 90.o, n.o 2, do Estatuto.

53      Assim, a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão deve ser julgada improcedente.

 Quanto ao mérito

 Argumentos das partes

54      A recorrente, apoiada pelos intervenientes, alega, em substância, que a tese da Comissão segundo a qual, devido à sua mudança de empregador, não beneficia dos critérios estabelecidos nas disposições transitórias dos artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto em matéria de aquisição de direitos à pensão e de idade legal da aposentação viola, assim, não só estas disposições, mas também o princípio da continuidade do emprego e da carreira do pessoal das agências, e os princípios da segurança jurídica, da não retroatividade e da igualdade de tratamento. Na sua opinião, tal tese é também contrária às cláusulas do contrato que celebrou com a AESM, e às disposições gerais de execução da AESM de 25 de março de 2015, relativas à contratação dos referidos agentes temporários.

55      Além disso, a nova categoria de agentes temporários das agências, abrangida pelo artigo 2.o, alínea f), do ROA, foi criada pelo legislador da União precisamente para responder às necessidades específicas das várias agências europeias existentes, nomeadamente para assegurar a atratividade dos empregos no contexto de um mercado dos lugares vagos, dito «interagências», favorecendo assim a mobilidade dos interessados e garantindo, simultaneamente, a continuidade do emprego e da carreira na mobilidade.

56      Por último, a recorrente e os intervenientes salientaram, na audiência, que os funcionários, os agentes temporários e os agentes contratuais empregados pela União estavam todos abrangidos pelo mesmo regime uniforme de pensões da União. O âmbito de aplicação das disposições transitórias do anexo XIII do Estatuto tinha sido claramente definido. Abrangia as pessoas inscritas e que contribuíram para o referido regime antes de 1 de janeiro de 2014. A mudança de instituição, organismo ou agência não tem, por conseguinte, qualquer impacto sobre esta inscrição.

57      A Comissão contesta esta argumentação. Embora admitindo que o artigo 2.o, alínea f), do ROA criou uma nova categoria de agentes temporários tendo em vista, nomeadamente, favorecer a mobilidade entre as agências, o pessoal das agências não constitui, no entanto, uma categoria autónoma de agentes temporários. Estes agentes estão, em contrapartida, sujeitos, como os outros agentes da União, consideradas globalmente todas as categorias, às disposições gerais aplicáveis do ROA, salvo derrogações específicas. Por conseguinte, no estado atual do direito, o princípio da continuidade da carreira está limitado em matéria de direitos à pensão e não abrange, automaticamente, as condições de elegibilidade e de cálculo da pensão. Tal extensão não pode, em caso algum, ser implícita.

58      Segundo a Comissão, a fim de cumprir o objetivo da redução das despesas administrativas visado especialmente pelo legislador da União, a reforma de 2004 não eliminou quaisquer obstáculos ao «mercado interagências». Assim, o Regulamento n.o 1023/2013 não contém qualquer disposição expressa que preveja o princípio da continuidade da carreira do pessoal das agências para o cálculo dos direitos à pensão.

59      Por conseguinte, a Comissão sustenta que nem ela, nem as agências, nem os agentes em causa podiam, por via contratual ou administrativa, complementar os objetivos da reforma de 2014, com base numa interpretação teleológica do artigo 1.o do anexo do ROA e dos artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto. Na realidade, essa interpretação teria por efeito reduzir, ou mesmo inverter parcialmente, as economias orçamentais pretendidas pelo legislador da União, atrasando a aplicação das novas disposições do artigo 77.o do Estatuto.

60      Na audição, a Comissão alegou que o Estatuto também não previa um princípio de continuidade em matéria de direitos à pensão. O considerando 29 do Regulamento n.o 1023/2013 refere‑se, de um modo geral, à aplicação gradual das novas regras através de disposições transitórias. A este respeito, no que concerne aos direitos à pensão, os artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto, que instituem o critério da «entrada ao serviço», são precisos e não contêm lacunas.

61      Além disso, devido à sua dupla natureza de medidas transitórias e financeiras, os artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto devem, pois, ser interpretados de forma estrita, na medida em que constituem uma exceção ao princípio da aplicação imediata do artigo 77.o do Estatuto e regem a concessão de uma vantagem financeira.

62      Nesta perspetiva, a Comissão também afirmou, durante a audiência, que o artigo 28.o do anexo XIII do Estatuto, que prevê que um ajustamento atuarial dos direitos à pensão adquiridos por um agente cujo contrato esteja em curso antes de 1 de janeiro de 2014, ocorre quando seja nomeado funcionário após essa data, prova que, na falta de disposições específicas como a do referido artigo, as disposições transitórias devem ser aplicadas de modo geral.

63      Ora, no caso específico da recorrente, a Comissão considera, em primeiro lugar, que, em conformidade com o princípio da autonomia administrativa das instituições europeias consagrado no artigo 335.o TFUE, nomeadamente na gestão do seu pessoal, a recorrente não pode ser considerada uma empregada da União, mas apenas um agente da AESM, a partir do pedido de 16 de dezembro de 2015 (Acórdão de 21 de janeiro de 2014, Van Asbroeck/Parlamento, F‑102/12, EU:F:2014:4, n.o 29). Por outras palavras, uma vez que as agências da União têm personalidade jurídica, os seus agentes não podem ter simultaneamente por empregador uma agência e a União.

64      Consequentemente, a Comissão considera que, tendo em conta o quadro jurídico aplicável no caso vertente, a mudança de empregador decidida pela recorrente acarretou necessariamente uma rutura substancial da sua anterior relação de trabalho e, logo, uma interrupção na sua carreira. A este respeito, o artigo 55.o do ROA, que permite à agente em causa manter a sua classificação e antiguidade em grau e escalão, difere do artigo 32.o, terceiro parágrafo, do Estatuto, que prevê a manutenção da antiguidade em escalão no caso de um agente temporário nomeado funcionário na mesma instituição, «para o qual um certo grau de continuidade de carreira se afigura lógico e natural».

65      Segundo a Comissão, o princípio limitado da continuidade da carreira, reconhecido pelo artigo 55.o do ROA, é apenas uma exceção à regra geral segundo a qual não existe continuidade da carreira para os agentes temporários que mudam de instituição ou agência.

66      Em segundo lugar, a jurisprudência confirma a ausência de um «princípio da continuidade do serviço» no que se refere aos agentes temporários, só existindo tal princípio, regra geral, para os funcionários, por força da ligação estatutária que lhes é conferida pelo ato de nomeação. O artigo 8.o do Estatuto determina especificamente que se transferido para outra instituição, «considera‑se que o funcionário fez a sua carreira junto da União nesta última instituição».

67      Assim, no entender da Comissão, no caso dos agentes temporários, no Acórdão de 16 de setembro de 2015, EMA/Drakeford (T‑231/14 P, EU:T:2015:639), longe de reconhecer, em caso de mudança de empregador, uma continuidade da carreira, o juiz da União apenas constatou a continuidade entre vários contratos sucessivos idênticos na mesma agência, nos termos do artigo 8.o do ROA, que visa precisamente prevenir a utilização abusiva dos contratos por tempo determinado. Além disso, resulta do Acórdão de 29 de abril de 2015, Todorova Androva/Conselho (F‑78/12, EU:F:2015:37, n.os 51 e 53), que, quando o legislador da União não o previu explicitamente, não há continuidade administrativa na carreira de um agente temporário que se torne funcionário. Quanto ao Acórdão de 1 de abril de 2008, Maruko (C‑267/06, EU:C:2008:179), apenas confirma que os direitos definitivamente adquiridos ao abrigo de um contrato não são afetados pela nova regra e que o princípio da relação entre remuneração e pensão é, assim, efetivamente respeitado. Por último, a Comissão acrescenta que o Acórdão de 5 de dezembro de 2012, Grazyte/Comissão (F‑76/11, EU:F:2012:173), confirma que, antes da reforma de 2014, a proteção dos agentes transferidos de uma agência para outra não existia, e demonstra que as disposições específicas relativas ao pessoal das agências não bastam para criar uma verdadeira «continuidade substancial» entre os contratos celebrados com diferentes agências.

68      Por último, pelas mesmas razões, a Comissão alega que a aplicação das novas regras em matéria de taxa anual de aquisição dos direitos à pensão e de idade da aposentação não prejudica os direitos adquiridos pela recorrente antes da sua contratação pela AESM, nem viola os princípios da segurança jurídica e da não retroatividade (Acórdão de 19 de julho de 2016, Stips/Comissão, F‑131/15, EU:F:2016:154, ponto 41). Além disso, na falta de continuidade substancial entre os empregos da recorrente na Frontex e na AESM, a recorrente não é discriminada em relação aos colegas que não mudaram de agência.

 Apreciação do Tribunal Geral

69      Importa observar que a recorrente, que foi nomeada funcionária da Comissão em 16 de abril de 2006, ficou em licença sem vencimento (a seguir «LSV») em 1 de junho de 2012. Na mesma data, foi contratada como agente temporária pela Frontex, antes de celebrar, em seguida, um contrato com a AESM, em 2015, ou seja, após a entrada em vigor da reforma de 2014, em 1 de janeiro de 2014 (v. n.o 9, supra).

70      Além disso, antes de examinar os argumentos das partes, há que recordar o âmbito de aplicação ratione temporis e ratione personae das novas disposições do artigo 77.o do Estatuto, nomeadamente à luz das regras de direito transitório estabelecidas pelo anexo XIII do referido Estatuto.

–       Âmbito de aplicação ratione temporis e rationae personae das novas disposições do artigo 77.o do Estatuto introduzidas pela reforma de 2014

71      De um ponto de vista temporal, há que salientar, a título liminar, que qualquer alteração legislativa se aplica, em princípio, aos efeitos futuros das situações nascidas na vigência da legislação revogada, salvo derrogação expressa prevista pelo legislador. Assim não sucederá relativamente às situações nascidas e definitivamente realizadas na vigência da legislação anterior, que criaram direitos adquiridos (Acórdão de 13 de outubro de 2015, Comissão/Verile e Gjergji, T‑104/14 P, EU:T:2015:776, n.o 152).

72      Por conseguinte, no que respeita, em primeiro lugar, ao âmbito de aplicação ratione temporis do novo artigo 77.o do Estatuto, deve notar‑se que, contrariamente às alegações da recorrente (v. n.o 54, supra), a aplicação imediata deste artigo não pode ser contrária aos princípios da segurança jurídica e da não retroatividade.

73      Com efeito, o novo artigo 77.o do Estatuto não afeta os direitos à pensão adquiridos à taxa de 1,9 % a título do serviço prestado antes de 1 de janeiro de 2014, ou seja, antes da sua entrada em vigor, nem os direitos dos funcionários e outros agentes que tenham requerido a aposentação aos 63 anos e cuja pensão tenha sido fixada antes de 1 de janeiro de 2014 (artigo 24.o‑A do anexo XIII do Estatuto). Apenas as situações ainda não definitivamente constituídas no momento da entrada em vigor da reforma de 2014, isto é, os direitos à pensão correspondentes ao serviço prestado ao abrigo destas novas regras e as aposentações após 1 de janeiro de 2014, no que respeita aos funcionários e agentes que não beneficiam de um regime transitório, são com efeito suscetíveis de serem abrangidas pelo âmbito de aplicação das novas regras introduzidas pelo legislador da União no âmbito dessa reforma.

74      Em segundo lugar, no que diz respeito ao âmbito de aplicação ratione personae do novo artigo 77.o do Estatuto, há que observar que, no âmbito da reforma de 2014, o legislador da União previu «disposições transitórias para permitir uma aplicação gradual das novas regras e medidas, embora respeitando[, no entanto,] os direitos adquiridos e as legítimas expectativas do pessoal recrutado antes da entrada em vigor das presentes alterações do Estatuto», como indica o considerando 29 do Regulamento n.o 1023/2013.

75      Assim, tratando‑se no caso em apreço das modalidades de cálculo dos direitos à pensão, os artigos 21.o e 22.o, n.o 1, do anexo XIII do Estatuto, aplicáveis por analogia, neste caso, por força do artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA, especificam que o funcionário que entrou ao serviço entre 1 de maio de 2004 e 31 de dezembro de 2013 tem direito a uma taxa anual de aquisição de direitos à pensão de 1,9 % e se, como a recorrente, tiver 45 ou mais anos em 1 de maio de 2014, a idade legal da sua aposentação mantém‑se aos 63 anos.

–       Quanto ao conceito de «entrada ao serviço»

76      A este respeito, importa observar, em primeiro lugar, que nem o Estatuto nem o ROA definem expressamente o conceito de entrada ao serviço enunciado pelas disposições transitórias mencionadas nos n.os 74 e 73, supra, o que a Comissão, aliás, confirmou durante a audiência.

77      No entanto, a legislação aplicável no caso em apreço contém indicações, ou mesmo critérios, suficientemente claros e precisos, que permitem definir o conteúdo do conceito de entrada ao serviço no quadro de uma interpretação sistemática dessa legislação. Em especial, resulta do artigo 1.o, n.o 1, do anexo do ROA, que remete, no que respeita aos outros agentes, para uma aplicação por analogia das regras previstas no anexo XIII do Estatuto, que todo o pessoal da União, sem distinção quanto à natureza da relação de trabalho, estatutária ou contratual, beneficia, nas mesmas condições, dessas regras transitórias.

78      Uma vez que o legislador da União instituiu assim expressamente um regime transitório uniforme para os funcionários e os outros agentes da União, o conceito de entrada ao serviço deve ser interpretado com base nos mesmos princípios que a relação de trabalho, estatutária ou contratual, sem prejuízo, contudo, da consideração das regras do Estatuto e do ROA que definem o regime próprio de cada uma destas categorias de pessoal.

79      Mais precisamente, em conformidade com a jurisprudência, o conceito de entrada ao serviço deve ser interpretado tendo em conta não só os termos em que é formulado, mas também os objetivos prosseguidos e o sistema estabelecido pelo Estatuto dos Funcionários e pelo ROA no qual está incluído (v., neste sentido, Acórdão de 29 de abril de 2015, Todorova Androva/Conselho, F‑78/12, EU:F:2015:37, n.o 49).

80      Daqui resulta que uma interpretação estrita das disposições transitórias pertinentes, cuja necessidade é justamente invocada pela Comissão (v. n.o 61, supra), devido ao caráter derrogatório destas disposições (Acórdão de 17 de janeiro de 2013, Comissão/Espanha, C‑360/11, EU:C:2013:17, n.o 18) e às suas implicações orçamentais (Acórdão de 30 de junho de 2005, Olesen/Comissão, T‑190/03, EU:T:2005:264, n.o 48), não pode, no entanto, contrariar os objetivos prosseguidos pelo legislador da União e o sistema estabelecido pelo Estatuto e pelo ROA.

81      No caso em apreço, as disposições transitórias em causa dizem respeito ao domínio específico do regime de pensões da União.

82      Ora, o regime de pensões da União, como previsto nas disposições pertinentes do título V, capítulo 3, do Estatuto e no seu anexo VIII, é comum aos funcionários, agentes temporários e agentes contratuais da União, independentemente da natureza estatutária ou contratual da relação de trabalho.

83      [Conforme retificado por Despacho de 22 de janeiro de 2019] Em especial, o artigo 2.o do anexo VIII do Estatuto, que regula o «[r]egime de pensões», prevê que «[a] pensão de aposentação é liquidada com base no número total de anuidades adquiridas pelo funcionário». A este respeito, o artigo 3.o do referido anexo especifica ainda que, desde que o interessado tenha pago as suas cotizações para o regime de pensões da União relativas aos serviços em causa, «[o] tempo de serviço cumprido na qualidade de funcionário de uma das instituições» e «[o] tempo de serviço […] em qualquer outra qualidade, de acordo com o [ROA]» são tidos em conta para o cálculo das anuidades.

84      Além disso, em resposta a uma pergunta escrita do Tribunal Geral, a Comissão confirmou que, no caso em apreço, a recorrente tinha contribuído para o regime de pensões da União sem interrupção desde a sua entrada ao serviço, primeiro como funcionária, depois como agente temporária recrutada pela Frontex em 2012 e, finalmente, como agente temporária recrutada pela AESM em 2015.

85      Daqui resulta que, devido à manutenção da relação laboral estatutária da recorrente com a Comissão e, consequentemente, devido à manutenção da sua inscrição no regime de pensões da União também durante o período da sua LSV, a contratação da interessada como agente temporária, primeiro pela Frontex em 2012, e depois pela AESM em 2015, não pode ser considerada, em relação à sua inscrição no referido regime de pensões, uma nova entrada ao serviço, sem prejuízo, evidentemente, de eventuais variações do montante das contribuições ligadas às alterações do seu vencimento de base por causa da mudança da sua posição administrativa para LSV, por exemplo, ou para agente temporário contratado num grau superior ao que detinha como funcionária em LSV.

86      A este respeito, na resposta mencionada no n.o 84, supra, a Comissão especificou, com efeito, também, que em conformidade com o artigo 41.o do ROA, a taxa de contribuição para o regime de pensões da União (que é uma percentagem do vencimento de base) «é a mesma independentemente de o agente ser funcionário ou agente temporário». Consequentemente, no caso concreto da recorrente, mesmo que, como observa a Comissão, «o [seu] vencimento de base tenha variado significativamente, uma vez que era funcionária de grau AD 8, escalão 1, quando entrou em LSV para trabalhar na Agência Frontex como agente temporária de grau AD 12, escalão 2 [e depois] quando a Agência AESM a recrutou no grau AD 12, escalão 3», o facto é que nunca deixou de beneficiar do regime de pensões e de contribuir para ele precisamente devido a estes diferentes vencimentos de base.

87      Nestas circunstâncias, a recorrente, não obstante a sua LSV e as suas subsequentes contratações, antes de mais pela FRONTEX a partir da data da referida LSV e, depois, pela AESM, permaneceu, em termos administrativos e, nomeadamente, em termos de inscrição no regime de pensões da União, funcionária da Comissão, onde entrou «ao serviço» em 2006, tornando‑se assim funcionária da União. Nos termos do artigo 1.o‑A do Estatuto, «[p]ara efeitos do presente estatuto, “funcionário da União” significa qualquer pessoa que tenha sido nomeada, nas condições previstas neste Estatuto, para um lugar permanente de uma das instituições da União, por meio de instrumento emitido pela entidade competente para proceder a nomeações nessa instituição».

88      Além disso, importa observar que, no quadro geral do Estatuto e do ROA, a entrada ao serviço de uma pessoa na União só pode coincidir com a data em que essa pessoa começa, com base num ato de nomeação, se se tratar, como no caso da recorrente, de um funcionário (v. artigo 1.o‑A, suprarreferido), a exercer as funções que lhe são confiadas, até ao momento em que um ato administrativo, igual e contrário, dê lugar àquilo que o próprio Estatuto designa, no capítulo 4, de «[c]essação de funções».

89      No caso dos funcionários, constituem essa cessação definitiva, por exemplo, o ato de exoneração (artigo 48.o do Estatuto), o afastamento (artigo 50.o do Estatuto), o despedimento por insuficiência profissional (artigo 51.o do Estatuto), a aposentação (artigo 52.o do Estatuto), a morte (artigo 47.o do Estatuto). A LSV, em contrapartida, não é uma posição administrativa que resulte em «cessação de funções».

90      Assim sendo, mesmo admitindo que a recorrente, que era, após a sua entrada em LSV, ainda funcionária titular da Comissão, foi objeto de uma nova «entrada ao serviço» devido à sua contratação pela AESM em 1 de junho de 2015, quando a reforma de 2014 já estava em vigor, o impacto desta nova «entrada ao serviço» só pode ser apreciado em relação ao quadro e ao objetivo específicos das novas disposições em matéria de determinação da taxa de aquisição de direitos à pensão (1,8 %) e da idade da aposentação (66 anos), sendo a finalidade que «as novas regras e medidas [em matéria de direitos à pensão] sejam aplicáveis sem prejuízo [contudo] dos direitos adquiridos e das expectativas legítimas do pessoal ao serviço [também nas agências] antes da entrada em vigor» da reforma de 2014.

91      Assim, ainda que o objetivo das regras transitórias em questão tenha também sido, certamente, controlar os custos orçamentais relativos às despesas administrativas da União, essas regras não podem, de qualquer modo, prejudicar os direitos adquiridos e as expectativas legítimas do pessoal, de todas as categorias globalmente consideradas, que esteja «ao serviço» antes da entrada em vigor da reforma de 2014 (v. n.o 74, supra).

92      Nesta perspetiva, declara‑se então que a recorrente, estando ao serviço da União sem interrupção de serviço desde a sua nomeação em 2006 como funcionária da Comissão, manteve necessariamente, ao longo de toda a sua relação laboral com a União e apesar da sua LSV, a sua inscrição no regime de pensões da União, como prevista no artigo 83.o do Estatuto, e contribuiu para este regime de pensões na base de contribuições deduzidas dos salários mensais a que teve direito, primeiro como funcionária da Comissão e depois, sem solução de continuidade, como agente da União, a partir da sua primeira nomeação na FRONTEX, em 1 de fevereiro de 2012 e, depois, na AESM, em 1 de junho de 2015.

93      [Conforme retificado por Despacho de 22 de janeiro de 2019] Nestas circunstâncias, deve, pois, concluir‑se que, para efeitos da aplicação das medidas transitórias em causa, se deve considerar que a recorrente «entrou ao serviço» na União entre 1 de maio de 2004 e 31 de dezembro de 2013 e, mantendo‑se ao serviço após esta última data, tem direito a beneficiar das condições estabelecidas nas referidas disposições transitórias relativas, por um lado, à taxa de aquisição dos direitos à pensão de 1,9 % e, por outro, à idade de aposentação de 63 anos.

94      Por todos estes motivos, há que considerar procedentes os fundamentos relativos à violação dos artigos 21.o e 22.o do anexo XIII do Estatuto e anular a decisão impugnada, sem que seja necessário examinar os outros fundamentos.

 Quanto às despesas

95      Nos termos do artigo 134.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido.

96      Tendo a Comissão sido vencida, há que condená‑la nas suas próprias despesas, bem como nas despesas da recorrente, como pedido por esta última.

97      Em conformidade com o artigo 138.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, conjugado com o artigo 1.o, n.o 2, alínea f), do referido Regulamento de Processo, os órgãos e organismos da União que intervenham no processo suportarão as suas próprias despesas. Os intervenientes suportarão, portanto, as suas próprias despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Terceira Secção)

decide:

1)      A decisão da Comissão Europeia de 16 de abril de 2016, confirmada pela nota do Serviço «Gestão e Liquidação dos Direitos Individuais» (PMO) 29 de abril de 2016, é anulada.

2)      A Comissão suportará as suas próprias despesas e as efetuadas por Isabel Torné.


3)      A Agência de Cooperação dos Reguladores da Energia (ACER), a Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira (Frontex), a Agência Europeia para a Gestão Operacional de Sistemas Informáticos de Grande Escala no Espaço de Liberdade, Segurança e Justiça (euLISA), a Agência Europeia da Segurança Marítima (AESM), a Autoridade Bancária Europeia (EBA), a Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados (ESMA) e o Gabinete Europeu de apoio em matéria de Asilo (EASO) suportarão as suas próprias despesas.

Frimodt Nielsen

Forrester

Perillo

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 14 de dezembro de 2018.

O Secretário

 

O Presidente

E. Coulon

 

S. Gervasoni


*      Língua do processo: francês.