Language of document : ECLI:EU:C:2024:399

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

14 de maio de 2024 (*)

«Reenvio prejudicial — Cooperação judiciária em matéria penal — Diretiva 2013/48/UE — Direito de acesso a um advogado em processo penal — Artigo 3.o, n.o 6, alínea b) — Derrogação temporária do direito de acesso a um advogado em circunstâncias excecionais — Artigo 9.o — Renúncia à presença ou à assistência de um advogado — Requisitos — Artigo 12.o, n.o 2 — Respeito pelos direitos de defesa e pela equidade do processo — Admissibilidade das provas — Artigo 47.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia — Renúncia escrita de um suspeito analfabeto ao seu direito de acesso a um advogado — Falta de explicação sobre as possíveis consequências da renúncia a este direito — Implicações em medidas de investigação posteriores — Decisão sobre uma medida cautelar adequada — Apreciação de provas obtidas em violação do direito de acesso a um advogado»

No processo C‑15/24 PPU [Stachev] (i),

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Sofiyski rayonen sad (Tribunal de Primeira instância de Sófia, Bulgária), por Decisão de 11 de janeiro de 2024, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 11 de janeiro de 2024, no processo penal contra

CH

sendo interveniente:

Sofiyska rayonna prokuratura,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: A. Arabadjiev, presidente de secção, T. von Danwitz, P. G. Xuereb, A. Kumin (relator) e I. Ziemele, juízes,

advogado‑geral: A. M. Collins,

secretário: R. Stefanova‑Kamisheva, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 11 de março de 2024,

considerando as observações apresentadas:

–        em representação de CH, por I. R. Stoyanov, advokat,

–        em representação da Comissão Europeia, por J. Vondung e I. Zaloguin, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 11 de abril de 2024,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação do artigo 3.o, n.o 6, alínea b), do artigo 9.o, n.o1, alíneas a) e b), e do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares (JO 2013, L 294, p. 1), e do artigo 47.o, n.os 1 e 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um processo penal instaurado contra CH, um nacional búlgaro acusado de ter cometido dois roubos.

 Quadro jurídico

 Direito da União

3        Os considerandos 39, 40 e 50 a 53 da Diretiva 2013/48 enunciam:

«(39)      Os suspeitos e acusados deverão poder renunciar a direitos conferidos pela presente diretiva desde que tenham sido informados do conteúdo do direito em questão e das possíveis consequências de a ele renunciar. Na prestação destas informações deverão ser tidas em conta as condições específicas do suspeito ou acusado em causa, nomeadamente a sua idade e o seu estado mental e físico.

(40)      A renúncia e as circunstâncias em que foi expressa deverão ser registadas nos termos da lei do Estado‑Membro em causa. […]

[…]

(50)      Os Estados‑Membros deverão assegurar que, na avaliação das declarações feitas por uma pessoa suspeita ou acusada ou das provas obtidas em violação do seu direito a um advogado, bem como nos casos em que tenha sido autorizada uma derrogação a esse direito nos termos da presente diretiva, sejam respeitados os direitos da defesa e a equidade do processo. Neste contexto, deverá ser tida em conta a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que estabelece que os direitos da defesa estão, em princípio, irremediavelmente comprometidos quando são utilizados depoimentos incriminatórios obtidos durante um interrogatório policial sem a presença de um advogado para proferir uma condenação. Tal não deverá obstar à utilização de depoimentos para outros fins permitidos pela lei nacional, designadamente a necessidade de realizar diligências de investigação urgentes para evitar a prática de outras infrações ou consequências negativas graves para qualquer pessoa, ou relacionados com a urgente necessidade de evitar que um processo penal fique gravemente comprometido quando o acesso a um advogado ou o atraso da investigação prejudique irremediavelmente as investigações em curso relativas a uma infração grave. Além disso, tal não deverá prejudicar as regras ou sistemas nacionais relativos à admissibilidade das provas, nem impedir os Estados‑Membros de manterem um sistema em que todas as provas existentes possam ser apresentadas a um tribunal ou a um juiz, sem que haja qualquer apreciação separada ou prévia da admissibilidade de tais provas.

(51)      O dever de dar uma atenção especial aos suspeitos ou acusados em situação de potencial vulnerabilidade é inerente a uma boa administração da justiça. O Ministério Público, as autoridades policiais e as autoridades judiciais deverão, por conseguinte, facilitar a essas pessoas o exercício efetivo dos direitos previstos na presente diretiva, nomeadamente tendo em conta qualquer potencial vulnerabilidade que possa afetar a sua capacidade de exercer o direito de acesso a um advogado ou de informar um terceiro em caso de privação da liberdade, e tomando as medidas adequadas para garantir esses direitos.

(52)      A presente diretiva respeita os direitos e princípios fundamentais reconhecidos pela Carta, nomeadamente a proibição da tortura e de penas ou tratamentos desumanos ou degradantes, o direito à liberdade e à segurança, o respeito pela vida privada e familiar, o direito à integridade do ser humano, o respeito pelos direitos da criança, a integração das pessoas com deficiências, o direito à compensação e a um processo equitativo, a presunção de inocência e os direitos da defesa. A presente diretiva deverá ser aplicada de acordo com esses direitos e princípios.

(53)      Os Estados‑Membros deverão assegurar que as disposições da presente diretiva, quando correspondam a direitos garantidos pela [Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950], sejam aplicadas de forma coerente com as disposições dessa Convenção, tal como interpretadas pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.»

4        O artigo 1.o desta diretiva, sob a epígrafe «Objeto», dispõe:

«A presente diretiva estabelece regras mínimas relativas aos direitos dos suspeitos ou acusados em processo penal […] de terem acesso a um advogado […]»

5        O artigo 2.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Âmbito de aplicação», prevê:

«1.      A presente diretiva aplica‑se às pessoas suspeitas ou acusadas em processos penais, a partir do momento em que são informadas pelas autoridades competentes de um Estado‑Membro, por notificação oficial ou outro meio, de que são suspeitas ou acusadas de terem cometido uma infração penal, independentemente de serem ou não privadas de liberdade. A presente diretiva aplica‑se até ao termo do processo, ou seja, até ser proferida uma decisão definitiva sobre a questão de saber se a pessoa suspeita ou acusada cometeu a infração, incluindo, se for caso disso, até que a sanção seja aplicada ou que um eventual recurso seja apreciado.

[…]

4.      […]

A presente diretiva é plenamente aplicável quando o suspeito ou acusado seja privado de liberdade, independentemente da fase do processo penal.»

6        O artigo 3.o da Diretiva 2013/48, sob a epígrafe «Direito de acesso a um advogado em processo penal», tem a seguinte redação:

«1.      Os Estados‑Membros asseguram que os suspeitos e acusados tenham direito de acesso a um advogado em tempo útil e de forma a permitir‑lhes exercer de forma efetiva os seus direitos de defesa.

2.      Os suspeitos e acusados devem ter acesso a um advogado sem demora injustificada. Em qualquer caso, os suspeitos ou acusados devem ter acesso a um advogado a partir dos seguintes momentos, conforme o que ocorrer primeiro:

a)      Antes de serem interrogados pela polícia ou por qualquer outra autoridade judicial ou de aplicação da lei;

[…]

c)      Sem demora injustificada, após a privação de liberdade;

[…]

3.      O direito de acesso a um advogado implica o seguinte:

a)      Os Estados‑Membros garantem que o suspeito ou acusado tenha o direito de se encontrar em privado e de comunicar com o advogado que o representa, inclusive antes do interrogatório pela polícia ou por qualquer outra autoridade judicial ou de aplicação da lei;

b)      Os Estados‑Membros garantem que o suspeito ou acusado tenha o direito a que o seu advogado esteja presente e participe efetivamente nos interrogatórios. […]

c)      Os Estados‑Membros garantem que, no mínimo, o suspeito ou acusado tenha o direito a que o seu advogado esteja presente nas diligências de investigação ou de recolha de provas adiante indicadas, se tais diligências estiverem previstas na lei nacional aplicável e o suspeito ou acusado for obrigado ou autorizado a estar presente na diligência em causa:

i)      sessões de identificação,

ii)      acareações,

iii)      reconstituições da cena do crime.

[…]

6.      Em circunstâncias excecionais e apenas na fase prévia ao julgamento, os Estados‑Membros podem derrogar temporariamente à aplicação dos direitos previstos no n.o 3 se e na medida em que, à luz das circunstâncias concretas do caso, tal se justificar por um dos seguintes motivos imperiosos:

a)      Haver necessidade urgente de evitar consequências negativas graves para a vida, a liberdade ou a integridade física de uma pessoa;

b)      Haver necessidade imperiosa de uma ação imediata das autoridades de investigação para impedir que um processo penal fique gravemente comprometido.»

7        Nos termos do artigo 9.o desta diretiva, epigrafado «Renúncia»:

«1.      Sem prejuízo da legislação nacional que exige a presença ou a assistência de um advogado, os Estados‑Membros devem assegurar que, relativamente a qualquer renúncia a um dos direitos referidos nos artigos 3.o e 10.o:

a)      O suspeito ou acusado receba, oralmente ou por escrito, informações claras e suficientes, numa linguagem simples e compreensível, sobre o conteúdo do direito em questão e sobre as possíveis consequências de a ele renunciar; e

b)      A renúncia seja expressa de forma voluntária e inequívoca.

2.      A renúncia, que pode ser feita por escrito ou oralmente, deve ser registada, tal como as circunstâncias em que foi expressa, nos termos da lei do Estado‑Membro em causa.

3.      Os Estados‑Membros devem assegurar que a renúncia possa ser posteriormente revogada em qualquer momento do processo penal pelo suspeito ou acusado e que este seja informado dessa possibilidade. A referida revogação produz efeitos a partir do momento em que seja feita.»

8        O artigo 12.o da referida diretiva, sob a epígrafe «Vias de recurso», dispõe, no seu n.o 2:

«Sem prejuízo das normas e sistemas nacionais em matéria de admissibilidade de provas, os Estados‑Membros asseguram que, nos processos penais, na apreciação das declarações feitas por um suspeito ou acusado ou das provas obtidas em violação do seu direito a um advogado, bem como nos casos em que tenha sido autorizada uma derrogação desse direito nos termos do artigo 3.o, n.o 6, sejam respeitados os direitos da defesa e a equidade do processo.»

9        O artigo 13.o da Diretiva 2013/48, sob a epígrafe «Pessoas vulneráveis», prevê:

«Os Estados‑Membros asseguram que as necessidades específicas dos suspeitos ou acusados vulneráveis sejam tidas em conta na aplicação da presente diretiva.»

 Direito búlgaro

 Constituição Búlgara

10      Nos termos do artigo 30.o, n.o 4, da Konstitutsia na Republika Bulgaria (Constituição da República da Bulgária; a seguir «Constituição Búlgara»):

«Todas as pessoas têm direito à proteção jurídica a partir do momento da sua detenção ou acusação.»

 Lei relativa ao Ministério da Administração Interna

11      O artigo 72.o da Zakon za ministerstvoto na vatreshnite raboti (Lei relativa ao Ministério da Administração Interna, DV n.o 53, de 27 de junho de 2014), na versão aplicável aos factos no processo principal, tem a seguinte redação:

«(1)      As autoridades policiais podem deter uma pessoa:

1.      relativamente à qual haja indícios da prática de uma infração;

[…]

(5)      A pessoa em causa tem direito a um advogado desde o momento da sua detenção, devendo ser informada de que pode renunciar a esse direito e das consequências dessa renúncia, bem como do direito ao silêncio, nos casos em que a detenção tem como fundamento o n.o 1, ponto 1.»

12      O artigo 74.o desta lei dispõe:

«(1)      Às pessoas referidas no artigo 72.o, n.o 1, será emitida uma ordem escrita de detenção.

(2)      A ordem de detenção referida no n.o 1 contém:

1.      o nome, a função e o endereço do posto do agente de polícia que emita a ordem de detenção;

2.      as razões de facto e de direito da detenção;

3.      os dados de identificação da pessoa detida;

4.      a data e a hora da detenção;

5.      as restrições dos direitos a que a pessoa fica sujeita, nos termos do artigo 73.o;

6.      o direito desta última:

a)      a impugnação judicial da legalidade da detenção;

b)      ao acesso a um advogado a partir do momento da detenção;

[…]

(3)      A pessoa detida preenche um formulário no qual declara que tomou conhecimento dos seus direitos e que pretende, ou não, exercer os direitos que lhe são conferidos pelo n.o 2, ponto 6, alíneas b) a f). A ordem de detenção é assinada pelo agente de polícia e pela pessoa detida.

(4)      A recusa ou a impossibilidade da pessoa detida de assinar a ordem de detenção é confirmada pela assinatura de uma testemunha.»

 NPK

13      O artigo 94.o do Nakazatelno‑protsesualen kodeks (Código de Processo Penal, DV n.o 86, de 28 de outubro de 2005), na versão aplicável aos factos no processo principal (a seguir «NPK»), prevê:

«(1)      A intervenção de um defensor no processo penal é obrigatória quando:

[…]

6.      […] o arguido tenha sido detido».

14      Nos termos do artigo 96.o, n.o 1, do NPK:

«Com exceção dos casos previstos no artigo 94.o, n.o 1, pontos 1 a 3 e 6, o arguido pode recusar a intervenção do defensor em qualquer fase do processo. O arguido é informado sobre as consequências da renúncia ao defensor.»

15      O artigo 97.o do NPK tem a seguinte redação:

«(1)      O defensor pode participar no processo penal a partir do momento da detenção ou da formulação da acusação, contra estes atos.

(2)      O órgão que dirige a fase pré‑contenciosa deve informar o arguido sobre o seu direito a assistência por advogado, dando‑lhe a possibilidade de estabelecer, de imediato, contacto com um defensor. Antes do cumprimento desta obrigação, aquele não pode praticar quaisquer atos de inquérito ou outros atos processuais que envolvam a participação do arguido.»

16      O artigo 248.o do NPK prevê:

«(1)      Na audiência preparatória, são discutidas as seguintes questões:

[…]

3.      o processo pré‑contencioso padece de algum vício processual substancial, que possa ser sanado, que tenha por efeito limitar os direitos processuais do arguido, da vítima ou dos seus sucessores;

[…]

5.      o exame do processo à porta fechada, a nomeação de um juiz ou de um jurado de reserva, a nomeação de um defensor, de um perito, de um intérprete, de um intérprete de linguagem gestual e a execução de atos judiciais de instrução por delegação;

6.      as medidas de coação adotadas;

7.      pedidos de recolha de novas provas;

8.      a fixação da data da audiência e a identificação das pessoas a convocar.»

17      O artigo 270.o, n.o 1, do NPK dispõe:

«A questão da alteração da medida cautelar pode ser colocada em qualquer fase do processo judicial. A alteração da medida cautelar apenas poderá ser novamente requerida na mesma instância no caso de se verificar uma alteração das circunstâncias.»

 Tramitação no processo principal e questões prejudiciais

18      Em 16 de dezembro de 2022, CH foi detido pela polícia búlgara para investigar o seu envolvimento num roubo. No mesmo dia, assinou uma declaração escrita segundo a qual não desejava ser defendido por um defensor da sua escolha e a expensas suas nem por um defensor oficioso.

19      Segundo as indicações do órgão jurisdicional de reenvio, as consequências da renúncia a um defensor não foram, todavia, explicadas a CH, que não recebeu formação básica nem domina a língua búlgara escrita. Além disso, a declaração prevê a exigência de que, quando uma pessoa detida é analfabeta ou não está em condições de a preencher ela própria, esta deve ser preenchida por um agente de polícia, devendo as expressões de vontade dessa pessoa ser prestadas pela própria, na presença de uma testemunha que confirme a sua autenticidade através da respetiva assinatura. Ora, no caso em apreço, a referida declaração não contém a assinatura de uma autoridade policial nem de uma testemunha.

20      Imediatamente após a sua detenção, quando foi interrogado por uma autoridade policial na qualidade de testemunha, CH admitiu ter participado na prática de um roubo. Segundo a decisão de reenvio, é certo que CH foi informado dos seus direitos, que não era obrigado a incriminar‑se pela prática de uma infração penal e que se podia recusar a testemunhar. Todavia, esse interrogatório ocorreu sem a presença de um defensor. Do mesmo modo, a falta de um defensor resulta igualmente das atas em que foram consignadas outras medidas de investigação, realizadas entre 16 e 17 de dezembro de 2022, como uma reconstituição, uma busca domiciliária à casa de CH, duas sessões de identificação dos suspeitos e uma revista realizada a CH. No decurso da realização destas medidas de investigação, foram recolhidos elementos de prova.

21      Em 17 de dezembro de 2022, o Ministério Público ordenou que CH fosse constituído arguido por roubo. Por conseguinte, um membro da Ordem dos Advogados de Sófia (Bulgária) foi nomeado oficiosamente defensor de CH no mesmo dia. Além disso, a acusação foi dada a conhecer a CH e ao seu advogado.

22      Em seguida, o Sofiyski rayonen sad (Tribunal de Primeira Instância de Sófia, Bulgária), que é o órgão jurisdicional de reenvio no caso em apreço, deferiu, por Despacho de 19 de dezembro de 2022, o pedido do Ministério Público de ordenar a prisão preventiva de CH.

23      Por Despacho de 13 de junho de 2023, esse órgão jurisdicional indeferiu o pedido de CH destinado a obter a alteração desta medida cautelar.

24      Em 26 de julho de 2023, o Ministério Público ordenou a constituição de arguido de CH também por outro roubo.

25      Na sequência de um pedido posterior de CH destinado a obter a análise da questão da medida cautelar adequada, o Sofiyski rayonen sad (Tribunal de Primeira Instância de Sófia) decidiu, por Despacho de 18 de agosto de 2023, a aplicação de uma medida mais leve, a saber, a obrigação de CH assinar periodicamente um registo mantido pelas autoridades policiais do seu local de residência.

26      Este órgão jurisdicional considerou, a este respeito, que o direito de CH a ser defendido por um advogado, consagrado no artigo 30.o, n.o 4, da Constituição Búlgara, surgiu no momento da sua detenção. Ora, o exercício deste direito não foi garantido pelas autoridades de aplicação da lei. Apesar da declaração preenchida por CH na sequência da sua detenção, é impossível concluir de forma incontestável que CH fez uma escolha livre e consciente. Nestas condições, nenhuma das medidas de investigação realizadas após a detenção de CH e antes da sua constituição como arguido podem ser utilizadas no âmbito da apreciação da responsabilidade penal de CH.

27      Por Despacho de 7 de setembro de 2023, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da Cidade de Sófia, Bulgária) anulou o Despacho do Sofiyski rayonen sad (Tribunal de Primeira Instância de Sófia) de 18 de agosto de 2023 e confirmou a medida cautelar de prisão preventiva aplicada a CH.

28      Em 2 de outubro de 2023, o órgão jurisdicional de reenvio pronunciou‑se novamente sobre a questão da medida cautelar e converteu‑a na obrigação de CH assinar periodicamente um registo mantido pelas autoridades policiais do seu local de residência. Ora, por Despacho de 7 de novembro de 2023, na sequência de um recurso interposto pelo Ministério Público, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da Cidade de Sófia) anulou a medida adotada em 2 de outubro de 2023 e confirmou a medida cautelar de prisão preventiva contra CH.

29      O órgão jurisdicional de reenvio esclarece que o objeto do processo nele pendente é a análise da participação de CH na infração pela qual é penalmente responsabilizado e que é chamado, na sua decisão final, a pronunciar‑se sobre a culpabilidade ou não de CH.

30      A este respeito, importa verificar se, no caso em apreço, as autoridades responsáveis pelo processo de instrução garantiram a CH o direito de acesso a um advogado aquando da sua detenção e antes da sua constituição como arguido. Uma vez que este direito decorre da Diretiva 2013/48, o órgão jurisdicional de reenvio faz referência, em primeiro lugar, ao artigo 12.o, n.o 2, desta diretiva, do qual resulta que, nos processos penais, na apreciação das declarações feitas por um suspeito ou acusado ou das provas obtidas em violação do seu direito a um advogado, devem ser respeitados os direitos da defesa e a equidade do processo.

31      Segundo o órgão jurisdicional de reenvio, esta disposição aplica‑se não apenas na adoção de uma decisão definitiva quanto à culpa do arguido mas também na determinação da medida cautelar que deve ser ordenada contra essa pessoa. Ora, no seu Despacho de 7 de setembro de 2023, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da Cidade de Sófia) excluiu a possibilidade de o órgão jurisdicional de reenvio apreciar se, no caso em apreço, tinham sido obtidas provas em violação do direito de CH de ter acesso a um advogado.

32      Nestas condições, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se, antes de mais, sobre a conformidade com o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2013/48 de uma legislação e de uma jurisprudência nacionais por força das quais o órgão jurisdicional que examina em que medida o arguido participou na infração penal que lhe é imputada, a fim de ordenar ou executar a medida cautelar adequada, seja privado da possibilidade de apreciar se na obtenção de prova houve violação do direito desse arguido de ser assistido por um advogado.

33      Em seguida, a fim de verificar a justeza da posição defendida pelo Sofiyski gradski sad (Tribunal da Cidade de Sófia), o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre se a exigência de respeito pelos direitos de defesa e pela equidade do processo, na aceção do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2013/48, é cumprida quando o órgão jurisdicional que examina a adequação da medida cautelar tiver em conta, na formação da sua íntima convicção, elementos de prova obtidos em violação das exigências previstas nesta diretiva.

34      Por último, ainda no que respeita ao Despacho do Sofiyski gradski sad (Tribunal da Cidade de Sófia) de 7 de setembro de 2023, o órgão jurisdicional de reenvio acrescenta que, uma vez que, nesse despacho, lhe é imputada uma falta de objetividade, coloca‑se a questão de saber se a exclusão de elementos de prova obtidos em violação da Diretiva 2013/48 pelo órgão jurisdicional que examina a questão da adequação da medida de cautelar, não obstante as instruções em contrário de um órgão jurisdicional superior, tem efeitos negativos nas exigências da equidade do processo e suscita dúvidas quanto à imparcialidade desse órgão jurisdicional.

35      Em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio explica que, no seu Despacho de 7 de novembro de 2023, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da Cidade de Sófia) considerou que, tendo em conta as circunstâncias específicas do caso em apreço, era aplicável a disposição do artigo 3.o, n.o 6, alínea b), da Diretiva 2013/48, que prevê a possibilidade de uma derrogação temporária do direito de acesso a um advogado em circunstâncias excecionais. Ora, o órgão jurisdicional de reenvio esclarece que, no seu entender, esta disposição não foi expressamente transposta para o direito búlgaro, uma vez que é manifestamente contrária ao artigo 30.o, n.o 4, da Constituição Búlgara, que prevê que o direito de ser defendido por um advogado nasce no momento da detenção ou da constituição de arguido de determinada pessoa. Assim, coloca‑se a questão de saber se este artigo 3.o, n.o 6, alínea b), tem efeito direto.

36      Em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio observa que, no seu Despacho de 7 de setembro de 2023, o Sofiyski gradski sad (Tribunal da Cidade de Sófia) referiu que, mesmo que CH não tivesse beneficiado da assistência de um advogado durante a sua detenção, os atos praticados com ou sem a sua participação até ao momento em que foi constituído arguido não se afigurariam ilegais e não perderiam o seu valor probatório. Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se as garantias previstas no artigo 9.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/48, lido em conjugação com o considerando 39 desta diretiva, ficam salvaguardadas em caso de renúncia escrita de um suspeito analfabeto ao seu direito de acesso a um advogado, quando as consequências dessa renúncia não lhe tenham sido explicadas, e que sustenta, em seguida, não ter sido informado do conteúdo do documento por si assinado no momento da sua detenção.

37      Em quarto e último lugar, o órgão jurisdicional de reenvio esclarece que, segundo a legislação nacional conforme interpretada pelo Varhoven kasatsionen sad (Supremo Tribunal de Cassação, Bulgária), a renúncia inicial ao direito de ser defendido por um advogado, declarada por uma pessoa detida, abrange igualmente todos as outras medidas de investigação que envolvam essa pessoa antes da sua constituição como arguido. Assim, no caso em apreço, as autoridades responsáveis pela instrução adotaram várias medidas de investigação com a participação de CH após a sua detenção, mas sem a presença de um advogado. Neste contexto, importa verificar se a renúncia de um suspeito, aquando da sua detenção, ao seu direito de ser defendido por um advogado exclui a obrigação de essas autoridades informarem o suspeito do direito de acesso a um advogado e as consequências de uma eventual renúncia imediatamente antes da realização de qualquer outra medida de investigação posterior que implique a participação do referido suspeito.

38      Nestas circunstâncias, o Sofiyski rayonen sad (Tribunal de Primeira Instância de Sófia) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      É compatível com o artigo 12.o, n.o 2, da [Diretiva 2013/48], em conjugação com o artigo 47.o, n.o 1, da [Carta], que, com base na legislação e na jurisprudência nacionais, o órgão jurisdicional que examina a questão da existência de uma suspeita fundada de participação do acusado na infração penal que lhe é imputada, a fim de decidir se deve ordenar ou executar uma medida cautelar adequada, seja privado da possibilidade de apreciar se, na obtenção da prova realizada quando o acusado passou a ser suspeito e o seu direito de livre circulação foi restringido pelas autoridades policiais, houve violação do direito do acusado de acesso a um advogado, em conformidade com a referida diretiva?

2)      O requisito do respeito pelos direitos de defesa e pela equidade do processo, na aceção do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2013/48, é observado se o órgão jurisdicional que examina a adequação da medida cautelar tiver em conta, na formação da sua íntima convicção, provas que tenham sido obtidas em violação das exigências [da referida] diretiva quando a pessoa passou a ser suspeita e o seu direito de livre circulação foi restringido pelas autoridades policiais?

3)      A exclusão de provas obtidas em violação da Diretiva 2013/48 pelo órgão jurisdicional que examina a questão da adequação da medida cautelar, não obstante as instruções em contrário de um órgão jurisdicional superior, tem efeitos negativos nas exigências da equidade do processo previstas no artigo 12.o, n.o 2, da referida diretiva, em conjugação com o artigo 47.o, n.os 1 e 2, da Carta, pondo em causa a imparcialidade do órgão jurisdicional?

4)      A possibilidade, prevista no artigo 3.o, n.o 6, alínea b), da Diretiva 2013/48, de derrogar temporariamente o direito de acesso a um advogado em circunstâncias excecionais na fase prévia ao julgamento, quando exista necessidade imperiosa de ação imediata das autoridades de investigação para impedir que um processo penal fique gravemente comprometido, tem efeito direto no Estado‑Membro em causa se a referida disposição não tiver sido transposta para o respetivo direito nacional?

5)      As garantias previstas no artigo 9.o, n.o 1, alíneas a) e b), da Diretiva 2013/48, em conjugação com o seu considerando 39, ficam salvaguardadas se, não obstante existir uma renúncia escrita ao direito de acesso a um advogado por parte de um suspeito, este for analfabeto e não tiver sido informado das possíveis consequências da renúncia, alegando, posteriormente, perante o órgão jurisdicional, desconhecer o conteúdo do documento por si assinado no momento da restrição ao seu direito de livre circulação pelas autoridades policiais?

6)      A renúncia ao direito de ser assistido por um advogado feita por um suspeito, em conformidade com as disposições da Diretiva 2013/48, no momento da sua detenção, exonera as autoridades da obrigação de, imediatamente antes da realização de qualquer outra medida de investigação em que aquele participe, o informar relativamente ao direito de acesso a um advogado e às possíveis consequências de uma eventual renúncia ao mesmo?»

 Quanto ao pedido de aplicação da tramitação prejudicial urgente

39      O órgão jurisdicional de reenvio pediu que o presente reenvio prejudicial fosse submetido à tramitação prejudicial urgente prevista no artigo 23.o‑A, primeiro parágrafo, do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia e no artigo 107.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça.

40      Em apoio deste pedido, o referido órgão jurisdicional refere que CH foi colocado em prisão preventiva em 16 de dezembro de 2022.

41      A este respeito, há que recordar, em primeiro lugar, que o presente reenvio prejudicial tem por objeto a interpretação da Diretiva 2013/48, que se enquadra no âmbito do título V da parte III do Tratado FUE, relativo ao espaço de liberdade, segurança e justiça. Consequentemente, este reenvio é suscetível de ser submetido a tramitação prejudicial urgente.

42      No que respeita, em segundo lugar, ao requisito relativo à urgência, este está preenchido, nomeadamente, quando a pessoa em causa no processo principal está atualmente privada da liberdade e a manutenção da sua detenção depende da decisão do litígio no processo principal, devendo a situação dessa pessoa ser apreciada tal como se apresenta na data da análise do pedido que requer que o reenvio prejudicial seja submetido à tramitação urgente [Acórdão de 8 de dezembro de 2022, CJ (Decisão de entrega diferida devido a procedimento penal), C‑492/22 PPU, EU:C:2022:964, n.o 46 e jurisprudência referida].

43      No caso em apreço, resulta da descrição dos factos fornecida pelo órgão jurisdicional de reenvio que CH está efetivamente privado de liberdade desde 19 de dezembro de 2022 e que se encontrava nessa condição à data do exame do pedido destinado a submeter o reenvio prejudicial à tramitação urgente.

44      Além disso, as questões submetidas pelo órgão jurisdicional de reenvio visam determinar, nomeadamente, se os requisitos previstos na Diretiva 2013/48 foram respeitados quando CH renunciou, após a sua detenção, ao seu direito de acesso a um advogado, o que, em função da interpretação desta diretiva, é suscetível de ter incidência tanto na medida cautelar aplicada a CH como na decisão relativa à sua responsabilização penal e, por conseguinte, na sua manutenção em detenção.

45      Nestas condições, a Primeira Secção do Tribunal de Justiça decidiu, em 25 de janeiro de 2024, sob proposta do juiz‑relator, ouvido o advogado‑geral, deferir o pedido do órgão jurisdicional de reenvio de submeter o presente reenvio prejudicial à tramitação prejudicial urgente.

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à quarta questão

46      Com a sua quarta questão, que importa examinar em primeiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 3.o, n.o 6, alínea b), da Diretiva 2013/48 deve ser interpretado no sentido de que, na falta de transposição desta disposição para a ordem jurídica nacional, as autoridades policiais do Estado‑Membro em causa podem invocar a referida disposição contra um suspeito ou um arguido para derrogar a aplicação do direito de acesso a um advogado, previsto nesta diretiva.

47      Para responder a esta questão, há que recordar que o artigo 3.o, n.o 1, da Diretiva 2013/48 consagra o princípio fundamental segundo o qual os suspeitos e acusados têm direito de acesso a um advogado em tempo útil e de forma a permitir‑lhes exercer de forma efetiva os seus direitos de defesa [Acórdão de 15 de setembro de 2022, DD (Repetição da inquirição de uma testemunha), C‑347/21, EU:C:2022:692, n.o 40 e jurisprudência referida].

48      Este princípio é concretizado no artigo 3.o, n.o 2, desta diretiva, em virtude da qual os suspeitos e acusados devem ter acesso a um advogado sem demora injustificada e, em qualquer caso, a partir de um dos quatro momentos específicos enumerados nesta disposição, alíneas a) a d), conforme o que ocorrer primeiro. Além disso, o artigo 3.o, n.o 3, da referida diretiva especifica, nas suas alíneas a) a c), os elementos que o direito de acesso a um advogado implica.

49      As derrogações temporárias que os Estados‑Membros podem prever ao direito de acesso a um advogado são enumeradas de forma exaustiva no artigo 3.o, n.os 5 e 6, da Diretiva 2013/48 [Acórdão de 12 de março de 2020, VW (Direito de acesso a um advogado em caso de não comparência), C‑659/18, EU:C:2020:201, n.o 42].

50      Assim, segundo o artigo 3.o, n.o 6, alínea b), desta diretiva, disposição referida pelo órgão jurisdicional de reenvio, os Estados‑Membros podem derrogar temporariamente à aplicação dos direitos previstos no n.o 3 deste artigo, na medida em que, à luz das circunstâncias concretas do caso, tal se justificar por «haver necessidade imperiosa de uma ação imediata das autoridades de investigação para impedir que um processo penal fique gravemente comprometido».

51      No que respeita à questão de saber se, na falta de transposição do artigo 3.o, n.o 6, alínea b), da Diretiva 2013/48 para a ordem jurídica nacional, as autoridades policiais do Estado‑Membro em causa podem invocar esta disposição contra um suspeito ou um arguido, resulta da jurisprudência constante que, sempre que as disposições de uma diretiva se afigurem, do ponto de vista do seu conteúdo, incondicionais e suficientemente precisas, os particulares têm o direito de as invocar nos órgãos jurisdicionais nacionais contra um Estado‑Membro, quer quando este não tenha transposto a diretiva para o direito nacional dentro do prazo quer quando tenha feito uma transposição incorreta [Acórdão de 20 de abril de 2023, Autorità Garante della Concorrenza e del Mercato (município de Ginosa), C‑348/22, EU:C:2023:301, n.o 62 e jurisprudência referida]. Em contrapartida, uma diretiva não pode, por si só, criar obrigações para um particular e não pode, portanto, ser invocada, enquanto tal, contra ele (Acórdão de 3 de maio de 2005, Berlusconi e o., C‑387/02, C‑391/02 e C‑403/02, EU:C:2005:270, n.o 73 e jurisprudência referida).

52      No caso em apreço, basta constatar que o artigo 3.o, n.o 6, alínea b), da Diretiva 2013/48 não estabelece um direito suscetível de ser invocado por um particular contra um Estado‑Membro, mas permite, em contrapartida, que os Estados‑Membros prevejam uma derrogação à aplicação do direito de acesso a um advogado em circunstâncias excecionais. Por conseguinte, por força da jurisprudência recordada no n.o 51 do presente acórdão, uma autoridade pública não pode, na falta de transposição desta disposição, invocá‑la contra um suspeito ou um arguido.

53      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à quarta questão que o artigo 3.o, n.o 6, alínea b), da Diretiva 2013/48 deve ser interpretado no sentido de que, na falta de transposição desta disposição para a ordem jurídica nacional, as autoridades policiais do Estado‑Membro em causa não podem invocar a referida disposição contra um suspeito ou um arguido para derrogar a aplicação do direito de acesso a um advogado, previsto de forma clara, precisa e incondicional nesta diretiva.

 Quanto à quinta questão

54      Com a sua quinta questão, que importa examinar em segundo lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2013/48, lido à luz do considerando 39 desta diretiva, deve ser interpretado no sentido de que os requisitos impostos por esta disposição à renúncia ao direito de acesso a um advogado são respeitados em caso de renúncia escrita a esse direito por parte de um suspeito analfabeto, ao qual não foram explicadas as possíveis consequências dessa renúncia, e que sustenta não ter sido informado do conteúdo do documento por si assinado no momento da sua detenção.

55      O artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2013/48 prevê dois requisitos para a renúncia ao direito de acesso a um advogado em processo penal.

56      Assim, por força deste artigo 9.o, n.o 1, alínea a), o suspeito ou acusado deve ter recebido informações sobre o conteúdo do direito de acesso a um advogado e sobre as possíveis consequências de uma renúncia a esse direito, sendo que essas informações, que podem ser recebidas oralmente ou por escrito, devem ser claras e suficientes e comunicadas numa linguagem simples e compreensível. Além disso, em conformidade com o referido artigo 9.o, n.o 1, alínea b), a renúncia deve ser expressa de forma voluntária e inequívoca.

57      O considerando 39 da Diretiva 2013/48 especifica, a este respeito, que, na prestação destas informações, devem ser tidas em conta as condições específicas do suspeito ou acusado em causa, nomeadamente a sua idade e o seu estado mental e físico. Assim, ao exigir a tomada em consideração destes requisitos próprios, esta diretiva visa assegurar que a decisão de renunciar ao direito de acesso a um advogado seja tomada com pleno conhecimento de causa.

58      Neste contexto, o artigo 13.o da Diretiva 2013/48 prevê que as necessidades específicas dos suspeitos ou acusados vulneráveis devem ser tidas em conta na aplicação desta diretiva, referindo‑se o considerando 51 da mesma, a esse título, «aos suspeitos ou acusados em situação de potencial vulnerabilidade» e a «qualquer potencial vulnerabilidade que possa afetar a sua capacidade de exercer o direito de acesso a um advogado».

59      No caso em apreço, primeiro, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o arguido no processo penal em causa no processo principal é analfabeto.

60      Como referiu a Comissão Europeia nas suas observações escritas, um suspeito ou um arguido como o do processo principal deve, devido ao seu analfabetismo, ser considerado uma pessoa vulnerável, na aceção do artigo 13.o da Diretiva 2013/48.

61      No entanto, nem o artigo 9.o, n.o 1, desta diretiva nem o seu artigo 13.o permitem concluir que a circunstância de o suspeito ou acusado ser analfabeto exclui, por si só, a capacidade dessa pessoa para declarar validamente que renuncia ao direito de acesso a um advogado. Em contrapartida, esta circunstância deve ser devidamente tida em conta no âmbito dessa renúncia.

62      Segundo, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se sobre a pertinência do facto de, aquando da renúncia ao direito de acesso a um advogado pelo arguido, as possíveis consequências dessa renúncia não lhe terem sido comunicadas.

63      A este respeito, basta salientar que, como foi recordado no n.o 56 do presente acórdão, o artigo 9.o, n.o 1, alínea a), da Diretiva 2013/48 exige expressamente que o suspeito ou acusado receba informações sobre as possíveis consequências de uma renúncia ao direito de acesso a um advogado.

64      Por conseguinte, se se verificar que um arguido como o do processo penal em causa no processo principal não recebeu, na declaração de renúncia ao seu direito de acesso a um advogado, informações claras e suficientes, numa linguagem simples e compreensível, tendo em conta a sua condição de pessoa vulnerável, sobre o conteúdo desse direito e sobre as possíveis consequências de a ele renunciar, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, essa renúncia não pode ser considerada conforme com os requisitos impostos pelo artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2013/48.

65      Terceiro, o órgão jurisdicional de reenvio sublinha a circunstância de, no caso em apreço, o arguido no processo penal em causa no processo principal afirmar desconhecer o conteúdo do documento por si assinado no momento da sua detenção.

66      Uma vez que este aspeto diz respeito ao registo da renúncia, há que salientar que o artigo 9.o, n.o 2, da Diretiva 2013/48, lido à luz do seu considerando 40, prevê que a declaração de renúncia, que pode ser feita por escrito ou oralmente, tal como as circunstâncias em que foi expressa, serão registadas nos termos da lei do Estado‑Membro em causa.

67      Embora este artigo 9.o, n.o 2, remeta para o direito processual nacional no que respeita à forma de registar a renúncia ao direito de acesso a um advogado, a documentação referida nesta disposição deve, todavia, necessariamente permitir verificar se os requisitos impostos no n.o 1 do referido artigo 9.o foram respeitados.

68      O órgão jurisdicional de reenvio refere que, em conformidade com o direito nacional, a declaração de renúncia prevê a exigência de, caso as pessoas detidas sejam analfabetas ou não possam elas próprias preenchê‑la, esta ser preenchida por um oficial, devendo as expressões de vontade ser prestadas pela própria pessoa na presença de uma testemunha que confirme a sua autenticidade através da sua assinatura. Ora, no caso em apreço, não foram apostas as assinaturas de uma autoridade policial ou de uma testemunha.

69      A este respeito, se se confirmar, o que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, que a renúncia ao direito de acesso a um advogado pelo arguido no processo penal em causa no processo principal foi registada em violação do direito processual nacional, a circunstância de um arguido ter assinado um documento que comprova a sua alegada renúncia ao direito de acesso a um advogado não pode, por si só, demonstrar que renunciou a esse direito no pleno respeito pelas requisitos previstos no artigo 9.o, n.o 1, da Diretiva 2013/48.

70      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à quinta questão que o artigo 9.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2013/48 deve ser interpretado no sentido de que a declaração de renúncia ao direito de acesso a um advogado por um suspeito analfabeto não pode ser considerada conforme com os requisitos estabelecidos neste artigo 9.o, n.o 1, quando este suspeito não tenha sido informado, de forma a ter devidamente em conta a sua situação particular, das possíveis consequências dessa renúncia e quando essa renúncia não tenha sido registada em conformidade com o direito processual nacional, de uma forma que permita verificar o cumprimento dos referidos requisitos.

 Quanto à sexta questão

71      Com a sua sexta questão, que importa examinar em terceiro lugar, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/48 deve ser interpretado no sentido de que, na sequência da renúncia de um suspeito ao seu direito de acesso a um advogado, as autoridades policiais continuam a ser obrigadas a informar esse suspeito, imediatamente antes da realização de qualquer outra medida de investigação posterior em que aquele participe, do seu direito de acesso a um advogado e das possíveis consequências da renúncia a esse direito.

72      A título preliminar, há que recordar que, segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, para interpretar uma disposição do direito da União, importa ter em conta não só os seus termos mas também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação de que faz parte (v., neste sentido, Acórdão de 2 de dezembro de 2021, Vodafone Kabel Deutschland, C‑484/20, EU:C:2021:975, n.o 19 e jurisprudência referida).

73      A este respeito, primeiro, nos termos do artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/48, os Estados‑Membros devem assegurar que a renúncia possa ser posteriormente revogada em qualquer momento do processo penal pelo suspeito ou acusado e que este seja informado dessa possibilidade.

74      Pode deduzir‑se da letra deste artigo 9.o, n.o 3, que a renúncia ao direito de acesso a um advogado em conformidade com as exigências impostas pela Diretiva 2013/48 produz os seus efeitos até à sua revogação, sem que seja necessário reiterá‑la para cada medida de investigação posterior.

75      No entanto, uma vez que o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/48 exige que o suspeito ou acusado seja informado da possibilidade de revogar uma renúncia em qualquer momento do processo penal, esta disposição não especifica se esta exigência está preenchida quando a pessoa em causa foi informada uma única vez dessa possibilidade, ou se essa informação deve, pelo contrário, ser prestada em cada momento posterior desse processo, ou mesmo antes de qualquer medida de investigação posterior.

76      Segundo, no que respeita ao contexto, há que tomar em consideração o artigo 13.o da Diretiva 2013/48, que exige, como foi recordado no n.o 58 do presente acórdão, que as necessidades específicas dos suspeitos ou acusados vulneráveis sejam tidas em conta na aplicação desta diretiva. Como salienta a Comissão nas suas observações escritas, a complexidade das regras de processo penal e, nomeadamente, das modalidades de recolha e de utilização das provas, limita a capacidade do suspeito ou arguido vulnerável as compreender plenamente e/ou reagir em tempo útil e de forma adequada.

77      Terceiro, há que tomar em consideração a finalidade da Diretiva 2013/48, que tende a favorecer, nomeadamente, o direito de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo enunciado no artigo 47.o, segundo parágrafo, da Carta, bem como os direitos de defesa garantidos pelo artigo 48.o, n.o 2, desta [Acórdão de 12 de março de 2020, VW (Direito de acesso a um advogado em caso de não comparência), C‑659/18, EU:C:2020:201, n.o 44 e jurisprudência referida].

78      À luz destas considerações, a exigência de informação prevista no artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/48 implica que, em todo o caso, se a pessoa ouvida pelas autoridades policiais ou por outra autoridade judicial ou de aplicação da lei se encontrar em situação de vulnerabilidade, essas autoridades são obrigadas a recordar a essa pessoa a possibilidade de revogar a sua declaração de renúncia ao seu direito de acesso a um advogado antes de se proceder a qualquer medida de investigação no decurso da qual, devido à intensidade e à importância dessa medida de investigação, a ausência de um advogado é suscetível de prejudicar particularmente os interesses e os direitos da pessoa em causa, como um interrogatório, uma sessão de identificação de suspeitos, uma acareação ou uma reconstituição da cena de um crime, previstos, respetivamente, no artigo 3.o, n.o 3, alíneas b) e c), desta diretiva.

79      Esta interpretação é corroborada pelo considerando 20 da Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal (JO 2012, L 142, p. 1), que especifica que, «uma vez prestada a informação acerca de um direito específico, entende‑se que as autoridades competentes não deverão ser obrigadas a reiterá‑la, salvo se as circunstâncias específicas do caso […] o exigirem».

80      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à sexta questão que o artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/48 deve ser interpretado no sentido de que, em caso de renúncia ao direito de acesso a um advogado por uma pessoa vulnerável, na aceção do artigo 13.o desta diretiva, essa pessoa deve ser informada da possibilidade de revogar essa renúncia antes da realização de qualquer medida de investigação posterior durante a qual, tendo em conta a intensidade e a importância dessa medida de investigação, a ausência de um advogado é suscetível de prejudicar particularmente os interesses e os direitos da referida pessoa.

 Quanto à primeira a terceira questões

81      Com a primeira a terceira questões, que importa examinar em conjunto, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2013/48, lido em conjugação com o artigo 47.o, n.os 1 e 2, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação e a uma jurisprudência nacionais por força das quais um órgão jurisdicional, que examina a participação de um arguido numa infração penal para determinar a adequação da medida cautelar a aplicar a esse arguido, está privado da possibilidade, no momento da adoção de uma decisão sobre a manutenção em prisão preventiva do referido arguido, de apreciar se foram obtidos elementos de prova em violação do prescrito nesta diretiva e, se for caso disso, de afastar tais elementos de prova.

 Quanto à admissibilidade

82      No que respeita à admissibilidade destas questões, importa recordar que o juiz nacional a quem foi submetido o litígio no processo principal tem competência exclusiva para apreciar a necessidade de uma decisão prejudicial e a pertinência das questões que submete ao Tribunal de Justiça, as quais gozam de uma presunção de pertinência. Assim, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a pronunciar‑se, desde que a questão submetida seja relativa à interpretação ou à validade do direito da União, salvo se for manifesto que a interpretação solicitada não tem relação com a realidade ou com o objeto desse litígio, quando o problema for hipotético ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispuser dos elementos de facto ou de direito necessários para dar uma resposta útil a essa questão (Acórdão 22 de fevereiro de 2024, Unedic, C‑125/23, EU:C:2024:163, n.o 35 e jurisprudência referida).

83      No caso em apreço, está pendente no órgão jurisdicional de reenvio um processo penal contra CH, que se encontra atualmente em prisão preventiva. É pacífico que esse órgão jurisdicional é competente para se pronunciar sobre a medida cautelar aplicada a CH e que considera que lhe cabe examinar esta medida tanto na audiência preliminar como na fase atual do referido processo penal.

84      Nestas condições, a interpretação solicitada da Diretiva 2013/48 através da primeira a terceira questões está relacionada com o processo principal e não pode ser considerada hipotética.

85      Daí resulta que a primeira e terceira questões são admissíveis.

 Quanto ao mérito

86      No estado atual do direito da União, em princípio cabe exclusivamente ao direito nacional prever, no âmbito de um processo penal, as regras em matéria de admissibilidade e de apreciação das informações e elementos de prova obtidos de forma contrária ao direito da União [Acórdão de 30 de abril de 2024, M.N. (EncroChat), C‑670/22, EU:C:2024:372, n.o 128 e jurisprudência referida].

87      Além disso, na falta de regras da União na matéria, cabe à ordem jurídica interna de cada Estado‑Membro, por força do princípio da autonomia processual, regular as modalidades processuais das ações judiciais destinadas a assegurar a salvaguarda dos direitos conferidos aos particulares pelo direito da União, desde que, no entanto, não sejam menos favoráveis do que as que regulam situações semelhantes sujeitas ao direito interno (princípio da equivalência) e não tornem impossível, na prática, ou excessivamente difícil o exercício dos direitos conferidos pelo direito da União (princípio da efetividade) [Acórdão de 30 de abril de 2024, M.N. (EncroChat), C‑670/22, EU:C:2024:372, n.o 129 e jurisprudência referida].

88      Não obstante, quanto às exigências decorrentes do princípio da efetividade, o Tribunal de Justiça já declarou que a necessidade de excluir informações e elementos de prova obtidos em violação do prescrito no direito da União deve ser apreciada tendo em conta, designadamente, o risco que a admissibilidade dessas informações e elementos de prova representa para o respeito pelo princípio do contraditório e, portanto, pelo direito a um processo equitativo [Acórdão de 2 de março de 2021, Prokuratuur (Condições de acesso aos dados relativos às comunicações eletrónicas), C‑746/18, EU:C:2021:152, n.o 44].

89      Além disso, o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2013/48, lido à luz do seu considerando 50, impõe expressamente aos Estados‑Membros que assegurem, sem prejuízo das normas e sistemas nacionais em matéria de admissibilidade de provas, que, nos processos penais, na apreciação das declarações feitas por um suspeito ou acusado ou das provas obtidas em violação do seu direito a um advogado, sejam respeitados os direitos da defesa e a equidade do processo.

90      A este respeito, importa salientar, por um lado, que, em conformidade com o artigo 2.o, n.o 4, último parágrafo, da Diretiva 2013/48, esta é plenamente aplicável quando o suspeito ou acusado seja privado de liberdade, independentemente da fase do processo penal. O artigo 12.o, n.o 2, desta diretiva é, portanto, aplicável no momento em que um órgão jurisdicional é chamado a pronunciar‑se sobre a medida cautelar de um arguido.

91      Por outro lado, como enunciado nos considerandos 52 e 53 da Diretiva 2013/48, o artigo 12.o, n.o 2, desta deve ser interpretado à luz da Carta, nomeadamente à luz do direito à liberdade e à segurança, do direito de se fazer aconselhar, defender e representar em juízo, bem como dos direitos de defesa e a um processo equitativo, garantidos, respetivamente, pelo artigo 6.o, pelo artigo 47.o, segundo parágrafo, e pelo artigo 48.o, n.o 2, da Carta, e também à luz dos direitos correspondentes garantidos, nomeadamente, pelo artigo 6.o da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma, em 4 de novembro de 1950 [v., por analogia, Acórdão de 1 de agosto de 2022, TL (Falta de intérprete e de tradução), C‑242/22 PPU, EU:C:2022:611, n.o 40].

92      Daqui resulta, em primeiro lugar, que o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2013/48 comporta a exigência de o juiz que examina a questão da adequação da medida cautelar de um arguido dever poder apreciar, aquando da decisão sobre a manutenção da detenção desse arguido, se foram obtidos elementos de prova em violação do prescrito nesta diretiva.

93      No caso em apreço, o órgão jurisdicional de reenvio refere que o juiz que conhece da medida cautelar dispõe, em princípio, da possibilidade de examinar o respeito pelos direitos decorrentes da Diretiva 2013/48, mas que, por força de uma jurisprudência nacional, a possibilidade de apreciar se foram obtidos elementos de prova em violação do prescrito nesta diretiva é recusada.

94      Ora, tendo em conta o que foi salientado no n.o 92 do presente acórdão, o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2013/48 opõe‑se a essa jurisprudência nacional.

95      Em segundo lugar, no que respeita às consequências que o juiz que conhece da causa deve retirar, aquando do exame de uma medida cautelar de um arguido, da circunstância de terem sido recolhidos elementos de prova em violação do prescrito na Diretiva 2013/48, há que salientar que, por um lado, nada nesta diretiva obriga o juiz a afastar automaticamente todos esses elementos de prova.

96      Por outro lado, por força da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que importa, como sublinhado nos considerandos 50 e 53 da Diretiva 2013/48, ter em conta, quando se constate um vício processual, compete aos órgãos jurisdicionais internos proceder à apreciação da questão de saber se este foi sanado no decorrer do processo que se seguiu (TEDH, de 28 de janeiro de 2020, Mehmet Zeki Çelebi c. Turquia, CE:ECHR:2020:0128JUD002758207, § 51).

97      Assim, na hipótese de terem sido recolhidos elementos de prova em violação do prescrito nesta diretiva, há que determinar se, apesar dessa lacuna, no momento da decisão a tomar pelo juiz chamado a conhecer da causa, o processo penal no seu conjunto pode ser considerado equitativo, tendo em conta uma série de fatores entre os quais figuram a questão de saber se as declarações recolhidas na falta de um advogado são parte integrante ou significativa dos documentos acusatórios, bem como a força dos outros elementos dos autos (v., por analogia, TEDH, de 13 de setembro de 2016, Ibrahim e o. c. Reino Unido, CE:ECHR:2016:0913JUD005054108, §§ 273 e 274).

98      Em todo o caso, a obrigação, decorrente do artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2013/48, de assegurar o respeito pelos direitos de defesa e pela equidade do processo na apreciação das provas obtidas em violação do direito a um advogado, implica que o elemento de prova que uma parte não esteja em condições de comentar eficazmente deve ser excluído do processo penal [v., por analogia, no que respeita ao artigo 14.o, n.o 7, da Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal (JO 2014, L 130, p. 1), Acórdão de 30 de abril de 2024, M.N. (EncroChat), C‑670/22, EU:C:2024:372, n.o 130].

99      Atendendo a todas as considerações precedentes, há que responder à primeira a terceira questões que o artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2013/48, lido em conjugação com o artigo 47.o, n.os 1 e 2, da Carta, deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma jurisprudência nacional por força da qual um órgão jurisdicional, que examina a participação de um arguido numa infração penal para determinar a adequação da medida cautelar que lhe é aplicável, fica privado da possibilidade, no momento da adoção de uma decisão sobre a manutenção em detenção do referido arguido, de apreciar se foram obtidos elementos de prova em violação do prescrito nesta diretiva e, se for caso disso, de afastar tais provas.

 Quanto às despesas

100    Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 3.o, n.o 6, alínea b), da Diretiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares,

deve ser interpretado no sentido de que:

na falta de transposição desta disposição para a ordem jurídica nacional, as autoridades policiais do EstadoMembro em causa não podem invocar a referida disposição contra um suspeito ou um arguido para derrogar a aplicação do direito de acesso a um advogado, previsto de forma clara, precisa e incondicional nesta diretiva.

2)      O artigo 9.o, n.os 1 e 2, da Diretiva 2013/48

deve ser interpretado no sentido de que:

a declaração de renúncia ao direito de acesso a um advogado por um suspeito analfabeto não pode ser considerada conforme com os requisitos estabelecidos neste artigo 9.o, n.o 1, quando este suspeito não tenha sido informado, de forma a ter devidamente em conta a sua situação particular, das possíveis consequências dessa renúncia e quando essa renúncia não tenha sido registada em conformidade com o direito processual nacional, de uma forma que permita verificar o cumprimento dos referidos requisitos.

3)      O artigo 9.o, n.o 3, da Diretiva 2013/48

deve ser interpretado no sentido de que:

em caso de renúncia ao direito de acesso a um advogado por uma pessoa vulnerável, na aceção do artigo 13.o desta diretiva, essa pessoa deve ser informada da possibilidade de revogar essa renúncia antes da realização de qualquer medida de investigação posterior durante a qual, tendo em conta a intensidade e a importância dessa medida de investigação, a ausência de um advogado é suscetível de prejudicar particularmente os interesses e os direitos da referida pessoa.

4)      O artigo 12.o, n.o 2, da Diretiva 2013/48, lido em conjugação com o artigo 47.o, n.os 1 e 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

deve ser interpretado no sentido de que:

se opõe a uma jurisprudência nacional por força da qual um órgão jurisdicional, que examina a participação de um arguido numa infração penal para determinar a adequação da medida cautelar que lhe é aplicável, fica privado da possibilidade, no momento da adoção de uma decisão sobre a manutenção em detenção do referido arguido, de apreciar se foram obtidos elementos de prova em violação do prescrito nesta diretiva e, se for caso disso, de afastar tais elementos de prova.

Assinaturas


*      Língua do processo: búlgaro.


i      O nome do presente processo é um nome fictício. Não corresponde ao nome verdadeiro de nenhuma das partes no processo.