Language of document : ECLI:EU:T:2004:342

Arrêt du Tribunal

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)
24 de Novembro de 2004 (1)

«Marca comunitária – Marca tridimensional – Forma de um frasco branco e transparente – Motivo absoluto de recusa – Carácter distintivo – Artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento (CE) n.° 40/94»

No processo T‑393/02,

Henkel KGaA, com sede em Düsseldorf (Alemanha), representada por C. Osterrieth, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrente,

contra

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por U. Pfleghar e G. Schneider, na qualidade de agentes,

recorrido,

que tem por objecto um recurso interposto da decisão da Quarta Secção da Câmara de Recurso do IHMI de 3 de Outubro de 2002 (processo R 313/2001‑4), relativo ao registo de um sinal tridimensional constituído pela forma de um frasco branco e transparente,



O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),



composto por: H. Legal, presidente, V. Tiili e M. Vilaras, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

visto o requerimento entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 27 de Dezembro de 2002,

vista a contestação entregue na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 24 de Abril de 2003,

após a audiência de 10 de Junho de 2004,

profere o presente



Acórdão




Antecedentes do litígio

1
Em 5 de Maio de 1999, a recorrente apresentou um pedido de marca comunitária ao Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), nos termos do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de Dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1), com redacção alterada.

2
A marca cujo registo foi pedido é o sinal tridimensional a seguir reproduzido:

Image not found

3
As cores reivindicadas no formulário de pedido são o transparente e o branco.

4
Os produtos para os quais foi pedido o registo pertencem às classes 3 e 20 na acepção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de Junho de 1957, na versão revista e alterada, e correspondem à seguinte descrição:

classe 3: «Sabões; preparações para branquear e outras substâncias para lavagem; preparações para limpar e polir; produtos de limpeza perfumados; produtos químicos para limpar porcelana, pedra, madeira, vidro, metais e matérias plásticas»;

classe 20: «Recipientes em matérias plásticas para produtos líquidos, gelatinosos e pastosos».

5
Por carta de 28 de Setembro de 2000, o examinador informou a recorrente de que a sua marca, por ser desprovida de carácter distintivo na acepção da alínea b) do n.° 1 do artigo 7.° do Regulamento n.° 40/94, não podia ser registada por força da referida disposição. O examinador verificou que uma garrafa apoiada na tampa de forma alguma é inabitual no sector da cosmética.

6
Por carta de 9 de Outubro de 2000, a recorrente impugnou a falta de carácter distintivo da sua marca. Para ela, a forma em causa e as cores utilizadas produzem em conjunto um efeito distintivo.

7
Por decisão de 23 de Março de 2001, o examinador indeferiu o pedido ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 7.° do Regulamento n.° 40/94.

8
Em 28 de Março de 2001, a recorrente interpôs recurso no IHMI, nos termos do artigo 59.° do Regulamento n.° 40/94, da decisão do examinador.

9
Por decisão de 3 de Outubro de 2002 (a seguir «decisão impugnada»), a Quarta Câmara de Recurso do IHMI negou provimento ao recurso. Contestou a existência do carácter distintivo intrínseco da marca solicitada na acepção da alínea b) do n.° 1 do artigo 7.° do Regulamento n.° 40/94. No essencial, a Câmara de Recurso considerou que a marca pedida se compõe da forma e da cor que possuem em geral as embalagens que contêm produtos de limpeza e que a sua combinação é desprovida de todo e qualquer carácter distintivo. Para a Câmara de Recurso, nenhuma das características do sinal solicitado possui carácter distintivo intrínseco, sendo, pois, improvável que o consumidor médio, que dá pouca atenção à forma e à cor das embalagens dos produtos de lavagem, perceba tais características como indicadores da origem comercial.


Pedidos das partes

10
A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

anular a decisão impugnada;

condenar o IHMI nas despesas.

11
O IHMI conclui pedindo que o Tribunal se digne:

rejeitar o recurso;

condenar a recorrente nas despesas.


Questão de direito

12
A recorrente invoca, no essencial, um único fundamento, baseado em violação da alínea b) do n.° 1 do artigo 7.° do Regulamento n.° 40/94.

Argumentos das partes

13
A recorrente contesta a apreciação feita pela Câmara de Recurso, que concluiu pela inexistência de carácter distintivo da marca solicitada. Uma marca tem carácter distintivo concreto quando possa ser entendida pelo público como uma forma de distinguir os produtos ou serviços de uma empresa relativamente aos das demais empresas. O carácter distintivo deve ser apreciado em relação aos produtos e serviços referidos no pedido [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 8 de Julho de 1999, Procter & Gamble/IHMI (BABY‑DRY), T‑163/98, Colect., p. II‑2383, n.° 21].

14
Relativamente aos produtos oferecidos ao consumidor sob forma líquida, na opinião da recorrente, os respectivos fabricantes dispõem na concepção das embalagens – no caso vertente, uma embalagem em forma de garrafa – de uma ampla margem de manobra. O público tem consciência disso, sabendo, ademais, que os fabricantes conceberam e utilizaram a embalagem como uma indicação da origem do produto. A recorrente refere o exemplo da garrafa de Coca‑Cola, que considera bem conhecida no mundo inteiro, enquanto prova de que a forma da garrafa pode, em especial, indicar a origem do produto.

15
No que se refere à forma em causa, a recorrente argumenta, a partir de exemplos que apresenta, que a embalagem apresenta grande número de particularidades que a diferenciam claramente de outras embalagens utilizadas para produtos similares. A recorrente descreve a marca cujo registo pede como sendo uma garrafa especialmente plana cuja forma recorda, vista de frente, a forma geométrica de base de um papagaio – ou seja, uma forma de base em que dois triângulos de dimensões diferentes estão ligados por uma base comum –, sendo contudo que as pontas superiores e inferiores são achatadas. Em sua opinião, o triângulo superior – sem achatamento – forma um triângulo quase equilátero enquanto o triângulo inferior representa um triângulo isósceles. A garrafa dispõe de uma tampa.

16
De acordo com a descrição da recorrente, a tampa, feita em material «plástico não transparente», consiste, no essencial, num elemento de base com a forma de um hexaedro, sendo que o comprimento das arestas laterais e o das arestas frontais estão numa relação de cerca de 1 para 2. A tampa, cuja altura corresponde a cerca de 20% da altura total da garrafa, apresenta, nas faces anterior e posterior, um perfil em V proeminente para a frente, que acompanha o contorno das arestas laterais do corpo. Por cima da tampa encontra‑se o corpo estreito, constituído por um material plástico transparente, leitoso. Tem por cima um achatamento da ponta superior, criando assim uma superfície quadrada e, nas faces anterior e posterior, uma superfície ligeiramente arredondada. O corpo apresenta uma profundidade máxima que corresponde no essencial ao comprimento das arestas laterais da tampa.

17
Além disso, a recorrente sublinha que a embalagem em causa estabelece um contraste deliberado relativamente às formas tradicionais disponíveis em embalagens deste tipo. Para a recorrente, a embalagem caracteriza‑se por um grande número de ângulos, arestas e superfícies que lhe dão a aparência de um cristal, aspecto esse reforçado pelo branco leitoso da cor. A embalagem apoia‑se numa acutilância e agressividade deliberadas, sublinhando aqui a recorrente o uso de recarga relativamente a um produto de limpeza de sanitários, previsto para a embalagem em causa. A recorrente afirma que, contrariamente às demais embalagens, a tampa da embalagem integra‑se na imagem de conjunto, suscitando assim a embalagem uma impressão monolítica. Por último, a recorrente observa que a embalagem se distingue das formas conhecidas pelo facto de ser especialmente plana.

18
A recorrente recorda que a sua marca foi registada como marca internacional nos termos do protocolo referente ao acordo de Madrid relativo ao registo internacional de marcas, assinado em Madrid em 27 de Junho de 1989. Onze Estados‑Membros da Comunidade Europeia, a saber, o Reino da Bélgica, o Reino da Dinamarca, a República Federal da Alemanha, o Reino de Espanha, a República Francesa, a República Italiana, o Grão‑Ducado do Luxemburgo, o Reino dos Países Baixos, a República da Áustria, a República Portuguesa e a República da Finlândia não se opuseram ao registo. O Reino da Dinamarca suscitou inicialmente um motivo de recusa, mas o instituto dinamarquês das marcas acabou por aceitar o registo da marca, afirmando que seguia a prática do IHMI para as marcas tridimensionais. A recorrente acrescenta que a marca em causa foi registada como marca nacional na Suíça.

19
O IHMI sustenta que a Câmara de Recurso teve razão ao considerar que o sinal tridimensional em causa era desprovido de carácter distintivo.

20
Para que a embalagem possa constituir uma marca, deve ter aptidão para criar no espírito do consumidor uma indicação sobre a origem do produto e para assim influenciar a decisão de compra do consumidor, sendo que é exclusivamente nesta hipótese que o acondicionamento do produto pode garantir a identidade de origem do produto, ou seja, que todos os produtos ou serviços que a ostentam foram fabricados sob o controlo de uma única empresa (acórdão do Tribunal de Justiça de 29 de Setembro de 1998, Canon, C‑39/97, Colect., p. I‑5507, n.° 28).

21
O IHMI argumenta, designadamente, que o acondicionamento de produtos que não podem ser distribuídos sem embalagem é percebido pelo consumidor apenas como uma embalagem que protege o produto. No caso dos produtos de massa, como no caso em apreço, o consumidor não associa a forma ou o acondicionamento do produto à respectiva origem comercial. O consumidor apenas considera o acondicionamento do produto como uma indicação da sua origem se este se apresentar de forma a chamar a atenção – por exemplo, quando a embalagem se distingue nitidamente das utilizadas para os produtos em causa. O IHMI refere o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 7 de Fevereiro de 2002, Mag Instrument/IHMI (Forma de lanternas portáteis) (T‑88/00, Colect., p. II‑467, n.° 37), de acordo com a qual, se o consumidor em causa estiver habituado a ver formas idênticas à em causa, apresentando uma larga variedade de modelos, deve salientar‑se que tais formas surgem mais como variantes de uma das formas habituais do que como indicação da origem comercial dos produtos.

22
Assim, para o IHMI, há que determinar qual a impressão sobre o consumidor que o acondicionamento do produto pretende produzir. Há, pois, que tomar em consideração a presumível expectativa de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Julho de 1998, Gut Springenheide e Tusky, C‑210/96, Colect., p. I‑4657, n.° 31).

23
O IHMI afirma também que a Câmara de Recurso apreciou correctamente a percepção do sinal pelo público em causa. Apesar de a embalagem em análise apresentar efectivamente determinadas especificidades na sua concepção, como a sua forma e cores, que a distinguem das embalagens para produtos do mesmo tipo habitualmente utilizados no mercado, isso não é contudo suficiente para lhe conferir carácter distintivo, o que pressupõe que possa ser percebido pelo consumidor como uma indicação da origem do produto.

24
Quanto à eventual especificidade das cores, o IHMI sustenta que a experiência geral tende a provar que a escolha de uma tampa branca ou de um corpo transparente está amplamente difundida no sector em causa. As cores escolhidas não podem ser consideradas inabituais. Para o IHMI, a escolha de um corpo transparente não constitui a opção por uma cor na acepção própria do termo. Com efeito, a embalagem passa a segundo plano quando o consumidor percebe directamente a substância contida na embalagem, bem como a sua cor.

25
No que se refere ao argumento da recorrente de que a forma da embalagem em causa se distingue nitidamente da dos demais produtos de limpeza para sanitários, o IHMI sublinha que a recorrente apresentou o seu pedido relativamente a diversos produtos abrangidos nas classes 3 e 20, sendo essa lista muito ampla e englobando também embalagens para dentífrico, produtos cosméticos – gel para duche, por exemplo – ou produtos de lavar a louça, relativamente aos quais a forma em causa é correntemente utilizada. Apesar de a recorrente prever utilizar a forma requerida apenas para produtos de limpeza de sanitários, o IHMI sustenta ter sido obrigado a apreciar o carácter distintivo da forma requerida relativamente ao conjunto dos produtos abrangidos pelo pedido de marca comunitária.

26
O IHMI admite ser possível que determinado número de embalagens propostas no mercado revista uma forma diferente da do sinal cujo registo é requerido. Tal não significa contudo, de forma alguma, que o sinal em causa possua carácter distintivo intrínseco. Para o IHMI, a forma escolhida deve revestir características específicas susceptíveis de chamar a atenção do consumidor, o que implica que se deve distinguir nitidamente das formas usuais. Além disso, o facto de uma embalagem de produtos de lavagem e limpeza se poder manter de pé não é susceptível de constituir uma característica específica adequada para chamar a atenção do consumidor; pelo contrário, trata‑se de um tipo de apresentação relativamente espalhado, por exemplo, nos tubos de dentífrico. No caso vertente, o IHMI argumenta que o consumidor não pode deduzir do tipo de acondicionamento escolhido para os produtos de lavagem e limpeza tratar‑se da indicação da origem comercial dos produtos. O IHMI afirma, assim, que mesmo a combinação dos elementos da embalagem não é susceptível de induzir o consumidor a perceber a forma cujo registo é requerido como coisa diferente de uma mera embalagem; em suma, o consumidor não perceberá a origem comercial dos produtos.

27
Assim, o IHMI conclui que a marca solicitada é, sob todos os pontos de vista, desprovida do carácter distintivo mínimo exigido para o registo.

28
Ademais, no que se refere aos registos nacionais anteriores, o IHMI admite ser desejável que a prática dos Estados‑Membros e a do IHMI sejam concordantes, mas que, em termos jurídicos, as autoridades nacionais não estão vinculadas pelas decisões do IHMI e vice‑versa. Assim, os registos já efectuados nos Estados‑Membros apenas constituem um elemento que, sem ser decisivo, pode ser tomado em consideração [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 31 de Janeiro de 2001, Mitsubishi HiTec Paper Bielefeld/IHIM (Giroform), T‑331/99, Colect., p. II‑433, n.° 26].

Apreciação do Tribunal

29
De acordo com o artigo 4.° do Regulamento n.° 40/94, a forma do produto ou do seu acondicionamento podem constituir marcas comunitárias, desde que esta seja adequada para distinguir os produtos de uma empresa dos de outras empresas. Além disso, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 7.° do mesmo regulamento, será recusado o registo de «marcas desprovidas de carácter distintivo».

30
Recorde‑se, em primeiro lugar, que, de acordo com a jurisprudência, as marcas a que se refere a alínea b) do n.° 1 do artigo 7.° do Regulamento n.° 40/94 são, designadamente, aquelas que, do ponto de vista do público pertinente, são comummente utilizadas, no comércio, para a apresentação dos produtos ou dos serviços em causa, ou a respeito das quais existem, pelo menos, indícios concretos que permitam concluir que são susceptíveis de ser utilizadas desta maneira [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Novembro de 2002, Bosch/IHMI (Kit Pro e Kit Super Pro), T‑79/01 e T‑86/01, Colect., p. II‑4881, n.° 19, e de 3 de Dezembro de 2003, Nestlé Waters France/IHMI (Forma de uma garrafa), T‑305/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 28]. Por outro lado, os sinais a que se refere esta disposição são incapazes de exercer a função essencial da marca, isto é, identificar a origem do produto ou do serviço, para assim permitir ao consumidor que adquire o produto ou o serviço que a marca designa fazer, quando de uma aquisição posterior, a mesma escolha, se a experiência for positiva, ou outra escolha, se a experiência for negativa [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 2002, Rewe‑Zentral/IHMI (LITE), T‑79/00, Colect., p. II‑705, n.° 26; Kit Pro e Kit Super Pro, já referido, n.° 19; de 30 de Abril de 2003, Axions e Belce/IHMI (Forma de cigarro de cor castanha e forma de lingote de ouro), T‑324/01 e T‑110/02, Colect., p. II‑1897, n.° 29, e Forma de uma garrafa, já referido, n.° 28].

31
Ademais, no que se refere às marcas tridimensionais, quanto mais a forma cujo registo é pedido se aproxima da forma mais provável que terá o produto em causa, mais verosimilmente a forma será desprovida de carácter distintivo nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Em contrapartida, uma marca que, de forma significativa, diverge da norma ou dos hábitos do sector e, por esta razão, cumpre a sua função essencial de origem tem carácter distintivo (acórdão do Tribunal de Justiça de 12 de Fevereiro de 2004, Henkel, C‑218/01, ainda não publicado na Colectânea, n.° 49, e de 29 de Abril de 2004, Henkel/IHMI, C‑456/01 P e C‑457/01 P, ainda não publicado na Colectânea, n.° 39).

32
O carácter distintivo de uma marca só pode ser apreciado, por um lado, em relação aos produtos ou serviços para os quais é pedido o registo e, por outro, relativamente à percepção que deles tem o público pertinente (acórdãos LITE, já referido, n.° 27, e Kit Pro e Kit Super Pro, já referido, n.° 20).

33
Saliente‑se que os produtos designados pela marca requerida são produtos de consumo corrente destinados ao conjunto de consumidores. Cabe, pois, apreciar o carácter distintivo da marca requerida atendendo à expectativa presumida de um consumidor médio, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado (acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1999, Lloyd Schuhfabrik Meyer, C‑342/97, Colect., p. I‑3819, n.° 26).

34
Recorde‑se também que a percepção das marcas pelo público pertinente é influenciada pelo seu nível de atenção, susceptível de variar em função da categoria de produtos ou serviços em causa (v., por analogia, acórdão Lloyd Schuhfabrik Meyer, já referido, n.° 26). É pacífico que os operadores presentes no mercado dos produtos de lavagem e limpeza, caracterizado por uma forte concorrência, são todos confrontados com o imperativo técnico do acondicionamento para a comercialização dos referidos produtos e sujeitos à necessária rotulagem dos mesmos. Neste contexto, os operadores são fortemente incitados a tornar os seus produtos identificáveis relativamente aos dos concorrentes, designadamente quanto à respectiva aparência e à concepção da sua embalagem, a fim de chamar a atenção do público. Afigura‑se, por isso, que o consumidor médio está plenamente apto a apreender a forma da embalagem dos produtos em causa como uma indicação da origem comercial dos mesmos, na medida em que essa forma apresente características suficientes para reterem a sua atenção (v., neste sentido, acórdão Forma de uma garrafa, já referido, n.° 34).

35
Além disso, deve salientar‑se que o artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 não faz qualquer distinção entre as várias categorias de marcas. Por conseguinte, não há que aplicar critérios mais severos quando da apreciação do carácter distintivo de marcas tridimensionais constituídas pela forma dos próprios produtos ou pela forma do acondicionamento dos referidos produtos em relação aos critérios aplicáveis a outras categorias de marcas (v., neste sentido, acórdão Forma de uma garrafa, já referido, n.° 35).

36
Na decisão impugnada, a Câmara de Recurso conclui pela inexistência de carácter distintivo da marca requerida por considerar que «o sinal em causa se compõe, no essencial, de um recipiente cuja forma evoca a de uma pêra colocada ao contrário, na medida em que uma extremidade é mais larga e a outra extremidade se adelgaça, e cujos lados são sensivelmente planos». Conclui também que «nenhuma destas características parece possuir carácter distintivo, quer consideradas isoladamente ou conjugadas umas com as outras», que «a forma em causa não pode, assim, ser considerada intrinsecamente distintiva», que «nem os lados planos nem a parte inferior e a parte superior planas alteram significativamente a impressão de conjunto dada pela forma» e que «é improvável que o consumidor em causa atenda a essas características e as perceba como indicando‑lhe uma origem comercial específica». No que se refere à conjugação de cores reivindicada para a forma em causa, a Câmara de Recurso conclui que também não acentua o carácter distintivo da marca. Assim sendo, a Câmara de Recurso considera que «não pode resultar da conjugação dessas características tridimensionais e de cor não distintivas um sinal que possua um mínimo de carácter distintivo».

37
Recorde‑se que, para apreciar se a forma do frasco em causa pode ser apreendida pelo público como um indicador de origem do produto, há que analisar a impressão de conjunto produzida pela aparência do referido frasco (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 11 de Novembro de 1997, SABEL, C‑251/95, Colect., p. I‑6191, n.° 23; acórdão Forma de uma garrafa, já referido, n.° 39).

38
No caso vertente, a marca requerida é constituída pela forma de um frasco branco e transparente. Trata‑se de um recipiente em plástico composto por um corpo transparente e por uma tampa branca. A tampa apresenta nas faces anterior e posterior um perfil em V saliente para a frente e que acompanha o contorno das arestas laterais do corpo. O recipiente é representado na vertical, assente sobre a tampa.

39
Quanto à apreciação dos diversos elementos, recorde‑se que um sinal constituído por uma combinação de elementos, sem que qualquer deles tenha carácter distintivo, pode possuir esse carácter desde que haja indícios concretos, que consistam, designadamente, no modo como os diferentes elementos estão combinados, que indiquem que o sinal em causa representa mais do que a soma pura e simples dos elemento que o compõem (v., neste sentido, acórdão Kit Pro e Kit Super Pro, já referido, n.° 29, e acórdão Forma de uma garrafa, já referido, n.° 40).

40
No que se refere, mais especificamente, à forma em causa, há que concluir que resulta da análise do conjunto dos documentos apresentados pelas partes nos debates que a combinação dos elementos é verdadeiramente específica e não pode ser considerada absolutamente comum a todos os produtos em causa. Com efeito, saliente‑se que o recipiente cujo registo é requerido apresenta determinadas especificidades que o distinguem dos recipientes dos produtos de lavagem e limpeza habitualmente utilizados no mercado. A este respeito, verifica‑se, como argumenta a recorrente, que o recipiente em causa é particularmente anguloso e que os ângulos, arestas e superfícies fazem com que se assemelhe a um cristal. Além disso, o recipiente dá uma impressão monolítica uma vez que a tampa do recipiente está integrada na imagem de conjunto. Por último, o recipiente é particularmente achatado. Esta combinação confere, por isso, ao frasco em causa uma aparência particular e inabitual, susceptível de chamar a atenção do público em causa e de permitir que este, sensibilizado pela forma da embalagem dos produtos em causa, distinga os produtos visados no pedido de registo dos que têm outra origem comercial [v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Março de 2003, DaimlerChrysler/IHMI (Grelha), T‑128/01, Colect., p. II‑701, n.os 46 e 48, e acórdão Forma de uma garrafa, já referido, n.° 41].

41
Além disso, tendo em conta os recipientes utilizados para produtos comparáveis, à luz, designadamente, dos exemplos apresentados pela recorrente, há que observar que o aspecto branco e transparente do frasco não põe em causa o carácter distintivo do sinal cujo registo foi pedido.

42
Em resumo, recorde‑se que basta um carácter distintivo mínimo para que o motivo de recusa definido na alínea b) do n.° 1 do artigo 7.° do Regulamento n.° 40/94 não possa ser oposto [v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 27 de Fevereiro de 2002, Eurocool Logistik/IHMI (EUROCOOL), T‑34/00, Colect., p. II‑683, n.° 39, e, nesse sentido, acórdão Grelha, já referido, n.° 49]. Assim, na medida em que, como acima se referiu, a marca requerida é constituída por uma combinação de elementos de apresentação característica que a distingue das outras formas presentes no mercado para os produtos em causa, há que considerar que a marca solicitada, tomada no seu conjunto, é dotada do mínimo de carácter distintivo necessário.

43
Ademais, recorde‑se que onze Estados‑Membros dos quinze que contava a Comunidade Europeia no momento em que foi entregue o pedido de registo se não opuseram ao registo de uma forma idêntica como marca internacional, no contexto do sistema de Madrid relativo ao registo internacional de marcas. Assim, em onze Estados‑Membros, a saber, Bélgica, Dinamarca, Alemanha, Espanha, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos, Áustria, Portugal e Finlândia, a protecção dessa marca é a mesma que teria se tivesse sido directamente registada pelo Instituto Nacional das Marcas do país em causa.

44
É certo que, com razão, a Câmara de Recurso salientou na decisão impugnada que o IHMI deve proceder a uma apreciação autónoma em cada caso específico.

45
Com efeito, o regime comunitário de marcas é um sistema autónomo, constituído por um conjunto de normas e prosseguindo objectivos que lhe são específicos, sendo a sua aplicação independente de qualquer sistema nacional [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 5 de Dezembro de 2000, Messe München/IHMI (electronica), T‑32/00, Colect., p. II‑3829, n.° 47]. Em consequência, o carácter de registo de um sinal como marca comunitária deve ser apreciado apenas com base na regulamentação comunitária pertinente. Assim, o IHMI e, se for caso disso, o juiz comunitário não estão vinculados por uma decisão adoptada ao nível de um Estado‑Membro, ou mesmo de um país terceiro, que admita o carácter de registo desse mesmo sinal como marca nacional (acórdão Forma de lanternas portáteis, já referido, n.° 40).

46
Contudo, os registos já efectuados nos Estados‑Membros constituem elementos que, sem serem decisivos, podem ser tomados em consideração para efeitos de registo de uma marca comunitária [acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 16 de Fevereiro de 2000, Procter & Gamble/IHMI (Forma de um sabão), T‑122/99, Colect., p. II‑265, n.° 61; de 31 de Janeiro de 2001, Sunrider/IHMI (VITALITE), T‑24/00, Colect., p. II‑449, n.° 33, e de 19 de Setembro de 2001, Henkel/IHMI (Pastilha redonda vermelha e branca), T‑337/99, Colect., p. II‑2597, n.° 58]. Assim, os referidos registos podem oferecer um suporte de análise para a apreciação de um pedido de registo de uma marca comunitária [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 26 de Novembro de 2003, HERON Robotunits/IHMI (ROBOTUNITS), T‑222/02, ainda não publicado na Colectânea, n.° 52].

47
Como já referido pelo Tribunal no n.° 41 supra, saliente‑se que a marca tridimensional requerida é inabitual e apta a permitir distinguir os produtos em causa dos que tenham outra origem comercial. Esta consideração é corroborada pelo registo, pela recorrente, de uma marca tridimensional de forma idêntica à da marca solicitada no caso em apreço, e isto em onze Estados‑Membros.

48
Decorre do conjunto das considerações precedentes, e sem que caiba decidir quanto aos outros argumentos da recorrente, que foi erradamente que a Câmara de Recurso considerou que a marca requerida era desprovida de carácter distintivo na acepção da alínea b) do n.° 1 do artigo 7.° do Regulamento n.° 40/94.

49
Em consequência, há que declarar procedente o fundamento e anular a decisão impugnada.


Quanto às despesas

50
Por força do disposto no n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida deve ser condenada nas despesas, se tal for requerido.

51
Tendo o IHMI sido vencido, há que condená‑lo nas despesas.


Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

decide:

1)
É anulada a decisão da Quarta Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) de 3 de Outubro de 2002 (processo R 313/2001‑4).

2)
O recorrido suportará as despesas.

Legal

Tiili

Vilaras

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 24 de Novembro de 2004.

O secretário

O presidente

H. Jung

H. Legal


1
Língua do processo: alemão.