Language of document : ECLI:EU:T:2016:118

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção)

1 de março de 2016 (*)

«Auxílios de Estado — Recuperação de empresas em dificuldade — Auxílio sob a forma de garantia estatal — Decisão que declara o auxílio compatível com o mercado interno — Não abertura do procedimento formal de exame — Dificuldades sérias — Direitos processuais das partes interessadas»

No processo T‑79/14,

Secop GmbH, com sede em Flensburg (Alemanha), representada por U. Schnelle e C. Aufdermauer, advogados,

recorrente,

contra

Comissão Europeia, representada por L. Armati, T. Maxian Rusche e R. Sauer, na qualidade de agentes,

recorrida,

que tem por objeto um pedido de anulação da decisão C (2013) 9119 final da Comissão, de 18 de dezembro de 2013, relativa ao auxílio de Estado SA.37640 — Auxílio de emergência a favor da ACC Compressors SpA — Itália,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

composto por: H. Kanninen, presidente, I. Pelikánová (relatora) e E. Buttigieg, juízes,

secretário: K. Andová, administradora,

vistos os autos e após a audiência de 8 de setembro de 2015,

profere o presente

Acórdão

 Antecedentes do litígio

1        A ACC Compressors SpA é uma sociedade ativa desde 1960 na produção e na comercialização de compressores para frigoríficos de uso doméstico. É uma filial a 100% da Household Compressors Holding SpA (HCH), que apenas opera enquanto sociedade gestora de participações sociais e não tem atividade de produção. A ACC Compressors detinha inicialmente 100% do capital da ACC Austria GmbH e, por intermédio desta última, 100% do capital da ACC Germany GmbH e da ACC USA LLC.

2        Em 2012, o grupo ACC conheceu dificuldades económicas. Em outubro de 2012, foi instaurado um processo de insolvência contra a ACC Germany. Em 20 de dezembro de 2012, foi instaurado um processo de insolvência contra a ACC Austria. A ACC Compressors foi declarada insolvente em 28 junho de 2013 e colocada sob administração extraordinária em 27 de agosto de 2013. Em 12 de outubro de 2013, a HCH foi declarada insolvente.

3        Em 20 de abril de 2013, no seguimento de um concurso lançado no âmbito do processo de insolvência da ACC Austria, foi celebrado um contrato de aquisição dos ativos da ACC Austria entre a Secop Kompressoren GmbH, uma filial da recorrente, a Secop GmbH, atualmente denominada Secop Austria GmbH, e os administradores jurídicos da ACC Austria. Este contrato estava subordinado à condição suspensiva da declaração de compatibilidade da transação com o mercado interno, pela Comissão Europeia.

4        Em 5 de novembro de 2013, a República italiana notificou à Comissão um auxílio de emergência a favor da ACC Compressors.

5        A medida notificada consistia numa garantia estatal de seis meses para linhas de crédito destinadas a prover necessidades de liquidez de um montante total de 13,6 milhões de euros. Esta garantia devia permitir a continuação das atividades da ACC Compressors, enquanto aguardava a preparação de um plano de reestruturação ou de liquidação.

6        Por decisão de 11 de dezembro de 2013, a Comissão decidiu não levantar objeções quanto à aquisição dos ativos da ACC Austria pela sociedade atualmente denominada Secop Austria (a seguir «decisão sobre a concentração»), validando, assim, o contrato celebrado em 20 de abril de 2013.

7        Em 18 de dezembro de 2013, através da sua decisão C (2013) 9119 final, relativa ao auxílio de Estado SA.37640 — Auxílio de emergência a favor da ACC Compressors SpA — Itália (a seguir «decisão impugnada»), a Comissão decidiu não levantar objeções contra a medida notificada. Em especial, considerou que a medida notificada constituía um auxílio de Estado, na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE, mas que respeitava os requisitos para ser declarada compatível com o mercado interno, enquanto auxílio de emergência a uma empresa em dificuldade.

8        A aquisição dos ativos da ACC Austria pela Secop Austria incidia, designadamente, sobre patentes até então também utilizadas pela ACC Compressors para a sua própria produção de compressores. Estão pendentes nos tribunais alemão e italiano dois litígios relativos às referidas patentes (a seguir «patentes controvertidas») entre o grupo Secop e o grupo ACC, que se opõem, em especial, quanto à questão de saber se foi validamente celebrado entre eles um acordo de licença (a seguir «litígio sobre as patentes»).

 Tramitação processual e pedidos das partes

9        Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 5 de fevereiro de 2014, a recorrente interpôs o presente recurso.

10      Sob proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (Primeira Secção) decidiu dar início à fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 64.° do seu Regulamento de Processo de 2 de maio de 1991, colocou às partes perguntas escritas. As partes responderam no prazo fixado pelo Tribunal.

11      Na audiência de 8 de setembro de 2015, foram ouvidas as alegações das partes e as suas respostas às questões colocadas pelo Tribunal Geral.

12      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal Geral se digne:

—        anular a decisão impugnada;

—        condenar a Comissão nas despesas.

13      Após alteração dos seus pedidos na fase da tréplica, a Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

—        negar provimento ao recurso;

—        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

14      A recorrente invoca três fundamentos de recurso, relativos, o primeiro, à violação do artigo 296.° TFUE, à violação de formalidades essenciais e à falta de fundamentação, o segundo, à violação dos Tratados e, o terceiro, a um desvio de poder.

15      No âmbito das suas respostas às questões escritas do Tribunal Geral, a recorrente referiu, por um lado, que o seu primeiro fundamento devia ser entendido como relativo à falta de instrução, em violação do artigo 108.°, n.° 3, TFUE, e do artigo 4.°, n.° 1, do Regulamento (CE) n.° 659/1999 do Conselho, de 22 de março de 1999, relativo às modalidades de aplicação do artigo [108.° TFUE] (JO L 83, p. 1).

16      A recorrente referiu, por outro lado, que o seu terceiro fundamento devia ser entendido como relativo a erros de apreciação, na medida em que a Comissão não tinha tido em conta elementos essenciais do processo de que tinha tido conhecimento ou de que devia ter tido conhecimento. Além disso, precisou, na audiência, que não via obstáculo a que o seu primeiro e terceiro fundamentos, conforme reformulados, fossem examinados conjuntamente.

17      Assim, é neste sentido que os fundamentos invocados pela recorrente serão a seguir examinados.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação dos Tratados

18      O segundo fundamento está dividido em três partes, relativas, respetivamente, à violação do artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE, à violação do artigo 108.°, n.os 2 e 3, TFUE e à violação do princípio da igualdade de tratamento.

19      Antes de mais, importa examinar conjuntamente a primeira e a segunda partes. Com efeito, estas duas partes têm, em substância, por objeto contestar, quanto ao mérito, a decisão da Comissão de não dar início ao procedimento formal de exame.

 Quanto à primeira e segunda partes do segundo fundamento, relativas à violação do artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE e à violação do artigo 108.°, n.os 2 e 3, TFUE

20      A recorrente alega, em substância, que foi sem razão que a Comissão considerou que o auxílio controvertido era compatível com o mercado interno e que se absteve de dar início ao procedimento formal de exame.

21      A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

–       Resenha da jurisprudência pertinente

22      A título preliminar, há que recordar que a Comissão é obrigada a dar início ao procedimento formal de exame nomeadamente se, à luz das informações obtidas no decurso do procedimento preliminar de exame, se vir confrontada com dificuldades sérias de apreciação da medida considerada. Esta obrigação resulta diretamente do artigo 108.°, n.° 3, TFUE, conforme foi interpretado pela jurisprudência, e é confirmada pelas disposições conjugadas do artigo 4.°, n.° 4, e do artigo 13.°, n.° 1, do Regulamento n.° 659/1999, quando a Comissão constata, após um exame preliminar, que a medida em causa suscita dúvidas quanto à sua compatibilidade (v., neste sentido, acórdão BUPA e o./Comissão, T‑289/03, Colet., EU:T:2008:29, n.° 328).

23      Com efeito, segundo jurisprudência constante, o procedimento previsto no artigo 108.°, n.° 2, TFUE reveste um caráter indispensável sempre que a Comissão se depare com dificuldades sérias para apreciar se um auxílio é compatível com o mercado interno. Portanto, a Comissão só se pode limitar à fase preliminar do artigo 108.°, n.° 3, TFUE para adotar uma decisão favorável a uma medida estatal, se tiver adquirido a convicção, no termo de um primeiro exame, de que essa medida não constitui um auxílio na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE ou, se qualificada de auxílio, de que é compatível com o mercado interno. Em contrapartida, se esse primeiro exame levar a Comissão à convicção oposta ou não lhe permitir ultrapassar todas as dificuldades suscitadas pela apreciação da compatibilidade da medida em causa com o mercado comum, a Comissão tem o dever de obter todos os pareceres necessários e dar início, para o efeito, ao procedimento do artigo 108.°, n.° 2, TFUE (acórdãos de 15 de junho de 1993, Matra/Comissão, C‑225/91, Colet., EU:C:1993:239, n.° 33; de 2 de abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink’s France, C‑367/95 P, Colet., EU:C:1998:154, n.° 39; e BUPA e o./Comissão, n.° 22, supra, EU:T:2008:29, n.° 329).

24      Assim, compete à Comissão determinar, em função das circunstâncias de facto e de direito de cada caso, se as dificuldades encontradas no exame da compatibilidade do auxílio impõem a instauração desse procedimento (acórdão de 19 de maio de 1993, Cook/Comissão, C‑198/91, Colet., EU:C:1993:197, n.° 30). Esta apreciação deve respeitar três requisitos.

25      Em primeiro lugar, o artigo 108.° TFUE circunscreve o poder da Comissão de se pronunciar sobre a compatibilidade de um auxílio com o mercado interno no termo do processo preliminar de exame apenas às medidas que não suscitam dificuldades sérias, pelo que este critério reveste caráter exclusivo. Assim, a Comissão não se pode recusar a dar início ao procedimento formal de exame invocando outras circunstâncias, como o interesse de terceiros, considerações de economia processual ou qualquer outra razão de conveniência administrativa (acórdão de 15 de março de 2001, Prayon‑Rupel/Comissão, T‑73/98, Colet., EU:T:2001:94, n.° 44).

26      Em segundo lugar, quando se depare com dificuldades sérias, a Comissão está obrigada a dar início ao procedimento formal e não goza, a este respeito, de qualquer poder discricionário. Embora o seu poder seja vinculado no que toca à decisão de dar início a este procedimento, a Comissão goza, contudo, de uma certa margem de apreciação na investigação e no exame das circunstâncias do caso em apreço a fim de determinar se estas suscitam dificuldades sérias. Em conformidade com o objetivo do artigo 108.°, n.° 3, TFUE e o dever de boa administração que lhe incumbe, a Comissão pode, designadamente, dar início a um diálogo com o Estado que procedeu à notificação ou com terceiros a fim de superar, no procedimento preliminar, as dificuldades que eventualmente tenha encontrado (acórdão Prayon‑Rupel/Comissão, n.° 25, supra, EU:T:2001:94, n.° 45).

27      Em terceiro lugar, o conceito de «dificuldades sérias» reveste um caráter objetivo. A existência de tais dificuldades deve ser apreciada tanto em função das circunstâncias da adoção da decisão impugnada como do seu conteúdo, de modo objetivo, confrontando os motivos da decisão com os elementos de que a Comissão dispunha quando se pronunciou sobre a compatibilidade do auxílio controvertido com o mercado interno (v. acórdão Prayon‑Rupel/Comissão, n.° 25, supra, EU:T:2001:94, n.° 47 e jurisprudência referida).

28      No caso em apreço, a Comissão considerou, na decisão impugnada, que o auxílio controvertido era compatível com o mercado interno, na medida em que era conforme com o artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE, e com as Orientações comunitárias relativas aos auxílios estatais de emergência e à reestruturação a empresas em dificuldade (JO 2004, C 244, p. 2, a seguir «orientações»).

29      Há que recordar, a este respeito, que o artigo 107.°, n.° 3, TFUE concede à Comissão um amplo poder de apreciação com vista a admitir auxílios em derrogação à proibição geral do n.° 1 desse artigo, na medida em que a apreciação, nesses casos, da compatibilidade ou incompatibilidade de um auxílio de Estado com o mercado interno levanta problemas que exigem a tomada em consideração e a apreciação de factos e circunstâncias económicas complexos. Por conseguinte, a fiscalização exercida pelo juiz da União Europeia a este respeito deve limitar‑se à verificação do cumprimento das regras de processo e de fundamentação, bem como da exatidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e da inexistência de desvio de poder. Não compete, portanto, ao juiz da União substituir pela sua apreciação económica a da Comissão. A Comissão pode impor a si própria linhas diretrizes relativas ao exercício dos seus poderes de apreciação pela via da adoção de atos como as orientações, na medida em que tais atos contenham regras indicativas sobre a orientação a seguir por essa instituição e que não se afastem das normas do Tratado. Neste contexto, cabe ao juiz da União verificar se as exigências que a Comissão impôs a si mesma foram respeitadas (acórdão de 30 de janeiro de 2002, Keller e Keller Meccanica/Comissão, T‑35/99, Colet., EU:T:2002:19, n.° 77; v., igualmente, neste sentido, acórdão de 1 de dezembro de 2004, Kronofrance/Comissão, T‑27/02, Colet., EU:T:2004:348, n.° 79 e jurisprudência referida).

–       Quanto à alegada qualidade de empresa nova da ACC Compressors

30      Em primeiro lugar, a recorrente alega que, na sequência da venda dos ativos da ACC Austria, as patentes controvertidas já não podiam ser utilizadas pela ACC Compressors, que devia, por conseguinte, ser considerada uma empresa resultante da liquidação de uma empresa anterior e, consequentemente, uma empresa recentemente criada, na aceção do ponto 12 das orientações. Com efeito, não podendo utilizar as patentes controvertidas, a AAC Compressors não dispunha de estruturas suficientemente desenvolvidas para ser elegível para um auxílio de emergência e, em especial, não era equiparável à empresa com o mesmo nome que fabricava compressores desde 1960.

31      O ponto 12 das orientações tem a seguinte redação:

«Para efeitos das presentes orientações, uma empresa recentemente criada não pode beneficiar de auxílios de emergência ou à reestruturação, mesmo que a sua posição financeira inicial seja precária. É o que acontece nomeadamente quando a nova empresa resulta da liquidação de uma empresa precedente ou da aquisição apenas dos seus ativos. Uma empresa será, em princípio, considerada como recentemente criada durante os primeiros três anos a contar do início do seu funcionamento no setor de atividade relevante. Só após este período se tornará elegível para beneficiar de auxílios de emergência ou à reestruturação [...]»

32      É claro que o objetivo prosseguido pelo ponto 12 das orientações é evitar que sejam criadas empresas inviáveis ou atividades deficitárias que, desde a respetiva criação, sejam dependentes de auxílio público. Para o efeito, a precisão feita na segunda frase do referido ponto visa, designadamente, o caso da cessão de ativos de uma pessoa coletiva precedente a outra pessoa coletiva, recentemente criada ou precedente. Assim, é a entidade económica em que os ativos adquiridos foram recentemente integrados que pode, se for caso disso, ser qualificada de empresa nova. Relativamente à pessoa coletiva que cede ativos, o objetivo dessa operação pode ser precisamente a sua recuperação.

33      Todavia, a recorrente alega que a menção «nomeadamente» que figura no ponto 12 das orientações indica que a qualificação de uma empresa de «nova» pode resultar não apenas da aquisição — pelo beneficiário do auxílio — dos ativos de outra sociedade mas também da transferência de ativos do beneficiário para outra sociedade, como, no caso em apreço, a transferência dos ativos da ACC Austria, filial da ACC Compressors, para a Secop Austria.

34      Pelos motivos a seguir indicados, há que rejeitar essa interpretação no caso em apreço.

35      Em primeiro lugar, a ACC Compressors e a ACC Austria faziam inicialmente parte de uma única e mesma empresa, na medida em que estas duas sociedades produziam os mesmos produtos, em dois locais diferentes, mas sob uma mesma direção económica. É verdade que, quando da cessão dos ativos produtivos da ACC Austria, que se tornou efetiva em 11 de dezembro de 2013, data da adoção da decisão sobre a concentração (v. n.os 3 e 6, supra), o volume das atividades desta empresa diminuiu, uma vez que as atividades correspondentes ao local de produção situado na Áustria já não faziam parte da mesma. Assim, a empresa à qual o auxílio controvertido, aprovado em 18 de dezembro de 2013, foi concedido apenas incluía os ativos produtivos da ACC Compressors. Todavia, esta última dirigia a empresa em causa, tanto antes como depois da referida cessão, e, como a recorrente admitiu no n.° 46 da petição, prosseguia, depois da data de adoção da decisão impugnada, ainda que de maneira reduzida, a produção e a comercialização de compressores, que constituíam a atividade tradicional dessa empresa. Por conseguinte, contrariamente às alegações da recorrente, tratava‑se da mesma empresa que a que fabricava compressores desde 1960.

36      Em segundo lugar, a interpretação proposta pela recorrente é contrária ao objetivo do ponto 12 das orientações, como acima referido no n.° 32. Com efeito, no caso de uma cessão de ativos, não é a entidade constituída pelas atividades económicas mantidas pela sociedade cedente que é pertinente para efeitos da qualificação de «empresa recentemente criada», mas a entidade constituída pelas atividades económicas da sociedade cessionária, na qual os ativos cedidos foram integrados. Aliás, é normal e razoável que uma empresa em dificuldade venda determinados ativos e centre a sua atividade no cerne do negócio, seja numa perspetiva geográfica ou setorial, com vista a melhorar as possibilidades de uma recuperação económica. O ponto 39 das orientações prevê, assim, expressamente a alienação de ativos enquanto medida de prevenção de distorções excessivas da concorrência, no âmbito do exame de um plano de reestruturação com vista à concessão de auxílios à reestruturação. Seria contrário à finalidade geral das orientações que essa venda de ativos conduzisse sistematicamente a excluir a empresa cedente do benefício de auxílios de emergência.

37      O facto de estar pendente entre a ACC Compressors e a Secop Austria um litígio sobre as patentes controvertidas não é suscetível de conduzir a uma apreciação diferente.

38      Com efeito, aquando da adoção da decisão impugnada, a Comissão apenas podia ter em conta a situação factual e jurídica da ACC Compressors tal como se apresentava à data da referida adoção; devia, no máximo, tomar em consideração a evolução previsível desta situação no horizonte do período para o qual o auxílio de emergência era concedido, a saber, seis meses (v. n.° 5, supra). Ora, como a Comissão alega com razão, à data da adoção da decisão impugnada, a AAC Compressors ainda utilizava as patentes controvertidas para fabricar compressores, facto que estava obrigada a ter em conta, e nada indicava que esta situação se poderia alterar nos seis meses seguintes.

39      Além disso, há que salientar que a existência do litígio sobre as patentes não era pertinente para efeitos da apreciação da compatibilidade do auxílio litigioso com o mercado interno. É verdade que, se eventualmente a Secop Austria devesse ter obtido ganho de causa no litígio sobre as patentes, teria sido possível que a AAC Compressores já não pudesse utilizar as patentes controvertidas e devesse, por conseguinte, cessar a produção de uma importante gama de compressores, dita «Kappa». Todavia, tal dependia igualmente da questão de saber se, no seguimento de uma eventual derrota nos tribunais, a AAC Compressors podia obter uma licença de exploração das referidas patentes. Além disso, não se podia desde logo excluir que pudesse compensar a eventual paragem da sua atividade na produção de compressores «Kappa» com o desenvolvimento de outras gamas ou atividades. Em qualquer caso, há que considerar que não competia à Comissão antecipar o desfecho do litígio sobre as patentes, pendente nos órgãos jurisdicionais nacionais à data da adoção da decisão impugnada, substituindo pela sua a apreciação dos órgãos jurisdicionais competentes, aos quais o litígio foi submetido.

40      Por último, há que rejeitar o argumento da recorrente, apresentado na audiência, nos termos do qual a Comissão devia ter tido em conta o facto de, no âmbito do processo em matéria de concentração, a ACC Compressores ter ela própria referido que, no caso de aquisição pela Secop Austria dos ativos da ACC Austria, não poderia continuar a sua produção de compressores uma vez que deixaria então de poder utilizar as patentes controvertidas.

41      Com efeito, a Comissão, na decisão sobre a concentração, examinou as alegações da ACC Compressors e concluiu que, tendo em conta, designadamente, o litígio sobre as patentes entre as duas partes, não era de excluir que fosse celebrado entre elas um acordo de licença. A Comissão já tinha, assim, constatado, no âmbito do procedimento em matéria de concentração, que as alegações da ACC Compressors relativas à impossibilidade de continuar a produção de compressores na falta de uma licença sobre as patentes controvertidas não tinham fundamento ou, pelo menos, eram hipotéticas.

42      Nestas condições, as referidas alegações não constituíam informações determinantes para a apreciação da relação concorrencial entre a ACC Compressors e a Secop, de forma que a Comissão não pode ser acusada de não as ter tido em conta no âmbito do procedimento em matéria de auxílios de Estado.

–       Quanto ao facto de alegadamente o auxílio controvertido apenas «retardar o inevitável»

43      Em segundo lugar, a recorrente alega que o auxílio litigioso não devia ter sido concedido na medida em que só servia para «retardar o inevitável», na aceção do ponto 72 das orientações.

44      O ponto 72 das orientações tem a seguinte redação:

«Os auxílios de emergência constituem uma operação excecional destinada principalmente a manter as empresas em atividade durante um período limitado, no decurso do qual o futuro dessas empresas pode ser avaliado. Não deve ser possível autorizar a concessão de sucessivos auxílios de emergência que se limitariam a manter o status quo, a retardar o inevitável e a transferir entretanto os problemas económicos e sociais para outros produtores mais eficientes ou para outros Estados‑Membros. Assim, os auxílios de emergência só podem ser concedidos uma única vez (princípio do auxílio único) [...]»

45      Por conseguinte, na economia global do ponto 72 das orientações, o facto de um auxílio de emergência não dever simplesmente servir para manter o statu quo e retardar o inevitável é referido, a título ilustrativo, para justificar o princípio do auxílio único, consagrado no mesmo ponto 72. Assim, na lógica desse ponto, o facto de ser pedido um segundo auxílio de emergência — num período de dez anos após a concessão de um primeiro auxílio de emergência — é suscetível de demonstrar que o primeiro auxílio apenas manteve o statu quo e retardou o inevitável. No caso em apreço, basta observar que, por um lado, segundo as conclusões do n.° 38 da decisão impugnada, não contestadas pela recorrente, o auxílio controvertido é o primeiro auxílio de emergência concedido à ACC Compressors e que, por outro, a recorrente se limitou a afirmar que o auxílio controvertido apenas servia para «retardar o inevitável», sem fundamentar essa afirmação. Por último, na medida em que a recorrente baseou a sua alegação no litígio sobre as patentes, concluiu‑se acima que este último não era pertinente para efeitos da apreciação da compatibilidade do auxílio controvertido com o mercado interno.

46      Por conseguinte, há que rejeitar este argumento da recorrente.

–       Quanto à tomada em conta dos auxílios anteriores pretensamente recebidos

47      Em terceiro lugar, a recorrente alega que a Comissão não teve em conta o efeito cumulativo do auxílio controvertido com as prestações pretensamente pagas anteriormente através da Cassa Integrazione. Na sua opinião, a Cassa Integrazione é uma caixa de compensação salarial parcial cujas prestações são consideradas, pela Comissão, como auxílios de Estado.

48      O ponto 23 das orientações tem a seguinte redação:

«No caso de ter sido concedido anteriormente à empresa em dificuldade um auxílio ilegal, a respeito do qual a Comissão adotou uma decisão negativa com obrigação de recuperação, e no caso de a sua recuperação não ter sido efetuada em conformidade com o artigo 14.° do [Regulamento n.° 659/1999], a apreciação de qualquer auxílio de emergência e à reestruturação a conceder à mesma empresa deve ter em conta, em primeiro lugar, o efeito cumulativo entre o auxílio anterior e o novo e, em segundo lugar, o facto de o auxílio anterior não ter sido reembolsado.»

49      Por conseguinte, importa salientar que o ponto 23 das orientações apenas prevê expressamente a tomada em conta do efeito cumulativo dos auxílios anteriores com um novo auxílio de emergência ou à reestruturação para os auxílios ilegais que foram objeto de uma decisão negativa com obrigação de recuperação que ainda não foi executada pelo Estado‑Membro em causa. A título dessa disposição, a Comissão requereu, aliás, às autoridades italianas uma declaração de que a ACC Compressors não tinha recebido tais auxílios não recuperados (decisão impugnada, n.° 40).

50      Ora, é pacífico que as prestações pretensamente pagas através da Cassa Integrazione, das quais a Comissão afirma não ter tido conhecimento, não foram objeto de uma decisão negativa desta última. Consequentemente, a redação das orientações e, em especial, do seu ponto 23 não obrigava a Comissão a ter em conta estes pretensos auxílios.

51      Quanto à questão de saber se tal tomada em consideração se impunha em face da inexistência de qualquer obrigação nesse sentido referida expressamente nas orientações, há que salientar que as particularidades dos auxílios de emergência se opõem à tomada em conta do efeito cumulativo dos auxílios anteriores não referidos no ponto 23 das orientações. Com efeito, o ponto 15 das orientações define auxílios de emergência como:

«Um auxílio de emergência é por natureza um apoio temporário e reversível. O seu objetivo prioritário consiste em manter uma empresa em dificuldade durante um período correspondente ao prazo necessário para a elaboração de um plano de reestruturação ou de liquidação. O auxílio de emergência deve, como princípio geral, permitir apoiar temporariamente uma empresa que enfrenta uma grave deterioração da sua situação financeira, traduzida numa crise aguda de liquidez ou numa insolvência técnica. Este apoio temporário deve proporcionar o tempo necessário para analisar as circunstâncias que provocaram as dificuldades e para elaborar um plano adequado para as resolver. Além disso, o auxílio de emergência deve ser limitado ao mínimo necessário. Por outras palavras, os auxílios de emergência proporcionam um breve período de alívio, não superior a seis meses, a uma empresa com dificuldades. O auxílio deve consistir num apoio reversível à tesouraria sob a forma de garantias de empréstimos ou de empréstimos, a uma taxa de juro pelo menos comparável às taxas praticadas para empréstimos a empresas sãs e nomeadamente à taxa de referência adotada pela Comissão. As medidas estruturais que não exijam uma ação imediata, como por exemplo a participação inevitável e automática do Estado no capital da empresa, não podem ser financiadas através de auxílios de emergência.»

52      Resulta desta definição que, tanto pela limitação das medidas elegíveis (garantias de empréstimos ou empréstimos) como pelo respetivo caráter temporário e reversível (fim da garantia e reembolso do empréstimo ao fim de seis meses, no máximo, sob reversa da apresentação, após esse prazo, de um plano de reestruturação ou de liquidação) e pela respetiva limitação apenas às medidas necessárias à sobrevivência temporária da empresa em causa, os auxílios de emergência, como o auxílio controvertido, têm efeitos muito limitados no mercado interno, como a Comissão alega com razão. São estes efeitos limitados, conjuntamente com o caráter urgente dos auxílios de emergência, que justificam que a Comissão os examine, normalmente segundo um procedimento simplificado, em conformidade com o ponto 30 das orientações, envidando todos os esforços para adotar uma decisão no prazo de um mês, se os auxílios satisfizerem determinados critérios. Ora, a tomada em conta do efeito cumulativo de qualquer auxílio anterior pretensamente ilegal tornaria impossível o cumprimento desse prazo e não seria, assim, compatível com o caráter urgente desse exame e com o impacto limitado desses auxílios na concorrência.

53      Além disso, a tomada em conta de auxílios anteriores diferentes dos definidos no ponto 23 das orientações — que já foram objeto de uma decisão negativa final da Comissão — obrigaria a Comissão a efetuar, a título incidental, um exame dos referidos auxílios anteriores, cuja qualificação de auxílios e de auxílios ilegais pode ser controvertida entre si e o Estado‑Membro em causa e que devem, se for caso disso, ser objeto de um procedimento e de uma decisão distintos. Tal poderia conduzir, in fine, quer a recusar um auxílio de emergência com base num exame superficial dos auxílios anteriores, quando estes últimos poderiam posteriormente revelar‑se ilegais ou não constitutivos de um auxílio, quer a retardar indevidamente a decisão sobre o auxílio de emergência. Por conseguinte, tal maneira de proceder afigura‑se igualmente incompatível com as exigências que resultam do princípio da segurança jurídica.

54      Por estas razões, há que considerar que a Comissão não está obrigada a tomar em conta o efeito cumulativo de pretensos auxílios anteriores com um auxílio de emergência, para além dos casos referidos no ponto 23 das orientações.

55      Consequentemente, este argumento da recorrente deve ser rejeitado.

–       Quanto à tomada em conta da venda com prejuízo pretensamente praticada pela ACC Compressors

56      Em quarto lugar, a recorrente considera que a Comissão devia ter tomado em conta o risco de o auxílio controvertido poder permitir à ACC Compressors continuar a política de venda com prejuízo que praticava desde 2013.

57      A este respeito, basta constatar que a recorrente se limita a alegar uma pretensa política de venda com prejuízo da ACC Compressors, sem apresentar nenhum elemento de explicação ou de prova suscetível de sustentar esta alegação. Nestas circunstâncias, há que rejeitar este argumento da recorrente.

–       Quanto aos cálculos apresentados pela Comissão

58      Em quinto lugar, a recorrente alega, na petição, que os cálculos apresentados pela Comissão no âmbito da apreciação da compatibilidade do auxílio controvertido com o mercado interno eram incorretos e incompreensíveis para ela, por não ter tido acesso ao processo.

59      Uma vez que, na sua resposta às questões escritas do Tribunal Geral, a recorrente renunciou a esta alegação, tendo em conta as explicações apresentadas pela Comissão na contestação, já não há que decidir a este respeito.

60      Dado que todos os argumentos invocados na primeira e segunda partes do segundo fundamento devem ser rejeitados, há que rejeitar as referidas partes na totalidade.

 Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à violação do princípio da igualdade de tratamento

61      A recorrente salienta que não teve oportunidade de apresentar o seu ponto de vista no âmbito do procedimento em matéria de auxílios de Estado, iniciado em benefício da ACC Compressor, para se opor à concessão do auxílio controvertido a esta última, se fosse caso disso, no âmbito do procedimento formal de exame. Alega que, em contrapartida, a ACC Compressors teve oportunidade, no âmbito do procedimento em matéria de concentração, de se opor à aquisição dos ativos da ACC Austria pela Secop Austria. Na sua opinião, trata‑se de uma violação do princípio da igualdade de tratamento, uma vez que a relação de concorrência entre o grupo ACC e o grupo Secop devia ser examinada nos dois procedimentos.

62      Segundo jurisprudência constante, o princípio geral da igualdade de tratamento, enquanto princípio geral do direito da União, exige que situações comparáveis não sejam tratadas de modo diferente e que situações diferentes não sejam tratadas de modo igual, exceto se esse tratamento for objetivamente justificado (v. acórdão de 16 de dezembro de 2008, Arcelor Atlantique e Lorraine e o., C‑127/07, Colet., EU:C:2008:728, n.° 23 e jurisprudência referida).

63      A este respeito, em primeiro lugar, há que concluir que, tanto no âmbito do procedimento em matéria de auxílios de Estado como no âmbito do procedimento em matéria de concentração, os concorrentes das empresas em causa não têm nenhum direito a serem oficiosamente associados ao procedimento, em especial, no âmbito da primeira fase, no decurso da qual a Comissão procede a uma apreciação preliminar quer do auxílio em causa quer da concentração notificada.

64      Com efeito, em primeiro lugar, em matéria de auxílios de Estado, segundo jurisprudência constante, é preciso distinguir entre, por um lado, a fase preliminar de exame dos auxílios instituída pelo artigo 108.°, n.° 3, TFUE, que tem apenas por objeto permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total do auxílio em causa, e, por outro, a fase de exame a que se refere o n.° 2 do mesmo artigo. É apenas no âmbito desta última fase, que se destina a permitir à Comissão ter uma informação completa sobre todos os dados do caso, que o Tratado FUE prevê a obrigação de a Comissão dar aos interessados a oportunidade de apresentarem as suas observações (acórdãos Cook/Comissão, n.° 24, supra, EU:C:1993:197, n.° 22; Comissão/Sytraval e Brink’s France, n.° 23, supra, EU:C:1998:154, n.° 38; e de 13 de dezembro de 2005, Comissão/Aktionsgemeinschaft Recht und Eigentum, C‑78/03, Colet., EU:C:2005:761, n.° 34). Daqui resulta que as partes interessadas, diferentes do Estado‑Membro em causa, incluindo os concorrentes do beneficiário do auxílio, como a recorrente no caso em apreço, não têm nenhum direito a serem associadas ao procedimento na fase preliminar de exame.

65      Em segundo lugar, em matéria de concentração, o artigo 18.°, n.° 4, do Regulamento (CE) n.° 139/2004 do Conselho, de 20 de janeiro de 2004, relativo ao controlo das concentrações de empresas (JO L 24, p. 1, a seguir «Regulamento sobre as concentrações»), conforme clarificado pelo artigo 11.°, alínea c), do Regulamento (CE) n.° 802/2004 da Comissão, de 21 de abril de 2004, de execução do Regulamento (CE) n.° 139/2004 (JO L 133, p. 1), prevê que a Comissão pode, oficiosamente, ouvir pessoas singulares ou coletivas diferentes dos notificantes e das outras partes no projeto de concentração, mas que apenas está a isso obrigada na dupla condição de que essas pessoas possuam um interesse suficiente e de que o solicitem (v., neste sentido, acórdão de 27 de novembro de 1997, Kaysersberg/Comissão, T‑290/94, Colet., EU:T:1997:186, n.os 108 e 109).

66      Em segundo lugar, em contrapartida, há que salientar que a posição da ACC Compressors no âmbito do procedimento em matéria de concentração não era apenas a de uma empresa concorrente da Secop Austria enquanto empresa que notifica a concentração, mas igualmente a de «outro interessado direto», na aceção do artigo 11.°, alínea b), do Regulamento n.° 802/2004, na medida em que, enquanto sociedade‑mãe da ACC Austria cuja totalidade dos ativos deviam ser vendidos, devia ser equiparada ao vendedor dos referidos ativos e, por conseguinte, tinha a qualidade de parte no projeto de concentração. Ora, diferentemente dos concorrentes, em conformidade com o artigo 18.°, n.° 1, in fine, do Regulamento sobre as concentrações, as partes interessadas têm o direito de dar a conhecer o seu ponto de vista em todas as fases do processo, incluindo na fase preliminar (v., neste sentido, acórdãos de 24 de março de 1994, Air France/Comissão, T‑3/93, Colet., EU:T:1994:36, n.° 81, e de 20 de novembro de 2002, Lagardère e Canal+/Comissão, T‑251/00, Colet., EU:T:2002:278, n.os 93 e 94).

67      Consequentemente, há que concluir que a situação da recorrente, no âmbito do procedimento em matéria de auxílios de Estado que conduziu à decisão impugnada, é diferente da da ACC Compressors no âmbito do procedimento em matéria de concentração que conduziu à decisão sobre a concentração, na medida em que a ACC Compressors dispunha do direito de ser ouvida antes da adoção desta última decisão. Consequentemente, o facto de a Comissão não ter, antes da adoção da decisão impugnada, dado à recorrente oportunidade de fazer valer o seu ponto de vista não constitui uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

68      Por conseguinte, há que rejeitar a terceira parte do segundo fundamento e, consequentemente, este fundamento na totalidade.

 Quantos ao primeiro e terceiro fundamentos conforme reformulados, relativos à falta de instrução e a erros de apreciação

69      A este propósito, a recorrente critica a Comissão por não ter tido em conta informações contidas na decisão sobre a concentração (v. n.° 6, supra), todavia pertinentes e essenciais para efeitos da apreciação da compatibilidade do auxílio controvertido com o mercado interno, e por se ter contentado, a este respeito, com informações fornecidas pelas autoridades italianas e pela ACC Compressors enquanto beneficiária. Em especial, a Comissão devia ter tomado em consideração o facto de a ACC Compressors ter referido, no âmbito do procedimento em matéria de concentração, que, sem as licenças das patentes controvertidas, já não poderia prosseguir as suas atividades no mercado dos compressores frigoríficos destinados a aparelhos domésticos (v. n.° 40, supra).

70      A Comissão contesta os argumentos da recorrente.

71      A título preliminar, há que salientar que a Comissão não contesta os factos alegados pela recorrente no âmbito do primeiro fundamento, a saber, que não tomou em conta, no presente processo em matéria de auxílios de Estado, informações que tinha recolhido no âmbito do procedimento que deu origem à decisão sobre a concentração. Assim, as partes apenas se opõem em relação a duas questões, a saber, por um lado, se a Comissão tinha o direito (e mesmo a obrigação) de ter em conta as referidas informações e, por outro, se as referidas informações eram pertinentes para efeitos da apreciação da compatibilidade do auxílio controvertido com o mercado interno.

 Quanto ao alcance da obrigação de instrução da Comissão no âmbito da fase preliminar de exame

72      Uma vez que o primeiro fundamento, conforme reformulado, é relativo à falta de instrução, há que, antes de mais, circunscrever o alcance da obrigação de instrução da Comissão no âmbito da fase preliminar de exame.

73      Como acima recordado no n.° 64, a fase preliminar de exame dos auxílios, instituída pelo artigo 108.°, n.° 3, TFUE, tem apenas como objeto permitir à Comissão formar uma primeira opinião sobre a compatibilidade parcial ou total com o Tratado dos projetos de auxílios que lhe são notificados.

74      Decorre igualmente da jurisprudência que, a fim de obter a aprovação, em derrogação das regras do Tratado, de auxílios novos ou alterados, incumbe ao Estado‑Membro em causa, por força do seu dever de cooperação para com a Comissão que decorre do artigo 4.°, n.° 3, TFUE, fornecer todos os elementos suscetíveis de permitir a esta instituição verificar que as condições da derrogação estão reunidas (v. acórdãos de 28 de abril de 1993, Itália/Comissão, C‑364/90, Colet., EU:C:1993:157, n.° 20; de 6 de abril de 2006, Schmitz‑Gotha Fahrzeugwerke/Comissão, T‑17/03, Colet., EU:T:2006:109, n.° 48; e de 12 de setembro de 2007, Olympiaki Aeroporia Ypiresies/Comissão, T‑68/03, Colet., EU:T:2007:253, n.° 36).

75      As obrigações processuais acima referidas são, aliás, retomadas e concretizadas, relativamente ao procedimento preliminar, pelo artigo 2.°, n.° 2, e pelo artigo 5.°, n.os 1 e 2, do Regulamento n.° 659/1999.

76      Daí resulta que, no âmbito do procedimento preliminar de exame, a Comissão pode, em princípio, ater‑se aos elementos fornecidos pelo Estado‑Membro em questão — se for caso disso, no seguimento de um pedido complementar da Comissão (acórdão de 15 de junho de 2005, Regione autonoma della Sardegna/Comissão, T‑171/02, Colet., EU:T:2005:219, n.os 40 e 41) — e que não tem de proceder, por sua própria iniciativa, à instrução de todas as circunstâncias se as informações fornecidas pelo Estado‑Membro notificante lhe permitirem adquirir a convicção, no termo de um primeiro exame, de que a medida em causa não constitui um auxílio na aceção do artigo 107.°, n.° 1, TFUE ou, se qualificada de auxílio, de que é compatível com o mercado interno (v. jurisprudência referida no n.° 23, supra).

77      Além disso, caso se verificasse, posteriormente, que as informações fornecidas pelo Estado‑Membro em causa eram incompletas ou incorretas quanto a pontos essenciais, ao ponto de pôr em causa a apreciação da Comissão relativamente à compatibilidade com o mercado interno do auxílio como foi efetivamente aplicado, tratar‑se‑ia, então, de um auxílio novo não notificado e, por conseguinte, ilegal na aceção do artigo 1.°, alínea f), do Regulamento n.° 659/1999, o que justificaria a abertura de um novo procedimento pela Comissão (v., neste sentido, Regione autonoma della Sardegna e o./Comissão T‑394/08, T‑408/08, T‑453/08 e T‑454/08, Colet., EU:T:2011:493, n.os 177 a 180).

78      No caso em apreço, como resulta das considerações constantes dos n.os 37 e 39, supra, a circunstância de estar em curso, entre a ACC Compressors e a Secop Austria, um diferendo jurídico sobre as patentes controvertidas não era suscetível de ter impacto no resultado da apreciação da compatibilidade do auxílio controvertido com o mercado interno. Por conseguinte, não existia nenhuma obrigação de a Comissão tomar em conta as afirmações feitas pela ACC Compressors a esse respeito, no âmbito do procedimento em matéria de concentração.

 Quanto à proibição de a Comissão utilizar para outros fins as informações recolhidas num procedimento em matéria de concentração

79      Além disso, em conformidade com o artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento sobre as concentrações, as informações obtidas em aplicação do referido regulamento só podem ser utilizadas para os efeitos visados pelo pedido de informações, pela investigação ou pela audição.

80      Esta disposição proibia, em princípio, a Comissão de utilizar, no âmbito do procedimento em matéria de auxílios de Estado, as informações que lhe tinham sido transmitidas no âmbito do procedimento em matéria de concentração.

81      Todavia, a recorrente alega que a jurisprudência do Tribunal de Justiça reduziu o âmbito de aplicação do artigo 17.° do Regulamento sobre as concentrações, na medida em que, sempre que tenha casualmente conhecimento de determinadas informações no decurso de um procedimento em matéria de direito da concorrência, e no caso de essas informações indicarem a existência de uma violação cometida contra outras regras de concorrência, a Comissão pode, então, dar início a um segundo procedimento a fim de verificar a exatidão das referidas informações ou de as completar, designadamente, requerendo os mesmos documentos e utilizando‑os para efeitos de prova.

82      A este respeito, há que salientar que, mesmo quando as informações recolhidas em aplicação do Regulamento sobre as concentrações não podem ser diretamente utilizadas como meios de prova num procedimento não regido por esse regulamento, constituem, todavia, indícios que podem, se for caso disso, ser tomados em conta para justificar a abertura de um procedimento com fundamento noutra base jurídica (v., por analogia, para o caso da utilização por uma autoridade nacional da concorrência de informações recolhidas no âmbito de um procedimento em matéria de cartéis ao nível da União, acórdãos de 17 de outubro de 1989, Dow Benelux/Comissão, 85/87, Colet., EU:C:1989:379, n.os 18 a 20, e de 16 de julho de 1992, Asociación Española de Banca Privada e o., C‑67/91, Colet., EU:C:1992:330, n.os 39 e 55).

83      No caso em apreço, a recorrente não acusa a Comissão de não ter dado início a um procedimento em matéria de auxílios de Estado com base em informações recolhidas no âmbito do procedimento em matéria de concentração, mas acusa‑a de não ter tido em conta estas últimas no âmbito do procedimento em matéria de auxílios já em curso. Por conseguinte, há que considerar que, em aplicação da jurisprudência acima referida no n.° 82, a Comissão tinha, pelo menos, o direito, no âmbito do procedimento em matéria de auxílios de Estado, de pedir a apresentação de informações ou de documentos de que tinha tido conhecimento no âmbito do procedimento em matéria de concentração, se essas informações ou documentos fossem pertinentes para efeitos do exame do auxílio em causa.

84      Além disso, a recorrente defende com base em vários acórdãos dos tribunais da União, que se pode derrogar a proibição prevista no artigo 17.°, n.° 1, do Regulamento sobre as concentrações se existir uma conexão entre diferentes procedimentos instaurados na Comissão. Considera que, no caso em apreço, essa conexão entre o procedimento em matéria de concentração e o procedimento em matéria de auxílios estatais é constituída pela restruturação do grupo HCH e pela venda dos ativos da antiga sociedade ACC Austria, bem como pelas consequências daí decorrentes para a ACC Compressors.

85      A este título, resulta da jurisprudência que a Comissão deve, por princípio, evitar as incoerências que possam surgir na aplicação das diferentes disposições do direito da União. Esta obrigação de a Comissão respeitar a coerência entre as disposições do Tratado relativas aos auxílios de Estado e outras disposições do Tratado impõe‑se muito em especial quando essas outras disposições têm também como objetivo garantir uma concorrência não falseada no mercado interno (v. acórdãos de 31 de janeiro de 2001, Mining/Comissão, T‑156/98, Colet., EU:T:2001:29, n.° 112 e jurisprudência referida).

86      De onde resulta designadamente que, ao adotar uma decisão sobre a compatibilidade de um auxílio com o mercado interno, a Comissão não pode ignorar o risco de a concorrência no mercado comum ser afetada por determinados operadores económicos (acórdão RJB Mining/Comissão, n.° 85, supra, EU:T:2001:29, n.° 113). Por analogia, deve considerar‑se que, ao adotar uma decisão sobre a compatibilidade de um auxílio de Estado, a Comissão deve ter em conta as consequências de uma concentração que esteja a apreciar nesse momento no âmbito de outro procedimento, na medida em que as condições dessa concentração possam influenciar a apreciação da afetação da concorrência suscetível de ser induzida pelo auxílio em causa. Se for caso disso, a Comissão pode, então, ter de dirigir uma questão ao Estado‑Membro em causa, a fim de introduzir as informações em questão no procedimento em matéria de auxílios de Estado.

87      Ora, uma vez que o litígio sobre as patentes não era pertinente para efeitos da apreciação da compatibilidade do auxílio controvertido com o mercado interno (v. n.os 37 e 39, supra), essa obrigação não existia no caso em apreço.

88      Daqui resulta que o primeiro e o terceiro fundamentos, conforme reformulados, devem ser rejeitados.

89      Dado que todos os fundamentos da recorrente foram rejeitados, há que negar provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

90      Nos termos do artigo 134.°, n.° 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas, em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Primeira Secção),

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Secop GmbH é condenada nas despesas.

Kanninen

Pelikánová

Buttigieg

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 1 de março de 2016.

Assinaturas

Índice


Antecedentes do litígio

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação dos Tratados

Quanto à primeira e segunda partes do segundo fundamento, relativas à violação do artigo 107.°, n.° 3, alínea c), TFUE e à violação do artigo 108.°, n.os 2 e 3, TFUE

— Resenha da jurisprudência pertinente

— Quanto à alegada qualidade de empresa nova da ACC Compressors

— Quanto ao facto de alegadamente o auxílio controvertido apenas «retardar o inevitável»

— Quanto à tomada em conta dos auxílios anteriores pretensamente recebidos

— Quanto à tomada em conta da venda com prejuízo pretensamente praticada pela ACC Compressors

— Quanto aos cálculos apresentados pela Comissão

Quanto à primeira parte do segundo fundamento, relativa à violação do princípio da igualdade de tratamento

Quantos ao primeiro e terceiro fundamentos conforme reformulados, relativos à falta de instrução e a erros de apreciação

Quanto ao alcance da obrigação de instrução da Comissão no âmbito da fase preliminar de exame

Quanto à proibição de a Comissão utilizar para outros fins as informações recolhidas num procedimento em matéria de concentração

Quanto às despesas


* Língua do processo: alemão.