Language of document : ECLI:EU:C:2017:407

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

YVES BOT

apresentadas em 30 de maio de 2017 (1)

Processo C165/16

Toufik Lounes

contra

Secretary of State for the Home Department

[pedido de decisão prejudicial apresentado pela High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court) [Supremo Tribunal de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Divisão do Foro da Rainha (Secção Administrativa), Reino Unido]

«Reenvio prejudicial — Cidadania da União — Artigo 21.° TFUE — Diretiva 2004/38/CE — Titulares — Cidadão da União que adquiriu a nacionalidade do Estado‑Membro de acolhimento mantendo a sua nacionalidade de origem — Efeitos da aquisição da nacionalidade do Estado‑Membro de acolhimento pelo cidadão da União sobre o benefício dos direitos conferidos pela Diretiva 2004/38 — Direito de residência, nesse Estado‑Membro, de um membro da família desse cidadão, nacional de um país terceiro»






I.      Introdução

1.        Um cidadão da União, que exerceu os seus direitos de livre circulação e de residência em conformidade com a Diretiva 2004/38/CE (2) e que, posteriormente, adquiriu a nacionalidade do Estado‑Membro de acolhimento, pode ainda invocar em seu benefício e/ou do seu cônjuge, nacional de um país terceiro, direitos e liberdades conferidos pela referida diretiva, tendo em conta o âmbito de aplicação pessoal desta?

2.        Esta é, em substância, a questão que o presente reenvio prejudicial suscita.

3.        Com efeito, esta questão coloca‑se na medida em que, nos termos do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, são «titulares» dos direitos conferidos por esta «todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como [os] membros das suas famílias, […] que os acompanhem ou que a eles se reúnam» (3).

4.        Por conseguinte, o Tribunal de Justiça é interrogado sobre a questão de saber se o facto de um cidadão da União obter a nacionalidade do Estado‑Membro para onde se deslocou e no qual residiu nos termos desta diretiva o pode privar, e ao seu cônjuge, nacional de um país terceiro, dos direitos que adquiriu anteriormente nos termos desta diretiva e dos quais beneficiou plenamente até aqui.

5.        Esta é a posição adotada pelo Secretary of State for the Home Department (Ministro do Interior, Reino Unido) no presente processo e defendida pelo Reino Unido.

6.        Com efeito, no litígio que o opõe a Toufik Lounes, de nacionalidade argelina, o Ministro do Interior indeferiu o seu pedido de título de residência, pelo facto de a sua esposa, cidadã da União, ter adquirido a nacionalidade britânica, por naturalização, facto que a exclui doravante do âmbito de aplicação da Diretiva 2004/38.

7.        Trata‑se de um caso concreto até agora inédito, mas que se enquadra, como esclarece o juiz de reenvio, num processo piloto no Reino Unido (4).

8.        O acórdão que será proferido não esgotará todas as dificuldades que o âmbito de aplicação pessoal desta diretiva suscita. Antes de mais, revestirá uma importância prática, uma vez que as hipóteses em que os cidadãos da União queiram ser naturalizados no Estado‑Membro de acolhimento podem ser frequentes, e, depois, teórica, uma vez que essa decisão contribuirá, no seguimento da jurisprudência do Tribunal de Justiça, para a edificação do estatuto de cidadão da União.

9.        A este respeito, o acórdão de 12 de março de 2014, O. e B. (5), no qual o Tribunal de Justiça interpretou o âmbito de aplicação pessoal da referida diretiva, é, na nossa opinião, revelador do tipo de raciocínio que aquele entende seguir num contencioso como o que está em causa e permite, por conseguinte, estabelecer uma grelha de interpretação útil para a resposta que deve ser dada ao juiz de reenvio no âmbito do presente processo.

10.      Assim, nas presentes conclusões, exporemos as razões pelas quais um cidadão da União que, à semelhança de Perla Nerea García Ormazábal no presente processo, adquiriu a nacionalidade do Estado‑Membro para onde se deslocou e no qual residiu nos termos da Diretiva 2004/38, já não se enquadra no conceito de «titular» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva, de forma que esta última não é aplicável nem à própria nem ao membro da sua família, nacional de um país terceiro.

11.      No entanto, explicaremos que o efeito útil dos direitos conferidos pelo artigo 21.°, n.° 1, TFUE determina que, numa situação como a que está em causa, o cidadão da União que adquiriu a nacionalidade do Estado‑Membro no qual residiu de forma efetiva, ao abrigo e no respeito das condições enunciadas no artigo 16.° da referida diretiva e constituiu, nessa altura, uma vida de família com um nacional de um país terceiro não pode ter um tratamento menos favorável do que o de que beneficiou no referido Estado, nos termos da Diretiva 2004/38, antes da sua naturalização, e do que o que lhe seria reconhecido nos termos do direito da União se se deslocasse para um outro Estado‑Membro.

 II.      Quadro jurídico

 A.      Direito da União

 1.      Disposições do Tratado FUE

12.      Nos termos do artigo 21.°, n.° 1, TFUE, «[q]ualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros, sem prejuízo das limitações e condições previstas nos Tratados e nas disposições adotadas em sua aplicação».

 2.      Diretiva 2004/38

13.      O artigo 1.° desta diretiva dispõe:

«A presente diretiva estabelece:

a)      As condições que regem o exercício do direito de livre circulação e residência no território dos Estados‑Membros pelos cidadãos da União e membros das suas famílias;

b)      O direito de residência permanente no território dos Estados‑Membros para os cidadãos da União e membros das suas famílias;

[…]»

14.      Nos termos do artigo 2.° da referida diretiva:

«Para os efeitos da presente diretiva, entende‑se por:

1)      “Cidadão da União”: qualquer pessoa que tenha a nacionalidade de um Estado‑Membro;

2)      “Membro da família”:

a)      O cônjuge;

[…]

3)      “Estado‑Membro de acolhimento”: o Estado‑Membro para onde se desloca o cidadão da União a fim de aí exercer o seu direito de livre circulação e residência.»

15.      O artigo 3.° da Diretiva 2004/38, com a epígrafe «Titulares» prevê, no seu n.° 1:

«A presente diretiva aplica‑se a todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num Estado‑Membro que não aquele de que são nacionais, bem como aos membros das suas famílias, na aceção do ponto 2 do artigo 2.°, que os acompanhem ou que a eles se reúnam.»

16.      O artigo 16.° desta diretiva, com a epígrafe «Regra geral para os cidadãos da União e membros das suas famílias», enuncia:

«1.      Os cidadãos da União que tenham residido legalmente por um período de cinco anos consecutivos no território do Estado‑Membro de acolhimento, têm direito de residência permanente no mesmo. Este direito não está sujeito às condições previstas no capítulo III.

2.      O n.° 1 aplica‑se igualmente aos membros da família que não tenham a nacionalidade de um Estado‑Membro e que tenham residido legalmente com o cidadão da União no Estado‑Membro de acolhimento por um período de cinco anos consecutivos.

[…]»

 B.      Direito do Reino Unido

17.      A Diretiva 2004/38 foi transposta para o direito do Reino Unido pelas Immigration (European Economic Area) Regulations 2006 (2006/1003) [Regulamento de 2006 sobre a imigração [Espaço Económico Europeu (EEE)], a seguir «Regulamento 2006/1003»]. Este regulamento utiliza a expressão «nacional do EEE» em vez de «cidadão da União».

18.      Na sua versão inicial, a Regulation 2 do referido regulamento definia o conceito de «nacional do EEE» como «qualquer nacional de um Estado do EEE», esclarecendo que o Reino Unido estava excluído do conceito de «Estado do EEE».

19.      Na sequência de duas alterações sucessivas (6), a Regulation 2 do Regulamento 2006/1003 dispõe atualmente o seguinte:

«Entende‑se por: “nacional do EEE” qualquer nacional de um Estado do EEE que não seja também cidadão britânico.»

20.      As Regulations 6, 7, 14 e 15 desse regulamento asseguram a transposição, transcrevendo‑as, em substância, dos artigos 2.°, 7.° e 16.° da Diretiva 2004/38.

II.    Factos e questão prejudicial

21.      P. García Ormazábal, cidadã espanhola, entrou no Reino Unido em setembro de 1996 para prosseguir os estudos antes de ser contratada a tempo inteiro pela embaixada da Turquia em Londres, a partir de setembro de 2004. Em 12 de agosto de 2009, adquiriu a nacionalidade britânica, por naturalização, e foi‑lhe emitido um passaporte britânico, mantendo também a sua nacionalidade espanhola.

22.      T. Lounes, de nacionalidade argelina, entrou no Reino Unido, em 20 de janeiro de 2010, com um visto de turismo de seis meses e em seguida, findo esse período, permaneceu ilegalmente no território britânico. P. García Ormazábal começou uma relação com T. Lounes em 2013. P. García Ormazábal e T. Lounes casaram religiosamente em 1 de janeiro de 2014, e depois civilmente em Londres, em 16 de maio de 2014. Residem desde então no Reino Unido.

23.      Em 15 de abril de 2014, T. Lounes pediu ao Ministro do Interior a emissão de um título de residência na qualidade de membro da família de um nacional do EEE, nos termos do Regulamento 2006/1003, que transpõe a Diretiva 2004/30 para o ordenamento jurídico do Reino Unido.

24.      Em 14 de maio de 2014, este foi notificado de um parecer, acompanhado de uma decisão de afastamento do Reino Unido, pelo facto de ter excedido o tempo de permanência autorizado nesse Estado em violação dos controlos em matéria de imigração.

25.      Além disso, por carta de 22 de maio de 2014, o Ministro do Interior informou T. Lounes que o seu pedido de título de residência tinha sido indeferido. Esta carta indicava que, na sequência da alteração da Regulation 2 do Regulamento 2006/1003, pelos Regulamentos 2012/1547 e 2012/2560, P. García Ormazábal já não era considerada «nacional do EEE», uma vez que tinha adquirido a nacionalidade britânica em 12 de agosto de 2009, e isso embora tenha conservado também a nacionalidade espanhola. Consequentemente, já não beneficiava dos direitos conferidos por esse primeiro regulamento e pela Diretiva 2004/38 no Reino Unido. Portanto, T. Lounes não podia pedir um título de residência na qualidade de membro da família de um nacional do EEE ao abrigo do referido regulamento.

26.      Com efeito, resulta da decisão de reenvio que os cidadãos britânicos que também tenham nacionalidade de outro Estado‑Membro do EEE eram anteriormente considerados nacionais do EEE na aceção da Regulation 2 do Regulamento 2006/1003 e, por conseguinte, podiam beneficiar dos direitos conferidos por este regulamento. Ora, tal já não é assim desde a entrada em vigor dessa alteração. Consequentemente, em 22 de maio de 2014, T. Lounes interpôs recurso da decisão acima mencionadano órgão jurisdicional de reenvio.

27.      Este tem dúvidas quanto à compatibilidade da Regulation 2 do Regulamento 2006/1003, conforme alterado pelos Regulamentos 2012/1547 e 2012/2560, com o direito da União e, em especial, com o artigo 21.° TFUE e com a Diretiva 2004/38.

28.      A este respeito, esclarece que essa alteração dá seguimento ao acórdão de 5 de maio de 2011, McCarthy (7), no qual o Tribunal de Justiça declarou que a Diretiva 2004/38 não é aplicável a um cidadão da União que nunca tenha feito uso do seu direito de livre circulação, que sempre tenha residido num Estado‑Membro do qual possui a nacionalidade e que possua, além disso, a nacionalidade de outro Estado‑Membro.

29.      Ora, no caso em apreço, não pode ser contestado que, antes de obter a nacionalidade britânica, P. García Ormazábal fez uso da sua liberdade de circulação e adquiriu um direito de residência no Reino Unido enquanto nacional espanhola ao abrigo da Diretiva 2004/38.

30.      Neste contexto, o órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se assim quanto à questão de saber se, como sustenta o Ministro do Interior, P. García Ormazábal e o membro da sua família perderam o benefício dos direitos conferidos por esta diretiva no Reino Unido a partir da data em que esta foi naturalizada neste Estado‑Membro, ou se, como alega T. Lounes, embora tenha obtido a nacionalidade britânica, P. García Ormazábal deve continuar a ser considerada «titular» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da referida diretiva, de forma que esta e o membro da sua família que a acompanha podem ainda invocar direitos garantidos por este diploma. O órgão jurisdicional de reenvio interroga‑se também sobre se a resposta a esta questão pode diferir consoante P. García Ormazábal disponha de um direito de residência por mais de três meses ao abrigo do artigo 7.° da Diretiva 2004/38 ou de um direito de residência permanente no Reino Unido, baseado no artigo 16.° desta diretiva.

31.      Nestas condições, a High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court) [Supremo Tribunal de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Divisão do Foro da Rainha (Secção Administrativa), Reino Unido] decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Num caso em que uma nacional espanhola e cidadã da União:

i)      se desloca para o Reino Unido, no exercício do seu direito de livre circulação nos termos da Diretiva [2004/38]; e

ii)      reside no Reino Unido, no exercício do direito conferido pelo artigo 7.° ou pelo artigo 16.° da Diretiva [2004/38]; e

iii)      adquire posteriormente a cidadania britânica, que acumula com a nacionalidade espanhola, passando a ter dupla nacionalidade; e

iv)      vários anos depois de obter a cidadania britânica, casa com um nacional de um país terceiro, com quem vive no Reino Unido;

são ambos os cônjuges considerados titulares dos direitos conferidos pela Diretiva 2004/38, na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da diretiva, se a referida nacional residir no Reino Unido e for nacional espanhola e cidadã britânica?»

 IV.      Análise

32.      Com a sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta ao Tribunal de Justiça se um cidadão da União que, como P. García Ormazábal, adquiriu a nacionalidade do Estado‑Membro no qual residiu de maneira efetiva e permanente, ao abrigo do artigo 16.° da Diretiva 2004/38, é abrangido pelo conceito de «titular» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva, de forma que o seu cônjuge, nacional de um país terceiro, pode efetivamente aspirar a um direito de residência derivado no referido Estado.

33.      Por conseguinte, o Tribunal de Justiça é interrogado sobre a questão de saber se, com fundamento nas disposições do direito da União, um Estado‑Membro tem legitimidade para recusar o direito de residência a um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, quando este último, depois de ter exercido os seus direitos à liberdade de circulação e de residência em conformidade com a Diretiva 2004/38, adquiriu a nacionalidade desse Estado, conservando a sua nacionalidade de origem.

34.      Antes de abordar a análise desta questão, importa fazer uma observação preliminar.

35.      Com efeito, parece‑nos importante assinalar que, contrariamente ao que parece sugerir o Governo do Reino Unido, a situação em causa não pode ser equiparada a uma situação puramente interna. Embora P. García Ormazábal seja atualmente cidadã britânica, o reconhecimento de um direito de residência a favor do seu cônjuge, nacional de um país terceiro, não depende apenas das disposições da sua legislação nacional.

36.      Em primeiro lugar, numa situação como a que está em causa, é patente o fator de conexão com o direito da União, em especial, com as disposições da Diretiva 2004/38.

37.      Com efeito, foi em consequência do próprio exercício dos seus direitos de livre circulação e de residência que P. García Ormazábal pôde beneficiar de um direito de residência permanente no Reino Unido e foi com fundamento nesse título de residência permanente e regular, emitido com base no artigo 16.° desta diretiva, que adquiriu a nacionalidade britânica, em conformidade com a legislação desse Estado (8).

38.      Por conseguinte, há um nexo indissociável entre o exercício dos direitos que a referida diretiva conferiu a P. García Ormazábal e a aquisição por esta última da nacionalidade britânica. Consequentemente, consideramos que o Reino Unido não pode, atualmente, e apenas pelo facto de esta ter sido naturalizada nesse Estado, ignorar os direitos que ela exerceu com fundamento no direito derivado da União, como também não pode ignorar que ela conservou a sua nacionalidade de origem, a saber, a nacionalidade espanhola.

39.      Portanto, é manifesto que a situação de um cidadão da União que, como P. García Ormazábal, foi colocado, devido à sua naturalização, numa situação que pode levar à perda dos direitos conferidos pela Diretiva 2004/38 se enquadra, pela sua natureza e consequências, no direito da União.

40.      Em segundo lugar, importa recordar que, embora a definição das condições de aquisição e da perda da nacionalidade seja efetivamente, e em conformidade com o direito internacional, da competência de cada Estado‑Membro, resulta, no entanto, de jurisprudência constante que essa competência deve ser exercida no respeito do direito da União (9). Assim, o Tribunal de Justiça declarou no processo que deu origem ao acórdão de 2 de março de 2010, Rottmann (10), relativo a uma decisão de retirada de uma naturalização, que essa competência, quando é exercida em relação a um cidadão da União e quando afeta os direitos conferidos e protegidos pela ordem jurídica da União, é suscetível de fiscalização jurisdicional à luz do direito da União.

41.      Por conseguinte, o facto de uma matéria ser da competência dos Estados‑Membros não impede que, numa situação como a que está em causa, que se enquadra manifestamente no direito da União, as regras nacionais em questão devam respeitar este último.

42.      Dito isto, importa agora examinar a questão que o juiz de reenvio nos submete.

43.      O seu exame exige antes de mais a análise da questão de saber se P. García Ormazábal pode ser abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/38, enquanto «titular», na aceção do artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva, dos direitos que a mesma confere.

44.      Esta análise preliminar impõe‑se para determinar se um nacional de um país terceiro, como o seu cônjuge — que, na aceção do artigo 2.°, ponto 2, alínea a), da diretiva, é efetivamente um membro da sua família — pode beneficiar de um direito de residência derivado, baseado na Diretiva 2004/38.

45.      Com efeito, recordamos que as disposições desta diretiva não conferem nenhum direito autónomo aos nacionais de Estados terceiros (11). Conforme resulta de jurisprudência constante, os eventuais direitos conferidos aos nacionais de Estados terceiros pelas disposições do direito da União respeitantes à cidadania da União não são direitos próprios, mas direitos derivados do exercício da liberdade de circulação e de residência por parte de um cidadão da União. Deste modo, um direito de residência derivado a favor de um nacional de um Estado terceiro apenas existe, em princípio, quando for necessário para assegurar o exercício efetivo, por parte de um cidadão da União, dos seus direitos de circular e de residir livremente nesta (12).

46.      Se devêssemos considerar que estas duas pessoas também não se enquadram no conceito de «titulares» dos direitos conferidos pela referida diretiva, na aceção do seu artigo 3.°, n.° 1, haveria então que verificar se T. Lounes pode, contudo, beneficiar de um direito de residência derivado baseado diretamente nas disposições do Tratado FUE relativas à cidadania da União.

 A.      Quanto à qualidade de «titular» de P. García Ormazábal na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38

47.      Nos termos do artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva, são «titulares» dos direitos que esta confere «todos os cidadãos da União que se desloquem ou residam num EstadoMembro que não aquele de que são nacionais, bem como [os] membros das suas famílias […] que os acompanhem ou que a eles se reúnam» (13).

48.      Assim, esta disposição faz da nacionalidade um critério determinante do âmbito de aplicação pessoal da referida diretiva, pelo que o facto de P. García Ormazábal ter adquirido a nacionalidade do Estado‑Membro de acolhimento gerou evidentemente na sua esfera uma alteração de regime jurídico. É neste fundamento que o Reino Unido se apoia para demonstrar que P. García Ormazábal já não pode ser abrangida por esta definição, em consequência da sua naturalização.

49.      Embora seja evidente que P. García Ormazábal estava abrangida pelo âmbito de aplicação da Diretiva 2004/38 quando exerceu a sua liberdade de circulação ao deixar Espanha, isto é, o seu Estado‑Membro de origem, para se deslocar em setembro de 1996 para o Reino Unido para aí residir, primeiro como estudante e depois como trabalhadora da embaixada da Turquia (14), a circunstância de esta ter adquirido, em 12 de agosto de 2009, a nacionalidade do Estado‑Membro de acolhimento, onde residiu de maneira contínua e ininterrupta desde 1996, exclui‑a atualmente do âmbito de aplicação ratione personae desta diretiva.

50.      Com efeito, embora seja verdade que, em conformidade com jurisprudência constante, as disposições da referida diretiva não devem ser interpretadas de maneira restritiva, não há a menor dúvida de que a redação do seu artigo 3.°, n.° 1, conforme interpretada pelo Tribunal de Justiça, limita efetivamente o respetivo âmbito de aplicação pessoal aos cidadãos da União que residem num Estado‑Membro diferente do Estado de que são nacionais.

51.      Por conseguinte, alargar o âmbito de aplicação pessoal da diretiva a um cidadão da União que, à semelhança de P. García Ormazàbal, adquiriu a nacionalidade do Estado‑Membro de acolhimento, levaria a reequacionar a própria redação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38 e uma jurisprudência firmemente assente do Tribunal de Justiça.

52.      Com efeito, há que remeter para a interpretação que este estabeleceu do âmbito de aplicação pessoal da diretiva no acórdão O. e B., interpretação que, na nossa opinião, é reveladora do tipo de raciocínio que considera seguir em situações como as que estão em causa e que permite orientar a resposta para a questão submetida pelo juiz de reenvio.

53.      Este processo dizia respeito à recusa oposta pelas autoridades neerlandesas à emissão a favor de O. (15) e B. (16) de uma declaração que certificasse a sua residência regular nos Países Baixos enquanto membro da família de um cidadão da União, o qual, depois de ter exercido o seu direito de livre circulação com fundamento no artigo 21.°, n.° 1, TFUE, tinha regressado ao seu Estado‑Membro de origem.

54.      O juiz de reenvio interrogava o Tribunal de Justiça, nomeadamente, sobre a questão de saber se as disposições da Diretiva 2004/38 e o artigo 21.°, n.° 1, TFUE deviam ser interpretados no sentido de que se opunham a que um Estado‑Membro recusasse tal direito de residência.

55.      Na linha dos acórdãos de 7 de julho de 1992, Singh (17) e de 11 de dezembro de 2007, Eind (18), o Tribunal de Justiça precisou então as condições em que os nacionais de países terceiros, membros da família de um cidadão da União, podem beneficiar, ao abrigo do direito da União, de um direito de residência derivado para residir com esse cidadão da União no Estado‑Membro de que este último é nacional.

56.      O Tribunal de Justiça afastou a aplicabilidade desta diretiva, declarando que um nacional de um Estado terceiro, membro da família de um cidadão da União, não pode invocar, com base nesta diretiva, um direito de residência derivado no Estado‑Membro de que esse cidadão é nacional (19).

57.      Para o efeito, o Tribunal de Justiça baseou‑se numa interpretação literal, sistemática e teleológica das disposições da referida diretiva.

58.      Os termos do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38, assim como a redação do artigo 6.°, do artigo 7.°, n.os 1 e 2, e do artigo 16.°, n.os 1 e 2, desta — que regulam o direito de residência de um cidadão da União e o direito de residência derivado dos membros da sua família num «outro Estado‑Membro» ou no «Estado‑Membro de acolhimento» — confirmam efetivamente que estas disposições regem a situação jurídica de um cidadão da União que exerceu o seu direito de livre circulação, estabelecendo‑se num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional (20).

59.      Além disso, a finalidade da diretiva demonstra que esta não se destina a ser aplicada a um cidadão da União que goza de um direito de residência incondicional pelo facto de residir no Estado‑Membro de que é nacional.

60.      Com efeito, conforme resulta dos termos do artigo 1.°, alínea a), desta diretiva, esta tem apenas como objetivo regular as condições de exercício do direito de livre circulação e residência no território dos Estados‑Membros (21). Ora, na medida em que, em conformidade com um princípio de direito internacional, os cidadãos nacionais beneficiam de um direito de residência incondicional no seu Estado por força do direito nacional — não podendo este último recusar‑lhes o direito de entrar no seu território e de aí permanecer (22) — o Tribunal de Justiça considerou, consequentemente, que «a Diretiva 2004/38 visa apenas regular as condições de entrada e de residência de um cidadão da União nos Estados‑Membros diferentes daquele de que é nacional» (23).

61.      Assim, embora a aquisição da nacionalidade do Estado‑Membro de acolhimento se insira, na nossa opinião, no prolongamento da integração do cidadão da União nesse Estado, que esta diretiva visa, há que constatar, no entanto, que, tendo em conta o seu âmbito de aplicação pessoal, essa alteração do estado civil exclui ipso facto esse cidadão da União do benefício dos direitos conferidos pela diretiva.

62.      Embora isto possa parecer paradoxal, não deixa de ser verdade que alargar o âmbito de aplicação pessoal da referida diretiva a um cidadão da União que, à semelhança de P. García Ormazábal, adquiriu a nacionalidade do Estado‑Membro de acolhimento, levaria a reequacionar a própria redação do artigo 3.°, n.° 1, da Diretiva 2004/38 e uma jurisprudência firmemente assente do Tribunal de Justiça.

63.      Assim, há que admitir que, apesar da evidente relação existente entre o exercício dos direitos que esta diretiva conferiu a P. García Ormazábal e a aquisição por esta da nacionalidade britânica, a sua situação jurídica foi profundamente alterada em consequência da sua naturalização tanto à luz do direito da União como do direito nacional.

64.      Na medida em que P. García Ormazábal já não é abrangida pelo conceito de «titular» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, da referida diretiva, o seu cônjuge também não é abrangido por este conceito, uma vez que, como referimos (24), os direitos conferidos por esta diretiva aos membros da família de um titular não são direitos próprios, mas apenas direitos derivados daqueles de que goza o cidadão da União.

65.      Tendo em conta estes elementos, um cidadão da União que tenha adquirido a nacionalidade do Estado‑Membro no qual residiu, de maneira efetiva e permanente, ao abrigo do artigo 16.° da Diretiva 2004/38 não é abrangido pelo conceito de «titular» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva, pelo que esta última não é aplicável nem a ele próprio nem aos membros da sua família.

66.      Isto significa que um nacional de um país terceiro que se encontre numa situação como a de T. Lounes não pode beneficiar, mesmo com fundamento nas disposições da Diretiva 2004/38, de um direito de residência derivado no Estado‑Membro de que o seu cônjuge tem atualmente a nacionalidade, a saber, no caso em apreço, o Reino Unido.

67.      Não obstante, isso não implica que este se encontra privado da possibilidade de obter um direito de residência derivado com fundamento nas disposições do Tratado, em especial, no artigo 21.°, n.° 1, TFUE.

 B.      Quanto à existência de um direito de residência derivado fundado nas disposições do artigo 21.°, n.° 1, TFUE

68.      Recordamos que, por força do artigo 21.°, n.° 1, TFUE, e sem prejuízo das suas medidas de aplicação, os Estados‑Membros devem permitir aos cidadãos da União que não sejam os seus nacionais circular e permanecer no seu território com o seu cônjuge e, eventualmente, certos membros da sua família que não sejam cidadãos da União.

69.      Esta disposição é interpretada de uma maneira extremamente dinâmica pelo Tribunal de Justiça em situações em que, devido ao regresso do cidadão da União ao seu Estado‑Membro de origem, a Diretiva 2004/38 deixa de lhe ser aplicável, de forma que já nem ele próprio nem os membros da sua família podem beneficiar dos direitos conferidos por esta diretiva.

70.      Para garantir o efeito útil do artigo 21.°, n.° 1, TFUE nessas situações, o Tribunal de Justiça aplica por analogia as disposições da Diretiva 2004/38.

71.      No acórdão O. e B., o Tribunal de Justiça estabelece o princípio de um direito ao regresso do cidadão da União ao seu Estado‑Membro de origem em que as condições, no que se refere à atribuição, nesse Estado, de um direito de residência derivada ao nacional de um país terceiro, membro da sua família, não podem ser mais restritivas que as previstas por esta diretiva.

72.      É esta residência efetiva no Estado‑Membro de acolhimento do cidadão da União e do membro da sua família, nacional de um país terceiro, nos termos e no respeito das condições enunciadas, respetivamente, no artigo 7.°, n.os 1 e 2, ou no artigo 16.° da referida diretiva, que cria, aquando do regresso desse cidadão da União ao Estado‑Membro de que é nacional, um direito de residência derivado, com fundamento no artigo 21.°, n.° 1, TFUE, a favor do nacional de um país terceiro com quem o referido cidadão constituiu uma vida familiar no Estado‑Membro de acolhimento. O Tribunal de Justiça procura evitar qualquer forma de entrave suscetível de inibir o direito fundamental à livre circulação garantido pelo direito da União ao estabelecer que as condições de concessão desse direito de residência, no Estado‑Membro de origem do cidadão da União, não sejam mais rigorosas do que as previstas pela Diretiva 2004/38 para a concessão desse direito de residência derivado a um nacional do país terceiro, membro da família de um cidadão da União que exerceu o seu direito de livre circulação ao estabelecer‑se num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional.

73.      O Tribunal de Justiça baseou‑se, nesse caso, nos princípios que tinha precedentemente desenvolvido nos acórdãos de 7 de julho de 1992, Singh (25), e de 11 de dezembro de 2007, Eind (26).

74.      Estes dois processos respeitavam a cidadãos da União que, depois de terem exercido os seus direitos de circular e de permanecer livremente no território da União, regressaram ao seu Estado‑Membro de origem para aí residirem.

75.      Apesar de a Diretiva 2004/38 não ser aplicável, o Tribunal de Justiça declarou que, quando o cidadão da União usa da sua liberdade de circulação e regressa ao Estado‑Membro de que é nacional, o seu cônjuge, nacional de país terceiro, deve beneficiar de um direito de residência derivado neste último Estado, em condições «pelo menos equivalentes às de que dispõe, por força do Tratado ou do direito derivado, no território de outro Estado‑Membro» (27). Assim, deve dispor pelo menos dos mesmos direitos de entrada e de residência que os que lhe seriam reconhecidos pelo direito da União se o cidadão em questão optasse por entrar e residir noutro Estado‑Membro.

76.      Estes dois acórdãos mostram, em substância, que, quando um cidadão da União, depois de se ter deslocado para outro Estado‑Membro e de aí ter residido, regressa ao Estado‑Membro de que é nacional, este último não pode reconhecer ao seu próprio nacional e aos membros da família que o acompanhem ou que a ele se reúnam um tratamento menos favorável do que o que lhe era aplicável no Estado‑Membro de acolhimento.

77.      A ratio decidendi dessa solução deve‑se à constatação de que, se esse nacional de um país terceiro não dispusesse desse direito, o trabalhador, cidadão da União, podia ser dissuadido de abandonar o Estado‑Membro de que é nacional a fim de exercer uma atividade por conta de outrem no território de outro Estado‑Membro, pelo facto de esse trabalhador não ter a certeza de poder prosseguir, após o seu regresso ao Estado‑Membro de origem, uma vida em família eventualmente iniciada, por efeito do casamento ou do reagrupamento familiar, no Estado‑Membro de acolhimento (28). Estava assim consagrada a ideia de que podia existir, em tais circunstâncias, uma forma de entrave à saída do Estado‑Membro de origem.

78.      No acórdão O. e B., o Tribunal de Justiça transpõe mutatis mutandis essa análise (29). Para evitar essa forma de entrave, suscetível de inibir o direito fundamental à livre circulação garantido pelo direito da União, o Tribunal de Justiça desenvolve então o princípio de um direito ao regresso ao Estado‑Membro de origem cujas condições, no que se refere à concessão, no referido Estado, de um direito de residência derivado ao nacional do país terceiro, membro da família de um cidadão da União, não podem ser mais rigorosas do que as previstas pela Diretiva 2004/38.

79.      A solução desenvolvida pelo Tribunal de Justiça no acórdão O. e B., na medida em que prevê uma aplicação por analogia das disposições da Diretiva 2004/38 em caso de regresso do cidadão da União ao Estado‑Membro de que é nacional, parece‑nos transponível para o presente processo.

80.      É certo que esse processo apresenta diferenças factuais com o que nos é submetido para apreciação.

81.      No processo que deu origem ao acórdão O. e B., o cidadão da União deixou o Estado‑Membro de acolhimento para regressar ao seu Estado‑Membro de origem.

82.      Numa situação como a que está em causa, P. García Ormazábal não deixou efetivamente o Estado‑Membro de acolhimento, uma vez que permanece nesse Estado e optou por adquirir a nacionalidade desse Estado. Por conseguinte, não há nenhuma deslocação física.

83.      Mesmo assim, parece‑nos que os dois processos se aproximam na medida em que, ao escolher ser naturalizada no Estado‑Membro de acolhimento, P. García Ormazábal manifestou a sua vontade de viver neste último da mesma maneira que poderia viver no seu Estado‑Membro de origem, estabelecendo laços duradouros e sólidos com o Estado‑Membro de acolhimento e integrando‑se duradouramente neste. Por conseguinte, pensamos que pode ser estabelecido um paralelismo entre o raciocínio desenvolvido pelo Tribunal de Justiça no acórdão O. e B. e o que é levado a adotar no presente contencioso.

84.      Por outro lado, numa situação como a que está em causa, pensamos que se impõe uma transposição por analogia das disposições da Diretiva 2004/38 tanto mais que existe, como vimos, um nexo indissociável entre o exercício dos direitos que esta diretiva conferiu a P. García Ormazábal quando esta se deslocou para e residiu no Reino Unido e a aquisição da nacionalidade britânica por esta última. Recordamos que é com fundamento no próprio título de residência permanente conferido pelo artigo 16.° da referida diretiva que ela adquiriu a nacionalidade britânica, em conformidade com a legislação nacional aplicável.

85.      Por conseguinte, P. García Ormazábal «levou ao limite» a lógica da sua integração no Estado‑Membro de acolhimento ao pedir a sua naturalização, e isso em conformidade com o objetivo visado pelo legislador da União não só no artigo 21.°, n.° 1, TFUE, mas também no âmbito da Diretiva 2004/38, uma vez que o seu considerando 18 tende a fazer do título de residência permanente um «verdadeiro instrumento de integração» para o interessado na sociedade do Estado‑Membro de acolhimento (30). A sua permanência, que se efetuou ao abrigo e no respeito das condições enunciadas no artigo 16.° desta diretiva, testemunha manifestamente o seu caráter efetivo e corrobora o desenvolvimento e a consolidação da sua vida familiar nesse Estado‑Membro (31).

86.      Privá‑la daqui em diante dos direitos de que beneficiou até agora relativamente à permanência dos membros da sua família porque procurou, através da sua naturalização, uma maior integração no Estado‑Membro de acolhimento, aniquila o efeito útil dos direitos de que beneficia ao abrigo do artigo 21.°, n.° 1, TFUE.

87.      Na nossa opinião, tal solução é ilógica e portadora de contradições.

88.      Com efeito, a maior integração pretendida por P. García Ormazábal no Estado‑Membro de acolhimento através da naturalização levaria afinal a privá‑la dos direitos que lhe foram reconhecidos pelo direito da União relativamente ao seu cônjuge, o que poderia manifestamente comprometer a continuação da sua vida familiar nesse Estado‑Membro e, consequentemente, in fine, a integração que pretendia. Por conseguinte, o que lhe era dado com uma mão era tirado com a outra.

89.      Para manter a vida familiar que iniciou, ver‑se‑ia então forçada a deixar o território desse Estado e deslocar‑se para um outro Estado‑Membro para poder obter novamente os direitos conferidos pela Diretiva 2004/38, em especial, a possibilidade de residir com o seu cônjuge.

90.      Consequentemente, nestas condições, pensamos que o efeito útil dos direitos conferidos pelo artigo 21.°, n.° 1, TFUE, exige que um cidadão da União, como P. García Ormazábal, que adquiriu a nacionalidade do Estado‑Membro de acolhimento na sequência e em razão de uma permanência que se efetuou ao abrigo e no respeito das condições enunciadas no artigo 16.° desta diretiva, possa prosseguir a vida familiar que manteve até então nesse Estado com o seu cônjuge, nacional de um país terceiro. O tratamento de que P. García Ormazábal beneficia não deve ser menos favorável do que o que lhe foi reservado no âmbito da referida diretiva antes da sua naturalização e do que o que o direito da União lhe reconheceria se se deslocasse por último para outro Estado‑Membro.

91.      Consequentemente, tendo em conta estes elementos, consideramos que o artigo 21.°, n.° 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa, na qual um cidadão da União adquiriu a nacionalidade do Estado‑Membro no qual residiu de maneira efetiva, ao abrigo e no respeito das condições enunciadas no artigo 16.° da Diretiva 2004/38, e estabeleceu, nessa ocasião, uma vida familiar com um nacional de um país terceiro, as condições de concessão de um direito de residência derivado a este último, no referido Estado, não devem, em princípio, ser mais rigorosas do que as previstas nesta diretiva para a concessão de um direito de residência derivado a um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, que exerceu o seu direito de livre circulação ao estabelecer‑se num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional.

92.      Na medida em que um direito de residência derivado não pode, na nossa opinião, ser recusado a T. Lounes com fundamento no artigo 21.°, n.° 1, TFUE, consideramos que não há que analisar se um cidadão da União, como P. García Ormazábal pode, a este respeito, apoiar‑se nas disposições do artigo 20.° TFUE, uma vez que o efeito útil da cidadania da União de que esta última goza está, na nossa opinião, salvaguardado.

 V.      Conclusão

93.      À luz das considerações que precedem, propomos ao Tribunal de Justiça que responda nos seguintes termos à questão submetida pela High Court of Justice (England & Wales), Queen’s Bench Division (Administrative Court) [Supremo Tribunal de Justiça (Inglaterra e País de Gales), Divisão do Foro da Rainha (Secção Administrativa), Reino Unido]:

1)      Um cidadão da União que tenha adquirido a nacionalidade do Estado‑Membro no qual residiu, de maneira efetiva e permanente, ao abrigo do artigo 16.° da Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE, não é abrangido pelo conceito de «titular» na aceção do artigo 3.°, n.° 1, desta diretiva, de forma que esta última não é aplicável nem a ele próprio nem aos membros da sua família.

2)      O artigo 21.°, n.° 1, TFUE deve ser interpretado no sentido de que, numa situação como a que está em causa, na qual um cidadão da União adquiriu a nacionalidade do Estado‑Membro no qual residiu de maneira efetiva, ao abrigo e no respeito das condições enunciadas no artigo 16.° da Diretiva 2004/38, e estabeleceu, nessa ocasião, uma vida familiar com um nacional de um país terceiro, as condições de concessão de um direito de residência derivado a este último, no referido Estado, não devem, em princípio, ser mais rigorosas do que as previstas nesta diretiva para a concessão de um direito de residência derivado a um nacional de um país terceiro, membro da família de um cidadão da União, que exerceu o seu direito de livre circulação ao estabelecer‑se num Estado‑Membro diferente daquele de que é nacional.


1      Língua original: francês.


2      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados‑Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.° 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE (JO 2004, L 158, p. 77).


3      Sublinhado nosso.


4      V. n.° 65 do pedido de decisão prejudicial.


5      Acórdão de 12 de março de 2014, O. e B. (C‑456/12, a seguir «acórdão O. e B.», EU:C:2014:135), cujos princípios foram recordados no acórdão de 10 de maio de 2017, Chavez‑Vilchez (C‑133/15, EU:C:2017:354).


6      Essas alterações foram introduzidas pelas Immigration (European Economic Area) (Amendment) Regulations 2012 (2012/1547) [Regulamento de alteração relativo à imigração (Espaço Económico Europeu) de 2012 (2012/1547), a seguir «Regulamento 2012/1547»], e depois pelas Immigration (European Economic Area) (Amendment) (n.° 2) Regulations 2012 (2012/2560) [Segundo Regulamento de alteração relativo à imigração (Espaço Económico Europeu) de 2012 (2012/2560), a seguir «Regulamento 2012/2560»].


7      C‑434/09, EU:C:2011:277, n.° 43.


8      Isto foi confirmado pelo Governo britânico nos seus articulados.


9      V. acórdãos de 7 de julho de 1992, Micheletti e o. (C‑369/90, EU:C:1992:295, n.° 10); de 11 de novembro de 1999, Mesbah (C‑179/98, EU:C:1999:549, n.° 29); de 20 de fevereiro de 2001, Kaur (C‑192/99, EU:C:2001:106, n.° 19); de 19 de outubro de 2004, Zhu e Chen (C‑200/02, EU:C:2004:639, n.° 37); e de 2 de março de 2010, Rottmann (C‑135/08, EU:C:2010:104, n.° 39).


10      C‑135/08, EU:C:2010:104, n.° 48.


11      V. acórdão O. e B., n.° 36 e jurisprudência referida.


12      V., neste sentido, acórdão de 13 de setembro de 2016, Rendón Marín (C‑165/14, EU:C:2016:675, n.° 36 e jurisprudência referida).


13      Sublinhado nosso.


14      Por conseguinte, a sua situação distingue‑se das referidas no âmbito dos processos que deram origem aos acórdãos de 5 de maio de 2011, McCarthy (C‑434/09, EU:C:2011:277), e de 8 de maio de 2013, Ymeraga e o. (C‑87/12, EU:C:2013:291), nos quais os cidadãos da União nunca tinham usado do seu direito de livre circulação e sempre tinham residido no Estado‑Membro de que são nacionais.


15      O., cidadão nigeriano, tinha casado em 2006 com uma cidadã neerlandesa, com a qual tinha vivido em Espanha durante dois meses, antes de esta última ter regressado ao seu Estado‑Membro de origem, passando regularmente as suas férias em Espanha com o cônjuge até 2010. Em julho de 2010, O., titular de um documento de residência válido até setembro de 2014 em Espanha enquanto membro da família de um cidadão da União, foi instalar‑se nos Países Baixos. O seu pedido de título de residência foi indeferido.


16      B., cidadão marroquino, tinha coabitado durante alguns anos com a sua companheira neerlandesa nos Países Baixos, antes de ser declarado persona non grata em outubro de 2005. Estabeleceu‑se então na Bélgica, onde a sua companheira se lhe reunia aos fins de semana. Em abril de 2007, tendo‑lhe sido recusada a residência na Bélgica, regressou a Marrocos onde casou com a sua companheira. Em junho de 2009, tendo sido retirada a decisão que o declarava persona non grata pelo Minister voor Immigratie, Intregratie en Asiel (Ministro da Imigração, da Integração e do Asilo, Países Baixos), instalou‑se então nos Países Baixos, mas o seu pedido destinado a obter um título de residência foi indeferido em outubro de 2009.


17      C‑370/90, EU:C:1992:296.


18      C‑291/05, EU:C:2007:771.


19      N.os 37 a 43 do acórdão O. e B.


20      N.° 40 do acórdão O. e B.


21      N.° 41 do acórdão O. e B.


22      V. acórdãos de 11 de dezembro de 2007, Eind (C‑291/05, EU:C:2007:771, n.° 31), e de 5 de maio de 2011, McCarthy (C‑434/09, EU:C:2011:277, n.os 29 e 34).


23      N.° 42 do acórdão O. e B., sublinhado nosso.


24      V. n.° 34 das presentes conclusões.


25      C‑370/90, EU:C:1992:296.


26      C‑291/05, EU:C:2007:771.


27      Acórdão de 7 de julho de 1992, Singh (C‑370/90, EU:C:1992:296, n.os 19 e 21)


28      V. acórdão de 11 de dezembro de 2007, Eind (C‑291/05, EU:C:2007:771, n.os 35 e 36).


29      N.° 46 do acórdão O. e B.


30      Por conseguinte, não partilhamos desta opinião do Governo britânico na audiência, segundo a qual a Diretiva 2004/38 não tem por objetivo assegurar a integração destes titulares.


31      V., a este respeito, o raciocínio do Tribunal de Justiça no acórdão O. e B. (n.os 53 a 56) a propósito do título de residência atribuído com fundamento no artigo 7.° da diretiva.