Language of document : ECLI:EU:C:2017:985

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

20 de dezembro de 2017 (*)

«Reenvio prejudicial — Livre prestação de serviços, liberdade de estabelecimento, livre circulação de capitais e liberdade de empresa — Restrições — Atribuição de novas concessões para a gestão à distância de jogos — Princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima — Acórdão do Tribunal Constitucional — Obrigação ou não de o órgão jurisdicional nacional submeter uma questão ao Tribunal de Justiça»

No processo C‑322/16,

que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, Itália), por decisão de 4 de fevereiro de 2016, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 7 de junho de 2016, no processo

Global Starnet Ltd

contra

Ministero dell’Economia e delle Finanze,

Amministrazione Autonoma Monopoli di Stato,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: R. Silva de Lapuerta, presidente de secção, J.‑C. Bonichot, A. Arabadjiev, S. Rodin (relator) e E. Regan, juízes,

advogado‑geral: N. Wahl,

secretário: R. Schiano, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 6 de abril de 2017,

vistas as observações apresentadas:

–        em representação da Global Starnet Ltd, por B. Carbone, C. Barreca, S. Vinti e A. Scuderi, avvocati,

–        em representação do Governo italiano, por G. Palmieri, na qualidade de agente, assistida por S. Fiorentino e P. G. Marrone, avvocati dello Stato,

–        em representação do Governo belga, por M. Jacobs e L. Van den Broeck, na qualidade de agentes, assistidas por P. Vlaemminck e R. Verbeke, advocaten,

–        em representação do Governo checo, por M. Smolek e J. Vláčil, na qualidade de agentes,

–        em representação do Governo português, por L. Inez Fernandes, M. Figueiredo, A. Silva Coelho e P. de Sousa Inês, na qualidade de agentes,

–        em representação da Comissão Europeia, por L. Malferrari e H. Tserepa‑Lacombe, na qualidade de agentes,

ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 8 de junho de 2017,

profere o presente

Acórdão

1        O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos artigos 26.o, 49.o, 56.o, 63.o e 267.o TFUE, do artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, bem como do princípio geral da proteção da confiança legítima.

2        Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe a Global Starnet Ltd ao Ministero dell’Economia e delle Finanze (Ministério da Economia e das Finanças, Itália) e à Amministrazione Autonoma Monopoli di Stato (Administração Autónoma dos Monopólios do Estado, Itália, a seguir «AAMS») a propósito da fixação das condições aplicáveis à gestão em linha de jogos em máquinas de entretenimento e de lazer, bem como do aviso de concurso para a atribuição da concessão relativa à criação e à exploração da rede de gestão em linha de jogos nessas máquinas.

 Quadro jurídico

3        O artigo 1.o da legge n.o 220, Disposizioni per la formazione del bilancio annuale e pluriennale dello Stato (legge di stabilità 2011) [Lei n.o 220, que aprova disposições para a formação do orçamento anual e plurianual do Estado (Lei de estabilidade 2011)], de 13 de dezembro de 2010 (suplemento ordinário do GURI n.o 297, de 21 de dezembro de 2010, a seguir «Lei n.o 220/2010»), dispõe, no seu n.o 78, alínea b):

«[…]

4)      durante toda a concessão, o endividamento não deve exceder os limites de um rácio […] previsto por decreto do Ministério da Economia e das Finanças;

[…]

8)      estão sujeitas a autorização prévia da AAMS as operações que impliquem uma alteração subjetiva do concessionário, sob pena de caducidade da concessão, entendendo‑se por alteração subjetiva do concessionário qualquer operação de fusão, cisão, transmissão de empresa, alteração da sede ou do objeto social, dissolução da sociedade, com exceção, no entanto, das operações de venda ou de colocação das ações do concessionário num mercado regulamentado;

9)      estão sujeitas a autorização prévia da AAMS as operações que impliquem uma transmissão de participações de que o concessionário seja titular, incluindo as que conferem o controlo, e que possam provocar, no exercício em que a operação é executada, uma diminuição do índice de solidez patrimonial fixado por decreto do Ministério da Economia e das Finanças, sem prejuízo da obrigação do concessionário de, nesses casos, restabelecer o referido índice, sob pena de caducidade, através de aumentos de capital ou de outros instrumentos ou operações destinados ao restabelecimento desse índice no prazo de seis meses a contar da data da aprovação das contas;

[…]

17)      o lucro das atividades referidas no ponto 6 só pode ser afetado a finalidades diferentes das finalidades dos investimentos relacionados com as atividades objeto das concessões com base numa autorização prévia da AAMS;

[…]

23)      são previstas sanções, sob a forma de penalizações, em caso de incumprimento das cláusulas do contrato de concessão imputável ao concessionário, inclusive a título de mera culpa; as sanções são graduadas em função da gravidade do incumprimento, no respeito dos princípios da proporcionalidade e da efetividade das sanções;

[…]

25)      está previsto que, decorrido o prazo da concessão, o concessionário cessante deve prosseguir a administração ordinária das atividades de gestão e de exploração das atividades de recolha [das apostas] dos jogos objeto da concessão até à transferência da gestão e da exploração para o novo concessionário;

[…]»

4        Nos termos do artigo 1.o, n.o 79, desta lei, os concessionários para a exploração e a recolha não realizadas à distância de jogos públicos estão obrigados a assinar uma adenda ao contrato de concessão a fim de o tornar conforme com as disposições da referida lei mencionadas no número anterior.

 Litígio no processo principal e questões prejudiciais

5        A AAMS atribuiu à Global Starnet a concessão para a criação e a exploração operacional da rede de gestão em linha de jogos autorizados por lei em máquinas de entretenimento e de lazer, e de atividades conexas, com base numa disposição que previa a atribuição deste tipo de concessões aos concessionários existentes, dos quais a Global Starnet fazia parte, à margem dos processos de seleção previstos para os outros operadores de jogos.

6        Através da Lei n.o 220/2010, as condições exigidas para beneficiar das concessões para a organização e a gestão dos jogos públicos foram alteradas de tal forma que são menos favoráveis à Global Starnet. Ao abrigo dessa lei, a AAMS adotou o decreto relativo à fixação das condições aplicáveis à gestão em linha de jogos em máquinas de entretenimento e de lazer, bem como o aviso de concurso para a atribuição da concessão para a criação e a exploração da rede de gestão em linha de jogos nessas máquinas.

7        A Global Starnet recorreu desses dois atos administrativos para o Tribunale amministrativo regionale per il Lazio (Tribunal Administrativo Regional para o Lácio, Itália).

8        Uma vez que esse tribunal negou provimento ao seu recurso, a Global Starnet recorreu para o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, Itália), alegando, em primeiro lugar, que o princípio da proteção da confiança legítima foi violado, dado que a Lei n.o 220/2010 autorizou a inserção de condições de exercício da atividade do concessionário para a organização e a gestão dos jogos públicos que alteram substancialmente o contrato de concessão existente. Em seguida, defendeu que foi violado o princípio da igualdade de tratamento, na medida em que se encontra numa situação desvantajosa em relação aos novos concorrentes que não se endividaram, e que essa lei é incompatível com os princípios de direito da União que impõem a supressão de todos os obstáculos ao desenvolvimento da livre circulação de bens e da livre prestação de serviços. Por último, a Global Starnet alegou que as disposições controvertidas da Lei n.o 220/2010 são inconstitucionais, na medida em que são contrárias à liberdade de empresa, e que o aviso de concurso para a atribuição da concessão para a criação e a exploração da rede de gestão em linha de jogos em máquinas de entretenimento e de lazer é ilegal, porquanto pode conduzir à sua exclusão do processo de adjudicação do contrato.

9        Em 2 de setembro de 2013, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado) deu provimento parcial ao recurso da Global Starnet no seu acórdão não definitivo. Declarou, nomeadamente, que esta sociedade tinha sido obrigada a participar no novo processo de seleção quando, nos termos da legislação em vigor à data do contrato de concessão de que é beneficiária, não era necessário um processo de seleção para os concessionários existentes, e que lhe foi imposto um contrato menos favorável de forma ilegal, quando tinha realizado um investimento confiando no facto de que a concessão inicial prosseguiria sem solução de continuidade, permitindo ao mesmo tempo o acesso a novos concorrentes.

10      Por iniciativa do órgão jurisdicional de reenvio que suscitou a questão da constitucionalidade do artigo 1.o, n.o 79, da Lei n.o 220/2010, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional, Itália) declarou, no seu acórdão n.o 56/2015, de 31 de março de 2015, que o princípio da confiança legítima e a segurança jurídica são valores protegidos pela Constituição italiana, mas não em termos absolutos nem sem sofrer derrogações. Quanto aos concessionários de serviço público, aquele tribunal decidiu que a possibilidade de uma intervenção pública que conduza a uma alteração das condições de origem deve ser considerada inerente à relação contratual de concessão desde o seu início, o que é ainda mais provável num domínio tão sensível como o dos jogos públicos, dignos de uma atenção especial e ininterrupta do legislador nacional. Assim, não foram violados os referidos valores nem a liberdade de empresa. Além disso, no caso em apreço, os condicionalismos impostos pelas disposições em causa representam mesmo uma medida mínima de restabelecimento do princípio da igualdade de tratamento dos operadores, totalmente justificada pela situação do concessionário existente, que beneficia de uma vantagem pois não teve de participar no novo processo de seleção. Por outro lado, as disposições em causa não são manifestamente incoerentes com os objetivos fixados pelo legislador nacional nem desproporcionadas em relação ao conteúdo e à natureza da relação contratual de concessão, e não geram encargos suplementares intoleráveis. Por último, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) declarou que a suposta perda da totalidade ou de uma parte do capital investido representava, na pior das hipóteses, uma consequência apenas indireta dos condicionamentos de gestão impostos pelas disposições impugnadas e, como tal, situava‑se fora da esfera de proteção do direito a ser indemnizado.

11      Na sequência desse acórdão da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), que analisou o artigo 1.o, n.o 79, da Lei n.o 220/2010 à luz das disposições da Constituição italiana, cujo conteúdo é, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, em substância equivalente às disposições correspondentes do Tratado, este último considerou que era necessário submeter um pedido de decisão prejudicial ao Tribunal de Justiça.

12      Nestas condições, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as seguintes questões prejudiciais:

«1)      A título principal, pode o artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE ser interpretado no sentido de que não existe uma obrigação incondicional do órgão jurisdicional de última instância de reenviar a título prejudicial uma questão de interpretação do direito da União quando, no decurso do mesmo processo [nacional], a Corte Costituzionale (Tribunal Constitucional) tenha apreciado a constitucionalidade da legislação nacional, utilizando, em substância, os mesmos parâmetros normativos cuja interpretação é pedida ao Tribunal de Justiça, ainda que formalmente diferentes porque contidos em normas da Constituição, e não [em disposições] dos Tratados […]?

2)      A título subsidiário, [no] caso de o Tribunal de Justiça [responder à] questão de interpretação do artigo 267.o, [terceiro parágrafo], no sentido de que o reenvio prejudicial é obrigatório, […] as disposições e [os] princípios previstos nos artigos [26.o, 49.o, 56.o e 63.o TFUE] e [no artigo] 16.o […] da Carta dos Direitos Fundamentais da União, bem como o princípio geral da confiança legítima [que “faz parte dos princípios fundamentais da União”, como o Tribunal de Justiça afirmou no seu acórdão de 14 de março de 2013, Agrargenossenschaft Neuzelle (C‑545/11, EU:C:2013:169)], [opõem‑se] à adoção e aplicação de uma legislação nacional (artigo 1.o, [n.o 78], alínea b), n.os 4, 8, 9, 17, 23, 25, da Lei n.o 220/2010) que [impõe, inclusivamente às] entidades já concessionárias no setor da gestão [em linha de jogos autorizados por lei, novas condições e novas] obrigações, através de [uma adenda] ao contrato já existente (e sem [prever] nenhum prazo para a sua implementação gradual)?»

 Quanto às questões prejudiciais

 Quanto à primeira questão

13      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se o artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional nacional cujas decisões não são suscetíveis de recurso jurisdicional não está obrigado a proceder ao reenvio prejudicial de uma questão de interpretação do direito da União se, no âmbito do mesmo processo nacional, o Tribunal Constitucional do Estado‑Membro em causa tiver apreciado a constitucionalidade de regras nacionais à luz de normas de referência com um conteúdo análogo ao das do direito da União.

14      A título preliminar, importa observar que, antes de se dirigir ao Tribunal de Justiça, o órgão jurisdicional de reenvio suscitou na Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) uma questão de constitucionalidade das disposições de direito nacional que são também objeto da segunda questão prejudicial. Em resposta a essa questão, a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) não se pronunciou sobre a conformidade dessas disposições com o direito da União, mas com as disposições da Constituição italiana, que o órgão jurisdicional de reenvio considera serem, em substância, as mesmas normas de referência que os artigos 26.o, 49.o, 56.o e 63.o TFUE e o artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais, bem como os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima.

 Quanto à admissibilidade

15      O Governo italiano contesta a admissibilidade da primeira questão, invocando os seguintes argumentos.

16      Em primeiro lugar, o juiz nacional que decide em última instância tem uma obrigação de apreciar previamente a questão para evitar que as partes façam dela uma utilização abusiva. Em segundo lugar, não tem nenhuma razão para se questionar sobre se está obrigado a respeitar a interpretação da Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), uma vez que os acórdãos deste último que julgam improcedentes questões de constitucionalidade não vinculam o juiz nacional. Em terceiro lugar, uma vez que entendeu que a questão da constitucionalidade do direito nacional era pertinente para resolver o litígio e, portanto, submeteu as questões à Corte costituzionale (Tribunal Constitucional), o órgão jurisdicional de reenvio considerou que as normas nacionais impugnadas eram conformes com o direito da União. Em quarto lugar, a primeira questão é puramente hipotética e, como tal, inadmissível, porquanto o órgão jurisdicional de reenvio deveria ter submetido à Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) uma questão sobre a eventual incompatibilidade das normas em causa no processo principal com o direito da União antes de submeter ao Tribunal de Justiça essa questão.

17      A este respeito, cumpre recordar que, no âmbito da cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituída pelo artigo 267.o TFUE, compete apenas ao juiz nacional, a quem foi submetido o litígio e que deve assumir a responsabilidade pela decisão jurisdicional a tomar, apreciar, tendo em conta as especificidades do processo, tanto a necessidade de uma decisão prejudicial para poder proferir a sua decisão como a pertinência das questões que coloca ao Tribunal de Justiça. Consequentemente, quando a questão colocada pelo juiz nacional respeita à interpretação do direito da União, o Tribunal de Justiça é, em princípio, obrigado a decidir. A recusa de resposta a uma questão prejudicial submetida por um órgão jurisdicional nacional só é possível quando é manifesto que a interpretação do direito da União solicitada não tem qualquer relação com a realidade ou com o objeto do litígio no processo principal, quando o problema é de natureza hipotética ou ainda quando o Tribunal de Justiça não dispõe dos elementos de facto ou de direito necessários para responder utilmente às questões que lhe são colocadas (acórdão de 7 de julho de 2016, Muladi, C‑447/15, EU:C:2016:533, n.o 33).

18      No caso vertente, não se afigura que a interpretação do direito da União solicitada não tenha nenhuma relação com a realidade nem com o objeto do litígio no processo principal, ou que o problema seja de natureza hipotética.

19      Além disso, à luz da jurisprudência acima referida, a questão de saber se o órgão jurisdicional de reenvio está ou não vinculado pela interpretação da legislação nacional em causa pela Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) ou se deveria ter submetido a este último uma questão relativa à interpretação do direito da União não tem pertinência para apreciar a admissibilidade da primeira questão.

20      Daqui se conclui que a primeira questão é admissível.

 Quanto ao mérito

21      Importa recordar que um órgão jurisdicional nacional chamado a decidir de um litígio relativo ao direito da União que considere que uma disposição nacional não só é contrária ao direito da União como padece igualmente de vícios de inconstitucionalidade não fica privado da faculdade ou dispensado da obrigação, previstas no artigo 267.o TFUE, de submeter ao Tribunal de Justiça questões sobre a interpretação ou a validade do direito da União pelo facto de a declaração da inconstitucionalidade de uma regra de direito interno estar sujeita a recurso obrigatório para um Tribunal Constitucional. Com efeito, a eficácia do direito da União ficaria ameaçada se a existência de um recurso obrigatório para o Tribunal Constitucional pudesse impedir o juiz nacional, chamado a pronunciar‑se sobre um litígio regido pelo direito da União, de exercer a faculdade, que lhe é atribuída pelo artigo 267.o TFUE, de submeter ao Tribunal de Justiça questões sobre a interpretação ou a validade do direito da União a fim de lhe permitir decidir se uma norma nacional é ou não compatível com este (acórdão de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe‑Ems, C‑5/14, EU:C:2015:354, n.o 34 e jurisprudência referida).

22      O Tribunal de Justiça deduziu de todas estas considerações que o funcionamento do sistema de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais instituído pelo artigo 267.o TFUE e o princípio do primado do direito da União requerem que o juiz nacional possa livremente, em qualquer momento do processo que considere adequado, mesmo depois de concluído um processo incidental de fiscalização da constitucionalidade, submeter ao Tribunal de Justiça qualquer questão prejudicial que entenda ser necessária (acórdão de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe‑Ems, C‑5/14, EU:C:2015:354, n.o 35 e jurisprudência referida).

23      Ora, decorre das considerações anteriores que a eficácia do direito da União seria ameaçada e o efeito útil do artigo 267.o TFUE ver‑se‑ia reduzido se, devido à existência de um processo de fiscalização da constitucionalidade, o juiz nacional estivesse impedido de submeter questões prejudiciais ao Tribunal de Justiça e de dar imediatamente ao direito da União uma aplicação conforme com a decisão ou com a jurisprudência do Tribunal de Justiça (v., neste sentido, acórdão de 4 de junho de 2015, Kernkraftwerke Lippe‑Ems, C‑5/14, EU:C:2015:354, n.o 36 e jurisprudência referida).

24      Além disso, embora o processo instituído pelo artigo 267.o TFUE seja um instrumento de cooperação entre o Tribunal de Justiça e os órgãos jurisdicionais nacionais, graças ao qual o primeiro fornece aos segundos os elementos de interpretação do direito da União que lhes são necessários para a solução do litígio que são chamados a decidir, a verdade é que quando não exista recurso judicial de direito interno da decisão de um órgão jurisdicional nacional este está, em princípio, obrigado a submeter uma questão ao Tribunal de Justiça, em conformidade com o artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE, se tiver sido suscitada uma questão relativa à interpretação do direito da União perante esse órgão jurisdicional (v. acórdão de 9 de setembro de 2015, Ferreira da Silva e Brito e o., C‑160/14, EU:C:2015:565, n.o 37).

25      O facto de a Corte costituzionale (Tribunal Constitucional) se ter pronunciado sobre a conformidade das disposições de direito nacional, que também são objeto da segunda questão prejudicial, com as disposições da Constituição italiana que o órgão jurisdicional de reenvio considera serem, em substância, as mesmas normas de referência que os artigos 26.o, 49.o, 56.o e 63.o TFUE e o artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais não tem nenhuma influência sobre a obrigação, prevista no artigo 267.o TFUE, de submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais relativas à interpretação do direito da União.

26      Tendo em conta todo o exposto, há que responder à primeira questão que o artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso jurisdicional está, em princípio, obrigado a proceder ao reenvio prejudicial de uma questão de interpretação do direito da União mesmo se, no âmbito do mesmo processo nacional, o Tribunal Constitucional do Estado‑Membro em causa tiver apreciado a constitucionalidade das regras nacionais à luz de normas de referência com um conteúdo análogo às do direito da União.

 Quanto à segunda questão

27      Com a sua segunda questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os artigos 26.o, 49.o, 56.o e 63.o TFUE, o artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais, bem como o princípio da proteção da confiança legítima, devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe a pessoas já concessionárias no setor da gestão em linha de jogos autorizados por lei novas condições de exercício da sua atividade, através de uma adenda ao contrato existente.

28      No caso em apreço, no artigo 1.o, n.o 78, alínea b), pontos 4, 8, 9, 17, 23 e 25, da Lei n.o 220/2010, foram impostas aos concessionários existentes seis novas condições de exercício da sua atividade. Implicam, respetivamente: a obrigação de manter o endividamento dentro dos limites de um rácio previsto por decreto; a sujeição das operações suscetíveis de implicar alterações relativas à pessoa do concessionário à autorização prévia da AAMS, sob pena de caducidade; a sujeição das transmissões de participações de que o concessionário seja titular e que possam provocar uma diminuição do índice de solidez patrimonial fixado por decreto à autorização prévia da AAMS, sem prejuízo da obrigação do concessionário de, nesses casos, restabelecer o referido índice, sob pena de caducidade; a sujeição da afetação do lucro de certas atividades a finalidades diferentes daquelas que estão relacionadas com o objeto da concessão à autorização prévia da AAMS; a imposição de sanções, sob a forma de penalizações graduadas em função da gravidade do incumprimento, no respeito dos princípios da proporcionalidade e da efetividade das sanções, em caso de incumprimento das cláusulas do contrato de concessão imputável ao concessionário, inclusive a título de mera culpa; a obrigação de o concessionário cessante de prosseguir a administração ordinária das atividades objeto da concessão até à transferência da gestão e da exploração para o novo concessionário.

 Observações preliminares

29      Importa recordar que, quando uma medida nacional diz simultaneamente respeito a várias liberdades fundamentais, o Tribunal de Justiça a aprecia, em princípio, à luz apenas de uma dessas liberdades, se se revelar que, nas circunstâncias do caso em apreço, as outras liberdades são totalmente secundárias relativamente à primeira e lhe podem estar subordinadas (v. despacho de 28 de setembro de 2016, Durante, C‑438/15, não publicado, EU:C:2016:728, n.o 14 e jurisprudência referida).

30      Assim sendo, o Tribunal de Justiça declarou que uma legislação de um Estado‑Membro que sujeita o exercício de uma atividade económica à obtenção de uma concessão e prevê diversos casos de caducidade da concessão constitui um entrave às liberdades garantidas pelos artigos 49.o e 56.o TFUE (acórdão de 28 de janeiro de 2016, Laezza, C‑375/14, EU:C:2016:60, n.o 22 e jurisprudência referida).

31      Além disso, no que respeita à aplicabilidade dos artigos 34.o e 35.o TFUE, importa recordar que a atividade de exploração de máquinas de jogos de fortuna ou azar, quer seja ou não dissociável das atividades relativas à produção, à importação e à distribuição dessas máquinas, não pode ser abrangida pelos artigos relativos à livre circulação de mercadorias (v., neste sentido, acórdão de 11 de setembro de 2003, Anomar e o., C‑6/01, EU:C:2003:446, n.o 56).

32      Por outro lado, no que respeita à aplicabilidade do artigo 63.o TFUE, na falta de elementos em sentido contrário submetidos pelo órgão jurisdicional de reenvio, os eventuais efeitos restritivos da legislação nacional em causa no processo principal sobre a livre circulação de capitais e a liberdade dos pagamentos são apenas as consequências inevitáveis de eventuais restrições impostas às liberdades garantidas pelos artigos 49.o e 56.o TFUE.

33      Por último, no que se refere ao artigo 26.o TFUE, cumpre observar que decorre dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que o litígio no processo principal não diz respeito à competência da União ou das suas instituições para adotar as medidas previstas nesse artigo.

34      Daqui se conclui que apenas se tem de responder à segunda questão no que diz respeito aos artigos 49.o e 56.o TFUE, ao artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais, bem como ao princípio da proteção da confiança legítima.

 Quanto às restrições às liberdades garantidas pelos artigos 49.o e 56.o TFUE

35      Importa recordar que devem ser consideradas restrições à liberdade de estabelecimento e/ou à livre prestação de serviços todas as medidas que proíbam, perturbem ou tornem menos atrativo o exercício das liberdades garantidas pelos artigos 49.o e 56.o TFUE (v. acórdão de 22 de janeiro de 2015, Stanley International Betting e Stanleybet Malta, C‑463/13, EU:C:2015:25, n.o 45 e jurisprudência referida).

36      No caso vertente, as novas condições de exercício da sua atividade impostas aos concessionários existentes pelo artigo 1.o, n.o 78, alínea b), pontos 4, 8, 9, 17, 23 e 25, da Lei n.o 220/2010, conforme enunciadas no n.o 28 do presente acórdão, podem tornar menos atrativo ou mesmo impossível o exercício das liberdades garantidas pelos artigos 49.o e 56.o TFUE, na medida em que essas condições são suscetíveis de impedir a rentabilização do seu investimento.

37      Por conseguinte, as referidas medidas constituem restrições às liberdades garantidas pelos artigos 49.o e 56.o TFUE.

38      Há que analisar se essas restrições podem, não obstante, ser justificadas.

 Quanto à justificação das restrições às liberdades garantidas pelos artigos 49.o e 56.o TFUE

–       Quanto à existência de razões imperiosas de interesse geral

39      Importa recordar que a regulamentação dos jogos de fortuna ou azar é um dos domínios em que há divergências consideráveis de ordem moral, religiosa e cultural entre os Estados‑Membros. Na falta de harmonização na matéria a nível da União, os Estados‑Membros beneficiam de um amplo poder de apreciação na escolha do nível de proteção do consumidor e da ordem social que considerem mais adequado (acórdão de 8 de setembro de 2016, Politanò, C‑225/15, EU:C:2016:645, n.o 39 e jurisprudência referida).

40      Consequentemente, os Estados‑Membros podem fixar os objetivos da sua política em matéria de jogos de fortuna e azar e, eventualmente, definir com precisão o nível de proteção pretendido. No entanto, as restrições que os Estados‑Membros imponham devem preencher as condições que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça a respeito, nomeadamente, da sua justificação por razões imperiosas de interesse geral e da sua proporcionalidade (acórdão de 8 de setembro de 2016, Politanò, C‑225/15, EU:C:2016:645, n.o 40 e jurisprudência referida).

41      No caso vertente, conforme salientou o advogado‑geral no n.o 43 das suas conclusões, resulta do teor das disposições nacionais em causa no processo principal que o objetivo dessas disposições é melhorar a solidez económica e financeira dos concessionários, aumentar a sua idoneidade e fiabilidade, bem como lutar contra a criminalidade.

42      Tendo em conta a especificidade da situação relacionada com os jogos de fortuna e azar, esses objetivos podem constituir razões imperiosas de interesse geral capazes de justificar restrições às liberdades fundamentais como as que estão em causa no processo principal (v., neste sentido, acórdão de 8 de setembro de 2016, Politanò, C‑225/15, EU:C:2016:645, n.os 42 e 43).

43      A identificação dos objetivos efetivamente prosseguidos pelas disposições nacionais em causa no processo principal é, em todo o caso, da competência do órgão jurisdicional de reenvio (v., neste sentido, acórdão de 28 de janeiro de 2016, Laezza, C‑375/14, EU:C:2016:60, n.o 35).

44      Por outro lado, deve recordar‑se que, quando um Estado‑Membro invoca razões imperiosas de interesse geral para justificar uma regulamentação suscetível de entravar o exercício da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços, esta justificação deve igualmente ser interpretada à luz dos princípios gerais do direito da União, nomeadamente dos direitos fundamentais garantidos pela Carta dos Direitos Fundamentais. Assim, a regulamentação nacional em causa só poderá beneficiar de uma justificação prevista se for conforme com os referidos princípios, e com os referidos direitos (v., neste sentido, acórdão de 11 de junho de 2015, Berlington Hungary e o., C‑98/14, EU:C:2015:386, n.o 74 e jurisprudência referida).

45      No caso vertente, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança legítima, bem como a liberdade de empresa prevista no artigo 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais, se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal mencionada no n.o 28 do presente acórdão, que impõe a pessoas já concessionárias no setor da gestão em linha de jogos autorizados por lei novas condições de exercício da sua atividade através de uma adenda ao contrato existente.

–       Quanto ao princípio da proteção da confiança legítima

46      Há que sublinhar que o princípio da segurança jurídica, que tem como corolário o princípio da proteção da confiança legítima, exige, nomeadamente, que as normas jurídicas sejam claras, precisas e previsíveis nos seus efeitos, em particular quando podem ter consequências desfavoráveis para os indivíduos e as empresas (v., neste sentido, acórdão de 11 de junho de 2015, Berlington Hungary e o., C‑98/14, EU:C:2015:386, n.o 77 e jurisprudência referida).

47      No entanto, um operador económico não pode confiar na inexistência total de alteração legislativa, mas apenas pôr em causa as modalidades de aplicação de tal alteração (v., neste sentido, acórdão de 11 de junho de 2015, Berlington Hungary e o., C‑98/14, EU:C:2015:386, n.o 78 e jurisprudência referida).

48      A este propósito, importa observar que incumbe ao legislador nacional prever um período transitório com uma duração suficiente que permita aos operadores económicos adaptarem‑se ou um sistema de compensação razoável (v., neste sentido, acórdão de 11 de junho de 2015, Berlington Hungary e o., C‑98/14, EU:C:2015:386, n.o 85 e jurisprudência referida).

49      Embora caiba ao órgão jurisdicional de reenvio analisar, à luz da jurisprudência referida nos números anteriores, e procedendo a uma avaliação global de todas as circunstâncias pertinentes, se a legislação nacional em causa no processo principal é conforme com o princípio da proteção da confiança legítima, há que observar que resulta da decisão de reenvio que a Lei n.o 220/2010 previa um prazo de 180 dias, a partir da sua entrada em vigor, para a introdução das novas condições por ela estabelecidas, através da assinatura de uma adenda ao contrato; esse prazo é, em princípio, suficiente para permitir aos concessionários adaptarem‑se a essas condições.

–       Quanto à liberdade de empresa

50      Como o Tribunal de Justiça já declarou, uma análise, nos termos dos artigos 49.o e 56.o TFUE, da restrição representada por uma legislação nacional abrange igualmente as eventuais restrições ao exercício dos direitos e das liberdades previstos nos artigos 15.o a 17.o da Carta dos Direitos Fundamentais, de modo que não é necessária uma análise separada da liberdade de empresa (v., neste sentido, acórdãos de 30 de abril de 2014, Pfleger e o., C‑390/12, EU:C:2014:281, n.o 60, e de 11 de junho de 2015, Berlington Hungary e o., C‑98/14, EU:C:2015:386, n.o 91).

 Quanto à proporcionalidade da restrição às liberdades garantidas pelos artigos 49.o e 56.o TFUE, bem como à liberdade de empresa

51      No que diz respeito à proporcionalidade das medidas previstas no artigo 1.o, n.o 78, alínea b), pontos 4, 8, 9, 17, 23 e 25, da Lei n.o 220/2010, importa analisar se estas medidas são adequadas para assegurar a realização dos objetivos prosseguidos e não ultrapassam o que é necessário para os alcançar, nomeadamente garantindo que a legislação nacional em causa no processo principal responde verdadeiramente à intenção de os alcançar de uma maneira coerente e sistemática (acórdão de 8 de setembro de 2016, Politanò, C‑225/15, EU:C:2016:645, n.o 44).

52      A este respeito, recorde‑se que cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, através da apreciação global de todas as circunstâncias, tendo em conta as indicações do Tribunal de Justiça, se as restrições em causa no processo principal preenchem os requisitos que resultam da jurisprudência do Tribunal de Justiça quanto à sua proporcionalidade (acórdão de 8 de setembro de 2016, Politanò, C‑225/15, EU:C:2016:645, n.o 49 e jurisprudência referida).

53      Cumpre recordar que as medidas previstas no artigo 1.o, n.o 78, alínea b), pontos 8, 9 e 17, da Lei n.o 220/2010 sujeitam a autorização prévia da AAMS, respetivamente, as operações suscetíveis de implicar alterações relativas à pessoa do concessionário, as transmissões de participações de que o concessionário é titular e que possam provocar uma diminuição do índice de solidez patrimonial fixado por decreto, bem como a afetação do lucro de certas atividades a finalidades diferentes daquelas que estão relacionadas com o objeto da concessão.

54      Incumbe ao juiz nacional verificar se os critérios que enquadram os poderes de autorização prévia da AAMS são adequados para garantir a realização dos objetivos prosseguidos e não ultrapassam o que é necessário para alcançar esses objetivos.

55      Além disso, as medidas previstas no artigo 1.o, n.o 78, alínea b), pontos 4 e 9, da Lei n.o 220/2010, a saber, respetivamente, a obrigação de manter o endividamento dentro dos limites de um rácio previsto por decreto e a sujeição das transmissões de participações de que o concessionário é titular e possam provocar uma diminuição do índice de solidez patrimonial fixado por decreto à autorização prévia da AAMS, são úteis para assegurar uma certa capacidade financeira do operador e garantir que este está em condições de satisfazer as obrigações decorrentes da atividade de criação e de exploração operacional da rede de gestão em linha de jogos de fortuna e azar.

56      O órgão jurisdicional de reenvio deve assegurar‑se de que, quanto à primeira medida, o rácio de endividamento e, quanto à segunda, o índice de solidez patrimonial não ultrapassam o que é necessário para alcançar o referido objetivo.

57      Por outro lado, no que se refere às medidas previstas no artigo 1.o, n.o 78, alínea b), pontos 8 e 17, da Lei n.o 220/2010, a saber, respetivamente, a sujeição das operações suscetíveis de implicar alterações relativas à pessoa do concessionário à autorização prévia da AAMS, sob pena de caducidade, e a sujeição da afetação do lucro de certas atividades a finalidades diferentes daquelas que estão relacionadas com o objeto da concessão à autorização prévia da AAMS, importa observar que, uma vez que são suscetíveis de prevenir a influência das organizações criminosas nas atividades em causa no processo principal, bem como o branqueamento de capital, podem ser úteis na luta contra a criminalidade e não ultrapassam o que é necessário para alcançar esse objetivo.

58      Quanto à medida prevista no artigo 1.o, n.o 78, alínea b), ponto 25, da Lei n.o 220/2010, a saber, a obrigação de o concessionário cessante de prosseguir a administração ordinária das atividades objeto da concessão até à transferência da gestão e da exploração para o novo concessionário, ela é suscetível de assegurar a continuidade da atividade legal de recolha de apostas, a fim de conter o desenvolvimento de uma atividade ilegal paralela, e, portanto, pode contribuir para a luta contra a criminalidade (v., neste sentido, acórdão de 28 de janeiro de 2016, Laezza, C‑375/14, EU:C:2016:60, n.os 33 e 34).

59      No entanto, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se uma medida menos pesada para o concessionário permitiria atingir o mesmo objetivo, tendo em conta o facto de que o concessionário é obrigado a prestar os serviços objeto do contrato durante um período eventualmente indefinido e com um balanço negativo, a fim de contribuir para o interesse geral.

60      No que diz respeito à medida prevista no artigo 1.o, n.o 78, alínea b), ponto 23, da Lei n.o 220/2010, isto é, a imposição de sanções, sob a forma de penalizações, em caso de incumprimento das cláusulas do contrato de concessão imputável ao concessionário, inclusive a título de mera culpa, importa recordar que as sanções não são conformes com o direito da União se as condições que determinam a sua aplicação forem, elas próprias, contrárias ao direito da União (v., neste sentido, acórdão de 6 de março de 2007, Placanica e o., C‑338/04, C‑359/04 e C‑360/04, EU:C:2007:133, n.o 69). As sanções não devem ultrapassar o âmbito do que for estritamente necessário aos objetivos prosseguidos e uma sanção não deve ser de tal forma desproporcionada em relação à gravidade da infração que se torne um entrave às liberdades consagradas no Tratado (v., neste sentido, acórdão de 5 de julho de 2007, Ntionik e Pikoulas, C‑430/05, EU:C:2007:410, n.o 54).

61      Para avaliar se uma sanção é conforme com o princípio da proporcionalidade, o juiz nacional deve ter em conta, nomeadamente, a natureza e a gravidade da infração que esta sanção visa punir, bem como as modalidades de determinação do montante da mesma (v., neste sentido, acórdãos de 8 de maio de 2008, Ecotrade, C‑95/07 e C‑96/07, EU:C:2008:267, n.os 65 a 67, e de 20 de junho de 2013, Rodopi‑M 91, C‑259/12, EU:C:2013:414, n.o 38).

62      No caso vertente, nos termos do artigo 1.o, n.o 78, alínea b), ponto 23, da Lei n.o 220/2010, as sanções devem ser «graduadas em função da gravidade do incumprimento, no respeito dos princípios da proporcionalidade e da efetividade das sanções». Assim, não resulta deste texto nem dos autos de que o Tribunal de Justiça dispõe que as sanções previstas por essa disposição sejam contrárias ao direito da União.

63      Além disso, importa recordar que o Tribunal de Justiça já declarou que a instituição de um sistema de responsabilidade objetiva não é desproporcionada em relação aos objetivos pretendidos quando esse sistema for suscetível de incitar as pessoas em causa a respeitarem as disposições de um regulamento e quando os objetivos prosseguidos tiverem um interesse geral que possa justificar a instituição desse sistema (acórdão de 9 de fevereiro de 2012, Urbán, C‑210/10, EU:C:2012:64, n.o 48).

64      Da mesma forma, um sistema como o que está em causa no processo principal, em que pode ser imposta uma sanção, inclusive a título de mera culpa, em caso de incumprimento das cláusulas de um contrato imputável ao concessionário, não é contrário ao direito da União.

65      Resulta de todas as considerações anteriores que há que responder à segunda questão que os artigos 49.o e 56.o TFUE, bem como o princípio da proteção da confiança legítima, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe a pessoas já concessionárias no setor da gestão em linha de jogos autorizados por lei novas condições de exercício da sua atividade através de uma adenda ao contrato existente, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio conclua que essa legislação pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral, é adequada a garantir a realização dos objetivos prosseguidos e não ultrapassa o necessário para os alcançar.

 Quanto às despesas

66      Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Primeira Secção) declara:

1)      O artigo 267.o, terceiro parágrafo, TFUE deve ser interpretado no sentido de que o órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso jurisdicional está, em princípio, obrigado a proceder ao reenvio prejudicial de uma questão de interpretação do direito da União mesmo se, no âmbito do mesmo processo nacional, o Tribunal Constitucional do EstadoMembro em causa tiver apreciado a constitucionalidade das regras nacionais à luz de normas de referência com um conteúdo análogo às do direito da União.

2)      Os artigos 49.o e 56.o TFUE, bem como o princípio da proteção da confiança legítima, devem ser interpretados no sentido de que não se opõem a uma legislação nacional, como a que está em causa no processo principal, que impõe a pessoas já concessionárias no setor da gestão em linha de jogos autorizados por lei novas condições de exercício da sua atividade através de uma adenda ao contrato existente, na medida em que o órgão jurisdicional de reenvio conclua que essa legislação pode ser justificada por razões imperiosas de interesse geral, é adequada a garantir a realização dos objetivos prosseguidos e não ultrapassa o necessário para os alcançar.

Assinaturas


*      Língua do processo: italiano.