Language of document : ECLI:EU:C:2012:307

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção)

24 de maio de 2012 (*)

«Recurso de decisão do Tribunal Geral — Marca comunitária — Motivo absoluto de recusa — Falta de caráter distintivo — Sinal tridimensional constituído pela forma de um coelho de chocolate com uma fita vermelha»

No processo C‑98/11 P,

que tem por objeto um recurso de uma decisão do Tribunal Geral nos termos do artigo 56.° do Estatuto do Tribunal de Justiça da União Europeia, interposto em 28 de fevereiro de 2011,

Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli AG, com sede em Kilchberg (Suíça), representada por R. Lange, Rechtsanwalt,

recorrente,

sendo a outra parte no processo:

Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI), representado por G. Schneider, na qualidade de agente,

recorrido em primeira instância,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quarta Secção),

composto por: J.-C. Bonichot, presidente de secção, A. Prechal, K. Schiemann (relator), C. Toader e E. Jarašiūnas, juízes,

advogado-geral: V. Trstenjak,

secretário: L. Hewlett, administradora principal,

vistos os autos e após a audiência de 2 de fevereiro de 2012,

vista a decisão tomada, ouvida a advogada‑geral, de julgar a causa sem apresentação de conclusões,

profere o presente

Acórdão

1        Com o seu recurso, a Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli AG (a seguir «Lindt») pede a anulação do acórdão do Tribunal Geral da União Europeia de 17 de dezembro de 2010, Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli/IHMI (Forma de um coelho de chocolate com uma fita vermelha) (T‑336/08, a seguir «acórdão recorrido»), através do qual foi negado provimento ao seu recurso de anulação da decisão da Quarta Câmara de Recurso do Instituto de Harmonização do Mercado Interno (marcas, desenhos e modelos) (IHMI) de 11 de junho de 2008 (processo R 1332/2005-4), relativa ao pedido de registo como marca comunitária de um sinal tridimensional constituído pela forma de um coelho de chocolate com uma fita vermelha.

 Quadro jurídico

2        O presente litígio é regido pelas disposições do Regulamento (CE) n.° 40/94 do Conselho, de 20 de dezembro de 1993, sobre a marca comunitária (JO 1994, L 11, p. 1).

3        Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, será recusado o registo de marcas desprovidas de caráter distintivo.

4        Nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do referido regulamento, o artigo 7.° n.° 1, alínea b), do mesmo regulamento não é aplicável se, na sequência da utilização da marca, esta tiver adquirido um caráter distintivo para os produtos ou serviços para os quais foi pedido o registo.

 Antecedentes do litígio

5        Em 18 de maio de 2004, a Lindt apresentou um pedido de registo de marca comunitária ao IHMI, nos termos do Regulamento n.° 40/94. A marca cujo registo foi pedido é o sinal tridimensional a seguir reproduzido, que representa a forma de um coelho de chocolate com uma fita vermelha e que, segundo a descrição constante do pedido, tem as cores vermelha, dourada e castanha:

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6        Os produtos para os quais foi pedido o registo estão incluídos na classe 30 na aceção do Acordo de Nice relativo à Classificação Internacional dos Produtos e dos Serviços para o registo de marcas, de 15 de junho de 1957, conforme revisto e alterado, e correspondem à seguinte descrição: «Chocolate, produtos de chocolate».

7        Por decisão de 14 de outubro de 2005, o examinador do IHMI indeferiu o pedido de registo de marca comunitária com fundamento no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, considerando que o sinal em causa era desprovido de caráter distintivo. Além disso, a marca cujo registo é pedido não adquiriu caráter distintivo pela utilização, em conformidade com o artigo 7.°, n.° 3, deste regulamento, uma vez que as provas respeitavam apenas à Alemanha.

8        Em 10 de novembro de 2005, a recorrente interpôs recurso para o IHMI da decisão do examinador do IHMI.

9        Por decisão de 11 de junho de 2008, a Quarta Câmara de Recurso do IHMI negou provimento ao recurso. Considerou, no essencial, que nenhum dos elementos que constituíam a marca cujo registo é pedido, a saber, a forma, a folha dourada e a fita vermelha com um pequeno sino, considerados autonomamente ou em conjunto, lhe podia conferir caráter distintivo relativamente aos produtos em causa. Com efeito, os coelhos fazem parte do conjunto de formas típicas que os produtos de chocolate podem adotar, sobretudo no período da Páscoa. Assim, segundo a referida Câmara de Recurso, a marca cujo registo é pedido é desprovida de caráter distintivo na aceção do artigo 7.º, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 em todo o território da União Europeia, pois não existe nenhuma razão para presumir que os consumidores situados na Alemanha e na Áustria percecionam a forma em causa diferentemente dos consumidores situados nos outros Estados‑Membros.

10      Além disso, segundo a Quarta Câmara de Recurso do IHMI, os documentos apresentados pela recorrente, relativos unicamente à Alemanha, não permitem concluir que a marca cujo registo é pedido adquiriu relativamente aos produtos em causa um caráter distintivo pela utilização em todo o território da União, em conformidade com o artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

 Tramitação processual no Tribunal Geral e acórdão recorrido

11      Por petição apresentada na Secretaria do Tribunal Geral em 18 de agosto de 2008, a Lindt interpôs recurso da decisão do IHMI de 11 de junho de 2008, invocando dois fundamentos, relativos, respetivamente, à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e à violação do artigo 7.°, n.° 3, do referido regulamento.

12      No que respeita ao primeiro fundamento, o Tribunal Geral, tendo constatado que a marca cujo registo é pedido é constituída por três elementos, a saber, a forma de um coelho sentado, a folha dourada na qual o coelho de chocolate é embalado e a fita vermelha plissada à qual está preso um pequeno sino, examinou cada um destes elementos do ponto de vista do seu eventual caráter distintivo, antes de proceder à apreciação global da referida marca.

13      No que diz respeito à forma de um coelho sentado ou agachado, o Tribunal Geral aprovou as conclusões da Quarta Câmara de Recurso do IHMI a este respeito e concluiu, no n.° 34 do acórdão recorrido, que a referida forma pode ser considerada uma forma típica dos coelhos de chocolate e, como tal, desprovida de caráter distintivo.

14      Quanto à folha de embalagem dourada, o Tribunal Geral chegou à conclusão, no n.° 38 do acórdão recorrido, de que o coelho de chocolate que a recorrente comercializa não é o único a ser embalado numa folha dourada e recordou, no n.° 39 do referido acórdão, que uma eventual originalidade não basta para demonstrar o caráter distintivo.

15      No que diz respeito à fita vermelha plissada, atada para formar um laço e que tem pendurado um pequeno sino, o Tribunal Geral referiu, no n.° 44 do acórdão recorrido, que não existe nenhum elemento nos autos que possa pôr em causa as apreciações da Quarta Câmara de Recurso do IHMI nem as do examinador deste Instituto, que constatou ser habitual decorar animais de chocolate ou a sua embalagem com laços, fitas e sinos e que, assim, os pequenos sinos e os laços são elementos habituais tratando-se de animais de chocolate.

16      Quanto à apreciação global da marca cujo registo é pedido, o Tribunal Geral considerou, no n.° 48 do acórdão recorrido, que as características da combinação da forma, das cores e da fita plissada com um pequeno sino não são suficientemente distintas das formas de base utilizadas frequentemente para a embalagem do chocolate e dos produtos de chocolate e, mais especificamente, dos coelhos de chocolate. Assim, não são suscetíveis de ser memorizadas pelo público relevante enquanto indicadores de uma origem comercial. Com efeito, a embalagem em forma de coelho sentado, de cor dourada, apresentando uma fita vermelha plissada com um pequeno sino, não diverge de maneira significativa das embalagens dos produtos em questão, que são comummente utilizadas no comércio, vindo assim naturalmente ao espírito como uma forma de embalagem típica dos referidos produtos.

17      No n.° 49 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral observou que os elementos gráficos, em especial os olhos, os bigodes e as patas, não justificam que o sinal em causa deva ser protegido, como concluiu com razão a Quarta Câmara de Recurso do IHMI. Com efeito, trata-se de elementos habituais que apresenta normalmente qualquer forma de coelho de chocolate e não são de um nível artístico que o consumidor os possa percecionar como uma indicação da origem dos produtos em causa.

18      O Tribunal Geral considerou, no n.° 51 do acórdão recorrido, que a recorrente não pôs em causa a exatidão dos factos notórios ou dados como provados pelo IHMI nem provou que a marca cujo registo é pedido é dotada de caráter distintivo intrínseco.

19      O Tribunal Geral concluiu, por isso, no n.° 59 do acórdão recorrido, que a Quarta Câmara de Recurso do IHMI considerou com razão que a marca cujo registo é pedido é desprovida de caráter distintivo na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94. Por conseguinte, julgou improcedente o primeiro fundamento.

20      Quanto ao segundo fundamento, o Tribunal Geral rejeitou, no n.° 67 do acórdão recorrido, o argumento da recorrente segundo o qual, fora da Alemanha, o coelho de Páscoa de chocolate é em grande medida desconhecido e, por isso, tem um caráter distintivo intrínseco nos outros Estados‑Membros. É notório, segundo o Tribunal Geral, que os coelhos de chocolate, que são sobretudo vendidos no período da Páscoa, não são desconhecidos fora da Alemanha.

21      O Tribunal Geral considerou, pois, no n.° 68 do acórdão recorrido, que há que presumir que, na falta de indícios concretos em sentido contrário, a impressão que cria no espírito do consumidor a marca cujo registo é pedido, que consiste num sinal tridimensional, é a mesma em toda a União e, assim, que esta marca é desprovida de caráter distintivo em todo o território da União.

22      No n.° 69 do acórdão recorrido, o Tribunal Geral considerou que é, portanto, em toda a União que a referida marca deve ter adquirido caráter distintivo pelo uso para ser suscetível de registo nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94.

23      Ora, o Tribunal Geral referiu, no n.° 70 do acórdão recorrido, que, ainda que se admita que a recorrente demonstra o caráter distintivo do sinal em causa adquirido pelo uso nos três Estados‑Membros que refere, a saber, na Alemanha, na Áustria e no Reino Unido, os documentos justificativos apresentados por esta não são suscetíveis de fazer prova de que este sinal adquiriu caráter distintivo em todos os Estados‑Membros à data da apresentação do pedido de registo da marca em causa.

24      Nestas circunstâncias, o Tribunal Geral decidiu, no n.° 71 do acórdão recorrido, que não era necessário examinar se os documentos demonstram efetivamente a existência do caráter distintivo do sinal em causa adquirido pelo uso nos três Estados‑Membros invocados pela recorrente, pois isso não basta para demonstrar a aquisição, por esse sinal, de caráter distintivo pelo uso em toda a União.

25      Por conseguinte, o segundo fundamento foi igualmente julgado improcedente pelo Tribunal Geral.

 Pedidos das partes

26      Com o presente recurso, a Lindt pede ao Tribunal de Justiça que anule o acórdão recorrido e condene o IHMI nas despesas.

27      O IHMI pede ao Tribunal de Justiça que negue provimento ao recurso e condene a Lindt nas despesas.

 Quanto ao presente recurso

28      A Lindt invoca dois fundamentos em apoio do seu recurso, relativos, o primeiro, à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 e, o segundo, à violação do artigo 7.°, n.° 3, deste regulamento.

 Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94

 Argumentos das partes

29      A recorrente critica o Tribunal Geral de ter decidido que o sinal tridimensional em questão é desprovido de caráter distintivo e ter baseado a sua análise nas apreciações do IHMI que, na realidade, não são mais do que vagas suposições.

30      A recorrente critica o Tribunal Geral de ter decidido no n.° 29 do acórdão recorrido o seguinte:

«Em primeiro lugar, no que diz respeito à forma de um coelho sentado ou agachado, a Câmara de Recurso considerou que resultava do processo administrativo no IHMI que os coelhos fazem parte do conjunto das formas típicas que o chocolate e os produtos de chocolate podem adotar, sobretudo no período da Páscoa, o que é pacífico para as partes. A Câmara de Recurso alarga a sua apreciação não apenas à Alemanha e à Áustria mas igualmente a outros Estados‑Membros da União.»

31      Esta afirmação do IHMI é uma pura suposição que a recorrente contestou expressamente no seu articulado de 6 de junho de 2007 apresentado no IHMI. Segundo a recorrente, o IHMI e o Tribunal Geral deviam ter-se debruçado sobre esta análise a fim de exercer corretamente a sua fiscalização em conformidade com o Regulamento n.° 40/94.

32      Contesta igualmente a conclusão a que chegou o Tribunal Geral no n.° 38 do acórdão recorrido, segundo a qual o uso de uma folha dourada para coelhos de Páscoa de chocolate é corrente no mercado. A recorrente observa que apenas foi constatada a existência de três outros produtos embrulhados numa folha dourada. Ora, dois desses produtos só estão presentes no mercado porque a recorrente os autorizou. Um número tão restrito de produtos não pode levar a considerar que a característica em questão seja corrente no mercado. A apreciação jurídica está por isso errada a este respeito.

33      A recorrente recorda que segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça uma marca que divirja de forma significativa dos hábitos do setor apresenta o caráter distintivo necessário (acórdão de 29 de abril de 2004, Henkel/IHMI, C-456/01 P e C‑457/01 P, Colet., p. I-5089). Em seu entender, o Tribunal Geral partiu erradamente do princípio de que a marca cujo registo é pedido corresponde à norma ou aos hábitos do setor. O Tribunal Geral chegou a essa conclusão partindo do pressuposto errado de que era irrelevante que os referidos coelhos só se encontrassem no mercado ao abrigo de acordos celebrados com a recorrente. A apreciação jurídica do Tribunal Geral, segundo a qual se trata de uma forma habitual, baseia-se na existência de três outros produtos caracterizados por elementos semelhantes. Esta apreciação não é juridicamente correta.

34      De resto, a recorrente alega que o facto de que a marca cujo registo é pedido possui caráter distintivo é demonstrado pela circunstância de estar registada em quinze Estados-Membros.

35      O IHMI contesta a argumentação da recorrente e recorda, a título liminar, que o recurso se limita às questões de direito. Ora, o presente recurso assenta principalmente numa alegação de facto da recorrente que já foi cuidadosamente examinada e longamente discutida nas instâncias anteriores. Trata-se do caráter usual das formas de coelho e das folhas douradas no domínio dos produtos de chocolate.

36      O IHMI considera que, ao criticar o Tribunal Geral por ter acolhido as decisões das instâncias anteriores sem as criticar, a recorrente visa, na realidade, uma nova apreciação dos factos, e o argumento correspondente deve ser julgado inadmissível. A questão de saber se as formas de coelho presentes no mercado são semelhantes, ou se há, do ponto de vista do consumidor relevante, uma separação tal entre a forma de coelho em causa e as outras formas de coelho que daí resulte que a forma de coelho em causa tem caráter distintivo, é uma questão de apreciação da perceção do consumidor e, por isso, uma questão de apreciação dos factos.

37      A questão da perceção, pelo consumidor, da embalagem numa folha dourada dos produtos de chocolate em causa é igualmente uma questão de apreciação dos factos que, salvo eventual desvirtuação, já não pode ser examinada num processo de recurso. O argumento correspondente deve, portanto, ser também julgado inadmissível.

38      Em todo o caso, segundo o IHMI, os factos não foram desvirtuados pelo Tribunal Geral.

39      No que respeita, mais especificamente, ao primeiro fundamento, o IHMI recorda que só uma marca que, de forma significativa, divirja da norma ou dos hábitos do setor e, por esse motivo, seja suscetível de cumprir a sua função essencial de origem não é desprovida de caráter distintivo na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 (acórdãos de 12 de janeiro de 2006, Deutsche SiSi‑Werke/IHMI, C‑173/04 P, Colet., p. I‑551, n.° 31, e de 22 de junho de 2006, Storck/IHMI, C‑24/05 P, Colet., p. I‑5677, n.° 26).

40      Segundo o IHMI, foi com razão que o Tribunal Geral, aplicando esta jurisprudência, declarou a falta de caráter distintivo da marca cujo registo é pedido. O Tribunal Geral não se limitou a seguir as decisões das instâncias anteriores, mas examinou com cuidado os argumentos da recorrente e os diferentes documentos que faziam parte dos autos da Quarta Câmara de Recurso do IHMI.

 Apreciação do Tribunal

41      Há que recordar que, nos termos do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94, será recusado o registo de marcas desprovidas de caráter distintivo. Resulta de jurisprudência assente que o caráter distintivo de uma marca na aceção desta disposição deve ser apreciado, por um lado, relativamente aos produtos ou aos serviços para os quais o registo é pedido e, por outro, relativamente à perceção que deles tem o público relevante (v., designadamente, acórdãos Henkel/IHMI, já referido, n.° 35; de 22 de junho de 2006, Storck/IHMI, C‑25/05 P, Colet., p. I‑5719, n.° 25; e de 25 de outubro de 2007, Develey/IHMI, C‑238/06 P, Colet., p. I‑9375, n.° 79).

42      Só uma marca que, de forma significativa, divirja da norma ou dos hábitos do setor e, por esse motivo, seja suscetível de cumprir a sua função essencial de origem não é desprovida de caráter distintivo na aceção do artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do Regulamento n.° 40/94 (acórdão Deutsche SiSi‑Werke/IHMI, já referido, n.° 31).

43      No caso concreto, resulta dos n.os 12 a 14 do acórdão recorrido que, na sua apreciação do caráter distintivo da marca cujo registo é pedido, o Tribunal Geral identificou corretamente e seguiu os critérios determinados pela jurisprudência pertinente a esse respeito.

44      Com efeito, após ter recordado as características essenciais que reveste a determinação do caráter distintivo de uma marca tridimensional constituída pela forma do produto, o Tribunal Geral procedeu à análise detalhada de cada um dos três elementos da marca cujo registo é pedido, a saber, a forma de um coelho sentado, a folha dourada na qual é embalado o coelho de chocolate e a fita vermelha plissada à qual está preso um pequeno sino, para concluir, nos n.os 34, 38 e 44 do acórdão recorrido, que cada um deles era desprovido de caráter distintivo.

45      O Tribunal Geral chegou à mesma conclusão no que diz respeito à impressão de conjunto que produz a marca cujo registo é pedido, ao confirmar no n.° 47 do acórdão recorrido a decisão nesse sentido da Quarta Câmara de Recurso do IHMI.

46      No termo da sua análise, o Tribunal Geral concluiu, pois, no n.° 51 do acórdão recorrido, que a recorrente não pôs em causa a exatidão dos factos notórios ou dados como provados pelo IHMI nem provou que a marca cujo registo é pedido é dotada de caráter distintivo intrínseco.

47      Para chegar a essa conclusão, o Tribunal Geral procedeu à análise dos argumentos quer da recorrente quer do IHMI e não pode, assim, ser criticado, contrariamente ao que a recorrente sustenta, de se ter simplesmente baseado em suposições e afirmações do IHMI. Pelo contrário, impõe‑se concluir que, antes de considerar que a marca cujo registo é pedido é desprovida de caráter distintivo, o Tribunal Geral procedeu a uma avaliação tanto das práticas correntes do setor como da perceção do consumidor médio, apoiando-se nos critérios que decorrem de jurisprudência assente.

48      Por outro lado, a recorrente critica o Tribunal Geral de ter decidido que a forma do coelho de Páscoa de chocolate e a embalagem dourada são fenómenos correntes no mercado que correspondem aos hábitos do setor em causa.

49      Impõe‑se concluir que esse argumento visa na realidade obter do Tribunal de Justiça que substitua a apreciação dos factos feita pelo Tribunal Geral pela sua própria. Visando uma nova avaliação do caráter distintivo da marca cujo registo é pedido, a recorrente põe em causa, sem alegar qualquer desvirtuação neste ponto, a exatidão das constatações do Tribunal Geral relativas às apreciações de natureza factual e que escapam ao exame do Tribunal de Justiça no âmbito de um recurso.

50      Quanto à tese aduzida pela recorrente segundo a qual a existência de registos como marca em quinze Estados-Membros justificaria o caráter distintivo da marca cujo registo é pedido na aceção do Regulamento n.° 40/94, importa referir que o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito ao decidir, em conformidade com jurisprudência bem assente do Tribunal de Justiça, no n.° 55 do acórdão recorrido, que os registos existentes nos Estados‑Membros só constituem um facto que pode ser tomado em consideração no contexto do registo de uma marca comunitária, devendo a marca cujo registo é pedido ser apreciada com fundamento na regulamentação pertinente da União, e que daqui resulta que o IHMI não tem de subscrever as exigências e a apreciação das autoridades nacionais competentes, nem é obrigado a registar a marca em causa como marca comunitária com base nessas considerações (v., neste sentido, acórdão Develey/IHMI, já referido, n.os 72 e 73).

51      Decorre do exposto que o primeiro fundamento deve ser julgado parcialmente inadmissível e parcialmente improcedente.

 Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94

 Argumentos das partes

52      A recorrente critica o Tribunal Geral de ter decidido, no n.° 70 do acórdão recorrido, que, para ser aceite o registo da marca tendo em conta o uso que pôde dela ter sido feito, a marca em causa deve ter adquirido caráter distintivo pela utilização em todos os Estados‑Membros. Em seu entender, esta tese é errada por duas razões.

53      Em primeiro lugar, o Tribunal Geral ignorou o facto de o caráter distintivo de uma marca cujo registo é pedido só ter de ser adquirido pelo uso nos Estados‑Membros onde essa marca não possuía caráter distintivo intrínseco. Ora, a marca cujo registo é pedido possui caráter distintivo intrínseco em quinze Estados-Membros. Nestes Estados, a aquisição, pela marca em causa, de caráter distintivo pelo uso não deve por isso ser exigida. Assim, o Tribunal Geral devia ter chegado à conclusão de que esta marca possuía na maior parte da União um caráter distintivo intrínseco ou pelo menos adquirido pelo uso. À data do pedido de registo da marca em causa, a União era constituída por 25 Estados‑Membros que representavam no total 465,7 milhões de habitantes. A marca em causa dispunha de caráter distintivo intrínseco ou adquirido pelo uso junto de 351,3 milhões de habitantes no total, o que representava 75,4% da população da União na sua composição na referida data.

54      Em segundo lugar, a recorrente alega que o artigo 1.°, n.° 2, do Regulamento n.° 40/94 dispõe que a marca comunitária tem caráter unitário e produz os mesmos efeitos em toda a União. Assim, tratando-se de apreciar se uma marca pode ser registada, e designadamente no que respeita ao seu caráter distintivo, a União deve ser considerada um mercado comum unitário. Seria errado tomar por base os mercados nacionais individualmente considerados. A questão da aquisição, por uma marca, de caráter distintivo deve basear-se no conjunto da população sem distinção segundo os mercados nacionais. Do mesmo modo, se uma marca possuir um caráter distintivo adquirido junto de uma parte preponderante da população da União considerada no seu conjunto, isso deve igualmente bastar para conferir uma proteção a essa marca em todo o mercado europeu.

55      O IHMI critica os argumentos da recorrente, visto que os valores mencionados, cuja fonte continua imprecisa, não permitem de modo algum concluir que o Tribunal Geral cometeu um erro de direito.

56      Segundo o IHMI, nos n.os 64 e seguintes do acórdão recorrido, o Tribunal Geral aplicou corretamente a jurisprudência segundo a qual, por um lado, a aquisição, por uma marca, de caráter distintivo pelo uso, nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, exige que pelo menos uma fração significativa do público relevante identifique, graças à marca em questão, os produtos ou os serviços em causa como originários de uma determinada empresa e, por outro, no que diz respeito ao alcance territorial da aquisição do caráter distintivo, uma marca só pode ser registada, nos termos desta disposição, se for feita prova de que a mesma adquiriu, pelo uso que dela foi feito, caráter distintivo na parte da União na qual não tinha ab initio esse caráter.

57      Neste contexto, o Tribunal Geral chegou ainda à conclusão de que não havia que analisar se os documentos apresentados pela recorrente provavam efetivamente que a marca cujo registo é pedido possuía caráter distintivo adquirido pelo uso nos três Estados-Membros invocados por esta última, dado que tal não podia de todo o modo ser suficiente para provar a aquisição, por essa marca, de caráter distintivo pelo uso em toda a União.

58      Assim, o IHMI propõe que o segundo fundamento seja julgado manifestamente improcedente.

 Apreciação do Tribunal

59      Importa recordar que, nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, o motivo absoluto de recusa referido no artigo 7.°, n.° 1, alínea b), do mesmo regulamento não se opõe ao registo dessa marca se, na sequência da utilização da marca, esta tiver adquirido um caráter distintivo para os produtos e serviços para os quais foi pedido o registo.

60      O Tribunal de Justiça já declarou que uma marca só pode ser registada, nos termos do artigo 7.°, n.° 3, do Regulamento n.° 40/94, se for feita prova de que a mesma adquiriu, através do uso que dela foi feito, caráter distintivo na parte da União em que não tinha, ab initio, esse caráter (v. acórdão de 22 de junho de 2006, Storck/IHMI, C‑25/05 P, já referido, n.° 83).

61      Foi por aplicação desta jurisprudência que o Tribunal Geral chegou à conclusão, que figura no n.° 69 do acórdão recorrido, de que a marca cujo registo é pedido deve ter adquirido um caráter distintivo pelo uso em toda a União. Esta conclusão não enferma de nenhum erro de direito na medida em que, como decorre dos n.os 51 e 68 do acórdão recorrido, lidos em conjunto, a recorrente não demonstrou que a referida marca é dotada de caráter distintivo intrínseco e em que esta conclusão é válida para todo o território da União. Por esta razão, não podem ser acolhidos o argumento da recorrente nem os dados estatísticos por esta fornecidos em apoio do referido argumento, segundo o qual a marca cujo registo é pedido possui caráter distintivo intrínseco em quinze Estados-Membros e que, como tal, nesses Estados, a aquisição, por esta, de caráter distintivo pelo uso não deve ser exigida.

62      No que diz respeito ao argumento da recorrente segundo o qual, tendo a marca comunitária caráter unitário, a apreciação da aquisição, por uma marca, de caráter distintivo pelo uso não se deve basear nos mercados nacionais individualmente considerados, importa referir que, ainda que seja verdade, em conformidade com a jurisprudência recordada no n.° 60 do presente acórdão, que a aquisição, por uma marca, de caráter distintivo pelo uso deve ser demonstrada em relação à parte da União na qual essa marca não tinha ab initio esse caráter, seria excessivo exigir que a prova dessa aquisição fosse feita relativamente a cada Estado‑Membro individualmente considerado.

63      Todavia, no que respeita ao caso em apreço, o Tribunal Geral não cometeu nenhum erro de direito uma vez que, em todo o caso, a recorrente não provou de forma quantitativamente suficiente a aquisição, pela marca cujo registo é pedido, de caráter distintivo pelo uso em todo o território da União.

64      Por conseguinte, há que julgar improcedente o segundo fundamento.

65      Nestas condições, deve ser negado provimento ao presente recurso.

 Quanto às despesas

66      Nos termos do artigo 69.°, n.° 2, do Regulamento de Processo, aplicável aos recursos de decisões do Tribunal Geral por força do artigo 118.° do mesmo regulamento, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo o IHMI pedido a condenação da Lindt e tendo esta sido vencida, há que condená‑la nas despesas.

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quarta Secção) decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A Chocoladefabriken Lindt & Sprüngli AG é condenada nas despesas.

Assinaturas


* Língua do processo: alemão.