Language of document : ECLI:EU:T:2012:110

Processo T‑210/02 RENV

British Aggregates Association

contra

Comissão Europeia

«Auxílios de Estado ― Imposto ambiental sobre os granulados no Reino Unido ― Decisão da Comissão de não levantar objeções ― Vantagem ― Caráter seletivo»

Sumário do acórdão

1.     Auxílios concedidos pelos Estados ― Conceito ― Caráter seletivo da medida ― Derrogação ao sistema fiscal geral ― Justificação relativa à natureza e à economia do sistema ― Critérios de apreciação

(Artigo 87.°, n.° 1, CE)

2.     Auxílios concedidos pelos Estados ― Conceito ― Caráter seletivo da medida ― Encargo fiscal excecionalmente limitado a um setor económico circunscrito ― Falta de incidência para a qualificação desta medida como auxílio de Estado

(Artigo 87.° CE)

3.     Auxílios concedidos pelos Estados ― Conceito ― Caráter seletivo da medida ― Imposto ambiental ― Diferenças nas condições de sujeição não justificadas pelos objetivos ambientais prosseguidos ― Inclusão

(Artigo 87.°, n.° 1, CE)

4.     Auxílios concedidos pelos Estados ― Conceito ― Caráter seletivo da medida ― Imposto ambiental que onera a comercialização de granulados ― Isenção das exportações ― Exclusão

(Artigo 87.°, n.° 1, CE)

1.      No domínio dos auxílios de Estado, para apreciar a seletividade de uma medida estatal, há que examinar se, no quadro de determinado regime jurídico, essa medida é suscetível de favorecer «certas empresas ou certas produções» na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE relativamente a outras empresas que se encontrem numa situação factual e jurídica comparável à luz do objetivo prosseguido pela medida em causa.

Todavia, não preenche esta condição de seletividade uma medida que, embora constitutiva de uma vantagem para o seu beneficiário, se justifique pela natureza ou pela economia geral do sistema em que se inscreve. Para efeitos desta apreciação, deve fazer‑se uma distinção entre, por um lado, os objetivos de um dado regime fiscal, que lhe são exteriores, e, por outro, os mecanismos inerentes ao próprio sistema fiscal, que são necessários para a realização de tais objetivos, podendo esses objetivos e mecanismos, enquanto princípios fundadores ou diretores do seu sistema fiscal, sustentar essa justificação, o que cabe ao Estado‑Membro demonstrar.

Por outro lado, a fim de apreciar o caráter seletivo da vantagem concedida pela medida em causa, a determinação do quadro de referência reveste importância acrescida no caso das medidas fiscais, dado que a própria existência de uma vantagem só pode ser demonstrada em relação a uma tributação dita «normal». Assim, a qualificação de uma medida fiscal nacional de «seletiva» pressupõe, num primeiro momento, a identificação e o exame prévio do regime fiscal comum ou «normal» aplicável no Estado‑Membro em causa. É em relação a este regime fiscal comum ou «normal» que se deve, num segundo momento, apreciar e estabelecer o eventual caráter seletivo da vantagem concedida pela medida fiscal em causa, na medida em que introduz diferenciações entre operadores económicos que se encontram, à luz do objetivo prosseguido pelo sistema fiscal do Estado‑Membro em causa, numa situação factual e jurídica comparável.

(cf. n.os 47‑49, 84)

2.      No domínio dos auxílios de Estado, mesmo admitindo que um regime fiscal específico possa ser descrito como um «encargo fiscal excecional limitado a um setor económico circunscrito», o mesmo não escapa, por esse simples motivo à proibição prevista no artigo 87.°, n.° 1, CE, uma vez que é suscetível de operar, dentro desse setor, diferenciações que permitem preencher os critérios de vantagem e de seletividade. Além disso, em conformidade com o caráter jurídico do conceito de auxílio, que deve ser interpretado com base em elementos objetivos, a finalidade de uma medida estatal, tal como, o objetivo ambiental ou o caráter de imposto ecológico de um regime fiscal específico ou setorial, não basta para fazer escapar esta medida, liminarmente, à qualificação de auxílio de Estado na aceção desta disposição, devendo a referida medida ser apreciada em função dos seus efeitos e abstraindo das suas causas ou dos seus objetivos. Portanto, o conceito de auxílio na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE exige que se examine se um regime fiscal específico ou setorial comporta diferenciações que tenham por efeito favorecer «certas empresas ou certas produções» dentro do setor visado por esse regime, o que pressupõe por determinar a tributação «normal» em que assenta.

(cf. n.° 52)

3.      No domínio dos auxílios de Estado, para apreciar o caráter seletivo das vantagens conferidas por um regime fiscal, cabe examinar se as medidas fundadas no referido regime são suscetíveis de favorecer «certas empresas ou certas produções» na aceção do artigo 87.°, n.° 1, CE relativamente a outras empresas numa situação factual ou jurídica comparável à luz do objetivo prosseguido pela medida em causa.

Possui esse caráter seletivo um regime fiscal que instaura um imposto específico aplicável ao setor dos granulados cujo objetivo consiste essencialmente em promover, no setor da construção, o recurso a granulados que constituem subprodutos ou resíduos provenientes de certos processos (granulados igualmente ditos «secundários»), ou a granulados reciclados, para dessa forma reduzir o recurso aos granulados extraídos nas carreiras (granulados igualmente ditos «primários»), recursos naturais não renováveis, e, portanto, limitar as agressões ao ambiente que estão associadas a esse processo de extração, uma vez que, por um lado, existe uma relação potencial de concorrência ou de substituibilidade entre esses diferentes granulados para efeitos da sua utilização ou da sua exploração comercial e, por outro, estão isentos do referido imposto os granulados de certos materiais, como a ardósia, a argila plástica, o caulino e o xisto, e estão sujeitos ao referido imposto os granulados de outros materiais, quando, à luz do seu objetivo ambiental, estes diferentes granulados se encontram numa situação comparável quanto à sua utilização como «granulados».

A este respeito, ao verificar se uma regulamentação nacional prevê um tratamento fiscal mais favorável de certas empresas ou produções relativamente ao de outras empresas ou produções que se encontram numa situação factual e jurídica comparável, nem a Comissão nem o Tribunal podem ignorar o objetivo ambiental, uma vez que os elementos que caracterizam situações diferentes e, portanto, o seu caráter comparável devem ser determinados e apreciados à luz do objeto e do objetivo do ato que institui a distinção em causa, bem como dos princípios e objetivos do domínio a que pertence o ato em causa.

Uma diferenciação desta natureza não pode ser justificada pela natureza e pela economia geral do regime fiscal em causa, na medida em que, por um lado, derroga claramente a lógica da tributação normal subjacente ao imposto controvertido e, por outro, é suscetível de prejudicar o objetivo ambiental deste imposto.

(cf. n.os 62, 64, 67, 68, 72, 75, 87, 88)

4.      No domínio dos auxílios de Estado, um imposto ambiental sobre a comercialização de granulados cujo âmbito territorial está limitado ao território de um Estado‑Membro, com a consequência de todas as comercializações de granulados fora deste território, a saber, todas as transações económicas relacionadas com a sua exportação, estarem isentas do imposto, não contém uma vantagem seletiva a favor de certas empresas ou produções, visto que os materiais comercializados no referido território e os materiais exportados para o estrangeiro se encontram em situações distintas em razão do facto de que, na sequência de uma exportação, a aplicação do critério de tributação determinante, a saber, a exploração comercial como granulado, já não pode, em princípio, ser verificada pelas autoridades nacionais do Estado de exploração.

Com efeito, estas autoridades não poderão ou poderão apenas dificilmente determinar se um material exportado é suscetível de ser utilizado e explorado como granulado, o será realmente ou será utilizado para outros fins, o que depende igualmente das especificações regulamentares aplicáveis no país de destino. Mesmo admitindo que seja particularmente fácil às referidas autoridades identificar as propriedades físico‑químicas dos materiais destinados à exportação para assim determinar se são próprios ou impróprios para serem utilizados em processos que permitam beneficiar de uma isenção a título do imposto controvertido, a qualificação de «granulado» ou de material isento não depende precisamente destas propriedades, mas, nomeadamente, de uma exclusão casuística de certos materiais nominalmente identificados ou provenientes de certos processos do âmbito de aplicação desse imposto. Além disso, o facto de os materiais exportados e os materiais comercializados no território do Estado‑Membro em causa não se encontrarem numa situação comparável é confirmado à luz do objetivo ambiental do imposto controvertido, uma vez que, no caso da exportação, o legislador e as autoridades desse Estado não podem reorientar, através de uma tributação diferenciada, a procura de granulados em conformidade com este objetivo.

(cf. n.os 94, 97)