Language of document : ECLI:EU:C:2018:289

CONCLUSÕES DA ADVOGADA‑GERAL

ELEANOR SHARPSTON

apresentadas em 26 de abril de 2018 (1)

Processo C‑41/17

Isabel González Castro

contra

Mutua Umivale

Prosegur España SL

Instituto Nacional de la Seguridad Social (INSS)

[pedido de decisão prejudicial do Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Supremo Tribunal de Justiça da Galiza, Espanha)]

«Política social — Proteção da segurança e da saúde das trabalhadoras — Diretiva 92/85/CEE — Artigo 7.o — Questão de saber se o “trabalho noturno” abrange um trabalho por turnos em que a trabalhadora afetada executa as suas funções durante a noite — Trabalhadora lactante — Apreciação das condições de trabalho contestada pela trabalhadora afetada — Artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54/CE — Ónus da prova — Igualdade de tratamento — Discriminação em razão do sexo»






1.        No presente pedido de decisão prejudicial, o Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Supremo Tribunal de Justiça da Galiza, Espanha) pede ao Tribunal de Justiça orientações sobre o significado da expressão «trabalho noturno» constante da Diretiva 92/85/CEE relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho (2). O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se uma mãe lactante, que trabalha por turnos por efeito de um acordo mediante o qual algumas horas são realizadas em horário noturno, beneficia de proteção específica ao abrigo dessa diretiva. O referido órgão jurisdicional pergunta igualmente se é aplicável, no caso de a trabalhadora afetada contestar uma decisão em que lhe é recusada autorização de dispensa para amamentar o filho bem como o pagamento de uma prestação pecuniária respeitante a esse período, a Diretiva 2006/54/CEE relativa à aplicação do princípio de igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional (3). Certas disposições dessa diretiva fazem recair sobre o empregador (ou para a autoridade competente, conforme o caso) o ónus da prova de que não houve discriminação no processo em questão.

 Direito da União

 Diretiva 89/391

2.        A Diretiva 89/391/CEE relativa à aplicação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde dos trabalhadores no trabalho (4) é uma diretiva‑quadro. Define «Prevenção» como «o conjunto das disposições ou medidas tomadas ou previstas em todas as fases da atividade da empresa, tendo em vista evitar ou diminuir os riscos profissionais» (5). A secção II estabelece as obrigações das entidades patronais, que incluem um dever de assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspetos relacionados com o trabalho (6). A diretiva dispõe que os grupos sujeitos a riscos especialmente sensíveis devem ser protegidos contra os perigos que os afetam especificamente (7) e atribui ao legislador da União poderes para adotar diretivas especiais destinadas a promover a melhoria ambiente de trabalho no que diz respeito à segurança e à saúde dos trabalhadores (8).

 Diretiva 92/85

3.        A Diretiva 92/85 foi adotada no quadro da Diretiva 89/391. Os considerandos indicam que as trabalhadoras grávidas, puérperas e lactantes constituem um grupo sujeito a riscos específicos (9). A proteção da segurança e da saúde dessas trabalhadoras não deve desfavorecer as mulheres no mercado de trabalho e não deve afetar as diretivas em matéria de igualdade de tratamento entre homens e mulheres (10). Certas atividades podem apresentar um risco específico de exposição para esse grupo de trabalhadoras: tais riscos devem ser avaliados e o resultado dessa avaliação comunicado às trabalhadoras afetadas (11). No caso de essa avaliação revelar um risco para a segurança ou a saúde da trabalhadora, deve ser previsto um dispositivo de proteção desta (12). Deverão ser tomadas medidas para assegurar que as trabalhadoras incluídas nesse grupo não sejam obrigadas a realizar trabalho noturno, quando tal seja necessário do ponto de vista da sua segurança e da sua saúde (13).

4.        O artigo 1.o, n.o 1, dispõe que o objeto da Diretiva 92/85 é «a adoção de medidas tendentes a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho».

5.        Segundo as definições que figuram no artigo 2.o, entende‑se por:

«a)      Trabalhadora grávida: toda a trabalhadora grávida que informe o empregador do seu estado, em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais;

b)      Trabalhadora puérpera: toda a trabalhadora puérpera nos termos das legislações e/ou práticas nacionais que informe o empregador do seu estado, em conformidade com essas legislações e/ou práticas;

c)      Trabalhadora lactante: toda a trabalhadora lactante nos termos das legislações e/ou práticas nacionais que informe o empregador do seu estado, em conformidade com essas legislações e/ou práticas.»

6.        Com base no artigo 3.o, n.o 1, a Comissão estabeleceu diretrizes relativas, nomeadamente, à avaliação dos agentes físicos que comportam riscos para a segurança ou a saúde das trabalhadoras referidas no artigo 2.o (14) O segundo parágrafo do artigo 3.o, n.o 1, dispõe que «as [Diretrizes] abrangerão igualmente os movimentos e posturas, a fadiga mental e física e outras sobrecargas físicas e mentais ligadas à atividade das trabalhadoras referidas no artigo 2.o». O artigo 3.o, n.o 2, refere que essas Diretrizes têm por objetivo servir de base à avaliação de riscos a efetuar para os efeitos do artigo 4.o

7.        O artigo 4.o, n.o 1, dispõe que, para todas as atividades suscetíveis de apresentar um risco específico de exposição a agentes, processos ou condições de trabalho, enumeradas de forma não exaustiva no anexo I (15), o empregador deve avaliar a natureza, o grau e a duração da exposição, na empresa e/ou estabelecimento em causa, das trabalhadoras referidas no artigo 2.o O objetivo da avaliação é apreciar todo e qualquer risco para a segurança ou a saúde, bem como as repercussões sobre, nomeadamente, a amamentação da trabalhadora afetada, e determinar quais as medidas que deverão ser tomadas. Nos termos do artigo 4.o, n.o 2, a trabalhadora afetada deve ser informada dos resultados da avaliação, bem como de todas as medidas relativas à segurança e à saúde no local de trabalho.

8.        O artigo 5.o estabelece que serão tomadas medidas na sequência os resultados de uma avaliação ao abrigo do artigo 4.o se essa avaliação revelar um risco para a segurança ou a saúde ou repercussões sobre a gravidez ou a amamentação de uma trabalhadora. Nesses casos, o empregador deverá tomar as medidas necessárias para evitar a exposição a esses riscos da trabalhadora afetada (artigo 5.o, n.o 1) adaptando temporariamente as suas condições de trabalho e/ou do tempo de trabalho. Se Essa adaptação não for técnica ou objetivamente possível ou não constituir uma exigência aceitável, por razões devidamente justificadas, o empregador deverá tomar as medidas necessárias para mudar de posto de trabalho a trabalhadora afetada (artigo 5.o, n.o 2). Caso a mudança de posto de trabalho não seja técnica e/ou objetivamente possível ou não constitua uma exigência aceitável, por razões devidamente justificáveis, a trabalhadora afetada deverá ser dispensada do trabalho durante todo o período necessário à proteção da sua segurança ou saúde, em conformidade com a legislação e/ou práticas nacionais (artigo 5.o, n.o 3).

9.        O artigo 7.o intitula‑se «Trabalho noturno». Prevê o seguinte:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias para que as trabalhadoras referidas no artigo 2.o não sejam obrigadas a efetuar trabalhos noturnos durante a gravidez e durante um período consecutivo ao parto, que será determinado pela autoridade nacional competente em matéria de segurança e saúde, sob reserva da apresentação de um atestado médico que confirme essa necessidade por razões de segurança ou saúde da trabalhadora em questão de acordo com as regras estabelecidas pelos Estados‑Membros.

2.      As medidas referidas no n.o 1 deverão, em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais, incluir a possibilidade de:

a)      Transferência para um trabalho diurno; ou

b)      Dispensa de trabalho ou prolongamento da licença de maternidade sempre que essa transferência não seja técnica e/ou objetivamente possível ou não constitua uma exigência aceitável por razões devidamente justificadas.»

10.      O artigo 11.o, n.o 1, determina, a fim de garantir os direitos das trabalhadoras protegidos pela Diretiva 92/85, que, quando, designadamente, a avaliação efetuada ao abrigo do artigo 4.o revelar um risco e devam ser tomadas novas medidas com base no artigo 5.o ou nos casos em que seja aplicável o artigo 7.o dessa diretiva, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias em favor das trabalhadoras, incluindo no que se refere à manutenção de uma remuneração e/ou ao benefício de uma prestação adequada.

 Diretiva 2003/88

11.      A Diretiva 2003/88/CE relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (16) inclui a seguinte definição:

«Período noturno: qualquer período de pelo menos sete horas, tal como definido na legislação nacional e que inclua sempre o intervalo entre as 24 horas e as 5 horas.

[…]» (17)

 Diretiva 2006/54

12.      Os considerandos da Diretiva 2006/54 incluem as declarações a seguir referidas. Ressalta claramente dos acórdãos do Tribunal de Justiça que qualquer tratamento desfavorável de uma mulher relacionado com a gravidez ou a maternidade constitui uma discriminação sexual direta em razão do sexo. Esse tratamento deveria, portanto, figurar expressamente na diretiva (18). O Tribunal de Justiça tem repetidamente reconhecido que é legítimo, tendo em conta o princípio da igualdade de tratamento, proteger a condição biológica da mulher na gravidez e na maternidade e prever medidas de proteção da maternidade como meio de alcançar uma verdadeira igualdade. A Diretiva 2006/54 não deverá prejudicar, por conseguinte, a Diretiva 92/85 (19). Por fim, «[a] adoção de disposições relativas ao ónus da prova tem um papel significativo na garantia da aplicação efetiva do princípio da igualdade de tratamento. De acordo com o Tribunal de Justiça deverão, pois, ser tomadas medidas para garantir que o ónus da prova incumba à parte demandada em caso de presumível discriminação, exceto em relação a processos em que cabe ao tribunal ou à instância nacional competente a averiguação dos factos. É no entanto necessário clarificar que a apreciação dos factos constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta continua a incumbir à instância nacional competente, de acordo com o direito nacional e/ou as práticas nacionais. Acresce que é deixada aos Estados‑Membros a possibilidade de introduzirem, em qualquer fase do processo, um regime probatório mais favorável à parte demandante» (20).

13.      O artigo 1.o prevê que o objeto da diretiva é «assegurar a aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no emprego e na atividade profissional».

14.      A discriminação direta está definida no artigo 2.o, n.o 1, alínea a), como sendo a que se verifica «sempre que, em razão do sexo, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável que aquele que é, tenha sido ou possa vir a ser dado a outra pessoa em situação comparável». Nos termos do artigo 2.o, n.o 1, alínea b), existe discriminação indireta «sempre que uma disposição, critério ou prática, aparentemente neutro, seja suscetível de colocar pessoas de um determinado sexo numa situação de desvantagem comparativamente com pessoas do outro sexo, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objetivamente justificado por um objetivo legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários». Para efeitos do artigo 2.o, n.o 2, alínea c), o conceito de «discriminação» inclui «[q]ualquer tratamento menos favorável de uma mulher, no quadro da gravidez ou da licença de maternidade, na aceção da [Diretiva 92/85]».

15.      O artigo 14.o, n.o 1, proíbe a discriminação em razão do sexo, no que diz respeito, nomeadamente, às condições de emprego e de trabalho [artigo 14.o, n.o 1, alínea c)].

16.      O artigo 19.o prevê:

«1.      Os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias, em conformidade com os respetivos sistemas jurídicos, para assegurar que quando uma pessoa que se considere lesada pela não aplicação, no que lhe diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento apresentar, perante um tribunal ou outra instância competente, elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta, incumba à parte demandada provar que não houve violação do princípio da igualdade de tratamento.

2.      O n.o 1 não obsta a que os Estados‑Membros imponham um regime probatório mais favorável à parte demandante.

[…]

4.      Os n.os [1 e 2] aplicar‑se‑ão também:

a)      Às situações abrangidas […] e, na medida em que haja discriminação baseada no sexo, [pela Diretiva 92/85];

[…].»

17.      Nos termos do artigo 28.o, a Diretiva 2006/54 não prejudica as disposições (da União e nacionais) relativas à proteção das mulheres, em particular no que diz respeito à gravidez e à maternidade. Além disso, esse artigo refere expressamente que a Diretiva 2006/54 também não prejudica, designadamente, a Diretiva 92/85.

 Direito espanhol

18.      O artigo 26.o da Ley 31/1995 de Prevención de Riesgos Laborales (Lei 31/1995 sobre a prevenção dos riscos no trabalho, de 8 de novembro de 1995) (a seguir «LPRL») tem a seguinte redação:

«1.      A avaliação dos riscos [para a segurança ou saúde dos trabalhadores] a que se refere o artigo 16.o da presente lei deverá compreender a determinação da natureza, do grau e da duração da exposição das trabalhadoras em situação de gravidez ou parto recente a agentes, procedimentos ou condições de trabalho que possam influir negativamente na saúde das trabalhadoras ou do feto, em qualquer atividade suscetível de apresentar um risco específico. Se os resultados da avaliação revelarem um risco para a segurança ou saúde ou uma possível repercussão na gravidez ou no aleitamento das referidas trabalhadoras, a entidade empregadora adotará as medidas necessárias para evitar a exposição a esse risco, pela adaptação das condições ou do tempo de trabalho da trabalhadora afetada.

Essas medidas incluirão, se necessário, a não realização de trabalho noturno ou de trabalho por turnos.

2.      Quando a adaptação das condições ou do tempo de trabalho não seja possível ou quando, apesar de tal adaptação, as condições de um posto de trabalho possam influir negativamente na saúde da trabalhadora grávida ou do feto, e se assim for atestado pelos serviços médicos do [Instituto Nacional de la Seguridad Social (a seguir “INSS”)] ou das associações mutualistas, consoante a entidade com a qual a entidade empregadora tenha acordado a cobertura dos riscos profissionais, com o relatório do médico do Servicio Nacional de Salud [Serviço Nacional de Saúde, Espanha] que assista a trabalhadora, esta deverá ser afetada a um posto de trabalho ou a uma função diferente e compatível com o seu estado. Para tal, a entidade empregadora deve estabelecer, após consulta dos representantes dos trabalhadores, a lista dos postos de trabalho isentos de riscos.

A mudança de posto ou função é efetuada em conformidade com as regras e critérios aplicáveis nos casos de mobilidade funcional e produzirá efeitos até ao momento em que o estado de saúde da trabalhadora permita a sua reintegração no posto anterior.

[…]

3.      Se a mudança de posto referida não for técnica ou objetivamente possível, ou não constituir uma exigência aceitável, por razões justificadas, pode declarar‑se a passagem da trabalhadora à situação de suspensão do contrato de trabalho por risco durante a gravidez, contemplada no artigo 45.o, n.o 1, alínea d), [do Real Decreto Legislativo 1/1995, por el que se aprueba el texto refundido de la Ley del Estatuto de los Trabajadores (Real Decreto Legislativo 1/1995, que aprova o texto republicado do Estatuto dos Trabalhadores), de 24 de março de 1995], pelo período necessário à proteção da sua segurança e saúde e enquanto persistir a impossibilidade de ser reintegrada no seu posto anterior ou noutro posto compatível com o seu estado.

4.      O disposto nos n.os 1 e 2 do presente artigo é também aplicável no período de aleitamento materno, se as condições de trabalho influírem negativamente na saúde da trabalhadora ou do filho e se a existência dessa situação for atestada, com o relatório do médico do Serviço Nacional de Saúde que assista a trabalhadora ou o seu filho, pelos Serviços Médicos do [INSS] ou das associações mutualistas, consoante o tipo de entidade com a qual a entidade empregadora tenha acordado a cobertura dos riscos profissionais. Pode, além disso, declarar‑se a passagem da trabalhadora à situação de suspensão do contrato por risco durante a amamentação de filhos de idade inferior a nove meses, contemplada no artigo 45.o, n.o 1, alínea d), do [Real Decreto Legislativo 1/1995], se estiverem reunidas as circunstâncias previstas no n.o 3 deste artigo.»

19.      Segundo o direito espanhol, uma situação de risco durante a lactação só implica a suspensão do contrato de trabalho e o direito a uma prestação da segurança social se tiver sido provada a existência do referido risco e não for possível a adaptação do posto de trabalho ou a transferência da pessoa para outro posto de trabalho.

20.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que o Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) declarou reiteradamente em acórdãos relativos ao trabalho por turnos e ao trabalho noturno que os ritmos de trabalho podem não ser considerados automaticamente como riscos para a amamentação. Decidiu, no entanto, que se pode considerar que esse risco existe quando os horários de trabalho forem incompatíveis com os períodos regulares de alimentação do recém‑nascido desde que a incompatibilidade da amamentação direta não possa ser remediada mediante extração do leite, e que, de qualquer modo, teria de ser provado que a extração não é aconselhada no caso concreto por razões ligadas à saúde da mãe ou do recém‑nascido.

21.      No que respeita ao direito processual, o artigo 96.o, n.o 2, da Ley 36/2011, reguladora de la jurisdicción social (Lei 36/2011, relativa ao processo de trabalho), de 10 de outubro de 2011 (a seguir «Ley 36/2011») tem a seguinte epígrafe: «Ónus da prova em caso de discriminação e de acidentes de trabalho». O artigo 96.o, n.o 1, transpõe o artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54 e prevê que, nos casos em que uma pessoa se considere lesada, por não lhe ter sido aplicado o princípio da igualdade de tratamento, demonstre factos que permitam presumir a existência de discriminação fundada, designadamente em razão do sexo, o ónus da prova passa a caber à parte demandada.

 Matéria de facto, tramitação processual e questões prejudiciais

22.      Isabel González Castro estava a trabalhar como vigilante de segurança para a Prosegur España SL. Em 8 de novembro de 2014 teve um filho, que amamentou. Em março de 2015, começou a trabalhar no centro comercial As Termas, em Lugo (Espanha) (21). Trabalhava por turnos de oito horas em regime rotativo de turnos variáveis. O serviço de segurança do seu local de trabalho era prestado, pelo menos, por dois vigilantes, exceto durante os seguintes turnos, nos quais apenas um vigilante de segurança estava de serviço: de segunda a quinta‑feira, trabalhava por turnos de oito horas, das 00:00 às 8:00 horas; às sextas‑feiras, das 14:00 às 20:00 horas; aos sábados, das 15:00 às 20:00 horas; e, aos domingos, da 01:00 às 08:00 horas.

23.      Resulta dos autos enviados pelo órgão jurisdicional de reenvio que, em 3 de março de 2015, I. G. Castro obteve um certificado médico do departamento de pediatria do Serviço Nacional de Saúde sobre os riscos durante a amamentação que confirmava que estava de facto a amamentar o seu filho. A seguradora do empregador, Mutua Umivale, enviou à Prosegur España uma carta‑tipo datada de 3 de março de 2015, indicando que o pedido de pagamento de uma prestação durante a gravidez ou a amamentação era indeferido «porque não existia nenhum risco». I. G. Castro preencheu um formulário intitulado «Pedido de atestado médico que indique a existência de um risco durante a amamentação», datado de 9 de março de 2015, que apresentou ao seu empregador. O texto do modelo desse formulário referia: «O atestado médico solicitado justificará, no seu caso, a sua transferência para outro posto de trabalho ou a mudança das funções que desempenha. Só no caso de essa mudança não se verificar pelos motivos previstos na lei, é que receberá a prestação pelo risco durante a gravidez ou a amamentação». O representante da Prosegur España preencheu um formulário intitulado «Certificado de pagamento das contribuições para o regime de segurança social relativo a um pedido de pagamento de prestação financeira pelo risco durante a amamentação», datado de 13 de março de 2015, afirmando que I. G. Castro estava contratada como vigilante de segurança, que as suas funções incluíam efetuar rondas nas instalações e, quando necessário, prevenir a prática de crimes, e que as suas condições de trabalho não afetavam a amamentação (22).

24.      Seguidamente, a Mutua Umivale examinou formalmente o pedido de atestado médico de I. G. Castro. Em 17 de março de 2015, a Mutua Umivale escreveu a I. G. Castro a indeferir o seu pedido de atestado médico, declarando que, com base nos elementos que a própria trabalhadora tinha fornecido «não havia risco inerente ao seu posto que pudesse ser prejudicial». Os elementos anexados a essa carta citavam passagens do guia da Associação Espanhola de Pediatria «Orientações para a avaliação do risco no local de trabalho durante a amamentação», elaborado pelo INSS (a seguir «Guia da Associação Espanhola de Pediatria»), que indica que «o trabalho noturno e o trabalho por turnos não constitu[em] em si mesmo[s] um risco evidente para a amamentação; embora possam fazer com que a amamentação seja incómoda em razão do regime horário, não há risco de que a amamentação seja interrompida se forem seguidas as recomendações que lhe fizemos» (23).

25.      Em 24 de abril de 2015, I. G. Castro escreveu à Mutua Umivale a contestar o indeferimento. A Mutua Umivale, por carta de 4 de maio de 2015, indeferiu o pedido com o fundamento de que não havia nenhum risco no posto de I. G. Castro que pusesse em risco a saúde da criança. Em 4 de agosto de 2015, a Mutua Umivale apresentou um relatório médico assinado pela Dra. Maria Renau Escudero. O relatório citava o certificado do pediatra que I. G. Castro tinha fornecido e as declarações do seu empregador segundo as quais «nem as suas condições de trabalho nem as suas atividades e funções como vigilante de segurança afetavam a amamentação». O relatório também citava o Guia da Associação Espanhola de Pediatria. Aí se conclui que não há qualquer risco para a trabalhadora em causa que afete a amamentação, citando o guia: «segundo os nossos critérios, o trabalho noturno e o trabalho por turnos não constituem, em si mesmos um risco evidente para a amamentação, embora possamos reconhecer que ambas as circunstâncias terão impacto na amamentação no sentido de esta ser menos cómoda devido ao regime de turnos». Em 30 de dezembro de 2015, o Juzgado de lo Social n.o 3 de Lugo (Tribunal do Trabalho n.o 3 de Lugo, Espanha) negou provimento ao recurso interposto por I. G. Castro daquela decisão, com o fundamento de que o trabalho por turnos ou o trabalho noturno não representam nenhum risco para a amamentação, segundo jurisprudência do Supremo Tribunal espanhol e o Guia da Associação Espanhola de Pediatria. I. G. Castro interpôs recurso dessa decisão para o órgão jurisdicional de reenvio.

26.      I. G. Castro considera que esteve em risco durante o período em que amamentava o seu filho por três motivos: i) o próprio conteúdo da atividade laboral de um vigilante de segurança (o perigo que dela decorre e o stress a ela associado); ii) o facto de o trabalho ser realizado por turnos e por vezes em horário noturno e em solitário; e iii) a impossibilidade de amamentar no centro de trabalho, alegando que não dispunha de um local apropriado para esse efeito e que não podia abandonar o seu posto de trabalho para esse fim. A Mutua Umivale (a seguradora) replica que o trabalho de I. G. Castro não implicava um risco real para a amamentação, mas apenas uma «dificuldade» associada à lactação própria de qualquer atividade laboral. Sustenta que o trabalho noturno e o trabalho por turnos não implicam por si só um risco evidente para a amamentação, «embora possam tornar a lactação mais incómoda», e que as dificuldades ou a incompatibilidade da toma direta do leite pelo recém‑nascido «podem ser remediadas mediante extração do leite materno fora do período de trabalho, uma vez que este pode ser conservado, mesmo à temperatura ambiente, durante longos períodos de tempo».

27.      O órgão jurisdicional de reenvio salienta que não foi apresentada nenhuma prova de que I. G. Castro tivesse acesso a um espaço no local de trabalho adaptado para amamentar o filho ou para extrair leite materno, ou de que fora possível a adaptação ou a mudança do posto de trabalho para evitar as circunstâncias que I. G. Castro alegou constituírem um risco para a amamentação.

28.      Nestas circunstâncias, o órgão jurisdicional de reenvio pede ao Tribunal de Justiça que se pronuncie, a título prejudicial, sobre as seguintes questões:

«1)      Deve o artigo 7.o da [Diretiva 92/85] ser interpretado no sentido de que o trabalho noturno que as trabalhadoras referidas no artigo 2.o não sejam obrigadas a efetuar, incluindo portanto as trabalhadoras lactantes, abrange não apenas o trabalho efetuado integralmente em horário noturno, mas também o trabalho por turnos quando alguns desses turnos, como se verifica no caso dos autos, são realizados em horário noturno?

2)      Num litígio em que está em causa a existência de uma situação de risco de uma trabalhadora lactante, são as regras especiais relativas ao ónus da prova do artigo 19.o, n.o 1, da [Diretiva 2006/54] — transposto para o ordenamento espanhol, entre outros, pelo artigo 96.o, n.o 1, da [Ley 36/2011] — em conjugação com os requisitos previstos no artigo 5.o da [Diretiva 92/85] — transposto para o ordenamento espanhol pelo artigo 26.o da [LPRL] — aplicáveis à dispensa do trabalho da trabalhadora lactante e, se for caso disso, ao reconhecimento da prestação associada a essa situação no ordenamento interno, de acordo com o artigo 11.o, n.o 1, da [Diretiva 92/85]?

3)      Pode o artigo 19.o, n.o 1, da [Diretiva 2006/54] ser interpretado no sentido de que são “elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta” de uma trabalhadora lactante — num litígio em que está em causa a existência de risco durante a lactação natural com dispensa da obrigação de trabalhar, prevista no artigo 5.o da Diretiva 92/85 e transposta para o ordenamento espanhol pelo artigo 26.o da Lei da prevenção dos riscos no trabalho — os factos de: 1) a trabalhadora prestar serviços em regime de trabalho por turnos como vigilante de segurança, e com horário noturno em alguns dos turnos de trabalho que realiza individualmente, e de 2) efetuar rondas e tenha de responder às eventuais emergências (infrações, incêndios ou outros incidentes), sem que, para além disso 3) exista um local apropriado para realizar a lactação natural no centro de trabalho, ou, alternativamente, para proceder à extração mecânica do leite materno?

4)      Se forem provados os “elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta” de acordo com o artigo 19.o, n.o 1, da [Diretiva 2006/54] conjugado com o artigo 5.o da [Diretiva 92/85] — transposto para o ordenamento espanhol pelo artigo 26.o da Lei relativa à prevenção de riscos no trabalho — num litígio em que está em causa a existência de risco durante a lactação natural com dispensa da obrigação de trabalhar: seria exigível à trabalhadora lact[a]nte que, para ser dispensada do trabalho de acordo com a legislação interna — que transpõe o artigo 5.o, n.os 2 e 3 da [Diretiva 92/85] — provasse que a adaptação das condições de trabalho e/ou do tempo de trabalho não é técnica e/ou objetivamente possível ou não constitui uma exigência aceitável e a mudança de posto de trabalho não é técnica e/ou objetivamente possível ou não constitui uma exigência aceitável? Ou, pelo contrário, o ónus da prova dos referidos elementos de facto impende sobre as demandadas (empregador e entidade que garante a prestação de Segurança Social associada à suspensão do contrato de trabalho)?»

29.      Foram apresentadas observações escritas pelo INSS, pelos Governos alemão e espanhol e pela Comissão Europeia. Na audiência de 22 de fevereiro de 2018, as mesmas partes (com exceção do Governo alemão) apresentaram alegações orais.

 Apreciação

 Observações preliminares

30.      O INSS entende que a lei espanhola fornece as respostas às questões do órgão jurisdicional de reenvio. Por conseguinte, alega que o pedido de decisão prejudicial é desnecessário.

31.      Parece‑me que, embora as medidas nacionais de execução das Diretivas 92/85, 2003/88 e 2006/54 caiam no âmbito da competência do órgão jurisdicional de reenvio, a interpretação autêntica das disposições do direito da União que as referidas medidas nacionais transpõem é da competência deste Tribunal de Justiça. Em substância, o órgão jurisdicional de reenvio pretende saber se o conceito de trabalho noturno constante do artigo 7.o da Diretiva 92/85 deve ser interpretado à luz da Diretiva 2003/88 e se a situação de I. G. Castro é abrangida pelo âmbito de aplicação dessa disposição. Pretende igualmente saber em que medida deverá a Diretiva 92/85 ser lida em conjugação com a Diretiva 2006/54. Trata‑se de questões do direito da União. Além disso, é jurisprudência constante que compete apenas aos órgãos jurisdicionais nacionais apreciar a pertinência das questões que submetem ao Tribunal de Justiça (24). Ao submeter o seu pedido de decisão prejudicial, o órgão jurisdicional de reenvio exerceu simplesmente essa competência. Por conseguinte, não concordo com o INSS: as questões do órgão jurisdicional de reenvio devem ser apreciadas.

32.      É pacífico que I. G. Castro foi contratada pela Prosegur España e que, à época dos factos, era considerada «trabalhadora lactante» para os efeitos do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 92/85 (25). Como o Tribunal de Justiça declarou recentemente «uma vez que a condição de mulher lactante está estreitamente associada à maternidade, e especialmente à gravidez ou [à] licença de maternidade, as trabalhadoras lactantes devem ser protegidas do mesmo modo que as trabalhadoras grávidas ou puérperas» (26).

33.      É igualmente pacífico que o ritmo de trabalho de I. G. Castro é o de um trabalhador por turnos, que inclui horas de trabalho que são realizadas durante a noite.

34.      Para terminar, devo salientar que, por força do artigo 7.o da Diretiva 92/85, os Estados‑Membros devem tomar as medidas necessárias para garantir que as trabalhadoras não sejam obrigadas a efetuar trabalhos noturnos durante a gravidez e durante o período consecutivo ao parto, período esse que é determinado pela autoridade nacional competente. A descrição do direito nacional efetuada no despacho de reenvio pelo órgão jurisdicional de reenvio indica que, em Espanha, esse período é de nove meses após o parto. É pacífico que o pedido de prestação de I. G. Castro foi apresentado dentro desse período.

 Primeira questão

35.      Com a sua primeira questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se «trabalho noturno» na aceção do artigo 7.o da Diretiva 92/85 abrange o trabalho por turnos em que a trabalhadora afetada trabalha apenas algumas horas em horário noturno.

36.      O INSS sustenta que compete ao órgão jurisdicional de reenvio determinar se I. G. Castro é uma trabalhadora noturna ao abrigo das regras nacionais e se existe um risco para a lactação atestado por um médico, nos termos do artigo 7.o da Diretiva 92/85 e das regras nacionais pertinentes.

37.      É inegável que as funções do Tribunal de Justiça são claramente distintas das do órgão jurisdicional de reenvio e que é exclusivamente a este último que compete interpretar a legislação nacional (27). No entanto, em processos que têm por base o artigo 267.o TFUE, resulta da divisão de funções entre os tribunais nacionais e este Tribunal de Justiça que o órgão jurisdicional de reenvio é obrigado a interpretar a legislação nacional em causa, tanto quanto possível, à luz do texto e da finalidade das diretivas em questão a fim de alcançar o resultado visado (28). Não compete a este Tribunal de Justiça decidir sobre a compatibilidade das regras nacionais com essas diretivas. Contudo, o Tribunal de Justiça é competente para fornecer ao órgão jurisdicional de reenvio todas as orientações sobre a interpretação do direito da União necessárias que permitam a esse órgão jurisdicional levar a cabo a sua missão (29).

38.      A Alemanha sustenta que o artigo 7.o da Diretiva 92/85 deve ser interpretado à luz da Diretiva 2003/88. Argumenta que o «trabalho noturno» abrange o trabalho por turnos em que algumas horas são realizadas em horário noturno. A Espanha considera que o trabalho por turnos realizado à noite se enquadra no conceito de trabalho noturno, mas que daí não resulta um risco intrínseco para as trabalhadoras lactantes. A Comissão alega que o trabalho noturno abrange não só o trabalho integralmente realizado durante a noite, mas também o trabalho por turnos realizado, pelo menos parcialmente, durante a noite.

39.      Concordo com a Comissão pelas razões que passo a expor.

40.      Em primeiro lugar, embora o conceito de trabalho noturno não esteja definido na Diretiva 92/85, o trabalho noturno não pode ser limitado a um determinado padrão de horário de trabalho. Na minha opinião, o «trabalho noturno» é suscetível de abranger tanto o trabalho integralmente realizado durante o horário noturno como o trabalho por turnos em que apenas uma parte das horas de trabalho é realizada em horário noturno.

41.      Em segundo lugar, é jurisprudência constante que, para interpretar uma disposição do direito da União, devem ter‑se em conta não só os seus termos como também o seu contexto e os objetivos prosseguidos pela regulamentação em que essa disposição se integra (30).

42.      A leitura do artigo 7.o da Diretiva 92/85 que proponho é coerente com os objetivos dessa diretiva. O objetivo da Diretiva 92/85 é incentivar a melhoria da segurança e da saúde no trabalho das trabalhadoras grávidas e puérperas ou que estejam a amamentar (31). Assim, uma trabalhadora que esteja a amamentar faz parte do grupo de risco específico para o qual devem ser tomadas medidas de proteção da segurança e da saúde. Além disso, é coerente com o objetivo geral de prevenção desta medida que as mulheres abrangidas pelo artigo 2.o, alínea c), da diretiva sejam elegíveis para proteção ao abrigo do artigo 7.o se trabalharem em turnos noturnos rotativos, em vez de trabalharem sistematicamente durante o horário noturno.

43.      Pode a Diretiva 2003/88 ser útil para clarificar a interpretação do conceito de trabalho noturno do artigo 7.o da Diretiva 92/85?

44.      Ambas as diretivas têm a mesma base jurídica (32). Contudo, o artigo 7.o da Diretiva 92/85 não se refere à definição de «período noturno» constante do artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 2003/88, e o «trabalho noturno» não é um termo definido nesta última diretiva (33).

45.      Além disso, a Diretiva 92/85 protege um grupo particularmente vulnerável de trabalhadoras (34) e é necessário determinar se a trabalhadora em causa preenche os requisitos dessa diretiva para poder beneficiar das suas disposições. As regras da Diretiva 2003/88 não são necessariamente pertinentes para esta avaliação.

46.      Parece‑me que o trabalho noturno na aceção da Diretiva 92/85 não tem necessariamente o mesmo significado que o período noturno na aceção do artigo 2.o, n.o 3, da Diretiva 2003/88. Trata‑se antes de interpretar as duas diretivas de forma coerente.

47.      A expressão «período noturno» está definida na Diretiva 2003/88 é definida, no artigo 2.o, n.o 3, como qualquer período de pelo menos sete horas, tal como definido na legislação nacional e que inclua o intervalo compreendido entre as 24 horas e as 5 horas. Considero que, ao vocábulo «noturno» que figura na Diretiva 92/85, deve ser atribuído, na falta de qualquer razão imperiosa em sentido contrário, o mesmo significado. Daí resulta que, se um trabalhador desempenhar as suas funções durante esse período, essas horas de trabalho constituirão trabalho noturno para os efeitos do artigo 7.o da Diretiva 92/85. Devo realçar que a Diretiva 2003/88 utiliza a expressão «qualquer período», o que sugere que o trabalho por turnos não está excluído do âmbito da definição.

48.      Também concordo com a observação do órgão jurisdicional de reenvio segundo a qual, se o trabalho por turnos realizado durante a noite estivesse excluído do âmbito de aplicação do artigo 7.o da Diretiva 92/85, uma mãe que amamentasse durante esse período estaria menos protegida do que as mulheres que simplesmente trabalham à noite. É difícil acreditar que o legislador possa ter sido pretendido esse resultado.

49.      O Tribunal de Justiça declarou reiteradamente (em relação à atual Diretiva 2006/54) que os Estados‑Membros são obrigados a não instituir na legislação nacional o princípio da proibição do trabalho noturno feminino, mesmo que essa obrigação admita derrogações, quando não existe qualquer proibição de trabalho noturno para os homens. Tal proibição seria contrária ao princípio da igualdade de tratamento (35).

50.      No entanto, o décimo terceiro considerando da Diretiva 92/85 enuncia que devem ser adotadas disposições para que, nomeadamente, as trabalhadoras lactantes não sejam obrigadas a realizar trabalho noturno, quando tal for necessário do ponto de vista da sua segurança ou da sua saúde. Em conjugação com o regime do artigo 7.o, o referido considerando indica que deve haver uma avaliação individual da situação da trabalhadora afetada.

51.      Como resulta dos autos do processo nacional, I. G. Castro obteve um relatório médico que confirmava que estava realmente a amamentar e que deu início ao processo de obtenção de um atestado médico em apoio do seu pedido, mediante o preenchimento, em 9 de março de 2015, do formulário intitulado «Pedido de atestado médico que indica a existência de um risco durante a amamentação». O INSS declarou na audiência que não intervém no processo de emissão desse atestado médico, que é uma questão entre a trabalhadora, a sua entidade empregadora e, se for o caso, a sua seguradora (no presente processo, a Mutua Umivale). O Tribunal de Justiça foi igualmente informado de que a trabalhadora pode apresentar um certificado de outro médico, como um médico de clínica geral, mas que não é claro que um atestado desse tipo seja só por si suficiente para iniciar o procedimento e tornar a requerente elegível para proteção estabelecida na Diretiva 92/85.

52.      Cabe, naturalmente, ao órgão jurisdicional de reenvio fazer as necessárias constatações de facto. No entanto, a carta da Mutua Umivale ao empregador de I. G. Castro, de 3 de março de 2015, sugere que o seu pedido não iria prosperar, antes mesmo de esta apresentar o pedido formal de atestado médico em 9 de março de 2015 (36). Não há nenhuma indicação de que a entidade empregadora ou a Mutua Umivale tenham efetuado uma avaliação específica da sua situação individual. Se for examinado todo o material disponível resultante das observações do INSS e do Governo espanhol, a descrição feita pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu despacho de reenvio e os documentos constantes dos autos, a prática nacional atual parece ser a de que, quando um determinado perfil de emprego não é reconhecido pelo Guia da Associação Espanhola de Pediatria como implicando um risco para a lactação, o pedido de atestado médico da trabalhadora será rejeitado automaticamente (37).

53.      A meu ver, resulta claro que tal abordagem é contrária à Diretiva 92/85. O legislador da UE decidiu que o trabalho noturno constitui um risco. O atestado médico destina‑se a desencadear uma avaliação da situação da trabalhadora individual num caso concreto. O sistema descrito ao Tribunal de Justiça está claramente em desacordo com os objetivos do legislador.

54.      Não estou a sugerir que tenha havido um comportamento irregular no caso em apreço. No entanto, um procedimento em que a seguradora responsável pelo pagamento da prestação solicitada pela trabalhadora é também atua como filtro que detém o poder de decidir se essa trabalhadora pode obter o atestado médico exigido pelo artigo 7.o da Diretiva 92/85, está intrinsecamente viciado. A seguradora está numa posição de claro conflito de interesses.

55.      Caso I. G. Castro cumpra os requisitos estabelecidos no artigo 7.o, n.o 1, estará protegida pela Diretiva 92/85 e não há necessidade de examinar os artigos 4.o e 5.o (v. questões 2 a 4), uma vez que, quando se aplica o artigo 7.o, não é necessária basear‑se numa avaliação geral dos riscos nos termos do artigo 4.o da Diretiva 92/85 (38). Tal como a situação se apresenta não é claro se os artigos 4.o e 5.o continuam a ser pertinentes para o litígio no processo principal (39).

56.      Por conseguinte, concluo que uma trabalhadora que trabalha por turnos e executa algumas das suas funções em horário noturno pode ser abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 92/85, sempre que apresente um atestado médico que declare a necessidade de tomar medidas para evitar um risco para a sua segurança ou para a sua saúde, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 2, desta diretiva. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta todas as circunstâncias do processo, se a demandante forneceu, ou se lhe foram dadas condições de fornecer, tal atestado.

 Segunda, terceira e quarta questões

 Considerações gerais

57.      Por força do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54, os Estados‑Membros tomarão, em conformidade com os respetivos sistemas jurídicos, as medidas necessárias para assegurar que, quando uma pessoa que se considere lesada pela não aplicação, no que lhe diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento, apresentar elementos de facto que permitam presumir a existência de discriminação direta ou indireta, incumbe à parte demandada provar que não houve violação do referido princípio (40). Com as suas segunda, terceira e quarta questões, o órgão jurisdicional de reenvio pretende, no essencial, obter orientações sobre a forma como essa disposição deve ser conjugada com o artigo 5.o da Diretiva 92/85. Estas questões são particularmente relevantes se I. G. Castro não preencher as condições previstas no artigo 7.o da Diretiva 92/85 para a dispensa de trabalho e para o pagamento de uma prestação nos termos do artigo 11.o, uma vez que não é possível transferi‑la simplesmente para um trabalho diurno (41).

58.      O órgão jurisdicional de reenvio baseou a segunda, terceira e quarta questões no pressuposto de que uma avaliação corretamente realizada com base no artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85 poderia ter demonstrado a existência de um risco para a mãe lactante e de que, consequentemente, é necessário determinar que medidas de proteção da sua segurança e da sua saúde deveriam ter sido adotadas por força do artigo 5.o da referida diretiva. Contudo, não existe qualquer informação no despacho de reenvio (nem nos correspondentes autos do processo nacional) que refira a realização de qualquer avaliação em conformidade com o artigo 4.o, n.os 1 e 2 da Diretiva 92/85. Na audiência, o Governo espanhol informou o Tribunal de que o artigo 26.o LPRL é a disposição principal de execução dos artigos 4.o e 7.o da Diretiva 92/85, mas que a legislação nacional não faz uma distinção clara desses dois artigos da diretiva. Não é totalmente claro se o artigo 4.o ou o artigo 7.o (ou mesmo ambos) constituem a base do pedido da prestação pecuniária apresentado por I. G. Castro. Trata‑se de uma que questão que, em última análise, cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

59.      A situação de I. G. Castro é abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 4.o da Diretiva 92/85?

60.      Essa disposição aplica‑se a uma trabalhadora lactante «para toda a atividade suscetível de apresentar um risco específico de exposição a agentes, processos ou condições de trabalho, cuja lista não exaustiva consta do anexo I». O facto de I. G. Castro não ser empregada em trabalhos mineiros subterrâneos (a única categoria de trabalho enumerada nas «Condições de Trabalho» da lista não exaustiva do anexo I) não significa que um trabalho como o seu esteja necessariamente excluído do âmbito de aplicação da Diretiva 92/85. A avaliação do risco levada a cabo nos termos do artigo 4.o, n.o 1, é efetuada com base nas Diretrizes que abrangem, nomeadamente «a fadiga mental e física e outras sobrecargas físicas e mentais ligadas à atividade das trabalhadoras referidas no artigo 2.o» dessa diretiva (42). O trabalho por turnos e o trabalho noturno são duas situações identificadas nas Diretrizes (43). Assim, a redação do segundo parágrafo do artigo 3.o, n.o 1, lido em conjugação com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85 confirma que um trabalho como o de I. G. Castro é abrangido pelo âmbito de aplicação desta última disposição.

61.      O artigo 4.o é a regra geral que estabelece as medidas a tomar em relação a todas as atividades suscetíveis de envolver um risco específico para as trabalhadoras, na aceção do artigo 2.o da Diretiva 92/85. O artigo 7.o, por outro lado, é uma regra específica, aplicável aos casos de trabalho noturno, que o legislador identificou como suscetível de representar um risco particular para as trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes.

62.      É o empregador que está obrigado a proceder à avaliação do risco e não a trabalhadora afetada a pedir proteção expressamente nos termos da Diretiva 92/85. Isto está inteiramente em conformidade com o quadro estabelecido pela Diretiva 89/391, que impõe aos empregadores a obrigação de tomar medidas preventivas para garantir a segurança e a saúde dos trabalhadores em todos os aspetos relacionados com o trabalho (44).

63.      Em suma, a Diretiva 92/85 introduziu o requisito de avaliar e comunicar riscos. Nos casos em que os resultados da avaliação dos riscos efetuada nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da referida diretiva, revelarem um risco para a segurança ou a saúde e repercussões sobre a gravidez ou a amamentação de uma trabalhadora, o artigo 5.o, n.os 1 e 2 prevê que o empregador é obrigado a adaptar temporariamente as condições de trabalho e/ou o tempo de trabalho da trabalhadora (45). Se isso for impossível nas circunstâncias em causa, a trabalhadora afetada deve ser mudada para outro posto de trabalho. Só quando essa mudança não for possível é que, nos termos do artigo 5.o, n.o 3, deve ser concedida uma licença à trabalhadora, durante todo o período necessário à proteção da sua segurança ou da sua saúde, em conformidade com as legislações e/ou práticas nacionais (46). Assim, o artigo 5.o só é aplicado se os resultados da avaliação prevista no artigo 4.o da Diretiva 92/85 revelarem um risco para a segurança ou a saúde ou repercussões, no caso em apreço para a trabalhadora lactante afetada.

64.      Embora o órgão jurisdicional de reenvio não refira expressamente o artigo 4.o da Diretiva 92/85 nas suas questões prejudiciais, isso não impede que o Tribunal de Justiça lhe forneça todos os elementos necessários à interpretação do direito da União, incluindo outras disposições dessa diretiva (neste caso, em especial, o artigo 4.o) que possam ser úteis (47).

65.      Por conseguinte, entendo que a segunda, a terceira e a quarta questões requerem orientações sobre a interpretação do artigo 19.o da Diretiva 2006/54, relativo à incidência do ónus da prova e do artigo 4.o da Diretiva 92/85. Analisarei a segunda e a terceira questões em conjunto, antes de analisar a quarta questão.

 Segunda e terceira questões

66.      As regras que transferem o ónus da prova para o empregador (ou para a autoridade competente), nos termos do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54 aplicam‑se quando uma trabalhadora na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 92/85, contesta uma avaliação de risco feita em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, dessa diretiva (ou quando o artigo 7.o está em causa) (segunda questão)? Além disso, o que se entende por «elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação direta ou indireta» que figuram no artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54. O órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em especial, se os seguintes factos demonstram a existência de uma discriminação direta ou indireta para os efeitos dessa disposição: i) a trabalhadora prestar serviços em regime de trabalho por turnos e com horário noturno em alguns dos turnos de trabalho que realiza individualmente; ii) o trabalho envolver a vigilância de um edifício, bem como a resposta a eventuais emergências; e iii) não existirem no local de trabalho instalações apropriadas para realizar a lactação natural ou para proceder à extração mecânica do leite materno (terceira questão).

67.      No que diz respeito à avaliação do risco nos termos do artigo 4.o, o empregador deve fazer essa avaliação em conformidade com as Diretrizes (48). Cabe ao empregador identificar: i) riscos, que incluem fadiga mental e física, bem como outras sobrecargas físicas e mentais; e ii) a categoria da trabalhadora, neste caso uma mãe lactante; e diligenciar a avaliação qualitativa e quantitativa de risco, que deve ser realizada por uma pessoa qualificada. As Diretrizes esclarecem que uma avaliação dos riscos deve ter em devida conta os conselhos médicos e as preocupações de cada trabalhadora individualmente considerada (49).

68.      As Diretrizes referem o seguinte em relação à avaliação dos riscos da «Fadiga mental e física e horário de trabalho»: «Os horários de trabalho prolongados, o trabalho por turnos e o trabalho noturno podem ter efeitos significativos sobre a saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes. Nem todas as mulheres são afetadas da mesma forma e os riscos associados variam em função do tipo de trabalho realizado, das condições de trabalho e das pessoas em questão […] a fadiga física e mental aumenta durante a gravidez e o período pós‑natal devido às transformações fisiológicas, e outras, que ocorrem. Dado que estão sujeitas a uma maior fadiga, algumas mulheres grávidas ou lactantes podem estar impossibilitadas de efetuar turnos irregulares ou tardios, trabalho noturno ou horas extraordinárias. A organização do tempo de trabalho […] pode afetar a saúde da mulher grávida e do nascituro, a recuperação após o parto ou a capacidade de amamentar e é suscetível de aumentar os riscos de stress e de afeções associadas ao stress. […]» (50).

69.      O órgão jurisdicional de reenvio explica que o pedido de I. G. Castro foi julgado improcedente em primeira instância, com o fundamento de que «o trabalho por turnos ou o trabalho noturno não representa um risco durante a amamentação, segundo os acórdãos do Tribunal Supremo (Supremo Tribunal) e do manual da Associação Espanhola de Pediatria, e o facto de a trabalhadora ter de “efetuar rondas, responder às eventuais situações de emergência (comportamentos criminosos, incêndios) e, em suma, permanecer vigilante em caso de qualquer incidente (e executar essas funções individualmente em certos casos)” não implica qualquer risco ou impossibilita a amamentação, uma vez que o leite pode ser extraído artificialmente fora do horário de trabalho».

70.      Esta declaração sugere que a autoridade competente teve em conta o perfil geral do posto de trabalho de I. G. Castro, mas não examinou a sua situação particular, conforme é exigido pela leitura conjugada dos artigos 3.o, n.o 2 e 4.o, da Diretiva 92/85.

71.      Nos termos do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54, os Estados‑Membros tomarão as medidas necessárias, em conformidade com os respetivos sistemas jurídicos, para assegurar que, quando uma pessoa que se considere lesada pela inobservância, no que lhe diz respeito, do princípio da igualdade de tratamento e apresentar, perante um tribunal ou outra instância competente, elementos de facto que permitam presumir a existência de discriminação direta ou indireta, incumbe à parte demandada provar que não houve violação do princípio da igualdade de tratamento. O artigo 19.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2006/54 precisa, designadamente, que as regras de inversão do ónus da prova previstas pelo n.o 1 do mesmo artigo são igualmente aplicáveis às situações abrangidas pela Diretiva 92/85, na medida em que haja discriminação baseada no sexo (51). O facto de não se efetuar a avaliação adequada dos riscos nos termos do artigo 4.o da Diretiva 92/85 consubstancia um tratamento menos favorável no quadro da gravidez ou da licença de maternidade, na aceção dessa diretiva, de acordo com o artigo 2.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2006/54: por conseguinte, constitui uma discriminação na aceção desta (52).

72.      O conceito de discriminação indireta, tal como definido no artigo 2.o, n.o 1, alínea b), da Diretiva 2006/54, carece de pertinência no que diz respeito às trabalhadoras abrangidas pelo artigo 2.o da Diretiva 92/85. As disposições, critérios ou práticas que conduzem a um tratamento menos favorável de uma mulher no quadro da gravidez ou da licença de maternidade não podem, por definição, ser «aparentemente neutras», porque essas disposições apenas têm consequências para as categorias específicas de trabalhadoras definidas no artigo 2.o da Diretiva 92/85 (53). Assim, quando uma trabalhadora invoca a Diretiva 92/85, a questão que se coloca é a de saber se existem factos que permitam presumir que houve discriminação direta na aceção do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54 (54).

73.      O artigo 19.o, n.o 4, alínea a), da Diretiva 2006/54 refere, nomeadamente, que as regras relativas à inversão do ónus da prova previstas no artigo 19.o, n.o 1, também se aplicam a situações abrangidas pela Diretiva 92/85, na medida em que haja discriminação em razão do sexo. Qualquer tratamento menos favorável de uma mulher em razão da sua condição de lactante deve ser considerado abrangido pelo âmbito de aplicação do artigo 2.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2006/54 e constitui, portanto, uma discriminação direta em razão do sexo (55). Consequentemente, as regras do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54 são potencialmente aplicáveis.

74.      O Tribunal de Justiça já declarou reiteradamente que, ao reservar aos Estados‑Membros o direito de manterem ou introduzirem disposições destinadas a proteger as mulheres na gravidez e na maternidade, o artigo 2.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2006/54 reconhece a legitimidade, à luz do princípio da igualdade de tratamento dos sexos, em primeiro lugar, da proteção da condição biológica da mulher durante a gravidez e na sequência desta e, em segundo lugar, da proteção das relações especiais entre a mulher e o seu filho durante o período subsequente ao parto. Além disso, nos termos do artigo 14.o da Diretiva 2006/54, qualquer discriminação contra uma mulher em tais circunstâncias é abrangida pela proibição prevista pela mesma diretiva, na medida em que diz respeito às condições de emprego e de trabalho da trabalhadora em causa, na aceção do artigo 14.o, n.o 1, alínea c), dessa diretiva (56).

75.      Os factos indicados pelo órgão jurisdicional de reenvio podem estar na origem de uma discriminação para os efeitos do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54?

76.      Se o empregador não proceder a uma avaliação nos termos do artigo 4.o, n.o 1, quando a trabalhadora em causa estiver abrangida pelo artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 92/85, essa falta consubstancia «elementos de facto constitutivos da presunção de discriminação direta […]» na aceção do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54. Os fatores mencionados pelo órgão jurisdicional de reenvio no seu despacho de reenvio (trabalho por turnos, deveres que incumbem a uma vigilante de segurança, falta de instalações no local de trabalho para amamentar) seriam relevantes para qualquer avaliação. No entanto, não é a existência desses fatores que deve dar origem à avaliação do empregador (57). A necessidade de realizar a avaliação decorre da condição da mulher, neste caso como trabalhadora lactante, e das obrigações do empregador nos termos do artigo 4.o da Diretiva 92/85.

77.      Contudo, quando a trabalhadora em causa se considera lesada e possa demonstrar que a avaliação realizada não incluiu uma avaliação da sua situação específica, isso levaria igualmente a uma presunção de discriminação direta para efeitos do n.o 1 do artigo 19.o da Diretiva 2006/54. Parece‑me ser o caso quando o empregador ou as autoridades competentes aplicam uma política ou uma regra geral segundo a qual o trabalho por turnos ou o trabalho noturno não representam um risco intrínseco para a amamentação, sem examinar a situação específica da trabalhadora em causa e do seu filho. Tal abordagem prejudica, de facto, os objetivos da Diretiva 92/85 e da Diretiva 2006/54. Um processo desse tipo coloca a trabalhadora numa posição em que tem de contestar e, sendo caso disso, elidir a presunção de que o seu trabalho não a coloca em risco. Isto contrasta totalmente com o facto de ambas as diretivas reconhecerem que as trabalhadoras abrangidas pelo artigo 2.o da Diretiva 92/85 constituem um grupo particularmente vulnerável (58). Assim, um processo de avaliação que exige que a trabalhadora afetada elida a presunção geral de que não está em risco porque o perfil do seu posto de trabalho não é considerado como apresentando riscos para mães que amamentam, constitui um tratamento menos favorável de uma mulher para os efeitos do artigo 2.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 2006/54, em conjugação com o artigo 19.o, n.o 1 e n.o 4, alínea a), da mesma diretiva.

78.      Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar se esse é efetivamente o efeito das regras nacionais em causa; se foi realizada uma avaliação nos termos do artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85; e na medida em que houve tal avaliação no caso de I. G. Castro, se foi feita em conformidade com as Diretrizes.

79.      Quando uma trabalhadora, na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 92/85, se considere lesada pela não aplicação do princípio da igualdade de tratamento e demonstre que o seu empregador não procedeu a uma avaliação dos riscos para a sua segurança e a sua saúde prevista no artigo 4.o, n.o 1, dessa diretiva, ou que essa avaliação não foi realizada em conformidade com as Diretrizes a que se refere o artigo 3.o da Diretiva 92/85, essas circunstâncias criam uma presunção de discriminação direta na aceção do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54. Cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se a aplicação prática do sistema nacional em causa é incompatível com a regra constante da referida disposição, que transfere o ónus da prova para a parte demandada.

 Quarta questão

80.      O órgão jurisdicional de reenvio pretende saber, com a quarta questão, se o ónus da prova impende sobre o empregador no caso de este contestar a reivindicação da trabalhadora de que tem direito à dispensa da obrigação de trabalhar e ao pagamento de uma prestação nos termos dos artigos 5.o, n.o 3, e 11.o da Diretiva 92/85. O órgão jurisdicional de reenvio afirma que esta questão só se coloca se o Tribunal de Justiça responder afirmativamente à terceira questão.

81.      Com base na análise que fiz até agora, esta questão apenas se torna pertinente se o órgão jurisdicional de reenvio concluir: i) que as autoridades competentes procederam a uma avaliação, em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, da Diretiva 92/85, que revele um risco para a segurança ou a saúde de I. G. Castro; ii) que as condições de trabalho desta não podiam ser adaptadas temporariamente (artigo 5.o, n.o 1); e iii) que I. G. Castro não podia ser transferida para outro posto de trabalho (artigo 5.o, n.o 2). Embora a descrição dos factos no despacho de reenvio não reflita essa premissa, a reivindicação de I. G. Castro do direito à dispensa de trabalhar e do direito a uma prestação pecuniária continuam a ser o quadro que preside ao processo nacional. A resposta à quarta questão pode, portanto, ajudar o órgão jurisdicional de reenvio a decidir o processo nacional.

82.      É o empregador que tem uma visão geral das condições e requisitos de trabalho dos seus trabalhadores e que está melhor posicionado para avaliar que medidas são apropriadas para os riscos identificados. Assim, uma vez que a avaliação de medidas posteriores nos termos do artigo 5.o da Diretiva 92/85 faz parte do processo principal, o ónus da prova referido no artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54, continua a caber ao empregador (59). A opinião contrária esvaziaria de conteúdo a proteção conferida ao abrigo da Diretiva 92/85 (60). Acrescento que esta me parece ser, sobretudo, uma situação que exige diálogo entre o empregador e a trabalhadora sobre as adaptações necessárias.

83.      Por conseguinte, na medida em que a apreciação da procedência de medidas adicionais com base no artigo 5.o da Diretiva 92/85 faz parte do processo principal, o ónus da prova nos termos do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54 continua a recair sobre a parte demandada.

 Conclusão

84.      À luz de todas as considerações precedentes, entendo que o Tribunal de Justiça deve responder às questões suscitadas pelo Tribunal Superior de Justicia de Galicia (Supremo Tribunal de Justiça da Galiza, Espanha) nos seguintes termos:

–        Uma trabalhadora que trabalha por turnos e executa algumas das suas funções em horário noturno pode ser abrangida pelo âmbito de aplicação do artigo 7.o, n.o 1, da Diretiva 92/85/CEE do Conselho, de 19 de outubro de 1992, relativa à implementação de medidas destinadas a promover a melhoria da segurança e da saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes no trabalho, sempre que apresente um atestado médico que declare a necessidade de tomar medidas para evitar um risco para a sua segurança ou para a sua saúde, em conformidade com o artigo 7.o, n.o 2, desta diretiva. Cabe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar, tendo em conta todas as circunstâncias do processo, se a demandante forneceu, ou se lhe foram dadas condições de fornecer, tal atestado.

–        As regras contidas no artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006, relativa à aplicação do princípio da igualdade de oportunidades e igualdade de tratamento entre homens e mulheres em domínios ligados ao emprego e à atividade profissional, que fazem recair o ónus da prova sobre a parte demandada, aplicam‑se em circunstâncias em que a trabalhadora lactante, na aceção do artigo 2.o, n.o 2, alínea c), da Diretiva 92/85, demonstre que o seu empregador não efetuou uma avaliação de riscos em conformidade com o artigo 4.o, n.o 1, dessa diretiva.

–        Quando uma trabalhadora, na aceção do artigo 2.o, alínea c), da Diretiva 92/85, se considere lesada pela não aplicação do princípio da igualdade de tratamento e demonstre que o seu empregador não procedeu a uma avaliação dos riscos para a sua segurança e a sua saúde prevista no artigo 4.o, n.o 1, dessa diretiva, ou que essa avaliação não foi realizada em conformidade com as Diretrizes a que se refere o artigo 3.o da Diretiva 92/85, essas circunstâncias criam uma presunção de discriminação direta na aceção do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54. Cabe ao órgão jurisdicional nacional verificar se a aplicação prática do sistema nacional em causa é incompatível com a regra constante da referida disposição, que transfere o ónus da prova para a parte demandada.

–        Na medida em que a apreciação da procedência de medidas adicionais com base no artigo 5.o da Diretiva 92/85 faz parte do processo principal, o ónus da prova nos termos do artigo 19.o, n.o 1, da Diretiva 2006/54 continua a recair sobre a parte demandada.


1      Língua original: inglês.


2      Diretiva do Conselho, de 19 de outubro de 1992 (JO 1992, L 348, p. 1).


3      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 5 de julho de 2006 (JO 2006, L 204, p. 23). V., igualmente, n.os 12 a 17 das presentes conclusões, infra.


4      Diretiva do Conselho, de 12 de junho de 1989 (JO 1989, L 183, p. 1).


5      Artigo 3.o, alínea d).


6      Artigo 5.o, n.o 1.


7      Artigo 15.o


8      Artigo 16.o, n.o 1.


9      Oitavo considerando.


10      Nono considerando.


11      Décimo considerando.


12      Décimo primeiro considerando.


13      Décimo terceiro considerando.


14      V. Comunicação da Comissão sobre as diretrizes relativas à avaliação dos agentes químicos, físicos e biológicos bem como dos processos industriais que comportem riscos para a segurança ou a saúde das trabalhadoras grávidas, puérperas ou lactantes [COM (2000) 466 final/2 (a seguir «Diretrizes»)].


15      A lista constante do anexo I inclui agentes físicos, biológicos e químicos, processos e condições de trabalho. No que se refere a estas últimas, apenas são indicados «Trabalhos mineiros subterrâneos».


16      Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, 4 de novembro de 2003 (JO 2003, L 299, p. 9).


17      Artigo 2.o, n.o 3.


18      Considerando 23.


19      Considerando 24.


20      Considerando 30.


21      Qualificarei o período iniciado em março de 2015, quando I. G. Castro trabalhava como vigilante de segurança da Prosegur España e amamentava o filho, como «época dos factos».


22      No ponto 3 do referido modelo, a Prosegur España declarava que tinha tentado adaptar as condições de trabalho de I. González Castro e transferi‑la para outro posto, mas essa transferência não era possível, dado que as suas condições de trabalho não afetavam a amamentação.


23      O sublinhado é meu.


24      Acórdão de 6 de março de 2003, Kaba (C‑466/00, EU:C:2003:127, n.o 40 e jurisprudência referida). V., igualmente, Acórdão de 15 de novembro de 2007, International Mail Spain (C‑162/06, EU:C:2007:681, n.o 23 e jurisprudência referida).


25      Um «trabalhador» na aceção da Diretiva 92/85 é um conceito autónomo do direito da União, v. Acórdão de 11 de novembro de 2010, Danosa (C‑232/09, EU:C:2010:674, n.o 39).


26      Acórdão de 19 de outubro de 2017, Otero Ramos (C‑531/15, EU:C:2017:789, n.o 59). V., igualmente, oitavo considerando da Diretiva 92/85.


27      Acórdão de 15 de janeiro de 2013, Križan e o. (C‑416/10, EU:C:2013:8, n.o 58).


28      Acórdão de 13 de novembro de 1990, Marleasing (C‑106/89, EU:C:1990:395, n.o 8).


29      Acórdão de 15 de novembro de 2007, International Mail Spain (C‑162/06, EU:C:2007:681, n.os 19 e 20 e jurisprudência referida).


30      V., por analogia, o Acórdão de 16 de julho de 2015, Maïstrellis (C‑222/14, EU:C:2015:473, n.o 30).


31      Acórdão de 18 de março de 2014, D. (C‑167/12, EU:C:2014:169, n.o 29 e jurisprudência referida).


32      A base jurídica da Diretiva 92/85 era o artigo 118.o‑A do Tratado CEE; a da Diretiva 2003/88 era o artigo 137.o CE (disposição correspondente ao artigo 118.º‑A do Tratado anterior). A disposição equivalente é atualmente o artigo 153.o TFUE.


33      A Diretiva 92/85 precede, em 11 anos, a Diretiva 2003/88. Esta última codificou a Diretiva 93/104/CE do Conselho, de 23 de novembro de 1993, relativa a determinados aspetos da organização do tempo de trabalho (JO 1993, L 307, p. 18). O artigo 1.o, n.o 4, da Diretiva 2003/88 refere que as disposições da Diretiva 89/391 são integralmente aplicáveis, nomeadamente, ao trabalho noturno, ao trabalho por turnos e ao ritmo de trabalho. V., igualmente considerando 3 da Diretiva 2003/88.


34      Acórdão de 18 de março de 2014, D. (C‑167/12, EU:C:2014:169, n.os 33 e 34).


35      Acórdãos de 13 de março de 1997, Comissão/França (C‑197/96, EU:C:1997:155, n.o 4 e jurisprudência referida), e de 4 de dezembro de 1997, Comissão/Itália (C‑207/96, EU:C:1997:583, n.o 4 e jurisprudência referida). V., igualmente, nono considerando da Diretiva 92/85.


36      V. n.o 23, supra.


37      V. n.os 24 e 25, supra.


38      A proposta inicial COM(90) 406 final afirmava que deveria existir um período obrigatório durante o qual a trabalhadora afetada não deveria realizar trabalho noturno. Esse período poderia ser complementado por um período adicional mediante a apresentação de um atestado médico com a indicação de que tal era necessário para a saúde da trabalhadora. O texto foi modificado na proposta alterada COM(92) 259 final, de 10 de junho de 1992, para a redação do atual artigo 7.o da Diretiva 92/85.


39      V., igualmente, n.os 57 a 64 das presentes conclusões.


40      Acórdão de 21 de julho de 2011, Kelly (C‑104/10, EU:C:2011:506, n.o 29 e jurisprudência referida). Esse processo dizia respeito à Diretiva 97/80/CE do Conselho, de 15 de dezembro de 1997, relativa ao ónus da prova nos casos de discriminação baseada no sexo (JO 1998, L 14, p. 6).


41      V. n.o 27, supra.


42      Artigo 3.o, n.o 1, segundo parágrafo, v. n.o 6 das presentes conclusões.


43      V. n.o 68, infra.


44      V. n.o 2, supra.


45      V. décimo primeiro considerando da Diretiva 92/85.


46      Acórdão de 1 de julho de 2010, Parviainen (C‑471/08, EU:C:2010:391, n.os 31 e 32 e jurisprudência referida).


47      Acórdão de 19 de outubro de 2017, Otero Ramos (C‑531/15, EU:C:2017:789, n.o 39 e jurisprudência referida).


48      Artigo 3.o, n.o 2, da Diretiva 92/85. V., igualmente, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Otero Ramos (C‑531/15, EU:C:2017:789, n.os 44 a 51), e as minhas conclusões nesse processo (EU:C:2017:287, n.os 41 a 45).


49      Incluindo quando a trabalhadora afetada é nova a amamentar: v. pp. 8 e 9 das Diretrizes.


50      V. tabela da p. 13 das Diretrizes.


51      Acórdão de 19 de outubro de 2017, Otero Ramos (C‑531/15, EU:C:2017:789, n.o 53).


52      Acórdão de 19 de outubro de 2017, Otero Ramos (C‑531/15, EU:C:2017:789, n.o 62).


53      Em quase todas as espécies animais heterogâmicas, as crias são normalmente carregadas pela fêmea até ao nascimento. No entanto, em peixes da família «syngnathidae» (que inclui cavalos‑marinhos), são os machos que executam essa função. Não sendo esse o caso dos seres humanos, é intrinsecamente implausível que se encontre uma disposição, critério ou prática, aparentemente neutro, que coloque as pessoas de um determinado sexo numa situação de desvantagem comparativamente com pessoas do outro sexo em relação à gravidez, estado puerperal ou lactação. Tal disposição, critério ou prática não pode ser «aparentemente neutro», uma vez que só pode afetar as mulheres que se enquadram nessas categorias específicas.


54      V. n.o 14, supra, e considerando 23 da Diretiva 2006/54.


55      Acórdão de 19 de outubro de 2017, Otero Ramos (C‑531/15, EU:C:2017:789, n.o 60).


56      Acórdão de 19 de outubro de 2017, Otero Ramos (C‑531/15, EU:C:2017:789, n.o 64).


57      Assim, se algum desses fatores existir, não pode ser determinante.


58      V. n.o 3, supra.


59      Acórdão de 19 de outubro de 2017, Otero Ramos (C‑531/15, EU:C:2017:789, n.o 75). V., igualmente, as minhas conclusões nesse processo (EU:C:2017:287, n.os 90 e 91) e considerando 30 da Diretiva 2006/54.


60      V., neste sentido, Acórdão de 19 de outubro de 2017, Otero Ramos (C‑531/15, EU:C:2017:789, n.o 74).