Language of document : ECLI:EU:C:2001:368

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção)

28 de Junho de 2001 (1)

«Regulamentos (CEE) n.os 1408/71 e 1248/92 - Pensões de velhice - Regras anticúmulo - Inoponibilidade em conformidade com um acórdão do Tribunal de Justiça - Limitação dos efeitos - Violação caracterizada do direito comunitário»

No processo C-118/00,

que tem por objecto um pedido dirigido ao Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 234.° do Tratado CE, pela Cour du travail de Mons (Bélgica), destinado a obter, no litígio pendente neste órgão jurisdicional entre

Gervais Larsy

e

Institut national d'assurances sociales pour travailleurs indépendants (Inasti),

uma decisão a título prejudicial sobre a interpretação do artigo 95.°-A do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n.° 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53), com as alterações introduzidas pelo Regulamento (CEE) n.° 1248/92 do Conselho, de 30 de Abril de 1992 (JO L 136, p. 7), bem como sobre as condições da responsabilidade de um Estado-Membro pelos danos causados aos particulares por violações do direito comunitário,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

composto por: M. Wathelet, presidente de secção, P. Jann (relator) e L. Sevón, juízes,

advogado-geral: P. Léger,


secretário: H. von Holstein, secretário adjunto,

vistas as observações escritas apresentadas:

-    em representação de G. Larsy, por ele próprio;

-    em representação do Institut national d'assurances sociales pour travailleurs indépendants (Inasti), por L. Paeme, na qualidade de agente;

-    em representação da Comissão das Comunidades Europeias, por P. Hillenkamp e H. Michard, na qualidade de agentes;

visto o relatório para audiência,

ouvidas as alegações do Institut national d'assurances sociales pour travailleurs indépendants (Inasti), representado por L. Renaud, na qualidade de agente, e da Comissão, representada por H. Michard, na audiência de 11 de Janeiro de 2001,

ouvidas as conclusões do advogado-geral apresentadas na audiência de 15 de Março de 2001,

profere o presente

Acórdão

1.
    Por acórdão de 20 de Março de 2000, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 29 de Março seguinte, a Cour du travail de Mons submeteu, nos termos do artigo 234.°CE, duas questões prejudiciais sobre a interpretação do artigo 95.°-A do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes de segurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n.° 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983 (JO L 230, p. 6; EE 05 F3 p. 53), com as alterações introduzidas pelo Regulamento (CEE) n.° 1248/92 do Conselho, de 30 de Abril de 1992 (JO L 136, p. 7, a seguir «Regulamento n.° 1408/71»), bem como sobre as condições da responsabilidade de um Estado-Membro pelos danos causados aos particulares por violações do direito comunitário.

2.
    Estas questões foram suscitadas no âmbito de um litígio entre G. Larsy e o Institut national d'assurances sociales pour travailleurs indépendants (a seguir «Inasti»), tendo por objecto um pedido de indemnização por perdas e danos.

Enquadramento jurídico

3.
    O artigo 95.°-A do Regulamento n.° 1408/71 dispõe:

«1.    O Regulamento (CEE) n.° 1248/92 não confere qualquer direito em relação a um período anterior a 1 de Junho de 1992.

2.    Qualquer período de seguro ou de residência cumprido ao abrigo da legislação de um Estado-Membro antes de 1 de Junho de 1992 é tido em conta para a determinação dos direitos conferidos nos termos do Regulamento (CEE) n.° 1248/92.

3.    Sem prejuízo do disposto no n.° 1, é conferido um direito por força do Regulamento (CEE) n.° 1248/92, mesmo que se refira a uma eventualidade ocorrida anteriormente a 1 de Junho de 1992.

4.    Os interessados cujos direitos a uma pensão foram liquidados antes de 1 de Junho de 1992 podem requerer a revisão desses direitos, tendo em conta o disposto no Regulamento (CEE) n.° 1248/92.

5.    Se o pedido referido no n.° 4 for apresentado no prazo de dois anos a partir de 1 de Junho de 1992, os direitos conferidos por força do Regulamento (CEE) n.° 1248/92 serão adquiridos a partir dessa data, não podendo as disposições da legislação de qualquer Estado-Membro relativas à caducidade ou à prescrição de direitos ser oponíveis aos interessados.

6.    Se o pedido referido no n.° 4 for apresentado depois de decorrido o prazo de dois anos a contar de 1 de Junho de 1992, os direitos que não tenham caducado ou prescrito serão adquiridos a partir da data do pedido, sem prejuízo de disposições mais favoráveis da legislação de qualquer Estado-Membro.»

O processo principal e as questões prejudiciais

4.
    G. Larsy, recorrente no processo principal, é um nacional belga estabelecido na Bélgica, perto da fronteira francesa. Exerceu, como viveirista, uma actividade não assalariada nesse Estado-Membro e em França.

5.
    Em 24 de Outubro de 1985, G. Larsy apresentou no Inasti um pedido de pensão de reforma de trabalhador independente.

6.
    Por decisão notificada em 3 de Julho de 1986, o Inasti atribuiu-lhe, com efeitos a partir de 1 de Novembro de 1986, uma pensão de reforma calculada com base numa carreira que se estendeu de 1 de Janeiro de 1941 a 31 de Dezembro de 1985, dando direito a uma pensão completa de 45/45.

7.
    Dado que G. Larsy tinha igualmente pago, de 1 de Janeiro de 1964 a 31 de Dezembro de 1977, contribuições de segurança social às autoridades competentes francesas, estas atribuíram-lhe uma pensão de reforma a partir de 1 de Março de 1987.

8.
    Por esta razão, o Inasti, em 21 de Dezembro de 1988, tomou uma nova decisão, reduzindo, com efeitos a partir de 1 de Março de 1987, os direitos a pensão de reforma na proporção de 31/45, em aplicação do princípio da unicidade da carreira inscrito no artigo 19.° do Decreto real n.° 72, de 10 de Novembro de 1967 (Moniteur belge de 14 de Novembro de 1967, p. 11840).

9.
    Em 16 de Janeiro de 1989, G. Larsy interpôs recurso desta decisão no Tribunal du travail de Tournai (Bélgica), alegando que o montante inicial dos seus direitos a pensão devia ser mantido, não obstante a concessão da pensão de reforma francesa.

10.
    Em 24 de Abril de 1990, aquele tribunal negou provimento ao recurso. Dado não ter sido notificada, a decisão não é definitiva.

11.
    Em seguida, foi interposto no Tribunal du travail de Tournai um recurso por Marius Larsy, irmão de G. Larsy, que se encontrava numa situação de facto e de direito análoga à deste.

12.
    Nesse processo, aquele órgão jurisdicional decidiu submeter ao Tribunal de Justiça questões prejudiciais sobre a interpretação dos artigos 12.° e 46.° do Regulamento n.° 1408/71, disposições relativas à não acumulação das prestações e à sua liquidação pelas instituições competentes dos Estados-Membros.

13.
    No seu acórdão de 2 de Agosto de 1993, Larsy (C-31/92, Colect., p. I-4543), o Tribunal de Justiça declarou que os artigos 12.°, n.° 2, e 46.° do Regulamento n.° 1408/71 não se opõem a que, aquando da determinação de uma pensão exclusivamente em virtude da legislação nacional, seja aplicada uma regra anticúmulo nacional. Estes artigos opõem-se, em contrapartida, a essa aplicação aquando dadeterminação de uma pensão segundo as disposições do artigo 46.° O artigo 46.°, n.° 3, do mesmo regulamento deve ser interpretado no sentido de que a regra anticúmulo desta disposição não é aplicável quando uma pessoa tiver trabalhado durante o mesmo período em dois Estados-Membros e tiver sido obrigada, no mesmo período, a pagar contribuições para o seguro de velhice nesses Estados-Membros.

14.
    Tendo em consideração esta interpretação do Regulamento n.° 1408/71 pelo Tribunal de Justiça, o Tribunal du travail de Tournai concedeu provimento ao recurso de M. Larsy, determinando a atribuição a este último de uma pensão de reforma de trabalhador independente calculada na base de 45/45, sem que a mesma fosse reduzida na devida proporção da pensão de reforma atribuída pelas instituições francesas competentes.

15.
    Respondendo ao pedido de G. Larsy com vista a obter a regularização da sua situação nas mesmas condições de que o seu irmão tinha beneficiado, o Inasti solicitou-lhe, invocando o artigo 95.°-A, n.° 5, do Regulamento n.° 1408/71, que apresentasse um novo pedido de pensão com vista a rever os seus direitos.

16.
    Na sequência deste pedido de 3 de Junho de 1994, o Inasti, em 26 de Abril de 1995, tomou uma nova decisão, atribuindo a G. Larsy uma pensão de reforma completa com efeitos a partir de 1 de Julho de 1994.

17.
    Após ter tomado contacto com a Comissão, G. Larsy, por carta de 8 de Agosto de 1997, recorreu da decisão do Tribunal du travail de Tournai de 24 de Abril de 1990 para a Cour du travail de Mons.

18.
    Neste último tribunal, o Inasti reconheceu que os direitos a pensão de G. Larsy deviam ser recalculados na base de 45/45, com efeitos a partir de 1 de Março de 1987, e que havia que reformar nesses termos a decisão administrativa de 21 de Dezembro de 1988. Contudo, o Inasti considerou que, não existindo culpa, não podia ser condenado no pagamento de uma indemnização.

19.
    No seu acórdão de 10 de Fevereiro de 1999, a Cour du travail de Mons concedeu provimento ao recurso relativamente ao direito de G. Larsy a uma pensão de reforma de trabalhador independente calculada na base de 45/45, a contar de 1 de Março de 1987.

20.
    Mas, como o pedido de G. Larsy incidia igualmente sobre o pagamento de uma indemnização de 1 BEF, a título de reparação de danos morais, e de 100 000 BEF, a título de reparação de um dano material complementar, a Cour du travail de Mons considerou que não estava suficientemente esclarecida, tendo colocado às partes uma questão que consistia, nomeadamente, em saber se o Inasti devia ser considerado como tendo tido um comportamento culposo ao adoptar a decisão de 26 de Abril de 1995, que, embora atribuindo uma pensão completa a G. Larsy, fixava em 1 de Julho de 1994 a data do início dos seus efeitos, quando o pedido inicial de pensão de reformatinha sido apresentado em 1985 e os direitos a pensão controvertidos tinham sido reduzidos pelo Inasti a contar de 1 de Março de 1987. O referido órgão jurisdicional referiu igualmente as observações contidas no parecer escrito do Ministério Público de 13 de Janeiro de 1999. Este último considerou que o acórdão Larsy, já referido, não possuía a autoridade de caso julgado, mas antes a de autoridade moral e que, ao proceder à revisão parcial no que diz respeito à aplicação no tempo da sua decisão de 21 de Dezembro de 1988, o Inasti tinha respeitado esta autoridade moral. O Ministério Público precisou igualmente que a limitação no tempo dos efeitos da decisão de 26 de Abril de 1995 parecia decorrer da legislação comunitária, a saber, o artigo 95.°-A, n.° 5, do Regulamento n.° 1408/71.

21.
    Em resposta à questão que lhe foi colocada pela Cour du travail de Mons, o Inasti alega que não cometeu uma violação suficientemente caracterizada do direito comunitário, uma vez que a regulamentação aplicável não o autorizava a adoptar oficiosamente uma nova decisão, com efeitos a partir de 1 de Março de 1987. Tendo o pedido de revisão sido apresentado fora do prazo previsto no artigo 95.°-A, n.° 5, do Regulamento n.° 1408/71, a revisão devia produzir efeitos a partir de 1 de Julho de 1994. Além disso, o Inasti acentua que G. Larsy apenas recorreu da sentença de 24 de Abril de 1990 em 8 de Dezembro de 1997 e que este atraso é a causa do dano de que reclama reparação.

22.
    G. Larsy, por seu turno, alega que o Inasti não respeitou a autoridade moral do acórdão Larsy, já referido, e que o acórdão da Cour du travail de Mons, de 10 de Fevereiro de 1999, prova que a violação do direito comunitário subsistiu após este acórdão do Tribunal de Justiça.

23.
    Nestes termos, a Cour du travail de Mons decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça as questões prejudiciais seguintes:

    «1)    Deve o artigo 95.°-A, n.° 5, do Regulamento n.° 1408/71 ser interpretado de forma a ser aplicado à situação do segurado na segurança social, trabalhador independente, que recorreu judicialmente de uma decisão administrativa do organismo competente de segurança social dos trabalhadores independentes de um Estado-Membro da União Europeia, que aplicou uma regra anticúmulo do regulamento europeu (artigos 12.° e 46.°) [do Regulamento] (CEE) n.° 1408/71, decisão confirmada por sentença do tribunal nacional desse Estado-Membro, sentença que não foi notificada às partes e da qual, portanto, ainda cabe recurso, apesar de um acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias proferido após a referida sentença, num processo semelhante, e que interpreta os artigos 12.° e 46.° do referido regulamento, ter declarado que, nessa situação, não é aplicável uma regra comunitária anticúmulo, limitando essa aplicação do artigo 95.°-A, n.° 5, feita pelo organismo nacional de segurança social dos trabalhadores independentes a esse segurado após a prolação do acórdão do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias para que os direitos desse segurado sejam revistos, e o artigo 95.°-A, n.° 5, os efeitos do entendimento do referido acórdão do [Tribunal deJustiça], exigindo o referido artigo 95.°-A, n.° 5, para a sua aplicação, que, no caso de litígio, seja formulado um novo pedido do segurado, quanto aos seus direitos e que, na sequência do mesmo, seja proferida nova decisão?

2)    O facto de esse organismo de segurança social dos trabalhadores independentes de um Estado-Membro da CE ter aplicado o artigo 95.°-A, n.° 5, do Regulamento n.° 1408/71, na situação descrita na primeira questão, constitui, nas condições em que o fez, uma violação caracterizada do direito comunitário na acepção da jurisprudência do [Tribunal de Justiça], quando esse organismo já violou o Regulamento n.° 1408/71 (artigos 12.° e 46.°), como refere o acórdão do [Tribunal de Justiça] de 2 de Agosto de 1993, num processo semelhante, o que esse organismo reconhece no processo, e que o tribunal nacional já decidiu nesse sentido por acórdão de 10 de Fevereiro de 1999, e quando, na sequência de correspondência trocada entre a Comissão das Comunidades Europeias e o Estado-Membro, o ministro da tutela do organismo nacional de segurança social lhe solicitou que regularizasse a situação do trabalhador migrante, tendo esse organismo dado seguimento a esse pedido por aplicação do acima referido artigo 95.°-A, n.° 5?»

Quanto à primeira questão

    

24.
    Há que salientar, liminarmente, que esta questão, pelo seu teor, incide exclusivamente sobre a interpretação do artigo 95.°-A, n.° 5, do Regulamento n.° 1408/71, o qual abrange a hipótese de o pedido de revisão dos direitos a pensão ser apresentado num prazo de dois anos a contar de 1 de Junho de 1992.

25.
    Todavia, deve reconhecer-se que, pelas razões indicadas pelo advogado-geral nos n.os 36 a 39 das suas conclusões, o órgão jurisdicional de reenvio precisa de saber se o Inasti desrespeitou o direito comunitário e se, em consequência, incorre em responsabilidade ao limitar no tempo, com fundamento no artigo 95.°-A, n.os 4 a 6, do Regulamento n.° 1408/71, os efeitos de uma decisão de revisão dos direitos a pensão de um trabalhador independente, como é o caso de G. Larsy.

26.
    Por conseguinte, a primeira questão deve ser entendida como perguntando essencialmente se o artigo 95.°-A, n.os 4 a 6, do Regulamento n.° 1408/71 se aplica ao pedido de revisão de uma pensão de reforma cujo montante tenha sido limitado, por força de uma regra anticúmulo aplicável num Estado-Membro, por o seu beneficiário ser igualmente titular de uma tal pensão paga pela instituição competente de outro Estado-Membro.

27.
    A este respeito, há que reconhecer que o artigo 95.°-A do Regulamento n.° 1408/71 foi aí introduzido pelo Regulamento n.° 1248/92 a título de disposição transitória para a aplicação deste último regulamento.

28.
    Daí resulta que, para que o direito a revisão previsto no referido artigo 95.°-A seja susceptível de ter de se aplicar a uma situação determinada, o pedido apresentado para esse efeito deve ser baseado nas novas disposições instituídas pelo Regulamento n.° 1248/92.

29.
    Com efeito, o Tribunal de Justiça já decidiu que o objectivo do artigo 95.°-A, n.° 4, é permitir ao interessado pedir a revisão das prestações liquidadas na vigência do regulamento não alterado, quando se verifica que as regras do Regulamento n.° 1248/92 lhe são mais favoráveis, e beneficiar da manutenção das prestações concedidas segundo as disposições do regulamento não alterado, caso estas se revelem mais vantajosas do que as que resultariam do Regulamento n.° 1248/92 (acórdão de 25 de Setembro de 1997, Baldone, C-307/96, Colect., p. I-5123, n.° 15).

30.
    Esta interpretação é confirmada pelo texto do artigo 95.°-A, n.° 4, do Regulamento n.° 1408/71, que dispõe que os direitos dos interessados podem se revistos a seu pedido, «tendo em conta o disposto no Regulamento (CEE) n.° 1248/92».

31.
    Ora, no processo principal, é patente que o pedido de G. Larsy visava obter, com fundamento nos artigos 12.° e 46 .° do Regulamento n.° 1408/71, a atribuição de uma pensão de reforma calculada na base de 45/45, incluindo no cálculo o período em que o mesmo beneficiou de uma segunda pensão noutro Estado-Membro. Não decorre do processo que aquele tenha invocado qualquer outra disposição do Regulamento n.° 1248/92 que lhe fosse mais favorável.

32.
    Por conseguinte, deve responder-se à primeira questão que o artigo 95.°-A, n.os 4 a 6, do Regulamento n.° 1408/71 não se aplica a um pedido de revisão de uma pensão de reforma cujo montante foi limitado, por força de uma regra anticúmulo aplicável num Estado-Membro, por o seu beneficiário ser igualmente titular de uma tal pensão paga pela instituição competente de outro Estado-Membro, quando o pedido de revisão se funda em disposições diversas das do Regulamento n.° 1248/92.

Quanto à segunda questão

33.
    Através desta questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta essencialmente se o facto de a instituição competente de um Estado-Membro aplicar o artigo 95.°-A, n.os 4 a 6, do Regulamento n.° 1408/71, a um pedido de revisão de uma pensão de reforma, limitando assim a retroactividade da revisão em detrimento do interessado, constitui uma violação caracterizada do direito comunitário, uma vez que, por um lado, a referida disposição não é aplicável ao pedido em causa e que, por outro lado, resulta de um acórdão do Tribunal de Justiça proferido antes da decisão da instituição competente que esta aplicou erradamente uma regra anticúmulo desse Estado-Membro, sem que se possa deduzir desse acórdão que a retroactividade da revisão podia ser limitada.

34.
    Recorde-se, a título liminar, que a responsabilidade pelos prejuízos causados aos particulares por violações do direito comunitário imputáveis a uma autoridade pública nacional constitui um princípio, inerente ao sistema do Tratado CE, de que decorrem obrigações para os Estados-Membros (v. acórdãos de 19 de Novembro de 1991, Francovich e o., C-6/90 e C-9/90, Colect., p. I-5357, n.° 35; de 5 de Março de 1996, Brasserie du pêcheur e Factortame, C-46/93 e C-48/93, Colect., p. I-1029, n.° 31; de 26 de Março de 1996, British Telecommunications, C-392/93, Colect., p. I-1631, n.° 38; de 23 de Maio de 1996, Hedley Lomas, C-5/94, Colect., p. I-2553, n.° 24; de 8 de Outubro de 1996, Dillenkofer e o., C-178/94, C-179/94 e C-188/94 a C-190/94, Colect., p. I-4845, n.° 20; de 2 de Abril de 1998, Norbrook Laboratories, C-127/95, Colect., p. I-1531, n.° 106; e de 4 de Julho de 2000, Haim, C-424/97, Colect., p. I-5123, n.° 26).

35.
    Incumbe a cada um dos Estados-Membros assegurar que os particulares obtenham a reparação do prejuízo que lhes causar a violação do direito comunitário, qualquer que seja a autoridade pública que tenha cometido essa violação e qualquer que seja aquela a quem incumbe, em princípio, segundo o direito do Estado-Membro em questão, o ónus dessa reparação (acórdãos de 1 de Junho de 1999, Konle, C-302/97, Colect., p. I-3099, n.° 62, e Haim, já referido, n.° 27).

36.
    No respeitante às condições em que um Estado-Membro está obrigado a reparar os prejuízos causados aos particulares por violações do direito comunitário que lhe são imputáveis, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que são três, a saber, que a norma jurídica violada vise atribuir direitos aos particulares, que a violação seja suficientemente caracterizada e que exista um nexo de causalidade directo entre a violação da obrigação que incumbe ao Estado e o prejuízo sofrido pelas pessoas lesadas (acórdãos, já referidos, Brasserie du pêcheur e Factortame, n.° 51; Dillenkofer e o., n.os 21 e 23; Norbrook Laboratories, n.° 107, e Haim, n.° 36; v. também acórdão de 18 de Janeiro de 2001, Stockholm Lindöpark, C-150/99, Colect., p. I-493, n.° 37).

37.
    No processo principal, decorre claramente do acórdão de reenvio e do teor da questão colocada que esta se limita à segunda condição enunciada pela jurisprudência referida no número anterior.

38.
    A este respeito, recorde-se, por um lado, que uma violação do direito comunitário é suficientemente caracterizada quando um Estado-Membro violou, de forma manifesta e grave, no exercício da sua competência normativa, os limites impostos ao exercício dessa competência (v. acórdãos, já referidos, Brasserie du pêcheur e Factortame, n.° 55; British Telecommunications, n.° 42; e Dillenkofer e o., n.° 25), e, por outro, que, na hipótese de o Estado-Membro em causa, no momento em que cometeu a infracção, apenas dispor de uma margem de apreciação consideravelmente reduzida, ou mesmo inexistente, a simples infracção ao direito comunitário pode bastar para provar a existência de uma violação suficientemente caracterizada (v. acórdãos, já referidos, Hedley Lomas, n.° 28; Norbrook Laboratories, n.° 109; e Haim, n.° 38).

39.
    Para determinar se uma simples infracção ao direito comunitário constitui uma violação suficientemente caracterizada, deve atender-se a todos os elementos que caracterizam a situação que é submetida ao juiz nacional. Entre tais elementos, constam, designadamente, o grau de clareza e de precisão da regra violada, o carácter intencional ou involuntário do incumprimento verificado ou do prejuízo causado, o carácter desculpável ou não de um eventual erro de direito, o facto de as atitudes adoptadas por uma instituição comunitária terem podido contribuir para a adopção ou a manutenção de medidas ou de práticas nacionais contrárias ao direito comunitário (acórdão Haim, já referido, n.os 42 e 43).

40.
    Embora incumba, em princípio, aos órgãos jurisdicionais nacionais, verificar se estão reunidas as condições da responsabilidade dos Estados-Membros resultante da violação do direito comunitário, deve reconhecer-se que, no presente processo, o Tribunal de Justiça dispõe de todos os elementos necessários para apreciar se os factos deste caso devem ser qualificados como violação suficientemente caracterizada do direito comunitário.

41.
    Verifica-se a este respeito que, em circunstâncias como as que deram origem ao processo principal, a instituição nacional competente não se confrontou com qualquer opção normativa.

42.
    Na verdade, a violação do direito comunitário cometida pelo Inasti diz respeito, por um lado, aos artigos 12.° e 46.° do Regulamento n.° 1408/71, os quais conferiam a G. Larsy o direito à manutenção de uma pensão de reforma calculada na base de 45/45, incluindo no cálculo o período em que o mesmo beneficiou de uma tal pensão paga pela instituição competente de outro Estado-Membro, e, por outro lado, ao artigo 95.°-A do mesmo regulamento, que não pode limitar no tempo o benefício do referido direito, ao contrário da interpretação que o Inasti fez dessa disposição.

43.
    Quanto aos artigos 12.° e 46.° do Regulamento n.° 1408/71, o Tribunal de Justiça julgou, nos n.os 19 e 22 do acórdão Larsy, já referido, que um cúmulo de pensões em benefício de uma pessoa que trabalhou durante um mesmo período em dois Estados-Membros e que foi obrigada, durante esse mesmo período, a pagar contribuições para o seguro de velhice nesses dois Estados-Membros não pode ser considerado injustificado. Este acórdão funda-se numa situação de facto e de direito em tudo comparável àquela que está na origem do processo principal.

44.
    A este respeito, recorde-se que uma violação do direito comunitário é suficientemente caracterizada quando esta perdurou, apesar de ter sido proferido um acórdão do Tribunal de Justiça numa questão prejudicial de que resulte o carácter de infracção do comportamento em causa (acórdão Brasserie du pêcheur e Factortame, já referido, n.° 57).

45.
    Ora, ao indeferir o pedido de G. Larsy de que a sua pensão de reforma fosse calculada na base de 45/45, tal como tinha sido feito em benefício do seu irmão, a instituição competente não retirou todas as consequências de um acórdão do Tribunal de Justiçacontendo, pela interpretação das disposições relevantes do Regulamento n.° 1408/71, que eram aplicáveis à situação dos interessados de forma idêntica, uma resposta clara aos problemas que se colocavam à referida instituição.

46.
    No que toca à aplicação errada do artigo 95.°-A do Regulamento n.° 1408/71 pelo Inasti, há que ter em conta, igualmente, o grau de clareza e de precisão desta disposição.

47.
    A este respeito, verifica-se que a resposta à primeira questão, segundo a qual o artigo 95.°-A do Regulamento n.° 1408/71 não era aplicável nas circunstâncias do processo principal, não deveria colocar dúvidas, tendo em conta o texto e o objectivo dessa disposição.

48.
    Além disso, como recordou a Comissão nas suas observações e como sublinhou o advogado-geral no n.° 87 das suas conclusões, o artigo 95.°-A, n.os 4 a 6, do Regulamento n.° 1408/71 está redigido em termos comparáveis aos do artigo 94.°, n.os 5 a 7, do mesmo regulamento. Ora, o Tribunal de Justiça já tinha decidido, muito antes da decisão adoptada pelo Inasti com base no artigo 95.°-A, que as disposições transitórias do Regulamento n.° 1408/71, entre as quais figura o artigo 94.°, n.° 5, inspiram-se no princípio por força do qual as prestações concedidas ao abrigo da antiga versão do Regulamento n.° 1408/71 não serão reduzidas. A finalidade de tal disposição é, pois, dar ao interessado o direito de solicitar, em seu favor, a revisão de prestações liquidadas ao abrigo da antiga versão do Regulamento n.° 1408/71 (v. acórdão de 4 de Maio de 1988, Viva, 83/87, Colect., p. 2521, n.° 10).

49.
    Assim, há que reconhecer que a aplicação do artigo 95.°-A do Regulamento n.° 1408/71 a uma situação como a que está em causa no processo principal, que teve por consequência a limitação no tempo do efeito dos artigos 12.° e 46.° deste regulamento, constitui uma violação caracterizada do direito comunitário.

50.
    Tal violação não pode justificar-se pelo facto de o Inasti ter aplicado, tal como afirma, o artigo 95.°-A do Regulamento n.° 1408/71 à situação de G. Larsy, em virtude de, tendo em conta o direito processual nacional, aquela ser a única disposição permitindo a revisão, com um efeito parcialmente retroactivo, dos direitos a pensão deste último.

51.
    A este respeito, basta recordar que o Tribunal de Justiça considerou que é incompatível com as exigências inerentes à própria natureza do direito comunitário qualquer norma da ordem jurídica interna ou qualquer prática legislativa, administrativa ou judicial que tenha por consequência a diminuição da eficácia do direito comunitário, pelo facto de recusar ao juiz competente para a aplicação deste direito o poder de, no momento dessa aplicação, fazer tudo o que seja necessário para afastar as disposições legislativas nacionais que constituam, eventualmente, um obstáculo, ainda que temporário, à plena eficácia das normas comunitárias (acórdãos de 9 de Março de 1978, Simmenthal, 106/77, Colect., p. 243, n.° 22, e de 19 de Junho de 1990, Factortame e o., C-213/89, Colect., p. I-2433, n.° 20).

52.
    Este princípio do primado do direito comunitário obriga não somente os órgãos jurisdicionais, mas todas as autoridades do Estado-Membro, a dar pleno efeito às normas comunitárias (v., neste sentido, acórdãos de 13 de Julho de 1972, Comissão/Itália, 48/71, Colect., p. 181, n.° 7, e de 19 de Janeiro de 1993, Comissão/Itália, C-101/91, Colect., p. I-191, n.° 24).

53.
    Assim, na medida em que as disposições processuais nacionais se opunham à garantia efectiva dos direitos que G. Larsy obtinha do efeito directo do direito comunitário, o Inasti deveria ter afastado a sua aplicação.

54.
    De resto, a pertinência da argumentação do Inasti, segundo a qual a força obrigatória da sentença do Tribunal du travail de Tournai, de 24 de Abril de 1990, o impedia de rever com efeitos retroactivos os direitos de G. Larsy, é contrariada pelo seguimento que esta mesma instituição deu ao pedido deste último e que consistiu em proceder, por decisão de 26 de Abril de 1995, à revisão dos seus direitos a pensão com efeitos a 1 de Julho de 1994.

55.
    Resulta de tudo quanto precede que se deve responder à segunda questão que o facto de uma instituição competente de um Estado-Membro aplicar o artigo 95.°-A, n.os 4 a 6, do Regulamento n.° 1408/71 a um pedido de revisão de uma pensão de reforma, limitando assim a retroactividade da revisão em detrimento do interessado, constitui uma violação caracterizada do direito comunitário, uma vez que, por um lado, a referida disposição não é aplicável ao pedido em causa e que, por outro lado, decorre de um acórdão do Tribunal de Justiça proferido antes da decisão da instituição competente que esta aplicou erradamente uma regra anticúmulo desse Estado-Membro, sem que se possa retirar desse mesmo acórdão que a retroactividade da revisão podia ser limitada.0

Quanto às despesas

56.
    As despesas efectuadas pela Comissão, que apresentou observações ao Tribunal, não são reembolsáveis. Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional nacional, compete a este decidir quanto às despesas.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Primeira Secção),

pronunciando-se sobre as questões submetidas pela Cour du travail de Mons, por acórdão de 20 de Março de 2000, declara:

1.
    O artigo 95.°-A, n.os 4 a 6, do Regulamento (CEE) n.° 1408/71 do Conselho, de 14 de Junho de 1971, relativo à aplicação dos regimes desegurança social aos trabalhadores assalariados, aos trabalhadores não assalariados e aos membros da sua família que se deslocam no interior da Comunidade, na sua versão alterada e actualizada pelo Regulamento (CEE) n.° 2001/83 do Conselho, de 2 de Junho de 1983, com as alterações introduzidas pelo Regulamento (CEE) n.° 1248/92 do Conselho, de 30 de Abril de 1992, não se aplica a um pedido de revisão de uma pensão de reforma cujo montante foi limitado, por força de uma regra anticúmulo aplicável num Estado-Membro, por o seu beneficiário ser igualmente titular de uma tal pensão paga pela instituição competente de outro Estado-Membro, quando o pedido de revisão se funda em disposições diversas das do Regulamento n.° 1248/92.

2.
    O facto de uma instituição competente de um Estado-Membro aplicar o artigo 95.°-A, n.os 4 a 6, do Regulamento n.° 1408/71 a um pedido de revisão de uma pensão de reforma, limitando assim a retroactividade da revisão em detrimento do interessado, constitui uma violação caracterizada do direito comunitário, uma vez que, por um lado, o artigo 95.°-A, n.os 4 a 6, do Regulamento n.° 1408/71 não é aplicável ao pedido em causa e que, por outro lado, decorre de um acórdão do Tribunal de Justiça proferido antes da decisão da instituição competente que esta aplicou erradamente uma regra anticúmulo desse Estado-Membro, sem que se possa retirar desse mesmo acórdão que a retroactividade da revisão podia ser limitada.

Wathelet
Jann
Sevón

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 28 de Junho de 2001.

O secretário

O presidente da Primeira Secção

R. Grass

M. Wathelet


1: Língua do processo: francês.