Language of document : ECLI:EU:T:2020:406

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

9 de setembro de 2020 (*)

«Responsabilidade extracontratual — Cooperação para o desenvolvimento — Execução do orçamento da União em gestão indireta — Decisão que suspende a possibilidade de a demandante celebrar novas convenções de delegação em gestão indireta com a Comissão — Ilegalidade — Violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que confere direitos aos particulares — Pedido de ordem judicial — Intempestividade — Alteração da natureza da indemnização pretendida — Inadmissibilidade»

No processo T‑381/15 RENV,

International Management Group (IMG), com sede em Bruxelas (Bélgica), representada por L. Levi e J.‑Y. de Cara, advogados,

demandante,

contra

Comissão Europeia, representada por J. Baquero Cruz e J. Norris, na qualidade de agentes,

demandada,

que tem por objeto um pedido baseado no artigo 268.o TFUE com vista a obter a reparação do prejuízo alegadamente sofrido pela demandante em virtude da decisão da Comissão contida na sua carta de 8 de maio de 2015, de não celebrar com a demandante novas convenções de delegação em gestão indireta «até que haja a certeza absoluta a respeito do [seu] estatuto de organização internacional»,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção),

composto por: R. da Silva Passos, presidente, L. Truchot (relator) e M. Sampol Pucurull, juízes,

secretário: L. Ramette, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 12 de março de 2020,

profere o presente

Acórdão

 Factos que estão na origem do litígio

 Apresentação da demandante

1        Segundo os seus estatutos, tal como constam dos autos, a demandante, International Management Group (IMG), foi criada em 25 de novembro de 1994 como organização internacional denominada «International Management Group — Infrastructure for Bosnia and Herzegovina», com sede em Belgrado (Sérvia), com o objetivo de permitir aos Estados que participam na reconstrução da Bósnia‑Herzegovina disporem para esse efeito de uma entidade dedicada. Desde então, a demandante alargou progressivamente o seu campo de atividade e celebrou, em 13 de junho de 2012, um acordo de sede com o Reino da Bélgica.

2        No quadro das suas atividades, a demandante celebrou várias convenções com a Comissão Europeia, em execução do modo de execução do orçamento da União Europeia dito de «gestão indireta ou conjunta» previsto na regulamentação financeira da União (a seguir «convenções de delegação em gestão indireta»), como a seguir se descreve:

 Modo de gestão conjunta com organizações internacionais (gestão indireta)

3        A gestão indireta é um modo de execução do orçamento da União resultante dos artigos 53.o e 53.o-D do Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 do Conselho, de 25 de junho de 2002, que institui o Regulamento Financeiro aplicável ao orçamento geral das Comunidades Europeias (JO 2002, L 248, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE, Euratom) n.o 1995/2006 do Conselho, de 13 de dezembro de 2006 (JO 2006, L 390, p. 1), e do artigo 43.o do Regulamento (CE, Euratom) n.o 2342/2002 da Comissão, de 23 de dezembro de 2002, que estabelece as normas de execução do Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 (JO 2002, L 357, p. 1), conforme alterado pelo Regulamento (CE, Euratom) n.o 478/2007 da Comissão, de 23 de abril de 2007 (JO 2007, L 111, p. 13) (a seguir, em conjunto com o Regulamento n.o 1605/2002, «regulamentação financeira de 2002»).

4        O artigo 53.o do Regulamento 1605/2002 dispõe:

«A Comissão executará o orçamento de acordo com o disposto nos artigos 53.o‑A a 53.o‑D segundo uma das seguintes modalidades:a)      De forma centralizada;

b)      Em gestão partilhada ou descentralizada;

c)      Em gestão conjunta com organizações internacionais.»

5        O artigo 53.o‑D do mesmo Regulamento enuncia o seguinte:

«1.      Quando a Comissão executar o orçamento em gestão conjunta, certas tarefas de execução orçamental serão confiadas a organizações internacionais […]

[…]

2.      Os acordos individuais celebrados com organizações internacionais para a concessão de financiamento devem incluir disposições circunstanciadas para a realização das tarefas confiadas a essas organizações internacionais.

[…]»

6        O artigo 43.o, n.o 2, do Regulamento n.o 2342/2002 tem a seguinte redação:

«2.      As organizações internacionais referidas no n.o 1 são:

a)      As organizações de direito internacional público criadas por acordos intergovernamentais e as agências especializadas por elas criadas;

[…]»

7        O Regulamento n.o 1605/2002 foi substituído com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2013, pelo Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União e que revoga o Regulamento (CE, Euratom) n.o 1605/2002 (JO 2012, L 298, p. 1). No entanto, o artigo 212.o, alínea a), do Regulamento n.o 966/2012 estabeleceu que os artigos 53.o e 53.o-D do Regulamento n.o 1605/2002 continuariam a ser aplicáveis a todos os compromissos assumidos até 31 de dezembro de 2013.

8        O Regulamento n.o 2342/2002 foi substituído, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2013, pelo Regulamento Delegado (UE) n.o 1268/2012 da Comissão, de 29 de outubro de 2012, sobre as normas de execução do Regulamento (UE, Euratom) n.o 966/2012 (JO 2012, L 362, p. 1) (a seguir, em conjunto com o Regulamento n.o 966/2012, «regulamentação financeira de 2012»).

9        O Regulamento n.o 966/2012 entrou em vigor em 27 de outubro de 2012, nos termos do seu artigo 214.o, primeiro parágrafo, e é aplicável a partir de 1 de janeiro de 2013, nos termos do segundo parágrafo do mesmo artigo, sem prejuízo das datas de aplicação específicas previstas em alguns artigos desse regulamento.

10      Entre esses artigos conta‑se o artigo 58.o, com a epígrafe «modalidades de execução orçamental», aplicável aos compromissos assumidos a partir de 1 de janeiro de 2014, e cujo n.o 1 tem o seguinte teor:

«1. A Comissão executa o orçamento:

a)      Diretamente (“gestão direta”), através dos seus serviços […];

b)      Em regime de gestão partilhada com os Estados‑Membros (“gestão partilhada”); ou

c)      Indiretamente (“gestão indireta”), […] confiando tarefas de execução orçamental:

i)      a países terceiros ou a organismos por eles designados,

ii)      a organizações internacionais e respetivas agências,

[…]»

11      O artigo 43.o do Regulamento Delegado n.o 1268/2012, sob a epígrafe «Disposições específicas aplicáveis à gestão indireta com organizações internacionais», enuncia no seu n.o 1:

«As organizações internacionais a que se refere o artigo 58.o, n.o 1, alínea c), subalínea ii), do [Regulamento 966/2012], são as seguintes:

a)      As organizações de direito internacional público instituídas por acordos intergovernamentais e agências especializadas criadas por essas organizações;

[…]»

 O inquérito do OLAF e sua sequência

12      Em 17 de fevereiro de 2014, o Serviço Europeu de Luta Antifraude (OLAF) informou a Comissão, nos termos do artigo 7.o, n.o 6, do Regulamento (UE, Euratom) n.o 883/2013, relativo aos inquéritos efetuados pelo Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) e que revoga o Regulamento (CE) n.o 1073/1999 do Parlamento Europeu e do Conselho e o Regulamento (Euratom) n.o 1074/1999 do Conselho (JO 2013, L 248, p. 1), que abrira um inquérito (inquérito OF/2011/1002) sobre o estatuto da demandante enquanto «organização internacional», na aceção das regulamentações financeiras de 2002 e de 2012.

13      Em 9 de dezembro de 2014, o OLAF elaborou o seu relatório final (a seguir «relatório do OLAF»), que foi recebido pela Comissão em 15 de dezembro de 2014. O relatório do OLAF incluía uma série de recomendações de consequências administrativas e financeiras.

14      No seu relatório, o OLAF considera, em substância, que a demandante não é uma «organização internacional», no sentido das regulamentações financeiras de 2002 e de 2012 e que nem pode ter personalidade jurídica. O OLAF recomendou portanto à Comissão que aplicasse sanções administrativas e financeiras à demandante e recuperasse os montantes que lhe foram pagos.

15      Em 8 de maio de 2015, a Comissão dirigiu uma carta à demandante (a seguir «carta de 8 de maio de 2015») para a informar sobre o seguimento que pretendia dar ao relatório do OLAF.

16      Na carta de 8 de maio de 2015, em primeiro lugar, a Comissão indicou que aceitara a recomendação do OLAF relativa à realização de auditorias reforçadas assim como de atividades de monitorização e que fora introduzida uma sinalização no sistema de alerta rápido («SAR») relativa à demandante.

17      Em segundo lugar, a Comissão, assinalou que não pediria o reembolso dos fundos que tinham sido concedidos à demandante a título de contrato de gestão direta e que não pretendia, com base nas provas disponíveis, pedir o reembolso dos fundos alocados à demandante em gestão indireta. Assim, segundo a Comissão, os contratos celebrados com a demandante e ainda em curso continuariam a ser executados, de forma que esta pagaria os montantes devidos à demandante em contrapartida das atividades que ela tivesse efetivamente realizado. Contudo, a Comissão precisou que a execução dos contratos em curso seria objeto de uma «monitorização profunda» e de «medidas adicionais adequadas» para proteção dos interesses financeiros da União.

18      Em terceiro lugar, a Comissão indicou que «até haver uma certeza absoluta a respeito do estatuto de organização internacional da [demandante]», os seus serviços não celebrariam com ela novas convenções de delegação em gestão indireta.

 Processos anteriores no Tribunal Geral e no Tribunal de Justiça

19      Por requerimento entrado na secretaria do Tribunal Geral em 14 de julho de 2015, a demandante propôs um recurso registado sob o n.o T‑381/15. Este recurso visava, em substância, a anulação da carta de 8 de maio de 2015, na medida em que a Comissão, por um lado, ordenava medias reforçadas de auditoria e de monitorização e uma sinalização de verificação no SAR e, por outro, lhe recusava a qualidade de organização internacional no sentido das regulamentações financeiras de 2002 e de 2012. Além disso, a demandante pedia a reparação dos seus danos patrimoniais e morais.

20      A Comissão pediu a rejeição do recurso por inadmissibilidade, total ou parcial, e, a título subsidiário, o seu não provimento por falta de fundamento.

21      Por Acórdão de 2 de fevereiro de 2017, IMG/Comissão (T‑381/15, não publicado, a seguir designado por «acórdão inicial», EU:T:2017:57), o Tribunal Geral:

–        declarou não haver que conhecer do mérito de recurso na medida em que a recorrente pedia a anulação da sua inclusão num alerta de verificação no âmbito do SAR;

–        rejeitou o recurso por inadmissibilidade na parte em que tinha por objeto, por um lado, as medidas de auditoria reforçada e de monitorização e, por outro, medidas adicionais para proteção dos interesses financeiros da União, por não serem atos impugnáveis;

–        negou provimento ao recurso de anulação quanto ao restante;

–        indeferiu o pedido de indemnização.

22      Por requerimento entrado na secretaria do Tribunal de Justiça em 11 de abril de 2017, a demandante interpôs recurso do acórdão inicial, registado com o número C 184/17 P, Pediu ao Tribunal de Justiça:

–        «a anulação do [acórdão inicial];

–        em consequência, julgasse procedentes os pedidos formulados pela recorrente na primeira instância conforme revistos, e por conseguinte:

–        anulasse a Decisão da Comissão de 8 de maio de 2015 de recusar à IMG a qualidade de organização internacional para efeitos do Regulamento Financeiro,

–        condenasse a recorrida na reparação do prejuízo patrimonial e não patrimonial avaliado em, respetivamente, 28 milhões de euros e 1 euro,

–        […]»

23      A Comissão, além de ter pedido a negação de provimento ao recurso principal, interpôs um recurso subordinado, no qual pediu ao Tribunal de Justiça, por um lado, a anulação do acórdão inicial, na parte em que o Tribunal Geral rejeitou as suas exceções de inadmissibilidade e, por outro, que decidisse definitivamente, declarando o recurso inadmissível.

24      Por Despacho do presidente do Tribunal de Justiça de 20 de março de 2018, o processo C‑184/17 P foi apensado ao processo C‑183/17 P, que tinha por objeto um recurso interposto pela demandante contra o Acórdão de 2 de fevereiro de 2017, International Management Group/Comissão (T‑29/15, não publicado, EU:T:2017:56), pelo qual o Tribunal Geral negou provimento ao seu recurso de anulação da decisão da Comissão de reatribuição a uma outra entidade a aplicação, em gestão indireta, de um programa de desenvolvimento do comércio com o Myanmar/Birmânia.

25      Por Acórdão de 31 de janeiro de 2019, International Management Group/Comissão (C‑183/17 P e C‑184/17 P, a seguir, «acórdão sobre o recurso» EU:C:2019:78), o Tribunal de Justiça decidiu o seguinte:

«1)      Os Acórdãos do Tribunal Geral da União Europeia de 2 de fevereiro de 2017, International Management Group/Comissão (T‑29/15, não publicado, EU:T:2017:56), e [o acórdão inicial] são anulados.

[…]

3)      A decisão da Comissão Europeia de não celebrar novas convenções de delegação em regime de gestão indireta com a [demandante], contida na sua Decisão de 8 de maio de 2015, é anulada.

4)      O processo T‑381/15 é remetido ao Tribunal Geral da União Europeia para que este decida do pedido de indemnização da [demandante] relativo aos prejuízos que teriam sido causados a esta entidade pela decisão da Comissão referida no ponto 3 do presente dispositivo.

5)      É negado provimentos aos recursos subordinados.

6)      A Comissão é condenada nas despesas nos processos C‑183/17 P, C‑184/17 P e T 29/15.

7)      Reserva se para final a decisão quanto às despesas no processo T‑381/15.»

 Processo e pedidos das partes após a anulação e baixa à primeira instância

26      Por cartas de 6 de fevereiro de 2019, a secretaria do Tribunal Geral convidou as partes a apresentar observações escritas nos termos do artigo 217.o, n.o 1, do Regulamento de Processo do Tribunal Geral, sobre o prosseguimento do processo (a seguir, «observações sobre o prosseguimento do processo»). A demandante e a Comissão entregaram as suas observações na secretaria do Tribunal Geral dentro do prazo.

27      Por cartas de 26 de abril de 2019, a secretaria do Tribunal Geral convidou as partes a apresentarem requerimentos complementares às suas observações escritas, nos termos do artigo 217.o, n.o 3, do Regulamento de Processo (a seguir «observações complementares»). A demandante e a Comissão entregaram na secretaria do Tribunal Geral as suas observações complementares dentro do prazo, o qual fora prorrogado a pedido da demandante.

28      Nas suas observações complementares, a Comissão pediu a suspensão do processo, nos termos do artigo 69.o do Regulamento de Processo, até ser feita a reavaliação do estatuto jurídico da demandante, no âmbito da execução do acórdão sobre o recurso.

29      Por requerimento entregue na secretaria do Tribunal Geral em 12 de julho de 2019, a demandante opôs‑se ao pedido de suspensão da Comissão. Por Decisão do presidente da sétima secção do Tribunal Geral de 16 de julho de 2019, o pedido de suspensão foi indeferido.

30      Nos termos do artigo 106.o, n.o 2, do Regulamento de Processo, a Comissão requereu, em 24 de julho de 2019, a sua audição numa audiência para alegações.

31      Tendo sido alterada a composição do Tribunal Geral por Decisão de 16 de outubro de 2019, o presidente do Tribunal Geral, nos termos do artigo 27.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, designou um novo relator, afeto à sétima secção, com nova composição.

32      Por proposta do juiz‑relator, o Tribunal Geral (sétima secção) decidiu abrir a fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo previstas no artigo 89.o do Regulamento de Processo, colocou questões às partes para resposta por escrito antes da audiência. As partes responderam a essas questões dentro do prazo.

33      Na sua resposta às questões do Tribunal Geral, a Comissão informou que a demandante apresentara ao Tribunal de Justiça um pedido de interpretação do acórdão sobre o recurso e requereu ao Tribunal Geral a suspensão do processo até que o Tribunal de Justiça decidisse o referido pedido.

34      Por Decisão de 28 de fevereiro de 2020, o presidente da sétima secção do Tribunal Geral indeferiu o pedido de suspensão apresentado pela Comissão.

35      Por Despacho de 9 de junho de 2020, International Management Group/Comissão (C‑183/17 P‑INT, não publicada, EU:C:2020:447), o Tribunal de Justiça indeferiu o pedido de interpretação por manifesta inadmissibilidade.

36      As partes fizeram as suas alegações e apresentaram as suas respostas às questões que lho foram oralmente colocadas pelo Tribunal Geral na audiência de 12 de março de 2020.

37      A demandante conclui pedindo ao Tribunal Geral:

–        declare a ação admissível e procedente;

–        condene a Comissão a indemnizar os danos patrimoniais e não patrimoniais;

–        condene a Comissão nas despesas.

38      A Comissão pede ao Tribunal Geral:

–        negue provimento ao pedido de indemnização da demandante por inadmissibilidade parcial e, em qualquer caso, por não fundado;

–        condene a demandante nas despesas.

 Questão de direito

 Objeto do litígio após a anulação do acórdão e baixa do processo à primeira instância

39      Na audiência, em resposta a uma questão do tribunal, as partes confirmaram que o objeto do presente litígio não era mais do que a indemnização do prejuízo decorrente da decisão da Comissão, contida na carta de 8 de maio de 2015, anulada pelo Tribunal de Justiça, de não celebrar com a demandante novas convenções de delegação em gestão indireta «até que haja a certeza absoluta a respeito do [seu estatuto] de organização internacional» (a seguir decisão litigiosa). As declarações foram exaradas na ata da audiência.

 Quanto à admissibilidade

40      Nas suas observações sobre o prosseguimento do processo a título de indemnização dos danos patrimoniais, a demandante pede ao Tribunal Geral:

–        «que ordene à Comissão que lhe conceda […] um volume de atividade de 68,5 milhões de euros […] para compensar a perda de atividade sofrida [entre 2015 e 2019]»;

–        ordene à Comissão que «aja nesse sentido durante um período limitado, que considera razoável fixar em [três] anos»;

–        «associe essa ordem à condenação da Comissão no pagamento de juros de mora, calculados à taxa de 3,5 % e contados a partir de 1 de janeiro de 2021, aplicável ao montante do volume de atividades de 68,5 milhões [de euros] não atribuídos à demandante em 31 de dezembro de 2020»;

–        Condene a Comissão a pagar‑lhe 6,841 milhões de euros, acrescidos de juros de mora calculados à taxa anual de 3,5 %, compostos pelos seguintes montantes:

–        2,45 milhões de euros, «a título de reconstituição das reservas», no que se refere quer à diminuição das reservas existentes entre o fim de 2014 e o fim de 2018 quer as reservas adicionais que a demandante teria podido constituir;

–        3 milhões de euros, a título dos «envelopes de despesas indiretas» de que a demandante teria beneficiado se a Comissão tivesse com ela celebrado convenções de delegação em gestão indireta de 42,5 milhões de euros, sendo precisado que esse prejuízo desapareceria se essas convenções fossem celebradas na sequência das medidas decretadas pelo Tribunal Geral;

–        120 000 euros, a título de indemnizações por despedimentos do pessoal;

–        516 000 euros, a título de recontratação de pessoal;

–        305 000 euros, a título do restabelecimento do funcionamento informático;

–        150 000 euros, a título de restabelecimento de outras despesas de funcionamento;

–        300 000 euros, a título de campanha de comunicação necessária para restabelecer a imagem e a reputação internacional da demandante.

41      No tocante aos danos morais, por um lado, a demandante pede, a título de indemnização, o pagamento de 10 milhões de euros com juros à taxa legal de 3,5 % ao ano a contar de 8 de maio de 2015.

42      Por outro lado, a título de indemnização segundo a equidade, pede ao Tribunal Geral que ordene à Comissão:

–        «a publicação de um comunicado de imprensa em que declare de forma clara e pública que [a demandante] é uma organização internacional no sentido do regulamento financeiro e do direito internacional»;

–        «o reconhecimento de que em consequência [a demandante] tem acesso integral ao sistema de delegação de crédito reservado às organizações internacionais e a outros organismos habilitados»;

–        «a publicação, a suas expensas, na primeira página dos jornais e revistas indicados pela [demandante] de artigos substanciais nos quais as acusações e os rumores de que [a demandante] foi alvo sejam formalmente desmentidos».

43      Em primeiro lugar, a Comissão alega que os pedidos da demandante relativos às ordens que o Tribunal Geral deve emitir a seu respeito são inadmissíveis por não terem sido deduzidos no requerimento inicial e porque a demandante não pode alterar os seus pedidos no processo que se segue à baixa do processo após a anulação. No tocante aos pedidos de ordens relativas aos danos patrimoniais, a Comissão acrescenta que o juiz da União não deve invadir a esfera das competências da autoridade administrativa e não pode portanto dar ordens às instituições. Além disso, as ordens requeridas pela demandante são contrárias ao princípio de boa gestão financeira e à discricionariedade de que a Comissão goza na escolha das modalidades de execução do orçamento da União.

44      Em segundo lugar, a Comissão observa que o montante de 6,841 milhões de euros que a demandante peticiona corresponde em parte a prejuízos diferentes dos indicados no processo anterior à anulação e à baixa do processo. A demandante terá alterado assim o objeto do litígio de forma incompatível com as regras aplicáveis ao processo no Tribunal Geral. A Comissão reconhece contudo que o pedido de pagamento do montante de 3 milhões de euros, deduzido a título de «envelope de custos indiretos», não constitui um pedido novo.

45      Em terceiro lugar, a Comissão sublinha que, no requerimento inicial, a demandante tinha pedido o pagamento de 1 euro simbólico a título de indemnização dos danos morais. Segundo a Comissão, embora a demandante tenha precisado que esse pedido é apresentado «sob condição de cumprimento», não explicou as razões pelas quais esse prejuízo teria atingido um montante de 10 milhões de euros. A Comissão observa que as provas apresentadas pela demandante em anexo às suas observações sobre o prosseguimento do processo para fundamentar o seu novo pedido são artigos de imprensa anteriores à apresentação da petição inicial, não tendo a demandante justificado o atraso na sua apresentação. Estas provas são por isso inadmissíveis, nos termos do artigo 85.o do Regulamento de Processo.

46      Nas suas respostas escritas às questões do Tribunal Geral (v. n.o 32, supra), relativas às exceções suscitadas pela Comissão no articulado complementar, a demandante sustenta, em primeiro lugar, que os danos cuja indemnização reclama e os que indicou na petição inicial são os mesmos. Ter‑se‑ia limitado a precisar os pedidos, atualizando os montantes pedidos, e a explicitar o dano relativo à sua «reconstituição». Sobre os danos morais, a demandante salienta que o seu pedido de um euro simbólico foi deduzido «sob condição de cumprimento».

47      Invocando especialmente o Acórdão de 10 de maio de 2006, Galileo International Technology e o./Comissão (T‑279/03, EU:T:2006:121), a demandante alega que a jurisprudência já admitiu que uma parte pode pedir ao Tribunal Geral, no âmbito de uma ação de indemnização, que decrete contra a instituição demandada uma ordem para adotar ou não adotar determinada conduta. E sublinha que é próprio de uma ordem limitar o poder de apreciação de uma instituição na definição das medias de execução das atribuições de serviço público de que está investida. O princípio da separação de poderes invocado pela Comissão não se opõe a que o juiz limite o poder da administração. Aliás, segundo a demandante, o seu pedido deixa à Comissão uma margem de apreciação sobre a maneira como entende definir o volume de atividade de 68,5 milhões de euros que lhe serão atribuídos.

48      Finalmente, a demandante precisa que os pedidos formulados no n.o 40, primeiro a terceiro travessões, substituíram o pedido de indemnização que deduzira no Tribunal Geral no processo anterior à anulação e baixa do processo, com o qual pretendia o pagamento de 14 milhões de euros por ano durante os anos de 2015 e de 2016.

49      Em primeiro lugar, no tocante aos pedidos da demandante constantes do n.o 40, primeiro a terceiro travessões, relativos à reconstituição natural do dano patrimonial, e do n.o 42, primeiro a terceiro travessões, relativos à reconstituição natural do dano moral, importa referir que, segundo o artigo 76.o, alínea e), do Regulamento de Processo, a demandante é obrigada a formular os pedidos na petição. Assim, em princípio, só os pedidos formulados na petição inicial podem ser tidos em conta e a procedência da ação deve ser apreciada apenas em função dos pedidos constantes da petição inicial (Acórdão de 24 de outubro de 2018, Epsilon International/Comissão, T‑477/16, não publicado, EU:T:2018:714, n.o 45; neste sentido, ver também Acórdãos de 8 de julho de 1965, Krawczynski/Comissão, 83/63, EU:C:1965:70, p. 785, e de 25 de setembro de 1979, Comissão/França, 232/78, EU:C:1979:215, n.o 3).

50      O artigo 84.o, n.o 1, do Regulamento de Processo permite a apresentação de novos fundamentos desde que esses fundamentos tenham origem em elementos de direito e de facto que se tenham revelado durante o processo. Resulta da jurisprudência que essa condição se aplica, a fortiori, a qualquer alteração dos pedidos e que, na falta de elementos de direito ou de facto revelados durante a fase escrita do processo, só podem ser tidos em consideração os pedidos formulados na petição inicial (acórdãos de 13 de setembro de 2013, Berliner Institut für Vergleichende Sozialforschung/Comissão, T‑73/08, não publicado, EU:T:2013:433, n.o 43, e de 24 de outubro de 2018, Epsilon International/Comissão, T‑477/16, não publicado, EU:T:2018:714, n.o 46).

51      Estes princípios são aplicáveis ao presente processo após a anulação e a baixa do processo, uma vez que este processo constitui a continuação parcial do mesmo processo iniciado com a petição inicial (v., neste sentido, Acórdão de 13 de dezembro de 2018, Kakol/Comissão, T‑641/16 RENV e T‑137/17, não publicado, EU:T:2018:958, n.o 70).

52      Daqui resulta que, embora se possa admitir que, devido ao tempo decorrido desde a petição inicial, a demandante adapte, nesta fase do processo, os montantes peticionados nos seus pedidos de indemnização iniciais, desde que explique as razões, está excluído que a demandante possa alterar a natureza do próprio pedido (v., neste sentido, Acórdãos de 15 de julho de 1963, Plaumann/Comissão, 25/62, EU:C:1963:17, p. 224, e de 11 de janeiro de 2002, Biret et Cie/Conselho, T‑210/00, EU:T:2002:3, n.os 48 e 49; v. igualmente, neste sentido e por analogia, Acórdão de 8 de março de 1990, Schwedler/Parlamento, T‑41/89, EU:T:1990:19, n.o 34).

53      No caso em apreço, importa constatar que a demandante não formulou na petição inicial os pedidos de adoção de condutas indicados no n.o 40, primeiro a terceiro travessões, e, no n.o 42, primeiro a terceiro travessões, que deduziu nas suas observações sobre a continuação do processo. Tais pedidos também não constam da réplica ou da ata da audiência do Tribunal Geral de 20 de outubro de 2016, que é um documento autêntico, nos termos do artigo 114.o, n.o 1, do Regulamento de Processo. Com efeito, resulta da petição inicial, da réplica e da referida ata que, no processo antes da baixa do processo, a demandante peticionou o pagamento, a título de danos morais, de um euro simbólico e, a título de danos patrimoniais, uma indemnização de 14 milhões de euros por ano a contar da data da decisão litigiosa (v. n.o 22, supra).

54      Além disso, a demandante confirmou esses pedidos quando pediu ao Tribunal de Justiça no recurso que interpôs contra o acórdão inicial que julgasse procedentes os pedidos formulados em primeira instância (v. n.o 22, supra). O Tribunal de Justiça não considerou reunidas as condições para poder decidir sobre os pedidos de indemnização, pelo que foi necessário fazer baixar o processo, quanto a esta questão, ao Tribunal Geral. Porém, os pedidos de indemnização formulados pela demandante não eram os mesmos que deduz no presente processo após a anulação e a baixa do processo.

55      Aliás, em face dos pedidos da demandante mencionados no n.o 40, primeiro a terceiro travessões, supra, relativos ao pedido da reconstituição natural do dano patrimonial, importa igualmente salientar que a jurisprudência admitiu resultar dos artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE e 268.o TFUE, os quais não excluem a reconstituição natural, que o juiz da União tem competência para aplicar qualquer forma de indemnização conforme com os princípios gerais comuns aos direitos dos Estados‑Membros em matéria de responsabilidade extracontratual, incluindo, se conforme com esses princípios, a reconstituição natural, eventualmente sob a forma de uma ordem de adoção de uma conduta determinada (Acórdãos de 10 de maio de 2006, Galileo International Technology e o./Comissão, T‑279/03, EU:T:2006:121, n.os 62 e 63, e de 8 de novembro de 2011, Idromacchine e o./Comissão, T‑88/09, EU:T:2011:641, n.o 81).

56      Contudo, no caso em apreço, as ordens requeridas pela demandante, que visam obter, por um período máximo de três anos, a celebração de convenções de delegação em gestão indireta por um montante de 68,5 milhões de euros, não permitem assegurar o princípio da boa gestão financeira, que é um princípio geral do direito da União, mencionado designadamente nos artigos 310.o, n.o 5, TFUE e 317.o, primeiro parágrafo, TFUE. Com efeito, se a Comissão fosse obrigada pelo juiz a celebrar as convenções de delegação em gestão indireta com a demandante, não ficaria em condições de determinar, no exercício do seu poder de apreciação e com observância dos princípios da boa administração e da boa gestão financeira, nem o montante do orçamento da União que é preciso dedicar a certos tipos de projetos nem o modo de execução mais adequado do mesmo orçamento, nem, no caso da gestão indireta, o parceiro mais bem colocado para um projeto específico.

57      Além disso, se o Tribunal Geral decretasse ordens para os fins referidos prejudicaria o resultado da apreciação pela Comissão, na sequência da anulação da decisão litigiosa pelo acórdão sobre o recurso, sobre o estatuto de organização internacional da demandante no sentido das disposições relevantes do direito da União. Essa apreciação é necessária para responder à questão de saber se a Comissão pode atribuir à demandante projetos de cooperação para o desenvolvimento através de convenções de delegação em gestão indireta.

58      As considerações expostas no n.o 57, supra, aplicam‑se igualmente às ordens pedidas pela demandante referidas no n.o 42, primeiro a terceiro travessões, que visam, em substância, obter da Comissão declarações públicas que reconheçam o estatuto de organização internacional da demandante e a sua elegibilidade para celebrar convenções de delegação em gestão indireta.

59      Por consequência, os pedidos da demandante mencionados no n.o 40, primeiro a terceiro travessões, e no n.o 42, primeiro a terceiro travessões, devem ser rejeitados por inadmissibilidade.

60      Em segundo lugar, no que se refere ao pedido da demandante referido no n.o 40, supra, importa salientar que os montantes indicados nesse pedido correspondem a danos patrimoniais diferentes dos invocados no processo anterior à anulação e baixa do processo, como resulta dos n.os 53 e 54, com exceção do montante de 3 milhões de euros peticionados a título dos «envelopes de despesas indiretas». A demandante não pode portanto pedir, nesta fase do processo, a reparação destes novos danos.

61      No que se refere ao montante de 3 milhões de euros correspondentes aos «envelopes de despesas indiretas», este montante diz respeito, como confirmaram as partes na audiência, aos «custos indiretos» referidos no artigo 14.4 do documento intitulado «condições gerais aplicáveis às convenções de contribuição da União Europeia com as organizações internacionais» anexo às observações da Comissão sobre o prosseguimento do processo. Esta disposição prevê que a entidade escolhida pode receber uma percentagem fixa dos custos reais elegíveis, fixada em 7 %, a título de custos indiretos, para cobrir custos administrativos gerais dessa entidade. O montante de 3 milhões de euros pedido nesta fase do processo resulta, em substância, da aplicação dessa percentagem ao montante de 42,5 milhões de euros em que a demandante estimou as convenções de delegação em gestão indireta que ela poderia ter celebrado com a Comissão entre 2015 e 2019 se não fosse a decisão litigiosa.

62      Uma vez que o montante de 3 milhões de euros, como reconheceu a Comissão na audiência (v. n.o 44, supra), corresponde à adaptação de um dano patrimonial que fazia parte dos peticionados pela demandante no processo anterior à anulação e baixa do processo, o pedido relativo a esse montante é admissível.

63      Em terceiro lugar, no tocante ao pedido de indemnização dos danos morais estimados em 10 milhões de euros (v. n.o 41, supra), deve salientar‑se, em primeiro lugar, que, quando a demandante pediu, a título dos mesmos danos, o pagamento de um euro simbólico, precisou que o pedido era feito «sob condição de cumprimento». Contudo, importa constatar que não podendo o montante peticionado na fase atual do processo, posterior à anulação e baixa do processo, ser qualificado de simbólico, a demandante alterou a natureza do seu pedido de indemnização dos danos morais invocados.

64      Em segundo lugar, importa apreciar a exceção de inadmissibilidade suscitada pela Comissão aos meios de prova juntos pela demandante em anexo às suas observações sobre o prosseguimento do processo (v. n.o 45, supra).

65      Nos termos do artigo 85.o, n.o 1, do Regulamento de Processo, as provas e os oferecimentos de prova são apresentados na primeira troca de articulados. De acordo com o n.o 2 do mesmo artigo, em apoio da sua argumentação, as partes principais podem ainda apresentar ou oferecer provas na réplica e na tréplica, desde que o atraso na apresentação desses elementos seja justificado. Nos termos do n.o 3, a título excecional, as partes principais podem ainda apresentar ou oferecer provas antes do encerramento da fase oral ou antes da decisão do Tribunal de decidir sem fase oral, desde que o atraso na apresentação desses elementos seja justificado.

66      No caso em apreço, a petição inicial foi entregue na secretaria do Tribunal Geral em 14 de julho de 2015 e a réplica em 13 de maio de 2016. Ora, com duas exceções, os artigos da imprensa juntos no anexo mencionado no n.o 64, supra, têm uma data anterior à da entrega da petição inicial. A primeira exceção é constituída por um artigo publicado em agosto de 2015 e a segunda por um artigo sem data, mas cujo conteúdo permite compreender que foi publicado no decurso do ano de 2015.

67      Não tendo a demandante dado uma explicação sobre as razões pelas quais não juntou esses artigos em anexo à petição inicial, as condições previstas no artigo 85.o do Regulamento de Processo não estão preenchidas, de modo que as provas são inadmissíveis.

68      Tendo em conta as considerações que precedem, impõe‑se concluir que o pedido de indemnização é inadmissível, com exceção do que se refere à reparação dos danos patrimoniais alegadamente sofridos a título dos «envelopes de despesas indiretas», avaliados em 3 milhões de euros, e aos relativos à indemnização dos danos morais avaliados, na petição inicial, em um euro simbólico.

 Quanto ao mérito

69      Segundo jurisprudência constante, a responsabilidade extracontratual da União, nos termos do artigo 340.o, segundo parágrafo, TFUE, está sujeita à verificação de um conjunto de requisitos, concretamente, a ilegalidade do comportamento imputado à instituição da União, a realidade do dano e a existência de um nexo de causalidade entre o comportamento dessa instituição e o dano invocado (v. Acórdão de 5 de setembro de 2019, União Europeia/Guardian Europe e Guardian Europe/União Europeia, C‑447/17 P e C‑479/17 P, EU:C:2019:672, n.o 147 e jurisprudência aí referida).

 Ilegalidade do comportamento censurado à Comissão

70      A condição relativa à ilegalidade censurada às instituições exige que seja demonstrada a existência de uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objeto conferir direitos aos particulares [v. Acórdão de 19 de abril de 2007, Holcim (Alemanha)/Comissão, C‑282/05 P, EU:C:2007:226, n.o 47 e jurisprudência aí referida].

71      As partes estão em desacordo quanto à aplicação deste princípio ao presente processo.

72      Em primeiro lugar, a demandante alega que as disposições relevantes das regulamentações financeiras de 2002 e de 2012 conferem direitos às organizações internacionais nelas visadas. Entre esses direitos contam‑se o direito das entidades ao reconhecimento como organização internacional se forem cumpridas as condições previstas para esse efeito nessa regulamentação, assim como a possibilidade efetiva de lhe serem confiadas tarefas de execução orçamental e de receberem os fundos correspondentes no quadro da gestão indireta. Segundo a demandante, uma vez reconhecido o estatuto de organização internacional a determinada entidade, a Comissão não poderia voltar atrás no reconhecimento desse estatuto, que ficaria adquirido, em conformidade com o direito internacional. A observância desse direito impõe‑se à Comissão, sobretudo quando aplica disposições do direito da União que se referem a noções próprias do direito internacional. Além disso, a demandante sustenta que o princípio da boa administração se opõe a que a Comissão possa pôr em causa o seu estatuto de organização internacional. Na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, a demandante precisou que esse princípio obrigava a Comissão a examinar a sua situação com cuidado e imparcialidade à luz de todas as informações úteis.

73      Em segundo lugar, segundo a demandante, as disposições relevantes das regulamentações financeiras de 2002 e de 2012 não deixam à Comissão nenhuma margem de apreciação, de modo que a sua simples violação constitui uma violação suficientemente caracterizada.

74      A Comissão contesta os argumentos da demandante.

75      A título liminar, deve sublinhar‑se que à parte que invoca a responsabilidade da União incumbe provar que as condições exigidas para esse efeito estão preenchidas, designadamente a relativa a uma violação suficientemente caracterizada de uma norma jurídica que tenha por objeto conferir direitos aos particulares (v., neste sentido, Acórdãos de 23 de março de 2004, Mediador/Lamberts, C‑234/02 P, EU:C:2004:174, n.o 52; de 6 de junho de 2019, Dalli/Comissão, T‑399/17, não publicado, em recurso, EU:T:2019:384, n.o 217, e de 18 de novembro de 2014, McCoy/Comité das Regiões, F‑156/12, EU:F:2014:247, n.o 90).

76      No caso em apreço, a demandante observa com razão que as regulamentações financeiras de 2002 e de 2012, quando utilizam nas suas disposições relativas à gestão indireta os termos «organizações internacionais» e «organizações de direito internacional público», utilizam esses conceitos no sentido que lhes dá o direito internacional.

77      Resulta de jurisprudência constante que os textos do direito da União devem ser interpretados, na medida do possível, à luz do direito internacional (Acórdãos de 14 de julho de 1998, Bettati, C‑341/95, EU:C:1998:353, n.o 20, e de 8 de setembro de 2015, Philips Lighting Poland e Philips Lighting/Conselho, C‑511/13 P, EU:C:2015:553, n.o 60).

78      Esse é o caso da noção de organização internacional constante da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969, que codificou as normas do direito internacional consuetudinário. Segundo a jurisprudência, essas normas fazem parte da ordem jurídica da União (Acórdão de 16 de junho de 1998, Racke, C‑162/96, EU:C:1998:293, n.o 46). Importa no entanto precisar que a noção de organização internacional decorrente do direito internacional consta das regulamentações financeiras de 2002 e de 2012 para os efeitos que, por serem inerentes à execução do orçamento da União, são específicos do direito da União.

79      Cabe salientar que a Comissão, quando executa o orçamento da União, deve antes de mais subordinar‑se ao princípio da boa gestão financeira (v. n.o 56, supra).

80      Daqui decorre que a Comissão, quando analisa a questão de saber se a demandante é uma organização internacional para o efeito de com ela celebrar convenções de delegação em gestão indireta, deve não apenas ter em conta os princípios de direito internacional relativos às organizações internacionais, mas também tomar todas as medidas necessárias para proteger os interesses financeiros da União em conformidade com o princípio supramencionado.

81      Assim, admitindo que, como sustenta a demandante, segundo o direito internacional seja proibido pôr em causa o estatuto de direito internacional reconhecido a uma entidade pelo facto de esse estatuto ser adquirido de forma definitiva, tal proibição não pode aplicar‑se à Comissão quando, na sua competência de execução do orçamento da União, aplica a noção de organização internacional constante das regulamentações financeiras de 2002 e de 2012, para os fins exclusivos dessa regulamentação.

82      A inexistência de tal proibição resulta igualmente do acórdão sobre o recurso, no qual o Tribunal de Justiça declarou o seguinte:

«88      [I]mporta salientar que resulta dos artigos 53.o e 53.o-D, n.o 1, do Regulamento n.o 1605/2002, bem como do artigo 58.o, n.o 1, do Regulamento n.o 966/2012 […], que a Comissão pode, nomeadamente, executar o orçamento da União confiando tarefas de execução orçamental a organizações internacionais.

89      Decorre destas disposições que, quando tenciona adotar a este título uma decisão que confia tarefas de execução orçamental a determinada entidade, a Comissão tem o dever de assegurar que essa entidade possui a qualidade de organização internacional.

90      Além disso, quando, posteriormente à adoção de uma decisão que confia tarefas de execução orçamental a determinada entidade na qualidade de organização internacional, a Comissão adote decisões como as decisões controvertidas com base em elementos que, segundo ela, são suscetíveis de pôr em causa essa qualidade, essas decisões devem ser justificadas em termos jurídicos e factuais.»

83      Daqui resulta que segundo o Tribunal de Justiça e contrariamente ao que sustenta a demandante, cujos argumentos foram indicados no n.o 72, supra, a Comissão pode pôr em causa o estatuto de organização internacional que reconheceu a algumas entidades para efeitos de celebração de convenções de delegação em gestão indireta, desde que esse questionamento seja justificado jurídica e factualmente.

84      É certo que, no acórdão sobre o recurso, o Tribunal de Justiça anulou o acórdão inicial e a decisão litigiosa, pelo facto de a Comissão e, após a rejeição do recurso, o Tribunal Geral, puseram em questão o estatuto de organização internacional da demandante. Todavia, o Tribunal de Justiça salientou o seguinte:

«91 […] O conceito de “organização internacional”, [nas regulamentações financeiras de 2002 e 2012], compreende, entre outros, “[a]s organizações de direito internacional público instituídas por acordos intergovernamentais e agências especializadas criadas por essas organizações”.

92      No caso em apreço, impõe‑se concluir que o Tribunal Geral não fiscalizou a legalidade das decisões controvertidas à luz desta definição, mas se limitou a afirmar que os argumentos e os elementos de prova apresentados pela [demandante] não punham em causa as dúvidas da Comissão quanto ao estatuto de organização internacional da [demandante].

93      Ora, esta afirmação está viciada por um erro de direito, na medida em que nenhum dos elementos avançados pelo Tribunal Geral para considerar justificadas as dúvidas da Comissão […] é suscetível de fundamentar juridicamente essas dúvidas.

94      Com efeito, no que se refere ao primeiro desses elementos, relativo à questão de saber se vários Estados apresentados pela [demandante] como seus membros o eram efetivamente, decorre das próprias constatações do Tribunal Geral que as dúvidas da Comissão a este respeito apenas tinham a ver com “certos” membros da [demandante], mais precisamente cinco deles, num total de dezasseis. Ora, essas dúvidas, admitindo que são fundadas, não têm como consequência, em direito internacional, privar a entidade da qual esses Estados não são — ou já não são — membros da sua qualidade de “organização internacional”, e ainda menos quando, como acontece neste caso, os Estados em causa constituem apenas uma parte minoritária da entidade em causa.

95      No que diz respeito ao segundo elemento, associado à existência de dúvidas quanto aos poderes das pessoas que representaram certos Estados aquando da assinatura do ato constitutivo da [demandante], importa igualmente salientar que ele pode eventualmente pôr em causa a validade do ato de assinatura do ato constitutivo da [demandante] por esses Estados, em particular, mas não a validade da própria criação da [demandante], uma vez que as eventuais irregularidades de representação evocadas apenas dizem respeito a um número limitado de Estados participantes.

[…]

97      Atendendo a todas as considerações anteriores, há que concluir pela procedência do segundo fundamento invocado pela [demandante] em cada um dos seus recursos nos processos C‑183/17 P e C‑184/17 P, relativo ao facto de o Tribunal Geral ter decidido, erradamente […] que a Comissão não tinha cometido um erro de direito nem um erro manifesto de apreciação ao justificar a adoção das decisões controvertidas pelas dúvidas que tinha acerca do estatuto de “organização internacional” da [demandante], na aceção das regulamentações financeiras de 2002 e de 2012. […].

104      […] Com efeito, como decorre dos n.os 92 a 96 do presente acórdão, a […] decis[ão] controvertida[…] [é] ilega[l], na medida em que os elementos invocados pela Comissão em apoio dessa[…] decis[ão] não podem pôr em causa a qualidade de organização internacional da [demandante], na aceção das regulamentações financeiras de 2002 e de 2012. Por conseguinte, há que anular na íntegra a […] referida […] decis[ão].»

85      Resulta destes fundamentos que o Tribunal de Justiça baseou a anulação do acórdão do Tribunal Geral e da decisão da Comissão em erro de direito e em erro manifesto de apreciação da Comissão ao pôr em causa o estatuto de organização internacional da demandante, unicamente com base em elementos que não justificavam, factual e juridicamente, uma tal decisão.

86      No entanto, esta apreciação do Tribunal de Justiça não tem relevância para o princípio decorrente dos números 89 e 90 do acórdão sobre o recurso, segundo o qual o reconhecimento pela Comissão do estatuto de organização internacional para efeitos das regulamentações financeiras de 2002 e de 2012 não é definitivo e poderá sempre, em determinadas condições, ser posto em causa. Assim, não decorre da anulação do acórdão do Tribunal Geral e da decisão da Comissão pelo Tribunal de Justiça que a referida regulamentação financeira confere à demandante o direito de ser reconhecida como organização internacional e de poder, portanto, celebrar com a Comissão novas convenções de delegação em gestão indireta.

87      Importa acrescentar que a demandante não indica em que é que o erro de direito e o erro manifesto de apreciação constatados pelo Tribunal de Justiça no acórdão sobre o recurso constitui uma violação de disposições do direito da União que preveem uma norma jurídica que tenha por objeto conferir direitos aos particulares. Com efeito, a demandante, após ter indicado esses erros e sustentado que as disposições das regulamentações financeiras de 2002 e de 2012 relativas às «organizações de direito internacional» conferem direitos a essas organizações, baseia os seus pedidos no fundamento de que o direito internacional impediria a Comissão de reconsiderar a posição que tomara no passado, argumento que deve ser afastado pelas razões expostas nos n.os 81 a 83, supra. A demandante não precisa quais as normas jurídicas cujo objeto lhe confere direitos que terão sido ignorados pela Comissão quando esta tomou a sua decisão de não celebrar com ela novas convenções de delegação em gestão indireta com base em dúvidas que o Tribunal de Justiça considerou pouco fundamentadas.

88      Assim, importa constatar que as disposições das regulamentações financeiras de 2002 e de 2012 relativas a gestão indireta que se referem às organizações internacionais não são normas jurídicas cujo objeto seja conferir às entidades a que a Comissão reconheceu o estatuto de organização internacional o direito de que esse estatuto não seja posto em causa e que a demandante não provou que as dúvidas suscitadas pela Comissão na decisão impugnada constituíssem uma ilegalidade apta a desencadear a responsabilidade extracontratual da União.

89      Quanto ao princípio da boa administração, previsto no artigo 41.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, cuja violação foi invocada pela autora, há que sublinhar que, segundo jurisprudência constante, ele não confere, por si próprio, direitos aos particulares, exceto quando constitua a expressão de direitos específicos, como o direito a que os assuntos sejam tratados de forma imparcial, equitativa e num prazo razoável (Acórdãos de 4 de outubro de 2006, Tillack/Comissão, T‑193/04, EU:T:2006:292, n.o 127, e de 29 de novembro de 2016, T & L Sugars e Sidul Açúcares/Comissão, T‑103/12, não publicado, EU:T:2016:682, n.o 65; v. igualmente, no mesmo sentido, Despacho de 22 de março de 2010, SPM/Conselho e Comissão, C‑39/09 P, não publicado, EU:C:2010:157, n.os 65 a 67).

90      Ora, no presente processo após anulação e baixa do processo, a demandante invocou o princípio da boa administração em apoio do argumento segundo o qual a Comissão não podia voltar a pôr em causa o estatuto de organização internacional que lhe reconhecera no passado. Na audiência, em resposta a uma questão do Tribunal Geral, a demandante defendeu que, em virtude desse princípio, a Comissão devia apreciar a sua situação com cuidado e imparcialidade à luz de todas as informações úteis.

91      Importa recordar que a Comissão está obrigada a verificar o estatuto de organização internacional da entidade com a qual celebra uma convenção de delegação em gestão indireta, mesmo que já tenha celebrado uma convenção dessa natureza com a mesma entidade, uma vez que o reconhecimento desse estatuto não pode considerar‑se definitivo (v. n.os 81, 83 e 86, supra). Mediante invocação dos princípios de boa administração e de boa gestão financeira (v. n.o 56, supra), a Comissão não pode ser censurada por não celebrar novas convenções de delegação em gestão indireta com uma entidade quando o estatuto de organização internacional dessa entidade é suscetível de ser posto em causa na sequência de elementos nesse sentido levados ao conhecimento dessa instituição.

92      Além disso, a demandante não indica em que é que o erro de direito e o erro manifesto de apreciação que levaram o Tribunal de Justiça a anular a decisão litigiosa constituem uma violação do princípio da boa administração, designadamente relativamente à obrigação de conduta imparcial da Comissão, correspondente aos requisitos exigidos pela jurisprudência referida no n.o 89, supra, e que seria suscetível de desencadear a responsabilidade da União.

93      Tendo em conta as considerações que precedem, há que concluir que a demandante não demonstrou a violação pela Comissão de uma norma jurídica cujo objeto seja conferir direitos aos particulares.

94      Em qualquer caso, mesmo admitindo que a Comissão tenha cometido tal violação, seria ainda necessário constatar, para que a responsabilidade da União seja desencadeada, que essa violação seja suficientemente caracterizada.

95      Segundo a jurisprudência, uma violação suficientemente caracterizada implica uma violação grave e manifesta, pela instituição em causa, dos limites que se impõem ao seu poder de apreciação, sendo os elementos a tomar em consideração a este respeito, nomeadamente, a complexidade das situações a resolver, o grau de clareza e de precisão da norma violada e o âmbito da margem de apreciação que a norma violada deixa à instituição da União (v. Acórdão de 10 de setembro de 2019, HTTS/Conselho, C‑123/18 P, EU:C:2019:694, n.o 33 e jurisprudência aí referida).

96      A demandante alega (v. n.o 73, supra) que a simples violação das disposições das regulamentações financeiras de 2002 e de 2012 sobre a gestão indireta constitui uma violação suficientemente caracterizada, uma vez que, segundo a demandante, a Comissão não dispõe de margem de apreciação relativamente ao cumprimento dessas disposições.

97      Contudo, a falta da margem de apreciação invocada pela demandante resulta do seu argumento segundo o qual o direito internacional se opõe a que a Comissão volte a pôr em causa o estatuto de organização internacional que lhe reconheceu. Tendo este argumento sido afastado, importa constatar que a demandante não prova que a questão de saber se lhe deve ser conferido o referido estatuto pela Comissão não é complexa. Resulta destes elementos que a Comissão dispõe de margem de apreciação a este respeito.

98      Nestas circunstâncias, deve constatar‑se que o primeiro requisito para desencadeamento da responsabilidade da União não está cumprido.

 Conclusões

99      Segundo jurisprudência constante, o caráter cumulativo dos três requisitos de desencadeamento da responsabilidade da União implica que desde que um não se verifique a ação de indemnização deve ser julgada improcedente, não sendo necessário analisar os demais requisitos (Acórdãos de 9 de setembro de 1999, Lucaccioni/Comissão, C‑257/98 P, EU:C:1999:402, n.o 14; de 30 de abril de 2009, CAS Succhi di Frutta/Comissão, C‑497/06 P, não publicado, EU:C:2009:273, n.o 40, e de 22 de maio de 2007, Mebrom/Comissão, T‑198/05, não publicado, EU:T:2007:147, n.o 34).

100    Por conseguinte, a presente ação de indemnização, na parte em que se refere à indemnização dos danos patrimoniais alegadamente sofrido pela demandante, no montante de 3 milhões de euros, a título dos «envelopes de custos indiretos», e à indemnização dos danos morais, de um euro simbólico, deve ser julgada improcedente.

101    Atendendo a tudo quanto precede, a ação de indemnização deve ser julgada improcedente na sua totalidade.

 Quanto às despesas

102    Segundo o artigo 219.o do Regulamento de Processo, o Tribunal Geral decide sobre as despesas relativas, por um lado, aos processos que nele correm os seus termos e, por outro, aos processos de recurso para o Tribunal de Justiça.

103    Todavia, no acórdão sobre o recurso, o Tribunal de Justiça, embora tenha reservado para final a decisão sobre as despesas relativas ao processo T‑381/15, decidiu sobre as despesas relativas ao processo C‑184/17 P (v. n.o 25, supra).

104    Assim, cabe ao Tribunal Geral decidir sobre as despesas relativas aos processos que nele correram termos.

105    Nos termos do artigo 134.o, n.o 3, do Regulamento de Processo, se as partes obtiverem vencimento parcial, cada uma das partes suporta as suas próprias despesas. Nos termos do artigo 137.o do mesmo regulamento, se não houver lugar a decisão de mérito, o Tribunal decide livremente sobre as despesas.

106    Em primeiro lugar, importa recordar que, segundo o acórdão sobre o recurso, que anulou a decisão litigiosa, a demandante obteve ganho parcial de causa no tocante aos pedidos de anulação que deduzira na petição inicial no Tribunal Geral. Em segundo lugar, o referido acórdão não pôs em causa o não conhecimento de mérito parcial e a inadmissibilidade parcial dos pedidos de anulação da demandante referidos no n.o 21, primeiro e segundo travessões, supra. Em terceiro lugar, resulta dos n.os 68 e 100, supra, que os seus pedidos de indemnização devem ser indeferidos.

107    Nestas condições, deve decidir‑se que cada uma das partes suportará as suas próprias despesas relativas aos processos no Tribunal Geral.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL GERAL (Sétima Secção)

declara e decide:

1)      O pedido de indemnização é indeferido.

2)      Cada uma das partes suportará as suas próprias despesas relativas aos processos no Tribunal Geral.


Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 9 de setembro de 2020.

Assinaturas


*      Língua do processo: francês.