Language of document : ECLI:EU:T:1999:239

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção)

29 de Setembro de 1999 (1)

«Recurso de anulação — Fundo Social Europeu — Redução de uma contribuição financeira — Confiança legítima — Segurança jurídica — Boa administração — Falta de fundamentação»

No processo T-126/97,

Sonasa — Sociedade Nacional de Segurança, Lda., sociedade de direito português, com sede em Lisboa, representada por Nuno Morais Sarmento, advogado no foro de Lisboa, com domicílio escolhido no Luxemburgo, no escritório do advogado Victor Gillen, 13, rue Aldringen,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por Maria Teresa Figueira e Knut Simonson, membros do Serviço Jurídico, na qualidade de agentes, com domicílio escolhido no Luxemburgo no gabinete de Carlos Gómez de la Cruz, membro do Serviço Jurídico, Centre Wagner, Kirchberg,

recorrida,

que tem por objecto a anulação da Decisão C(96) 3451 da Comissão, de 16 de Dezembro de 1996, relativa à redução de uma contribuição financeira concedida à recorrente pelo Fundo Social Europeu,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA

DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quarta Secção),

composto por: R. M. Moura Ramos, presidente, V. Tiili e P. Mengozzi, juízes,

secretário: A. Mair, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 25 de Março de 1999,

profere o presente

Acórdão

Quadro jurídico do litígio

1.
    A Decisão 83/516/CEE do Conselho, de 17 de Outubro de 1983, relativa às funções do Fundo Social Europeu (JO L 289, p. 38; EE 05 F4 p. 26; a seguir «Decisão 83/516»), prevê no seu artigo 1.°, n.° 2, alínea a), que o Fundo Social Europeu (a seguir «FSE») participa no financiamento de acções de formação e orientação profissional.

2.
    Os projectos de financiamento dessas acções, que devem ser apresentados por um Estado-Membro ou por uma entidade por este designada, são aprovados por decisão da Comissão. Nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da Decisão 83/516, o Estado-Membro em nome do qual é apresentado o projecto deve garantir a boa execução das acções.

3.
    O Regulamento (CEE) n.° 2950/83 do Conselho, de 17 de Outubro de 1983, que aplica a Decisão 83/516 (JO L 289, p. 1; EE 05 F4 p. 22; a seguir «Regulamento n.° 2950/83»), prevê no artigo 5.°, n.° 4, que os pedidos de pagamento do saldo incluirão um relatório pormenorizado sobre o conteúdo, os resultados e os aspectos financeiros da acção em causa e, por outro, que o Estado-Membro certifica a exactidão factual e contabilística das indicações contidas nos pedidos de pagamento.

4.
    Nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do mesmo regulamento, quando a contribuição do FSE não for utilizada nas condições fixadas pela decisão de aprovação, a Comissão pode suspender, reduzir ou suprimir a contribuição, depois de ter dado ao Estado-Membro em causa a oportunidade de apresentar as suas observações.

5.
    Nos termos do artigo 6.°, n.° 2, as somas pagas que não tenham sido utilizadas nas condições fixadas pela decisão de aprovação dão lugar à repetição.

Factos na origem do litígio

6.
    O Departamento para os Assuntos do Fundo Social Europeu (a seguir «DAFSE») representa o Estado português nas matérias relativas ao FSE. É o interlocutor único e obrigatório, por um lado, dos serviços da Comissão responsáveis pelo funcionamento do FSE e, por outro, dos organismos públicos e privados que pretendam beneficiar de uma contribuição do FSE em Portugal.

7.
    A recorrente, Sonasa — Sociedade Nacional de Segurança, Ld.a (a seguir «Sonasa»), apresentou ao DAFSE um pedido de contribuição financeira do FSE, para uma acção de formação profissional a realizar no quadro do exercício de 1989 (a seguir «pedido de contribuição»).

8.
    Em seguida, o DAFSE apresentou esse pedido, em nome do Estado português e em benefício da recorrente, à Comissão.

9.
    O projecto para o qual a contribuição foi pedida foi aprovado pela Decisão da Comissão C(89) 0570, de 22 de Março de 1989 (a seguir «decisão de aprovação»), que concedeu à recorrente 35 083 325 ESC para a formação de 249 pessoas com idade inferior a 25 anos.

10.
    O Estado português comprometeu-se, pela sua parte, a financiar o projecto da recorrente até 28 704 538 ESC, por intermédio do Orçamento da Segurança Social/Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social (a seguir «OSS/IGFSS»).

11.
    Durante a realização da acção de formação, a recorrente recebeu, em 8 de Maio e 5 de Julho de 1989, adiantamentos sobre as contribuições concedidas pelo FSE e pelo OSS/IGFSS.

12.
    Através de um controlo efectuado em Julho de 1989, o DAFSE verificou uma diminuição da duração do programa de formação e do número de participantes inicialmente previstos e, por conseguinte, considerou que a contribuição devia ser reduzida. Todavia, mudou de opinião, e, por carta de 6 de Março de 1990 dirigida à Comissão, recomendou a manutenção da decisão de aprovação inicial.

13.
    Uma vez terminada a acção de formação, a recorrente apresentou ao DAFSE o balanço contabilístico da acção, que evidencia um custo efectivo total inferior ao inicialmente previsto, e o pedido de pagamento do saldo. Ambos foram enviados à Comissão em 27 de Outubro de 1990.

14.
    Numa primeira análise do pedido de pagamento do saldo, o DAFSE teve dúvidas quanto à regularidade das indicações que ele continha. Não obstante, em 27 de Julho de 1991, procedeu a um outro pagamento parcial, precisando que este ficava sujeito a verificação pela Comissão da regularidade do balanço contabilístico da acção.

15.
    Em 20 de Agosto de 1991, o DAFSE informou a Comissão de que, na sequência de um novo exame do processo, aceitava o balanço contabilístico apresentado pela Sonasa.

16.
    Depois de ter recebido essa comunicação do DAFSE, a Comissão pediu a este último que aprofundasse a análise do processo da recorrente.

17.
    Em 12 de Outubro de 1992, o DAFSE informou a recorrente de que tinha sido confiado a uma empresa independente um controlo financeiro e contabilístico da sua acção de formação profissional.

18.
    A empresa encarregada deste controlo concluiu, num relatório elaborado em Outubro de 1993, pela redução do montante da contribuição concedida para a acção de formação profissional levada a cabo pela Sonasa, porque certas despesas deviam ser consideradas inelegíveis. O referido relatório refere, nomeadamente, que os estagiários tinham tido só uma semana de formação prática e que tinham sido utilizados como se fossem verdadeiros trabalhadores ao serviço da empresa.

19.
    Após várias trocas de opiniões entre a Sonasa e o DAFSE sobre o conteúdo do relatório de controlo financeiro e contabilístico, e em conformidade com os procedimentos previstos no artigo 100.° do Código de Processo Administrativo Português, o DAFSE, em 1 de Fevereiro de 1996, adoptou a decisão de propor à Comissão a redução da contribuição financeira.

20.
    Por carta de 20 de Março de 1996, o DAFSE convidou a recorrente a reembolsar uma parte dos adiantamentos concedidos para a sua acção de formação, precisando que esse pedido de restituição não prejudicava a decisão relativa ao montante definitivo da contribuição do FSE que devia ainda ser adoptada pela Comissão.

21.
    Os resultados do controlo financeiro e contabilístico foram comunicados à Comissão pelo Estado português em 5 de Setembro de 1996.

22.
    Em 16 de Dezembro de 1996, a Comissão adoptou, com fundamento no artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2950/83 a Decisão C(96) 3451 (a seguir «decisão controvertida»), notificada à recorrente em 19 de Fevereiro de 1997, pela qual reduziu o montante da contribuição do FSE inicialmente concedida para a acção de formação profissional levada a cabo pela Sonasa.

Tramitação processual e pedidos das partes

23.
    Foi nestas circunstâncias que, por petição apresentada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 22 de Abril de 1997, a recorrente interpôs o presente recurso de anulação da decisão controvertida.

24.
    Com base no relatório do juiz-relator, o Tribunal (Quarta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo e colocar questões escritas à Comissão, a que esta respondeu em 3 de Março de 1999.

25.
    Foram ouvidas alegações das partes na audiência pública de 25 de Março de 1999.

26.
    A recorrente concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

—    anular a decisão controvertida;

—    condenar a recorrida nas despesas.

27.
    A recorrida concluiu pedindo que o Tribunal se digne:

—    negar provimento ao recurso por falta de fundamento;

—    condenar a recorrente nas despesas.

Quanto ao mérito

28.
    A recorrente invoca três fundamentos de anulação. O primeiro baseia-se na violação dos princípios gerais da segurança jurídica, da protecção da confiança legítima e da boa administração, o segundo na violação do princípio do respeito pelos direitos adquiridos e o terceiro lugar na falta de fundamentação da decisão controvertida.

Quanto ao primeiro fundamento, baseado na violação dos princípios da segurança jurídica, da protecção da confiança legítima e da boa administração

Argumentos das partes

29.
    A recorrente alega que:

a)    o DAFSE e a Comissão depois de terem aprovado o programa de formação diversas vezes mudaram de opinião no que se refere ao montante da contribuição financeira concedida para a sua realização. Assim, alteraram o seu entendimento relativamente a uma redução do referido montante, efectuada porque certos «estágios teóricos», incluídos nas actividades de formação teórica, tinham, pelo contrário, uma natureza prática, o que teria tido por consequência não cumprir a regra segundo a qual a formação prática não pode ultrapassar a formação teórica;

b)    em especial, o DAFSE, depois de ter corrigido a avaliação negativa que tinha expresso no momento inicial do decurso do programa, reconhecendo formalmente ter cometido um erro material na sua avaliação, mais tarde —

quando o programa tinha já sido concluído e quando o DAFSE já tinha comunicado à Comissão o seu acordo quanto à estrutura dos custos e ao quadro de financiamento que figuravam no pedido de pagamento do saldo e mesmo depois de ter pago a parte da contribuição financeira de competência nacional — repetiu as suas críticas e reduziu novamente omontante da contribuição originalmente prevista, pedindo a restituição de uma parte dos montantes pagos;

c)    o silêncio da Comissão após as cartas recebidas do DAFSE só podia significar que ela partilhava e confirmava as conclusões do DAFSE;

d)    o pagamento pelo DAFSE de uma última parte da contribuição, após a sua aceitação do balanço financeiro apresentado no pedido de pagamento do saldo tinha suscitado a confiança legítima do reconhecimento do seu direito à própria contribuição;

e)    a Comissão adoptou a decisão controvertida confirmando a posição final do DAFSE de redução do montante da contribuição financeira, por um lado, sem nunca ter verificado a validade das afirmações do organismo nacional, nem das conclusões do relatório financeiro e contabilístico e, por outro, tendo deixado passar sete anos desde o momento da recepção do pedido de pagamento do saldo.

30.
    Com base nos elementos expostos nos números anteriores, a recorrente sustenta que a Comissão violou de modo flagrante os princípios gerais da segurança jurídica, da protecção da confiança legítima e da boa administração.

31.
    A recorrida contrapõe que:

a)    a decisão controvertida não se baseia unicamente na qualificação dos «estágios teóricos», mas também no facto de a recorrente apenas ter realizado a acção de formação de 137 estagiários em vez dos 249 inicialmente previstos, bem como na verificação de que outras condições de execução do pedido aprovado não tinham sido respeitadas;

b)    o pagamento pelo DAFSE do saldo provisório, tanto da comparticipação nacional como da contribuição FSE, não demonstra que este último reconhecia que a quantia paga era efectivamente devida. A legislação portuguesa aplicável na matéria refere muito claramente que esse pagamento efectua-se sem prejuízo da verificação ulterior das contas pela Comissão, no momento da adopção da decisão de aprovação do saldo;

c)    segundo a jurisprudência constante, é a Comissão que decide os pedidos de pagamento de saldo e não as autoridades nacionais;

d)    a legislação comunitária aplicável ao FSE não obriga a Comissão a efectuar um estudo independente da situação e permite-lhe apoiar-se nas conclusões, devidamente fundamentadas, do Estado-Membro, para tomar a sua decisão final.

Apreciação do Tribunal

32.
    O Tribunal considera oportuno examinar sucessivamente cada uma das três censuras feitas pela recorrente.

— Quanto à violação do princípio da protecção da confiança legítima

33.
    O direito de invocar a protecção da confiança legítima é facultado a qualquer operador económico em cuja esfera jurídica uma instituição tenha feito nascer esperanças fundadas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1997, Interhotel/Comissão, T-81/95, Colect., p. II-1268, n.° 45).

34.
    Todavia, é jurisprudência constante que o princípio da protecção da confiança legítima não pode ser invocado por uma empresa que incorreu em violação manifesta da regulamentação em vigor (v. acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 24 de Abril de 1996, Industrias Pesqueras Campos e o./Comissão, T-551/93, T-231/94, T-232/94, T-233/94 e T-234/94, Colect., p. II-247, n.° 76).

35.
    Em primeiro lugar há que referir que a decisão controvertida foi adoptada nos termos do artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2950/83, que dispõe que, quando a contribuição do FSE não for utilizada nas condições fixadas pela decisão de aprovação, a Comissão pode suspender, reduzir ou suprimir a contribuição depois de ter dado ao Estado-Membro em causa a oportunidade de apresentar as suas observações.

36.
    Resulta claramente desta disposição que a concessão da contribuição do FSE é subordinada ao cumprimento, pelo beneficiário, das condições da acção enunciadas pela Comissão na decisão de aprovação. No caso de violação dessas condições, o beneficiário não pode legitimamente esperar o pagamento da totalidade do montante concedido na decisão de aprovação.

37.
    Assim, a Comissão tinha competência, nos termos do Regulamento n.° 2950/83, para verificar se a contribuição do FSE tinha sido utilizada em conformidade com as condições impostas pela decisão de aprovação que concedeu à recorrente uma contribuição financeira no montante de 35 083 325 ESC, para uma acção de formação de 249 pessoas. Tendo-lhe sido apresentado o pedido de pagamento do saldo, devia apreciar, depois de ter ouvido o Estado-Membro em causa, se eventuais violações das condições acima referidas justificavam a redução da contribuição, nos termos do artigo 6.° do Regulamento n.° 2950/83 (acórdão do

Tribunal de Primeira Instância de 19 de Março de 1997, Oliveira/Comissão, T-73/95, Colect., p. II-384, n.os 30 e 31).

38.
    Ora, é um facto que o número dos estagiários que participaram na acepção de formação da Sonasa diminuiu de modo significativo (de 249 para 137), e que o período da acção foi consideravelmente reduzido. Além disso, a Comissão pôde verificar, visto o relatório de controlo financeiro e contabilístico, que os estagiários tinham tido apenas uma semana de formação prática e tinham sido utilizados como se fossem verdadeiros trabalhadores ao serviço da empresa.

39.
    Conclui-se que a recorrente não cumpriu manifestamente as condições a que estava subordinada a concessão da contribuição do FSE. Por conseguinte, não pode invocar o princípio da protecção da confiança legítima para pedir a anulação da decisão controvertida.

40.
    Por outro lado, a recorrente não pode validamente sustentar que o pagamento de todo ou parte da contribuição pelo DAFSE, depois da aceitação por este último do balanço financeiro apresentado com o pedido de pagamento do saldo, fez nascer a sua confiança legítima no pagamento definitivo da totalidade da contribuição inicialmente aprovada.

41.
    Com efeito, há que recordar que é a Comissão que decide se os pedidos de pagamento do saldo, e que é ela — e só ela — que compete o poder de reduzir uma contribuição financeira do FSE, em conformidade com o artigo 6.°, n.° 1, do Regulamento n.° 2950/83 [acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Dezembro de 1995, Comissão/Branco, T-85/94 (122), Colect., p. II-2993, n.° 23].

42.
    Embora o DAFSE tenha, como qualquer outra autoridade nacional competente em matéria de financiamento das acções do FSE, a possibilidade de propor à Comissão um pedido de pagamento do saldo, em conformidade com o artigo 5.°, n.° 4, do Regulamento n.° 2950/83, de aceitar ou reduzir uma contribuição financeira do FSE, só a Comissão tem o poder de tomar tal decisão. Além disso, todo o pagamento efectuado pelas autoridades nacionais competentes deve ser considerado provisório, na medida em que é sujeito à decisão final adoptada pela Comissão.

43.
    Resulta igualmente dos autos que o DAFSE sempre referiu à recorrente que os pagamentos recebidos eram provisórios e sujeitos a essa decisão.

44.
    Conclui-se que todas as cartas dirigidas pelo DAFSE à recorrente ou à Comissão relativas à aceitação ou a uma eventual redução da contribuição do FSE devem ser consideradas simples propostas da autoridade nacional, feitas no âmbito das actividades de controlo da boa execução das acções de formação a que as autoridades nacionais competentes estão obrigadas em conformidade com o artigo 2.°, n.° 2, da Decisão 83/516.

45.
    Conclui-se que a recorrente não pode, no caso em apreço, invocar o princípio da protecção da confiança legítima para pedir a anulação da decisão controvertida.

46.
    Assim, esta censura não tem fundamento.

— Quanto à violação do princípio da segurança jurídica

47.
    A recorrente também não pode invocar o princípio da segurança jurídica para pedir a anulação da decisão controvertida. Com efeito, não pode ser considerado que este princípio, que exige que normas jurídicas sejam claras e precisas e tem por finalidade garantir a previsibilidade das situações e das relações jurídicas abrangidas pelo direito comunitário (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Fevereiro de 1996, Duff e o., C-63/93, Colect., p. I-569, n.° 20), tenha sido violado no caso em apreço, uma vez que a regulamentação aplicável prevê claramente a possibilidade de restituição da contribuição financeira no caso de as condições a que estava sujeito o apoio não terem sido respeitadas (acórdão Interhotel/Comissão, já referido, n.° 61).

48.
    Assim, esta censura não tem fundamento.

— Quanto à violação do princípio da boa administração

49.
    Há que observar que a Comissão agiu com a diligência exigida.

50.
    Com efeito, e em primeiro lugar, tendo recebido o relatório financeiro e contabilístico em 5 de Setembro de 1996, adoptou a decisão controvertida em 16 de Dezembro de 1996.

51.
    Em segundo lugar, a decisão controvertida não se fundamenta exclusivamente no referido relatório, nem apenas na avaliação da natureza dos «estágios teóricos». Pelo contrário, resulta claramente da fundamentação da referida decisão que a Comissão baseou-se no conjunto dos documentos que lhe foram enviados pelo DAFSE.

52.
    Em terceiro lugar, a concessão da contribuição financeira do DAFSE assenta num sistema de estreita colaboração entre a Comissão e os Estados-Membros, do qual decorre a obrigação de o Estado-Membro facilitar os controlos que a Comissão efectua para verificar se as actividades realizadas ou em curso de realização estão em conformidade com as directivas aplicáveis no caso concreto (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Janeiro de 1995, Branco/Comissão, T-85/94, Colect., p. II-47, n.° 35; acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Março de 1984, EISS/Comissão, 310/81, Recueil, p. 1341, n.° 14). Além disso há que recordar que, nos termos do artigo 2.°, n.° 2, da Decisão 83/516 o Estado-Membro em nome do qual o projecto é apresentado deve garantir a sua boa execução.

Conclui-se que a recorrente não pode censurar a Comissão de ter fundamentado as suas conclusões nas informações recolhidas pelo Estado-Membro em causa.

53.
    No caso em apreço e apesar da grande demora entre a data de recepção do pedido de pagamento do saldo e a data de adopção da decisão controvertida, a Comissão, justificadamente, esperou pelos resultados dos relatório de controlo financeiro e contabilístico encomendado pelo DAFSE, ele próprio justificado pela verificação de um certo número de irregularidades no processo (v. n.° 38). Assim, o comportamento da Comissão, que consistiu em esperar pelos resultados do referido controlo, não pode constituir um incumprimento do princípio da boa administração.

54.
    Por outro lado, o facto de a Comissão ter tido conhecimento das diferentes tomadas de posição do DAFSE não implica de modo algum que ela seja responsável do comportamento da autoridade nacional. Embora, na verdade, a Comissão pudesse convidar esta última a acelerar o processo, é um facto que tinhaa obrigação de tomar a sua decisão com base em todos os dados que pudessem ser relevantes para o resultado (acórdão Oliveira/Comissão, já referido, n.° 32). Nestas circunstâncias, não pode ser-lhe censurado ter esperado a conclusão da investigação levada a cabo pela autoridade nacional para adoptar a sua decisão.

55.
    Assim, a terceira censura não tem fundamento.

56.
    Conclui-se que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente por não fundamentado na sua globalidade.

Quanto ao segundo fundamento, baseado na violação do princípio do respeito pelos direitos adquiridos

Argumentos das partes

57.
    Segundo a recorrente, os factos demonstram indiscutivelmente que a Comissão infringiu directamente os seus direitos adquiridos. Com efeito, a decisão de aprovação conferia-lhe direitos subjectivos, autorizando-a a exigir o pagamento integral da contribuição.

58.
    A recorrida contrapõe que o beneficiário de uma contribuição cujo pedido foi aprovado pela Comissão não adquire, por esse facto, qualquer direito definitivo ao pagamento integral da contribuição se não cumprir as condições fixadas pela decisão de aprovação. Conclui-se que a recorrente não podia legitimamente esperar que todos os custos tomados em consideração após o pedido inicial de contribuição fossem finalmente aceites.

Apreciação do Tribunal

59.
    É jurisprudência constante que o beneficiário de uma contribuição cujo pedido tenha sido aprovado pela Comissão não adquire, por esse facto, um direito definitivo ao pagamento integral da contribuição no caso de não respeitar as condições a que o apoio foi subordinado (acórdãos Interhotel/Comissão, já referido, n.° 62).

60.
    Como o Tribunal já o referiu nos n.os 38 e 39, a recorrente não respeitou, no caso em apreço, as condições a que a acção de formação estava sujeita.

61.
    Conclui-se que o segundo fundamento baseado no não cumprimento do princípio do respeito pelos direitos adquiridos deve igualmente ser julgado improcedente.

Quanto ao terceiro fundamento, baseado na falta de fundamentação

Argumentos das partes

62.
    A recorrente censura a Comissão de ter tomado a sua decisão unicamente tendo em consideração as conclusões do DAFSE, elas próprias exclusivamente baseadas no relatório de controlo financeiro e contabilístico, que assentaria em especulações. Daqui resulta que a Comissão não só não fundamentou a sua decisão de um modo preciso, mas também não a fundamentou de modo completo, baseando-se em documentos que enfermam dos mesmos vícios.

63.
    A recorrida sublinha, pelo contrário, que, numa situação em que, como no caso em apreço, ela confirma simplesmente a proposta de um Estado-Membro de reduzir uma contribuição inicialmente concedida, a sua decisão deve ser considerada devidamente fundamentada quando se refere de modo suficientemente claro a essa proposta.

Apreciação do Tribunal

64.
    Resulta da jurisprudência constante que o dever de fundamentar uma decisão individual tem por finalidade permitir ao juiz comunitário exercer a sua fiscalização da legalidade da decisão e fornecer ao interessado uma indicação suficiente para saber se a decisão é fundada ou se está eventualmente afectada por um vício que permita contestar a sua validade. O alcance dessa obrigação depende da natureza do acto em causa e do contexto em que o mesmo foi adoptado (acórdão Branco/Comissão, já referido, n.° 32).

65.
    Já foi decidido que a fundamentação de uma decisão que reduz o montante de uma contribuição do FSE, na medida em que essa decisão possa acarretar consequências graves para o beneficiário da contribuição, deve revelar claramente os fundamentos que justificam a redução da contribuição em relação ao montante inicialmente aprovado (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Dezembro de 1994, Lisrestal/Comissão, T-450/93, Colect., p. II-1177, n.° 52).

66.
    Por conseguinte, há que examinar, no caso em apreço, se a decisão controvertida preenche as condições impostas pelo artigo 190.° do Tratado CE (actual artigo 253.° CE), tal como foi interpretado pelo juiz comunitário.

67.
    Já foi observado que resulta tanto da regulamentação aplicável como da jurisprudência que a concessão da contribuição financeira do FSE assenta num sistema de estreita colaboração entre a Comissão e os Estados-Membros.

68.
    Assim, numa situação em que, como no caso em apreço, a Comissão pura e simplesmente confirma a proposta de um Estado-Membro de redução de uma contribuição inicialmente concedida, o Tribunal de Primeira Instância considera que uma decisão da Comissão pode ter-se por devidamente fundamentada, na acepção do artigo 190.° do Tratado, quer quando ela própria revela claramente os fundamentos que justificam a redução da participação, quer, em vez disso, quando se refere com suficiente clareza a um acto das autoridades nacionais competentes do Estado-Membro em causa em que estas expõem claramente os fundamentos dessa redução (acórdão Branco/Comissão, já referido, n.° 36).

69.
    Ora, no caso em apreço a decisão controvertida contém a indicação precisa dos fundamentos pelos quais a Comissão reduziu a contribuição financeira inicialmente concedida, bem como a menção dos documentos do DAFSE aos quais ela se referiu.

70.
    Conclui-se que o terceiro fundamento, relativo à falta de fundamentação, deve igualmente ser julgado improcedente por não fundamentado.

71.
    Resulta de tudo o que precede que deve ser negado provimento ao recurso na sua totalidade.

Quanto às despesas

72.
    Por força do artigo 87.°, n.° 2, do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená-la nas despesas, tendo em conta o pedido da recorrida.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quarta Secção),

decide:

1.
    É negado provimento ao recurso.

2.
    A recorrente é condenada na totalidade das despesas.

Moura Ramos
Tiili
Mengozzi

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Setembro de 1999.

O secretário

O presidente

H. Jung

R. M. Moura Ramos


1: Língua do processo: português.