Language of document : ECLI:EU:T:2005:431

ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

29 de Novembro de 2005 (*)

«Concorrência – Artigo 81.° CE – Acordo, decisão ou prática concertada – Mercado do fosfato de zinco – Coima – Orientações para o cálculo das coimas – Recurso de anulação – Excepção de ilegalidade – Artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 – Gravidade da infracção – Princípios da proporcionalidade e da igualdade de tratamento – Fundamentação»

No processo T‑64/02,

Dr Hans Heubach GmbH & Co. KG, com sede em Langelsheim (Alemanha), representada por F. Montag e G. Bauer, advogados,

recorrente,

contra

Comissão das Comunidades Europeias, representada por F. Castillo de la Torre, na qualidade de agente, assistido por H.‑J. Freund, advogado, com domicílio escolhido no Luxemburgo,

recorrida,

que tem por objecto um pedido de anulação parcial da Decisão 2003/437/CE da Comissão, de 11 de Dezembro de 2001, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑1/37.027 – Fosfato de zinco) (JO 2003, L 153, p. 1), ou, a título subsidiário, um pedido de redução da coima aplicada à recorrente,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
DAS COMUNIDADES EUROPEIAS (Quinta Secção),

composto por: P. Lindh, presidente, R. García‑Valdecasas e J. D. Cooke, juízes,

secretário: J. Plingers, administrador,

vistos os autos e após a audiência de 1 de Julho de 2004,

profere o presente

Acórdão

 Matéria de facto

1        A Dr Hans Heubach GmbH & Co. KG (a seguir «recorrente» ou «Heubach») é uma sociedade alemã que fabrica e distribui pigmentos orgânicos e minerais especializados, essencialmente utilizados no fabrico de tintas de impressão, plásticos e outras tintas. A Heubach produz e vende fosfato de zinco, designadamente variedades modificadas do produto. O seu volume de negócios a nível mundial foi de 71,02 milhões de EUR em 2000.

2        Embora as fórmulas químicas possam variar ligeiramente, os ortofosfatos de zinco constituem um produto químico homogéneo, designado pela denominação genérica «fosfato de zinco». O fosfato de zinco, obtido a partir do óxido de zinco e do ácido fosfórico, é utilizado frequentemente como pigmento mineral anticorrosão na indústria de tintas. É comercializado no mercado como fosfato de zinco normal ou como fosfato de zinco modificado ou «activado».

3        Em 2001, a maior parte do mercado mundial do fosfato de zinco era detida pelos cinco seguintes produtores europeus: a recorrente, a James M. Brown Ltd (a seguir «James Brown»), a Société Nouvelle des Couleurs Zinciques SA (a seguir «SNCZ»), a Trident Alloys Ltd (a seguir «Trident») (anteriormente Britannia Alloys & Chemicals Ltd, a seguir «Britannia») e a Union Pigments AS (a seguir «Union Pigments») (anteriormente Waardals AS). AS, Entre 1994 e 1998, o valor mercantil do fosfato de zinco normal era de aproximadamente 22 milhões de EUR por ano a nível mundial e de aproximadamente 15 a 16 milhões de EUR por ano a nível do Espaço Económico Europeu (EEE). No EEE, a recorrente, a SNCZ, a Trident (anteriormente Britannia) e a Union Pigments detinham quotas de mercado do fosfato de zinco normal bastante semelhantes, da ordem de 20%. A James Brown detinha uma quota de mercado claramente inferior. Os compradores de fosfato de zinco são os grandes fabricantes de tintas. O mercado das tintas é dominado por alguns grupos químicos multinacionais.

4        Em 13 e 14 de Maio de 1998, a Comissão procedeu simultaneamente e sem aviso prévio a inspecções nas instalações da recorrente, da SNCZ e da Trident, nos termos do artigo 14.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 do Conselho, de 6 de Fevereiro de 1962, Primeiro regulamento de execução dos artigos 85.° e 86.° do Tratado (JO 1962, 13, p. 204, EE 08 F1 p. 22). De 13 a 15 de Maio de 1998, agindo no seguimento de um pedido da Comissão nos termos do artigo 8.°, n.° 3, do Protocolo n.° 23 ao Acordo EEE, o Órgão de Fiscalização da Associação Europeia de Comércio Livre (EFTA) procedeu simultaneamente e sem aviso prévio a inspecções nas instalações da Union Pigments, nos termos do artigo 14.°, n.° 2, do capítulo II do Protocolo n.° 4 do Acordo entre os Estados da EFTA relativo à criação de um órgão de fiscalização e de um Tribunal de Justiça.

5        No procedimento administrativo, a Union Pigments e a Trident informaram a Comissão da sua intenção de com ela cooperarem plenamente, em conformidade com a Comunicação da Comissão, de 18 de Julho de 1996, sobre a não aplicação ou a redução de coimas nos processos relativos a acordos, decisões e práticas concertadas (JO 1996, C 207, p. 4, a seguir «comunicação sobre a cooperação») e apresentaram cada uma delas uma declaração a respeito do cartel (a seguir «declaração da Union Pigments» e «declaração da Trident»).

6        Em 2 de Agosto de 2000, a Comissão dirigiu uma comunicação de acusações às empresas destinatárias da decisão objecto do presente recurso (v., n.° 7 infra), incluindo a recorrente.

7        Em 11 de Dezembro de 2001, a Comissão adoptou a Decisão 2003/437/CE relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑1/37.027 – Fosfato de zinco) (JO 2003, L 153, p. 1). A decisão tomada em consideração para efeitos do presente acórdão é a que foi notificada às empresas em causa e que está junta à petição (a seguir «decisão impugnada»). Esta decisão é, sob determinados aspectos, diferente da que foi publicada no Jornal Oficial da União Europeia.

8        Na decisão impugnada, a Comissão indica que entre 24 de Março de 1994 e 13 de Maio de 1998 existiu um acordo ou prática concertada que englobava a Britannia (Trident a partir de 15 de Março de 1997), a Heubach, a James Brown, a SNCZ e a Union Pigments. O acordo ou prática concertada limitou‑se ao fosfato de zinco normal. Em primeiro lugar, os membros do cartel instituíram um acordo de partilha do mercado com quotas de venda para os produtores. Em segundo lugar, fixaram preços «mínimos» ou «recomendados» em cada reunião e em geral observaram‑nos. Em terceiro lugar, existiu, em determinada medida, uma repartição de clientes.

9        O dispositivo da decisão impugnada tem a seguinte redacção:

«Artigo 1.°

A Britannia […], a […] Heubach […], a James […] Brown […], [a SNCZ], a Trident […] e a [Union Pigments] cometeram uma infracção ao disposto no n.° 1 do artigo 81.° do Tratado CE e no n.° 1 do artigo 53.° do Acordo EEE ao participarem num acordo e/ou prática concertada contínuos no sector do fosfato de zinco.

A duração da infracção foi a seguinte:

a) No caso da […] Heubach […], da James […] Brown […], [da SNCZ] e da [Union Pigments]: entre 24 de Março de 1994 e 13 de Maio de 1998;

[…]

Artigo 3.°

São aplicadas as seguintes coimas relativamente à infracção referida no artigo 1.°:

a) Britannia […]: 3,37 milhões de EUR;

b) […] Heubach […]: 3,78 milhões de EUR;

c) James […] Brown […]: 940 000 EUR;

d) [SNCZ]: 1,53 milhões de EUR;

e) Trident […]: 1,98 milhões de EUR;

f) [Union Pigments]: 350 000 EUR.

[…]»

10      Para o cálculo do montante das coimas, a Comissão aplicou a metodologia constante das Orientações para o cálculo das coimas aplicadas por força do n.° 2 do artigo 15.°, do Regulamento n.° 17 e do n.° 5 do artigo 65.° do Tratado CECA (JO 1998, C 9, p. 3, a seguir «orientações») e da comunicação sobre a cooperação.

11      Assim, a Comissão fixou, antes de mais, um «montante básico» em função da gravidade e da duração da infracção (v. considerandos 261 a 313 da decisão impugnada).

12      Relativamente ao primeiro factor, considerou que a infracção devia ser considerada «muito grave», tendo em consideração a natureza do comportamento em análise, o seu impacto efectivo no mercado do fosfato de zinco, bem como o facto de abranger todo o mercado comum e, após a sua criação, todo o EEE (considerando 300 da decisão impugnada). Sem prejuízo de a natureza da infracção ser muito grave, a Comissão esclareceu que tomava em consideração a dimensão limitada do mercado em causa (considerando 303 da decisão impugnada).

13      A Comissão aplicou um «tratamento diferenciado» às empresas em causa de modo a, por um lado, ter em conta a capacidade económica efectiva das mesmas para prejudicar significativamente a concorrência, e, por outro, fixar a coima a um nível que garantisse um efeito dissuasor suficiente (considerando 304 da decisão impugnada). Para este efeito, dividiu as empresas em causa em duas categorias, segundo a sua «importância relativa no mercado em causa». Assim, baseou‑se no volume de negócios realizado a nível do EEE durante o último ano da infracção com a venda do produto em causa por cada uma dessas empresas e teve em consideração o facto de a recorrente, a Britannia (Trident a partir de 15 de Março de 1997), a SNCZ e a Union Pigments serem «os principais produtores de fosfato de zinco no EEE, com quotas de mercado bastante semelhantes, superiores ou próximas de 20%» (considerandos 307 e 308 da decisão impugnada). A recorrente foi classificada, tal como a Britannia, a SNCZ a Trident e a Union Pigments, na primeira categoria («montante de base» de 3 milhões de EUR). A James Brown, cuja quota de mercado no EEE era «significativamente mais baixa», foi classificada na segunda categoria («montante de base» de 750 000 EUR) (considerandos 308 e 309 da decisão impugnada).

14      No que respeita ao factor duração, a Comissão considerou que a infracção imputada à recorrente era de duração «média», tendo decorrido de 24 de Março de 1994 a 13 de Maio de 1998 (considerando 310 da decisão impugnada). Por conseguinte, aumentou em 40% o montante de base da recorrente, chegando assim a um «montante de base» de 4,2 milhões de EUR (considerandos 310 e 313 da decisão impugnada).

15      Em seguida, a Comissão entendeu que não havia que atender a circunstâncias agravantes ou atenuantes no caso vertente (considerandos 314 à 336 da decisão impugnada). Além disso, rejeitou os argumentos baseados no «difícil contexto económico» em que a infracção ocorreu e as características específicas das empresas em causa (considerandos 337 a 343 da decisão impugnada). Por conseguinte, a Comissão fixou o montante da coima em 4,2 milhões de EUR «antes da aplicação da comunicação sobre a [cooperação]» no que respeita à recorrente (considerando 344 da decisão impugnada).

16      Além disso, a Comissão recordou o limite que, em conformidade com o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, a coima a aplicar a cada uma das empresas em causa não podia ultrapassar. O montante da coima da recorrente antes da aplicação da comunicação sobre a cooperação não foi afectado por esse limite (considerando 345 da decisão impugnada).

17      Por último, a Comissão concedeu à recorrente uma redução de 10% nos termos da comunicação sobre a cooperação, tendo em conta o facto de esta ter declarado na sua resposta à comunicação de acusações que não contestava substancialmente os factos que nela são expostos (considerandos 360, 362 e 366 da decisão impugnada). O montante final da coima aplicada à recorrente foi assim de 3,78 milhões de EUR (considerando 370 da decisão impugnada).

 Tramitação processual e pedidos das partes

18      Por petição entrada na Secretaria do Tribunal de Primeira Instância em 28 de Fevereiro de 2002, a recorrente interpôs o presente recurso.

19      Com base no relatório do juiz relator, o Tribunal de Primeira Instância (Quinta Secção) decidiu iniciar a fase oral do processo e, no âmbito das medidas de organização do processo, convidou as partes a apresentarem determinados documentos e a responder a determinadas questões escritas. As partes atenderam esses pedidos.

20      Foram ouvidas alegações das partes e as suas respostas às questões do Tribunal de Primeira Instância na audiência de 1 de Julho de 2004.

21      A recorrente conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        a título principal, anular o artigo 3.°, alínea b), da decisão impugnada;

–        a título subsidiário, reduzir o montante da coima que lhe foi aplicada;

–        condenar a Comissão nas despesas.

22      A Comissão conclui pedindo que o Tribunal se digne:

–        negar provimento ao recurso;

–        condenar a recorrente nas despesas.

 Questão de direito

A –  Quanto à excepção de ilegalidade

1.     Argumentos das partes

23      A recorrente alega que o artigo 3.°, alínea b), da decisão impugnada está ferido de nulidade porque a coima que prevê foi calculada com base nas orientações, que violam o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17.

24      Afirma que esta excepção de ilegalidade é admissível e que o argumento da Comissão, segundo o qual a ilegalidade das orientações não conduziria à anulação da decisão impugnada pelo facto de apenas o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 constituir a sua base jurídica, deve ser afastado.

25      Quanto ao mérito, a recorrente alega, em primeiro lugar, que se deve considerar que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 prevê uma obrigação geral de calcular as coimas proporcionalmente ao volume de negócios das empresas em causa. Com efeito, esta é a única forma de se poder ter em conta a capacidade económica da empresa em causa. Ora, as orientações partem de categorias globais de coimas fixadas independentemente do volume de negócios e, em consequência, do poder económico da empresa em causa. Em especial, prevêem um montante fixo de pelo menos 20 milhões de EUR para as infracções qualificadas de «muito graves», qualquer que seja a dimensão da empresa em causa.

26      Essa violação persiste não obstante o facto de as orientações permitirem uma distinção consoante determinados elementos, entre os quais a natureza da infracção cometida, a capacidade económica efectiva do autor da infracção para causar um prejuízo importante aos outros operadores ou a importância reduzida do mercado em causa. Com efeito, tal distinção só é possível no interior das categorias previstas pelas orientações.

27      No que respeita ao argumento da Comissão de que a capacidade económica de uma empresa, revelada designadamente pelo seu volume de negócios global, é apenas um dos critérios que deve ter em conta, a recorrente retorque que não contesta que devem ser tomados em consideração vários critérios, mas critica a Comissão por não o ter feito em seu favor. Resulta da jurisprudência que as orientações não se opõem a que o volume de negócios global ou o volume de negócios no mercado do produto em causa «sejam tomados em consideração para a determinação da coima, a fim de serem respeitados os princípios gerais de direito comunitário e quando as circunstâncias o exijam» (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, LR AF 1998/Comissão, T‑23/99, Colect., p. II‑1705, n.° 283).

28      Em segundo lugar, a recorrente alega que, ao calcular o montante das coimas com base em montantes determinados em absoluto, as orientações impõem um método de cálculo que não tem em conta a dimensão das pequenas e médias empresas (PME) como a recorrente. Salienta que realizou um volume de negócios global de 71 milhões de EUR em 2000 e que, à escala europeia no mercado do fosfato de zinco normal, apenas realizou 3,48 milhões de EUR de volume de negócios em 2000, ou seja, aproximadamente 4,9% do seu volume de negócios global. Acrescenta que um pequeno grupo de não mais que seis colaboradores, assistidos por alguns empregados, era responsável pelo volume de negócios realizado nesse mercado. Não realizou praticamente nenhum lucro com o produto em causa e, efectivamente, a maior parte das vezes teve prejuízos.

29      Ora, os montantes de base, incluindo o montante de pelo menos 20 milhões de EUR para as infracções qualificadas de «muito graves», são aplicados mesmo se as empresas em causa forem PME. A consequência destes «montantes fixos», no caso vertente, é que a coima aplicada à recorrente é significativamente superior, relativamente ao volume de negócios total, às aplicadas noutros processos comparáveis no plano da gravidade da infracção. Em apoio deste argumento, a recorrente invoca várias decisões da Comissão em que esta aplicou coimas relativamente menos elevadas [Decisão 98/273/CE da Comissão de 28 de Janeiro de 1998 relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/35.733 – VW) (JO L 124, p. 60, a seguir «decisão Volkswagen»); Decisão 1999/210/CE da Comissão de 14 de Outubro 1998 relativa a um processo de aplicação do artigo 85° do Tratado CE (Processo IV/F‑3/33.708 – British Sugar Plc, Processo IV/F‑3/33.709 – Tate and Lyle plc, Processo IV/F‑3/33.710 – Napier Brown & Company Ltd, Processo IV/F‑3/33.711 – James Budgett Sugars Ltd) (JO 1999, L 76, p. 1, a seguir «decisão British Sugar»); Decisão 1999/60/CE da Comissão de 21 de Outubro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 85° do Tratado CE (Processo IV/35.691/E‑4: – Cartel dos tubos com revestimento térmico) (JO 1999, L 24, p. 1, a seguir «decisão tubos com revestimento térmico»)]. Assim, a coima aplicada à recorrente é 280 vezes mais elevada, relativamente ao seu volume de negócios, que a fixada na decisão British Sugar. Por outras palavras, as orientações são ilegais na medida em que conduzem, em processos comparáveis no plano da gravidade, a coimas desproporcionadas relativamente aos volumes de negócios.

30      Em resposta ao argumento da Comissão, de que esta tinha tomado em consideração a sua dimensão ao fixar o montante de base em 3 milhões de EUR (v. n.° 13 supra) e não em 20 milhões de EUR, a recorrente alega que os «montantes fixos» têm ainda assim incidências nas coimas aplicadas e conduzem a coimas desproporcionadas.

31      Em terceiro lugar, a recorrente afirma que o aumento do montante de base em função da duração da infracção, previsto nas orientações, é também ilegal. Determinadas infracções, designadamente acordos quanto às quotas, estendem‑se, pela sua natureza, por vários anos. Esta longa duração já é sancionada quando a infracção é qualificada de muito grave. Por conseguinte, ao prever agravamentos para as infracções em função da sua duração, as orientações conduzem a sancionar duplamente a empresa em causa.

32      Antes de mais, a Comissão tem dúvidas quanto à admissibilidade da excepção de ilegalidade do fundamento pelo facto de as orientações não constituírem o fundamento jurídico da decisão impugnada. Embora tenha utilizado a metodologia exposta nas orientações para o cálculo das coimas no caso vertente, também é verdade que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 é a única base jurídica para esta. Assim, mesmo que as orientações sejam declaradas ilegais, isso não implica a ilegalidade da decisão impugnada.

33      Quanto ao mérito, a Comissão salienta que resulta dos acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002 relativos ao cartel dos tubos com revestimento térmico que as orientações não violam o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Março de 2002, HFB e o./Comissão, T‑9/99, Colect., p. II‑1487; Brugg Rohrsysteme/Comissão, T‑15/99, Colect., p. II‑1613; Lögstör Rör/Comissão, T‑16/99, Colect., p. II‑1633; KE KELIT/Comissão, T‑17/99, Colect., p. II‑1647; Dansk Rørindustri/Comissão, T‑21/99, Colect., p. II‑1681; Sigma Tecnologie/Comissão, T‑28/99, Colect., p. II‑1845; ABB Asea Brown Boveri/Comissão, T‑31/99, Colect., p. II‑1881, e, designadamente, LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.os 223 a 232 e 278 a 291). Por conseguinte, esta excepção de ilegalidade deve ser julgada improcedente.

34      A Comissão contesta, designadamente, a procedência do argumento da recorrente de que deveria ter tido em consideração o seu escasso volume de negócios e de que se afastou da relação existente entre o volume de negócios global e a coima fixada noutras decisões. No que respeita à comparação com a decisão British Sugar, salienta que a recorrente parece considerar que a Comissão deveria ter fixado o montante de base em função da gravidade da infracção em 18 milhões de EUR (montante de base na decisão British Sugar) multiplicado por 280, ou seja, 5,04 mil milhões de EUR, ou que deveria ter dividido por 280 o montante de base de 3 milhões de EUR fixado no caso da recorrente e chegar a montantes de base de 10 000 EUR. A recorrente esquece que a Comissão, em conformidade com a jurisprudência, deve em todo o caso fixar um montante que tenha um efeito dissuasor suficiente.

2.     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

35      Há que referir, antes de mais, que embora as orientações não constituam o fundamento jurídico da decisão impugnada, uma vez que esta se baseia no Regulamento n.° 17, as mesmas determinam, de maneira geral e abstracta, a metodologia que a Comissão impôs a si própria para efeitos da fixação do montante das coimas (acórdão LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.° 274). À luz dos efeitos jurídicos que podem produzir regras de conduta como as orientações e dado que estas comportam disposições de alcance geral que é pacífico terem sido aplicadas pela Comissão na decisão impugnada, há que concluir, com efeito, que existe um nexo directo entre essa decisão e as orientações. Daí resulta que a excepção de ilegalidade é admissível

36      A recorrente invoca a ilegalidade das orientações na medida em que, contrariamente à letra do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, que prevê, na sua opinião, que as coimas devem ser calculadas proporcionalmente ao volume de negócios das empresas em causa, tomam como montantes de base categorias globais de coimas fixadas independentemente do volume de negócios. Assim, não foi considerado o facto de a recorrente ser uma PME. Além disso, a duração da infracção foi duplamente tomada em consideração pelas orientações.

37      Contrariamente ao que alega a recorrente, as orientações não vão além do âmbito jurídico das sanções tal como definido pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Com efeito, o método geral para o cálculo do montante das coimas enunciado nas orientações baseia‑se nos dois critérios mencionados no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, isto é, a gravidade da infracção e a sua duração, e respeita o limite máximo em relação ao volume de negócios de cada empresa, estabelecido pela mesma disposição. (acórdão LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.os 231 e 232, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 29 de Abril de 2004, Tokai Carbon e o./Comissão, T‑236/01, T‑239/01, T‑244/01 a T‑246/01, T‑251/01 e T‑252/01, ainda não publicado na Colectânea, n.os 189 e 190).

38      As orientações constituem uma exposição, pela Comissão, da forma como aprecia os factores relativos à gravidade e à duração e a sua metodologia para avaliar as infracções relativamente à sua natureza e às circunstâncias em causa. O artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 não exige que o montante da coima seja proporcional ao volume de negócios da empresa em causa. Daí resulta simplesmente que, se a coima ultrapassar 1 milhão de EUR, não poderá exceder o limite de 10% do volume de negócios da empresa em causa (acórdão LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.° 278).

39      Além disso, as orientações permitem que a Comissão tome em consideração, quando as circunstâncias o exigem, a situação especial em que se encontram as PME relativamente às empresas que dispõem, no mercado em causa ou globalmente, de um volume de negócios superior. A este respeito, o Tribunal de Primeira Instância já decidiu que, na aplicação das orientações, o volume de negócios das empresas envolvidas pode entrar em linha de conta para efeitos da tomada em consideração da capacidade económica efectiva dos autores da infracção para causar um prejuízo importante aos outros operadores e da necessidade de assegurar à coima um carácter suficientemente dissuasor ou da tomada em consideração do facto de as empresas de grandes dimensões disporem geralmente de infra‑estruturas jurídico‑económicas suficientes que lhes permitem melhor apreciar o carácter de infracção do seu comportamento e as respectivas consequências do ponto de vista do direito da concorrência. O volume de negócios das empresas em causa pode igualmente entrar em linha de conta para efeitos da determinação do peso específico e, portanto, do impacto real do comportamento ilícito de cada empresa na concorrência, nomeadamente se existir uma disparidade considerável em termos de dimensão das empresas que cometeram uma infracção da mesma natureza. Do mesmo modo, o volume de negócios das empresas pode dar uma indicação da vantagem económica ou financeira eventualmente obtida pelos autores da infracção ou de outras características específicas destes que é conveniente, consoante as circunstâncias, tomar em consideração (acórdãos Lögstör Rör/Comissão, acima referido no n.° 33, n.os 295 e 296, e Dansk Rørindustri/Comissão, acima referido no n.° 33, n.° 203).

40      No que respeita à afirmação da recorrente de que as orientações violam o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 na medida em que prevêem um montante fixo de pelo menos 20 milhões de EUR para as infracções muito graves mesmo que a empresa em causa seja uma PME, há que referir que os montantes de base previstos nas orientações são apenas «previstos» (ponto I A). Por conseguinte, a Comissão tem toda a liberdade de fixar um montante de base que se situe abaixo de 20 milhões de EUR. Assim, embora a recorrente tenha cometido uma infracção muito grave no caso vertente, a Comissão fixou o montante de base da sua coima em 3 milhões de EUR, montante claramente inferior ao montante de 20 milhões de euros previsto pelas orientações para infracções muito graves (considerando 309 da decisão impugnada).

41      Relativamente ao argumento da recorrente de que as orientações conduzem à aplicação de coimas superiores, proporcionalmente ao volume de negócios, às aplicadas a outras empresas em processos anteriores comparáveis, há que salientar que a prática decisória anterior da Comissão não serve, em si mesma, de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência (acórdão LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.° 234). Com efeito, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de certo nível a determinados tipos de infracções não a priva da possibilidade de aumentar esse nível, nos limites indicados no Regulamento n.° 17, se isso for necessário para assegurar a execução da política comunitária da concorrência (acórdão do Tribunal de Justiça de 7 de Junho de 1983, Musique diffusion française e o./Comissão, 100/80 a 103/80, Recueil. p. 1825, n.° 109; e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Europa Carton/Comissão, T‑304/94, Colect., p. II‑869, n.° 89).

42      Na medida em que a Comissão aplique, às empresas implicadas numa mesma infracção, coimas justificadas, para cada uma delas, com referência à gravidade e à duração da infracção, não pode ser criticada pelo facto de, para algumas dessas empresas, o montante da coima ser superior, relativamente ao volume de negócios, ao de outras empresas em processos anteriores (v., por analogia, acórdão LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.° 278).

43      Há que acrescentar que a gravidade da infracção deve ser apreciada em função de um grande número de elementos, tais como, designadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o carácter dissuasivo das coimas, e isto sem que tenha sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Julho de 1997, Ferriere Nord/Comissão, C‑219/95 P, Colect., p. I‑4411, n.° 33, e acórdão LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.° 236). Ora, os dados relevantes, tais como os mercados, os produtos, os países, as empresas e os períodos em causa diferem em cada processo. Daqui resulta que a Comissão não pode ser obrigada a aplicar coimas que representem a mesma proporção dos volumes de negócios em todos os processos comparáveis no plano da gravidade (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 13 de Janeiro de 2004, JCB Service/Comissão, T‑67/01, ainda não publicado na Colectânea, n.os 187 a 189).

44      Há que recordar, em todo o caso, que os montantes «previstos» referidos nas orientações são apenas indicativos e que daí não pode, portanto, advir uma violação, per se, do princípio da proporcionalidade.

45      Quanto ao argumento da recorrente de que as orientações conduzem a tomar duplamente em consideração o factor relativo à duração das infracções, importa salientar que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 prevê expressamente que se deve ter em consideração, para determinar o montante da coima, «além da gravidade da infracção, a duração da mesma». À luz deste texto, mesmo admitindo que, intrinsecamente, determinadas infracções sejam concebidas para durar, não se pode proibir a Comissão de ter em conta a sua duração efectiva em cada caso. Assim, o efeito prejudicial de acordos que, apesar de se prever que durem muito tempo, são detectados pela Comissão ou denunciados por um participante após um curto período de funcionamento efectivo é necessariamente menor do que na hipótese de acordos com uma longa duração de funcionamento efectivo. Consequentemente, há que distinguir, em todos os casos, entre a duração da infracção e a sua gravidade tal como resulta da sua própria natureza (v., neste sentido, acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, acima referido no n.° 37, n.° 259).

46      Daí resulta que a excepção de ilegalidade deve ser julgada improcedente.

B –  Quanto aos fundamentos de anulação

47      A recorrente invoca cinco fundamentos. O primeiro é relativo à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e das orientações. O segundo é relativo à violação do princípio da proporcionalidade. O terceiro, à violação do princípio da igualdade de tratamento. O quarto, à violação do artigo 7.° da Convenção Europeia para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais (a seguir «CEDH»). O quinto, à violação do artigo 253.° CE

1.     Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e das orientações

48      A recorrente alega que, admitindo que as orientações sejam julgadas ilegais, há que considerar que a Comissão as aplicou de forma errada. Na sua opinião, o artigo 3.°, alínea b), da decisão impugnada viola tanto o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 como as orientações. Este fundamento compõe‑se de três partes em que a recorrente alega que:

–        a Comissão não apreciou correctamente a gravidade da infracção;

–        a não tomada em consideração, pela Comissão, do facto de apenas estar em causa uma pequena parte do seu volume de negócios constitui uma violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e das orientações;

–        a Comissão não tomou em consideração a sua capacidade económica.

a)     Quanto à primeira parte, relativa à errada apreciação da gravidade da infracção

49      Segundo a recorrente, é a gravidade da infracção que é determinante para o cálculo da coima nos termos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. No caso vertente, a qualificação pela Comissão, da infracção de «muito grave» tomando em consideração a sua natureza e o seu impacto efectivo no mercado (considerando 300 da decisão impugnada) está errada. A recorrente alega que a Comissão, por um lado, não tomou em consideração todos os factos pertinentes, designadamente o carácter moderado da infracção e, por outro, não analisou correctamente os elementos a que atendeu. Se a Comissão tivesse correctamente avaliado a infracção, deveria ter aplicado uma coima menos elevada.

50      Esta primeira parte do primeiro fundamento contém quatro críticas, baseadas no facto de a Comissão ter incorrectamente apreciado:

–        a natureza da infracção;

–        os efeitos da infracção no mercado;

–        a crise no sector do fosfato de zinco como circunstância atenuante;

–        o facto de a infracção se distinguir de outros cartéis qualificados de muito graves.

 Quanto à natureza da infracção

–        Argumentos das partes

51      A recorrente alega que a infracção deveria ter sido qualificada de moderada pela Comissão e que lhe deveria, portanto, ter sido aplicada uma coima menor. Embora admita que o cartel constituía uma violação séria do direito da concorrência, afirma que o risco para a concorrência era relativamente limitado, vistos os aspectos moderados do cartel. Indica que, segundo jurisprudência assente, na «determinação do montante das coimas, há que tomar em consideração todos os elementos susceptíveis de entrar na apreciação da gravidade das infracções» (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Março de 2000, Cimenteries CBR e o./Comissão, T‑25/95, T‑26/95, T‑30/95 a T‑32/95, T‑34/95 a T‑39/95, T‑42/95 a T‑46/95, T‑48/95, T‑50/95 a T‑65/95, T‑68/95 a T‑71/95, T‑87/95, T‑88/95, T‑103/95 e T‑104/95, Colect., p. II‑491, n.° 4949, e acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, acima referido no n.° 41, n.os 120 e 129). No passado, a Comissão seguiu esta jurisprudência. No entanto, no caso vertente, apesar de, na comunicação de acusações, a Comissão ter reconhecido a existência de elementos que demonstram o carácter moderado da infracção, após uma manifesta mudança da sua política em matéria de coimas, ocultou posteriormente estes mesmos elementos na decisão impugnada. Por outro lado, a Comissão alterou, na contestação, o seu ponto de vista no que respeita à importância dos aspectos moderados. Com efeito, admite aí que estes aspectos eram pertinentes para a sua análise da gravidade da infracção, mas que em nada alteravam o facto de a infracção dever ser qualificada de «muito grave».

52      Em seguida, a recorrente expõe as razões pelas quais, na sua opinião, a infracção não deveria ser qualificada de «muito grave».

53      Em primeiro lugar, alega que a infracção consistia num acordo informal que não era acompanhado de nenhum mecanismo de execução especial pelas empresas em causa. Embora tenha reconhecido este facto na comunicação de acusações, a Comissão, no entanto, não reduziu a coima na decisão impugnada. Contudo, na sua decisão Polipropileno, a Comissão aplicou uma coima pouco elevada visto o facto de as empresas em causa não terem previsto um mecanismo de execução [Decisão 86/398/CEE da Comissão de 23 de Abril de 1986 relativa a um processo para aplicação do artigo 85.° do Tratado CEE (IV/31.149 – Polipropileno) (JO L 230, p. 1, a seguir «decisão Polipropileno»), n.° 108]. Por natureza, uma infracção tem efeitos menos nefastos no mercado quando é desprovida de um mecanismo de execução. A recorrente rejeita a procedência do argumento da Comissão de que o presente processo se distingue do que conduziu à decisão Polipropileno na medida em que as partes nos presentes acordos estavam sujeitas a pressões com a mesma função e efeitos de um mecanismo de execução formal. Considera que o facto de não ter sido prevista nenhuma medida vinculativa susceptível de assegurar o respeito das quotas, tanto no processo Polipropileno como no caso vertente, é um elemento determinante.

54      Em resposta ao argumento de que a Comissão não é obrigada a ter em consideração a sua prática anterior, a recorrente afirma que a jurisprudência obriga a Comissão a tomar em consideração todos os elementos susceptíveis de entrarem na apreciação da gravidade da infracção (acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, acima referido no n.° 51, n.° 4949). Por conseguinte, a Comissão não pode deixar de ter em consideração, «de forma arbitrária e sem fundamentação conclusiva», os critérios que julgou relevantes em decisões anteriores para apreciar a gravidade da infracção. Além disso, a Comissão desvirtuou o acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Mayr‑Melnhof/Comissão (T‑347/94, Colect., p. II‑1751). A recorrente reconhece que neste acórdão o Tribunal de Primeira Instância declarou que «o simples facto de a Comissão ter considerado, na sua prática decisória anterior, que certos elementos constituíam circunstâncias atenuantes para efeitos da determinação do montante da coima não implica que seja obrigada a fazer a mesma apreciação numa decisão ulterior» (n.° 368). No entanto, considera que esta declaração não afecta a obrigação de a Comissão tomar em consideração todos os elementos relevantes. A recorrente afirma que a inexistência de mecanismo de execução, a ausência de entraves à concorrência entre Estados (v. n.° 56 infra) e o papel secundário desempenhado pelos preços (v. n.° 57, infra) são elementos essenciais para uma apreciação correcta da gravidade da infracção. Acrescenta que a Comissão não considerou todos os elementos favoráveis às empresas em causa, apesar de estes serem essenciais para a apreciação da gravidade da infracção. Precisa que no processo que levou ao acórdão Mayr‑Melnhof/Comissão, já referido, existia uma crise sectorial que devia sobretudo ser tomada em consideração como circunstância atenuante ou como dado objectivo na acepção do ponto 5 das orientações, e que é menos importante para a apreciação da gravidade da infracção que os elementos suscitados pela recorrente no caso vertente. Por outro lado, a recorrente contesta que o acórdão LR AF/Comissão, acima referido no n.° 27, permita à Comissão não ter em consideração a sua prática decisória anterior. Com efeito, as conclusões do Tribunal de Primeira Instância nesse acórdão constituem uma resposta à afirmação da LR AF de que a alteração do nível anterior das coimas que as orientações implicam constituía uma alteração do quadro jurídico que determina as coimas que podem ser aplicadas. Este acórdão não permite que a Comissão não tome em consideração elementos relevantes para a apreciação da gravidade da infracção.

55      Relativamente à argumento da Comissão de que o Tribunal de Primeira Instância concluiu, no acórdão de 14 de Maio de 1998, Enso Española/Comissão (T‑348/94, Colect., p. II‑1875), que a ausência de medidas de controlo de aplicação não constitui, em si, uma circunstância atenuante, a recorrente salienta que esta jurisprudência não tem interesse para apreciar a gravidade da infracção. Acrescenta que, no acórdão de 17 de Dezembro de 1991, Enichem Anic/Comissão (T‑6/89, Colect., p. II‑1623, n.os 269 a 271), o Tribunal de Primeira Instância decidiu que a inexistência de mecanismo de execução constituía uma circunstância atenuante.

56      Em segundo lugar, a recorrente alega que as quotas fixadas pelo cartel eram apenas estabelecidas a nível europeu. As empresas em causa não tentaram estabelecer quotas por países e não houve, portanto, compartimentação dos mercados nacionais. Por consequência, o risco para a concorrência foi limitado ab initio. A recorrente alega que a Comissão, contrariamente à sua Decisão 94/815/CE, de 30 de Novembro de 1994, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (Processo IV/33.126 e 33.322 – Cimento) (JO L 343, p. 1, a seguir «decisão Cimento»), em que tinha dado importância especial ao facto de as empresas em causa terem estabelecido quotas por países e, assim, compartimentado os mercados nacionais não teve, no entanto, em conta esta circunstância no caso vertente no momento da determinação do montante da coima.

57      Em terceiro lugar, e contrariamente às outras infracções qualificadas de «muito graves», o acordo quanto aos preços desempenhou um papel secundário. A recorrente admite que, no decurso de várias reuniões, os preços foram referidos mas precisa que a discussão a este respeito se limitava, sobretudo no início da infracção, a queixas relativamente ao nível pouco elevado dos preços e às diferenças de preços entre Estados‑Membros. As notas manuscritas tomadas no decurso das reuniões, em 1994 e 1995, não contêm nenhuma indicação relativa aos preços porque os preços não foram fixados no início do cartel. Indica que, como a Comissão refere no n.° 99 da comunicação de acusações, o cartel era baseado no princípio «intervir apenas sobre as quantidades e não sobre os preços». No entanto, foram fixados preços mínimos. A recorrente acrescenta que as empresas em causa apenas fixaram preços de referência e que tais preços têm, por natureza, como reconhece a Comissão, repercussões mais limitadas do que os preços fixos. A recorrente precisa que não contesta os factos dados como provados, mas a sua apreciação.

58      A recorrente critica a conclusão da Comissão de que não existe verdadeira diferença de grau entre o cartel em causa e outros cartéis, nos quais estavam previstos acordos precisos de fixação de preços e de quotas com execução eficaz. Insiste no facto de os riscos de restrições da concorrência e de entraves à integração serem consideravelmente menos elevados no caso vertente.

59      Em quarto lugar, a recorrente alega que, com excepção de um só cliente, a Tekno Winter, e de uma única ocasião em que foram atribuídas à James Brown algumas pequenas empresas no Reino Unido, não houve atribuição de clientes.

60      Por seu lado, a Comissão indica que a recorrente não alega que a Comissão ultrapassou a sua margem de apreciação ou cometeu outros erros de apreciação. Limita‑se a afirmar, de forma geral, que a Comissão se afastou «de forma arbitrária e sem fundamentação conclusiva» da sua prática decisória anterior.

61      A Comissão expõe que, em conformidade com os princípios decorrentes da jurisprudência, considerou todos os elementos relevantes para apreciar a natureza da infracção e concluiu que esta devia, pela sua própria natureza, ser qualificada de «muito grave».

62      A Comissão considera que a recorrente compreendeu mal a jurisprudência sobre a matéria. Admite que é obrigada a considerar todos os elementos relevantes, mas, no entanto, afirma que a jurisprudência não exige que determinados elementos de facto, designadamente os suscitados pela recorrente no caso vertente, devam sistematicamente conduzir a uma redução do montante de base da coima. Com efeito, resulta da jurisprudência que não existe uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração. Por outro lado, a importância de cada um dos critérios na análise da gravidade da infracção depende das circunstâncias do caso concreto.

63      Em seguida, a Comissão analisa a questão dos alegados aspectos moderados invocados pela recorrente e considera que não reduzem a gravidade da infracção. Salienta, a este respeito, que não tem de forma alguma que seguir a sua prática decisória anterior.

–        Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

64      Antes de mais, há que referir que a recorrente quer apenas obter a supressão da coima ou uma redução do seu montante. Não contesta o artigo 1.° da decisão impugnada e reconhece, portanto, a justeza das conclusões da Comissão quanto à sua participação no cartel e à violação do artigo 81.° CE. Declarou, na sua resposta à comunicação de acusações, que não contestava substancialmente os factos que nela são expostos, e, portanto, beneficiou de uma redução de 10% da sua coima nos termos da comunicação sobre a cooperação (considerandos 360 e 363 da decisão impugnada).

65      Em seguida, há que julgar improcedente o argumento da recorrente de que a Comissão ocultou, na decisão impugnada, todas as circunstâncias que demonstram a natureza moderada da infracção e que foram mencionadas na comunicação de acusações. Com efeito, a Comissão tomou em consideração todas as circunstâncias em causa na decisão impugnada. Contrariamente ao que alega a recorrente, a afirmação da Comissão de que «o acordo sobre as vendas e as quotas assuma sobretudo a forma de um acordo informal na medida em que os membros não puseram em prática qualquer mecanismo específico de execução» (n.° 67 da comunicação de acusações) é retomada no essencial no considerando 72 da decisão impugnada. A afirmação, que a recorrente atribui à Comissão quando provém na realidade da Union Pigments, segundo a qual o cartel se baseava no princípio «intervir apenas sobre as quantidades e não sobre os preços» (n.° 99 da comunicação de acusações) é retomada no considerando 104 da decisão impugnada. Além disso, a Comissão considerou o facto de as quotas serem aplicadas exclusivamente a nível europeu e de as empresas em causa não terem repartido os mercados nacionais respectivos (considerandos 267 e 273 da decisão impugnada). Também tomou em consideração o argumento de que apenas um cliente tinha sido repartido entre os membros do cartel (considerandos 270 e 277). Além disso, contrariamente ao que alega a recorrente, a Comissão pronunciou‑se sobre esses argumentos na decisão impugnada (considerandos 104, 274, e 290 a 298).

66      Por outro lado, deve recordar‑se que, segundo jurisprudência assente, a apreciação da gravidade da infracção deve ser efectuada tendo especialmente em conta a natureza das restrições impostas à concorrência (v., acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 9 de Julho de 2003, Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, T‑224/00, Colect., p. II‑2597, n.° 117, e jurisprudência aí referida).

67      Ora, a recorrente não contesta que o cartel fixou preços e estabeleceu quotas a nível europeu, e que houve atribuição de pelo menos um cliente, A este respeito, há que lembrar que os primeiros exemplos de acordos referidos no artigo 81.°, n.° 1, alíneas a) b) e c), CE, expressamente declarados incompatíveis com o mercado comum, são precisamente os que consistem em:

«a) Fixar de forma directa ou indirecta, os preços de compra ou de venda, ou quaisquer outras condições de transacção;

b) Limitar ou controlar a produção, a distribuição, o desenvolvimento técnico ou os investimentos;

c) Repartir os mercados ou as fontes de abastecimento;

[...]»

68      Eis porque as infracções deste tipo, designadamente quando se trata de acordos horizontais, são qualificadas pela jurisprudência de «particularmente graves» (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, Thyssen Stahl/Comissão, T‑141/94, Colect., p. II‑347, n.° 675), ou de «infracções manifestas às regras comunitárias da concorrência» (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Tréfilunion/Comissão, T‑148/89, Colect., p. II‑1063, n.° 109, e de 14 de Maio de 1998, BPB de Endracht/Comissão, T‑311/94, Colect., p. II‑1129, n.os 303 e 338).

69      Há também que recordar que, no que respeita às infracções «muito graves», na acepção das orientações, se trata «essencialmente, de restrições horizontais de tipo cartel de preços e quotas de repartição dos mercados, ou de outras práticas que afectam o bom funcionamento do mercado interno, tais como as destinadas a compartimentar os mercados nacionais, ou ainda de abusos qualificados de posição dominante por parte de empresas em situação de quase monopólio» (ponto 1, A, segundo parágrafo, terceiro travessão).

70      Resulta do exposto que foi com razão que a Comissão qualificou a infracção em causa de muito grave tendo em conta a sua natureza. No entanto, há que analisar os alegados aspectos moderados invocados pela recorrente.

71      Em primeiro lugar, relativamente ao argumento da recorrente de que a infracção consistia num acordo informal na medida em que as empresas em causa não puseram em prática qualquer mecanismo específico de execução, há que observar que, para que um acordo entre empresas corresponda a um acordo proibido não é necessário que se esteja em presença de um contrato com carácter vinculativo. Basta que as empresas envolvidas tenham manifestado a sua vontade comum de se comportarem no mercado de uma forma determinada (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Dezembro de 2003, Ventouris/Comissão, T‑59/99, ainda não publicado na Colectânea, n.° 52). A inexistência de medidas formais de controlo da execução não afecta necessariamente a gravidade da infracção. O facto de um acordo ilícito ser executado de forma informal não exclui a sua eficácia.

72      Embora a Comissão tenha moderado a coima na decisão Polipropileno, como foi acima referido no n.° 41, a sua prática decisória anterior não serve de quadro jurídico às coimas em matéria de concorrência.

73      No caso vertente, no que respeita ao acordo sobre as vendas e as quotas, há que referir que a Comissão admitiu na decisão impugnada que este acordo tinha «o carácter de um ‘acordo de cavalheiros’, na medida em que os membros do cartel não puseram em prática qualquer mecanismo específico de execução das decisões (considerando 72). No entanto, a Comissão verificou que «o cumprimento das quotas de vendas era obtido através das pressões exercidas sobre os membros nas reuniões do cartel» (considerandos 72 e 276 da decisão impugnada). A recorrente não contesta que se realizaram dezasseis reuniões entre os membros do cartel no período compreendido entre Março de 1994 e Maio de 1998 (considerando 70 da decisão impugnada) e que, nestas reuniões, as empresas em causa trocaram informações relativamente às vendas e discutiram as respectivas quotas de mercado. Com efeito, estas empresas trocavam entre si os dados relativos às vendas de fosfato de zinco utilizando associações de produtores de zinco como intermediárias, e podiam, desta forma, verificar que cada uma respeitava a sua quota de mercado (considerandos 69 e 284). Além disso, a Union Pigments indicou que os membros do cartel entravam frequentemente em disputas durante as reuniões e se acusavam de ultrapassar as quotas acordadas e que, portanto, o respeito destas quotas era assegurado por pressões exercidas durante estas reuniões (n.° 67 da declaração da Union Pigments). Embora a Trident saliente que não existia nenhum sistema de compensação, confirma que os participantes se acusavam nas reuniões do cartel e se queixavam quando as suas quotas de mercado caíam (ponto 2.4.19 da declaração da Trident).

74      Por outro lado, resulta da decisão impugnada que «[a] repartição dos clientes era utilizada como forma de compensação se uma empresa não tivesse esgotado a quota que lhe fora atribuída» (considerando 72). Esta afirmação é corroborada pela declaração da Union Pigments segundo a qual, em 1995, o cliente Tekno Winter (a seguir «Teknos») foi atribuído à SNCZ para assegurar a esta a sua quota de 24% (n.° 67). A Union Pigments declara também que não procurou conseguir novos clientes em determinado momento porque isso teria implicado represálias por parte das outras empresas em causa (n.° 77 da declaração da Union Pigments).

75      Além disso, a recorrente não contesta que, anualmente, as quotas de mercado efectivas das empresas em causa seguiam de perto as quotas que lhes tinham sido atribuídas (considerando 72 da decisão impugnada). Este facto demonstra que o sistema de execução do acordo sobre as vendas era eficaz mesmo não sendo acompanhado por um sistema de sanções formal.

76      No que respeita aos acordos quanto aos preços e à atribuição de clientes, é verdade que a Comissão não identifica na decisão impugnada (v., por exemplo, considerandos 285 e 286) nem nos seus articulados um mecanismo especial de execução. No entanto, há que referir que resulta da jurisprudência que a Comissão dispõe de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas, a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Abril de 1995, Martinelli/Comissão, T‑150/89, Colect., p. II‑1165, n.° 59; e Archer Daniels Midlands e Archer Daniels Midlands Ingredients/Comissão, acima referido no n.° 66, n.° 56). Atentas a natureza da infracção em causa e a jurisprudência referida nos n.os 68 e 71, supra, bem como as suas consequências e repercussões (v. n.os 111 a 118 e 129, infra), o Tribunal de Primeira Instância considera que a Comissão não ultrapassou essa margem de apreciação no caso vertente.

77      Em segundo lugar, relativamente ao argumento da recorrente de que o risco para a concorrência foi limitado na medida em que as quotas fixadas pelo cartel eram apenas estabelecidas a nível europeu, há que recordar que as orientações só referem as infracções que visam compartimentar os mercados nacionais a título indicativo, como exemplos de infracções que podem ser qualificadas de muito graves (ponto 1 A, segundo parágrafo, terceiro travessão). Além disso, o Tribunal de Primeira Instância já decidiu, no acórdão Archer Daniels Midlands e Archer Daniels Midlands Ingredients/Comissão, acima referido no n.° 66, que um acordo que incluía, nomeadamente, a fixação de objectivos de preços não podia ser excluído da qualificação de infracção muito grave apenas por se tratar de um acordo mundial que não procedia a uma compartimentação dos mercados nacionais no mercado comum (n.os 123 a 125). O mesmo raciocínio se aplica ao caso vertente.

78      No que respeita à decisão Cimento invocada pela recorrente, o facto de a Comissão ter qualificado de muito grave a compartimentação dos mercados nacionais nesta decisão não é relevante para o caso vertente. Se o cartel em causa no presente processo tivesse por consequência a compartimentação dos mercados nacionais, a Comissão poderia aplicar uma coima ainda mais elevada. A este respeito, há que referir que as orientações prevêem designadamente que, «[n]o interior de cada uma desta categorias, e nomeadamente no âmbito das categorias de infracções graves e muito graves, a escala das sanções permitirá diferenciar o tratamento a aplicar às empresas em função da natureza das infracções cometidas» (ponto 1 A, terceiro parágrafo).

79      Além disso, há que notar que, segundo a Union Pigments, tinha sido decidido, na primeira reunião do cartel em 24 de Março de 1994, que «os preços não deviam diferir demasiadamente de um país para outro, de forma a que os produtos não passassem as fronteiras» (n.os 51 e 74 da declaração da Union Pigments). Por conseguinte, afigura‑se que as empresas em causa pretendiam, em determinada medida, compartimentar os mercados nacionais no caso vertente.

80      Em terceiro lugar, relativamente ao argumento segundo o qual a infracção não deveria ser qualificada de muito grave porque o acordo sobre os preços apenas desempenhou um papel secundário e incidia somente em preços de referência que têm, por natureza, repercussões mais limitadas que preços fixos, há que recordar que a Comissão concluiu, na decisão impugnada, que os membros do cartel tinham acordados preços «mínimos» e/ou «recomendados» para o fosfato de zinco (considerando 65).

81      A fixação de um preço, mesmo meramente indicativo, afecta o jogo da concorrência pelo facto de permitir a todos os participantes no acordo preverem, com um grau razoável de certeza, qual a política de preços prosseguida pelos seus concorrentes (acórdão de 17 de Outubro de 1972, Vereeniging van Cementhandelaren/Comissão, 8/72, Colect., p. 333, n.° 21). De uma forma mais geral, tais acordos comportam uma intervenção directa nos parâmetros essenciais da concorrência no mercado em causa (acórdão Thyssen Stahl/Comissão, acima referido no n.° 68, n.° 675). Com efeito, ao expressarem uma vontade comum de aplicar determinado nível dos preços aos seus produtos, os produtores em causa deixaram de determinar de forma autónoma a sua política no mercado, assim infringindo a concepção inerente às disposições do Tratado relativas à concorrência (acórdão BPB de Eendracht/Comissão, acima referido no n.° 68, n.° 192).

82      À luz destas considerações, o cartel em causa não pode fugir à qualificação de infracção muito grave pelo simples motivo de ter fixado preços de referência (v., neste sentido, acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, acima referido no n.° 66, n.os 118 a 120).

83      Relativamente ao argumento da recorrente de que o acordo sobre os preços apenas tinha um papel «secundário», o Tribunal de Primeira Instância considera que o facto de a Comissão ter declarado que a fixação de quotas de vendas constituía a «pedra angular» do cartel (considerando 66 da decisão impugnada) não tem por consequência que o acordo quanto aos preços deva ser considerado secundário. Com efeito, o acordo sobre as quotas, o acordo quanto aos clientes e o acordo sobre a fixação dos preços constituem três aspectos de um cartel único. Ora, a gravidade do cartel deve ser apreciada numa perspectiva global. Tendo em conta a natureza da infracção no caso vertente, a Comissão tinha o direito de a qualificar de muito grave.

84      Em todo o caso, o Tribunal de Primeira Instância considera que o acordo sobre os preços era um aspecto importante do cartel. De resto, a Comissão reuniu provas documentais que demonstram que os preços recomendados tinham sido discutidos em várias reuniões do cartel (considerandos 134, 139, 140, 162, 178 e 186 da decisão impugnada). Além disso, contrariamente ao que alega a recorrente, o acordo quanto aos preços constituía um dos elementos do cartel desde 1994. Com efeito, entre as empresas em causa, apenas a recorrente alegou no procedimento administrativo que esse acordo apenas ocorreu a partir de 1996 (considerando 268 da decisão impugnada). Ora, como foi acima indicado, segundo a Union Pigments, as empresas em causa tinham decidido, na primeira reunião em 24 de Março de 1994 que os preços não deviam diferir demasiadamente de um país para outro (n.° 51 da declaração da Union Pigments). Resulta também da declaração da Trident (n.° 2.4.24) que o cartel fixava os preços em cada reunião. As provas documentais das primeiras reuniões não são tão volumosas como as relativas às reuniões posteriores. No entanto, a ordem de trabalhos da reunião de 27 de Março de 1995 demonstra a intenção de discutir a evolução dos preços na Alemanha, França, Benelux, no Reino Unido, nos países nórdicos, nos Estados Unidos e no resto do mundo (considerando 121 da decisão impugnada).

85      Em quarto lugar, não se pode deduzir da circunstância de, com excepção de um só cliente, a Teknos, e de uma única ocasião em que foram atribuídas à James Brown algumas pequenas empresas no Reino Unido, não ter havido atribuição de clientes, que a Comissão não tinha o direito de qualificar esta infracção de muito grave.

86      A recorrente não contesta que teve lugar a atribuição da Teknos, que era um dos oito principais produtores de tintas da Europa ocidental (considerando 52 da decisão impugnada).

87      As empresas em causa discutiam regularmente acerca da atribuição deste cliente e assumiam cada uma por sua vez o fornecimento do mesmo (considerandos 68, 96 a 97 da decisão impugnada; n.os 63 e 67 da declaração da Union Pigments). As empresas dispunham de um sistema flexível de atribuição para garantir que a Teknos «não suspeitasse do acordo» (considerandos 99 e 100 da decisão impugnada). O Tribunal de Primeira Instância verificou que o preço a cobrar à Teknos era objecto desse acordo, e que tinha sido combinado que só o produtor a quem «cabia a vez» de fornecer este cliente lhe poderia cobrar um preço inferior ao que tinha sido acordado (considerando 96 da decisão impugnada e n.° 2.4.22 da declaração da Trident).

88      Por outro lado, a recorrente também não contesta que foram atribuídas à James Brown algumas pequenas empresas (considerandos 180 e 277 da decisão impugnada). A própria James Brown não nega estas atribuições.

89      Além disso, há que referir que a Comissão afirma, baseada na nota da Union Pigments de 30 de Março de 1995, que foi discutida a atribuição da Jotun (considerando 277 da decisão impugnada). Embora esta nota não se refira directamente à atribuição da Jotun, a recorrente não contesta directamente esta afirmação. A Jotun inclui‑se também entre os oito principais produtores de tintas da Europa ocidental (considerando 52 da decisão impugnada).

90      Daí resulta que foi com razão que a Comissão verificou que houve atribuição de determinados clientes. O facto de esta atribuição apenas dizer respeito a determinados clientes, e não a todos os clientes presentes no mercado, não pode pôr em causa a conclusão de que o cartel em questão era de natureza muito grave.

91      Em face do exposto, há que rejeitar a critica da recorrente de que a infracção em questão não é, por natureza, uma infracção muito grave.

 Quanto aos efeitos da infracção

–        Argumentos das partes

92      Antes de mais, a recorrente salienta que a Comissão baseou principalmente a sua conclusão relativa ao carácter muito grave da infracção nos efeitos desta no mercado. Alega que a Comissão cometeu erros de apreciação a esse respeito. Segundo a jurisprudência, a Comissão deveria, na apreciação da gravidade da infracção, ter tido em consideração todas as circunstâncias susceptíveis de serem relevantes para os efeitos no mercado (acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, acima referido no n.° 51, n.° 4949). A Comissão, em conformidade com esta jurisprudência, confirmou, na sua prática decisória anterior, que as repercussões limitadas no mercado e a inexistência de aplicação integral dos acordos eram elementos susceptíveis de entrar em linha de conta na apreciação da gravidade da infracção [decisão Polipropileno, n.° 108, e Decisão 1999/271/CE da Comissão, de 9 de Dezembro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 85.° do Tratado CE (IV/34.466 – Ferries gregos), (JO L 109, p. 24), a seguir «decisão Ferries gregos»), n.° 162]. Nesta decisão, a Comissão considerou que o facto de as partes não terem aplicado integralmente os acordos específicos sobre o preço e de terem concorrido quanto aos preços praticando descontos diferenciados, constituía uma razão para qualificar a infracção apenas de grave e não de muito grave. No entanto, no caso vertente, a Comissão não teve em consideração o facto de os acordos em causa não terem sido executados escrupulosamente nem o facto de apenas terem tido repercussões limitadas no mercado.

93      Em primeiro lugar, no que respeita à execução da infracção, a recorrente alega que a Comissão concluiu erradamente que o acordo relativo aos preços tinha sido cuidadosamente aplicado pelas empresas em causa. Desde logo, a Comissão baseou a sua conclusão relativa à execução dos acordos quanto aos preços na declaração da Trident segundo a qual a sua tabela de preços interna reflectia os preços acordados (considerando 285 da decisão impugnada). Ao fazê‑lo, desvirtuou essa declaração. Efectivamente, a Trident também declarou que, segundo a sua experiência, «os preços discutidos nas reuniões não eram respeitados e era geralmente admitido que se realizassem vendas abaixo dos preços de referência que tinham sido acordados» (n.° 2.4.25 da declaração da Trident). Esta afirmação é confirmada pela declaração da Union Pigments segundo a qual, por um lado, era praticamente impossível fixar os preços e, por outro, os preços de referência não eram respeitados nos países escandinavos (n.° 60). O simples facto de a Trident ter retomado os preços indicativos no seu catálogo de preços interno não permite concluir, tendo em conta as circunstâncias, que os acordos em causa foram cuidadosamente aplicados.

94      Em segundo lugar, as empresas em causa venderam fosfato de zinco normal abaixo dos preços acordados e eram regularmente concedidos descontos de preço. Em especial, os preços aplicados pela recorrente foram claramente inferiores aos preços de referência estabelecidos pelo cartel. Com efeito, os preços do óxido de zinco, e, portanto do zinco, determinavam de forma preponderante os preços do fosfato de zinco, uma vez que constituem a componente essencial dos custos de produção. O preço do zinco sofreu fortes flutuações no período de 1990 a 2000. A recorrente alega que o aumento dos seus preços em 1997 se deveu a um forte aumento do preço do zinco e não ao respeito dos preços de referência. Por outro lado, a Trident enviou à Comissão documentos que demonstram que as empresas em causa vendiam regularmente abaixo dos preços acordados. Em terceiro lugar, as empresas em causa foram obrigadas a manter os preços a um nível pouco elevado tendo em conta, designadamente, o risco de importações de países terceiros. Em resumo, contrariamente às conclusões da Comissão, as empresas em causa não respeitaram os acordos quanto aos preços. A recorrente salienta que a Comissão não se pronuncia sobre os argumentos acima expostos na sua contestação.

95      Na decisão Ferries gregos, a Comissão decidiu reduzir a coima e qualificar a infracção de grave e não de muito grave pelo facto de os acordos não terem sido completamente executados. A Comissão deveria ter seguido esta prática no caso vertente. Em resposta ao argumento segundo o qual a Comissão não está vinculada à sua prática decisória anterior, a recorrente reafirma que esta última deve tomar em consideração todos os elementos susceptíveis de entrar na apreciação da gravidade da infracção, incluindo os factores que considerou relevantes nas suas decisões anteriores. A jurisprudência do Tribunal de Primeira Instância confirma que o impacto concreto dos efeitos de uma infracção no mercado deve ser tomado em consideração no cálculo da coima (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Cascades/Comissão, T‑308/94, Colect., p. II‑925, n.os 172 e seguintes). Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual uma coima só deve ser reduzida se não tiver sido executada nenhuma parte do acordo, a recorrente alega que mesmo se apenas uma parte do acordo não for aplicada, este facto deve ser tomado em consideração. No caso vertente, o facto de o acordo sobre os preços não ter sido aplicado deveria ter sido tomado em consideração para reduzir o montante da coima.

96      Em segundo lugar, no que respeita às repercussões do cartel no mercado, a Comissão também cometeu erros de apreciação. Em primeiro lugar, a recorrente contesta a conclusão da Comissão de que a infracção teve repercussões efectivas uma vez que as empresas em causa operavam em 90% do mercado do EEE. Embora as empresas implicadas abranjam uma parte importante do mercado, a infracção nunca abrangeu o fosfato de zinco modificado mas apenas o fosfato de zinco normal, que representa apenas 55% do mercado europeu do fosfato de zinco. Por conseguinte, a infracção só produziu efeitos numa parte do mercado europeu do fosfato de zinco. Quanto ao argumento da Comissão segundo o qual a mudança dos compradores para o fosfato de zinco modificado deve ser considerada uma repercussão efectiva no mercado, a recorrente retorque, por um lado, que este argumento não foi invocado na decisão impugnada e, por outro, que essa afirmação em nada altera o facto de que a infracção dizia apenas respeito a uma parte do mercado e que, portanto, as repercussões eram a fortiori limitadas. Em segundo lugar, Em segundo lugar, as empresas em causa não atingiram os seus objectivos essenciais. A recorrente indica, a este respeito, por um lado, que como o mercado nunca tinha sido objecto de uma repartição por países, havia, nos diferentes Estados‑Membros «uma forte concorrência no que respeita a clientes e, por este facto, a quotas de mercado». A recorrente apresenta gráficos para demonstrar a existência de variações significativas nas suas vendas nos diferentes Estados‑Membros e, portanto, a forte concorrência que existia no mercado em causa. Por outro lado, a repartição dos clientes foi excepcional no cartel. Por último, os preços de referência nunca foram atingidos, o que demonstra a existência de uma forte concorrência.

97      A recorrente alega que as repercussões do cartel eram limitadas por várias razões. Em primeiro lugar, os compradores de fosfato de zinco eram grandes empresas que dispunham de um grande poder de negociação quanto aos preços e que procuravam sistematicamente as melhores ofertas. Em resposta ao argumento da Comissão de que este poder de compra não relativiza as repercussões do cartel, a recorrente alega que as infracções têm repercussões sensivelmente mais limitadas quando a parte contrária no mercado é poderosa do que quando os compradores são mais débeis. Em segundo lugar, a presença no mercado de concorrentes terceiros e a existência de produtos de substituição, incluindo o fosfato de cálcio, importado de países terceiros, exerceram uma pressão considerável sobre o preço do fosfato de zinco normal. Em terceiro lugar, a recorrente reitera que, durante o período de infracção, o preço do fosfato de zinco dependia largamente do preço do zinco e que as importantes flutuações do preço do zinco influenciaram o do fosfato de zinco. Assim, um cartel relativo ao preço do fosfato de zinco não podia verdadeiramente ter efeitos. Em quarto lugar, o fosfato de zinco apenas representa uma pequena parte do custo do produto final, ou seja 0,08%. As pequenas alterações que os acordos provocaram não tiveram praticamente repercussões negativas no preço das tintas, ou até nos consumidores. A este respeito, a recorrente salienta que, contrariamente à sua prática anterior, a Comissão não apreciou, no caso vertente, se os consumidores tinham sofrido prejuízo.

98      Em resposta à afirmação da Comissão de que as repercussões limitadas constituem um elemento importante na análise da gravidade da infracção, a recorrente alega que isso em nada altera o facto de que a Comissão deve ter em conta o impacto concreto da infracção no mercado para a determinação da sua gravidade. Quanto mais limitado é o impacto no mercado, menos a infracção deve ser qualificada de grave (acórdão Cascades/Comissão, acima referido no n.° 95, n.os 172 e seguintes).

99      Por último, a recorrente alega que há «sobretudo» que considerar a não aplicação efectiva dos acordos como uma circunstância atenuante que justifica uma redução da coima nos termos do ponto 3 das orientações. No entanto, na sua réplica, alega que os argumentos que desenvolve em apoio desta parte do primeiro fundamento incidem «na questão de saber se a não aplicação integral dos acordos e o carácter restrito dos efeitos de uma infracção devem ser tomados em consideração na apreciação da gravidade da violação» e não na questão da não aplicação efectiva dos acordos como circunstância atenuante.

100    A Comissão afirma que não é obrigada a reduzir o montante de base da coima quando não foram executadas todas as partes do acordo e quando os resultados visados não foram integralmente obtidos no mercado. Acrescenta que não existe uma lista exaustiva de critérios de apreciação da gravidade da infracção.

101    Em seguida, a Comissão contesta que a suas conclusões estejam viciadas de erros. Em primeiro lugar, recorda que a sua conclusão relativa à execução da infracção não se limita às fixações de preços, mas engloba também a repartição das quotas de mercado e a atribuição de pelo menos um cliente (considerandos 72, 284, 286 e 287 da decisão impugnada), elementos que a recorrente não põe em questão. A aplicação efectiva dos preços indicativos é demonstrada não apenas pela declaração da Trident de que a sua tabela de preços interna reflectia o preço acordado (considerando 285 da decisão impugnada), mas também pelo facto de os preços médios da recorrente seguirem os preços recomendados para a Alemanha com uma diferença temporal. Em todo o caso, mesmo se os preços indicativos não foram perfeitamente atingidos, isto não significa que a recorrente não tenha contribuído para a execução dos acordos. Ao acordar quotas‑alvo de mercado e de preços, as empresas em questão dispunham de uma margem de manobra para explorar os seus clientes. Resulta da jurisprudência que uma empresa que não se comporta em conformidade com o acordado no cartel pode apenas tentar utilizar o mesmo a seu proveito (acórdão Cascades/Comissão, acima referido no n.° 95, n.° 230). Por conseguinte, não está em questão no caso vertente uma «não aplicação efectiva dos acordos ilícitos» na acepção das orientações.

102    Em segundo lugar, a Comissão contesta ter cometido erros de apreciação a propósito das repercussões do cartel no mercado. Em primeiro lugar, embora a infracção incidisse apenas no fosfato de zinco normal e não na sua variante modificada, também é verdade que o cartel controlava na prática a produção mundial de fosfato de zinco. Mesmo que a infracção tenha incitado os clientes a mudarem para o fosfato de zinco modificado, é também necessário considerar esta reacção como um efeito real da infracção. Em segundo lugar, a Comissão recorda que admitiu, na decisão impugnada, que os resultados visados pelas empresas em causa não tinham sido totalmente atingidos (considerando 297). No entanto, as repercussões da infracção no mercado foram significativas. Estas repercussões foram demonstradas, por um lado, pelo facto de as quotas de mercado efectivamente obtidas pelas empresas em causa serem praticamente idênticas às quotas que lhes tinham sido atribuídas no âmbito do acordo quanto às quantidades (considerando 72 da decisão impugnada) e, por outro, pelo facto de os preços médios da recorrente seguirem fielmente os preços recomendados, com uma diferença temporal. Esta evolução dos preços médios demonstra também que, embora as flutuações do preço do zinco tenham influenciado o preço do fosfato de zinco, isso em nada alterou os efeitos das medidas adoptadas pelos membros do cartel. Em todo o caso, se o preço do fosfato de zinco fosse apenas determinado pelo preço do zinco, a recorrente não explica por que razão o cartel fixou preços recomendados durante um período de quatro anos (considerandos 92 a 94, 104, 274 e 285 da decisão impugnada).

103    No que respeita às razões das repercussões limitadas da infracção invocadas pela recorrente, a Comissão alega que mesmo efeitos limitados, como aqueles cuja existência a recorrente admite, são significativos quando se trata de determinar a gravidade da infracção. No entanto, contesta os argumentos avançados pela recorrente a esse respeito.

–        Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

104    No ponto 1 A das orientações, a Comissão comprometeu‑se explicitamente a tomar em consideração, na avaliação da gravidade da infracção, para além da sua natureza e da dimensão do mercado geográfico de referência, o seu impacto concreto no mercado quando este seja quantificável. No presente caso, todos estes critérios são evocados no considerando 300 da decisão impugnada.

105    Contrariamente ao que alega a recorrente, a Comissão não baseou «principalmente» a sua conclusão relativa à gravidade da infracção nos efeitos desta. Também não atribuiu mais importância aos efeitos da infracção que aos outros elementos. Com efeito, atenuou a importância do impacto concreto, por um lado, ao salientar que era «extremamente difícil» extrair conclusões sobre os efeitos deste tipo de cartel (considerando 279) e, por outro, ao tomar em consideração o facto de as empresas em causa não terem atingido todos os seus objectivos (considerando 297).

106    Há que recordar que, segundo a jurisprudência, para apreciar o impacto concreto de uma infracção no mercado, cabe à Comissão tomar como referência a concorrência que normalmente existiria sem a existência da infracção (v. acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, acima referido no n.° 66, n.° 150 e jurisprudência aí referida).

107    Relativamente ao acordo sobre as quotas de venda, o Tribunal de Primeira Instância considera que a Comissão tinha o direito de concluir que o mesmo tinha sido aplicado «minuciosamente» (v. n.os 73 e 74 supra e considerandos 72, 284 e 287 da decisão impugnada). Com efeito, como foi acima indicado no n.° 75, é ponto assente que, anualmente, «as quotas de mercado efectivas dos cinco produtores seguiam de perto as quotas que lhes tinham sido atribuídas» (considerando 72 da decisão impugnada). Daí resulta que a Comissão concluiu com razão que o acordo quanto às quotas de venda teve repercussões no mercado. Há que acrescentar que, na audiência, a recorrente admitiu que este acordo afectava o funcionamento da concorrência na medida em que conduzia a uma maior estabilidade a nível dos preços (v., igualmente, considerando 114 da decisão impugnada). Assim, a estabilidade das quotas de mercado teve o efeito de não ser necessário aplicar a política agressiva de redução de preços que ocorreu durante a guerra de preços nos anos anteriores ao cartel (v. considerandos 74 e 75, 114 e 115 da decisão impugnada).

108    A recorrente alega que as variações nas vendas nos mercados nacionais demonstram que o acordo não teve efeitos. A este respeito, há que recordar que as quotas eram estabelecidas a nível europeu. Por conseguinte, mesmo que as vendas nacionais tenham variado, isso em nada altera o facto de as quotas europeias terem sido respeitadas.

109    Nestas condições, o impacto concreto do acordo nas quotas, a «pedra angular» do cartel (considerando 66 da decisão impugnada), deve ser considerado juridicamente provado.

110    No que respeita ao acordo quanto aos preços, a Comissão afirma, na decisão impugnada, que era igualmente aplicado minuciosamente (considerandos 283 e 285). A recorrente contesta esta afirmação.

111    Há que recordar que a Comissão assinalou, com razão, que o acordo em causa respeitava a objectivos de preços (v. n.° 80, supra). Ora, a execução de um acordo que incide sobre objectivos de preços e não sobre preços fixos não implica que seja aplicado um preço correspondente ao objectivo de preço acordado, mas antes que as partes se esforcem por se aproximar dos seus objectivos de preços (acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, acima referido no n.° 66, n.° 271).

112    O Tribunal de Primeira Instância considera que, no caso vertente, as partes se esforçaram para se aproximar dos seus objectivos de preços. O nível de preços era discutido em cada reunião e eram fixados preços recomendados (v. n.° 84, supra). Tal fixação alterou necessariamente o jogo da concorrência no mercado. Os compradores viram, assim, a sua margem de negociação dos preços limitada (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Abril de 1999, Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, T‑305/94 a T‑307/94, T‑313/94 a T‑316/94, T‑318/94, T‑324/94, T‑328/94, T‑329/94 e T‑335/94, Colect., p. II‑931, n.° 745). Além disso, como foi acima indicado no n.° 81, a fixação de um preço, mesmo meramente indicativo, afecta o jogo da concorrência pelo facto de permitir a todos os participantes no acordo preverem, com um grau razoável de certeza, qual a política de preços prosseguida pelos seus concorrentes (acórdão Vereeniging van Cementhandelaren/Comissão, acima referido no n.° 81, n.° 21).

113    Além disso, a Comissão tinha o direito de invocar as instruções dadas pela Britannia e pela Trident a propósito da sua tabela de preços interna em apoio da sua conclusão de que o acordo sobre os preços foi aplicado. Com efeito, estas instruções seguem, quase exactamente, os preços mínimos fixados nas reuniões (v. igualmente n.° 2.4.25 da declaração da Trident e considerandos 92 e 285 da decisão impugnada). A Trident admitiu que estas instruções serviam de base para negociar os preços com os clientes (n.° 2.4.26 da declaração da Trident). Com efeito, resulta destas tabelas de preços que os preços acordados nas instruções correspondem a «níveis de preços mínimos» e que não «devem ser reduzidos sem discussão prévia com [nome de um empregado]», ou seja, a pessoa que assistia às reuniões do cartel por conta da Trident (anteriormente Britannia). Embora a Comissão não tenha demonstrado que todas as empresas em causa tinham dado tais instruções, o Tribunal de Primeira Instância considera que as instruções da Trident e da Britannia constituem um elemento de prova importante (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 17 de Dezembro de 1991, Hercules Chemicals/Comissão, T‑7/89, Colect., p. II‑1711, n.os 340 a 342, e Cascades/Comissão, acima referido no n.° 95, n.° 194).

114    Há que acrescentar que a Trident afirma que as empresas em causa se queixavam frequentemente nas reuniões a propósito dos níveis dos preços de venda. Utilizaram os preços recomendados como ponto de referência neste aspecto (n.os 2.4.27 e 3.1.2 da declaração da Trident).

115    Daí resulta que, embora não tenha demonstrado de forma circunstanciada que o acordo quanto aos preços foi aplicado «minuciosamente», e mesmo que não tenha identificado qualquer mecanismo de aplicação especial (v. n.° 76 supra), a Comissão tinha o direito de concluir que esse acordo foi aplicado.

116    Quanto às repercussões do acordo nos preços, o Tribunal de Primeira Instância salienta que a Union Pigments e a Trident, que são as empresas em causa que mais cooperaram com a Comissão (considerando 366 da decisão impugnada), verificaram, por várias vezes, que este acordo tinha melhorado a «coerência» dos preços, ou conduzido ao crescimento dos preços praticados no mercado. Estas empresas admitiram que uma das vantagens da participação no cartel tinha sido o fim da guerra de preços [n.° 49 da declaração da Union Pigments e n.° 3.1.1(c) da declaração da Trident; ver igualmente considerandos 84 e 103 da decisão impugnada]. Daí resulta que o cartel teve por efeito aumentar os preços no mercado. Há também que referir que resulta da nota da Union Pigments de 30 de Março de 1995, que data portanto da época dos factos, que as iniciativas de preços conduziram ao crescimento dos preços praticados no mercado. Na mesma nota, a Union Pigments enuncia, entre as vantagens do cartel, o facto de ter podido obter «preços mais elevados no 1.° trimestre de 1995». Além disso, a Union Pigments afirmou, na sua declaração, que, ano após ano, o resultado do cartel era uma melhor «coerência» dos preços, salvo nos países nórdicos (n.° 73 da declaração da Union Pigments). A recorrente afirma que era «praticamente impossível», segundo a Union Pigments, fixar os preços e que os preços de referência não eram respeitados nos países escandinavos. A este respeito, há que referir que, na sua declaração, a Union Pigments indicou que era «difícil», e não «praticamente impossível», assegurar que os preços não variassem de um país para outro devido às flutuações monetárias (n.° 60 da declaração da Union Pigments).

117    Tal como a recorrente indicou, a Trident verificou que os preços discutidos nas reuniões não eram inteiramente respeitados e que se admitia geralmente que fossem efectuadas vendas abaixo dos preços de referência que tinham sido acordados (n.° 2.4.25 da declaração da Trident). A Comissão teve em consideração, na decisão impugnada, o argumento de que os preços das vendas não seguiram inteiramente os preços recomendados (considerandos 275, 291 e 297). O Tribunal de Primeira Instância salienta, a este respeito, que o cartel apenas fixou objectivos de preços, e não preços fixos. Não se pode deduzir do facto de as empresas terem vendido abaixo dos preços de referência que o cartel não teve efeitos. O lucro retirado pelos membros do cartel resultou do conhecimento mútuo da orientação em matéria de preços que regia as suas negociações respectivas com os clientes. Além disso, há que salientar que a Trident admite que as tabelas juntas à sua declaração demonstram que, desde o início de 1995, os seus preços médios eram mais elevados que anteriormente. Segundo a Trident, pode concluir‑se que a estabilidade dos preços a um nível mais elevado resulta das reuniões do cartel (n.° 3.2.7 da declaração da Trident). A Trident afirma igualmente que as variações dos seus preços de venda seguiam os preços recomendados pelo cartel (n.os 2.4.26 e 3.2.5 da declaração da Trident).

118    Conclui‑se assim de declarações objectivas formuladas pelas principais empresas que cooperaram com a Comissão que as iniciativas de preços tiveram efeitos no nível de preços do mercado (v., neste sentido, acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, acima referido no n.° 112, n.os 746 e 747).

119    Por outro lado, a recorrente alega que as repercussões do cartel eram limitadas por várias outras razões.

120    Em primeiro lugar, relativamente ao argumento da recorrente de que os compradores de fosfato de zinco são grandes empresas que dispõem de um grande poder de negociação quanto aos preços e que procuram sistematicamente as melhores ofertas, há que referir que a Comissão não afirma o contrário na decisão impugnada (considerandos 51, 52 e 339). Pese embora o poder dos compradores, a Comissão tinha o direito de concluir que as condições da concorrência eram falseadas pelo cartel em causa.

121    Em segundo lugar, a recorrente afirma que a presença no mercado de concorrentes terceiros e a existência de produtos de substituição, incluindo o fosfato de cálcio, importado de países terceiros, exerceram uma pressão considerável no preço do fosfato de zinco normal. Com efeito, a recorrente alega que o fosfato de zinco normal apenas representa 55% do mercado europeu do fosfato de zinco e que a infracção só podia, portanto, ter efeitos numa parte do mercado. Na sua resposta a uma questão colocada pelo Tribunal de Primeira Instância, a Comissão admite que não efectuou uma análise aprofundada do mercado em causa e confirma que a decisão incide apenas sobre o fosfato de zinco normal. Embora a Comissão faça referência a produtos de substituição parcial na decisão impugnada, incluindo o fosfato de cálcio e os fosfatos de zinco modificados (considerandos 45 e 46 da decisão impugnada), não analisa a importância destes produtos de substituição e, designadamente, não demonstra que o fosfato de zinco normal faz parte do mesmo mercado que esses produtos de substituição.

122    Antes de mais, há que referir que a obrigação de proceder a uma delimitação do mercado numa decisão adoptada em aplicação do artigo 81.° CE impõe‑se à Comissão quando, sem essa delimitação, não é possível determinar se o acordo, a decisão de associação de empresas ou a prática concertada em causa é susceptível de afectar as trocas comerciais entre Estados‑Membros e tem por objecto ou por efeito impedir, restringir ou falsear o jogo da concorrência no interior do mercado comum (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 15 de Setembro de 1998, European Night Services e o./Comissão, T‑374/94, T‑375/94, T‑384/94 e T‑388/94, Colect., p. II‑3141, n.os 93 a 95 e 105, e de 6 de Julho de 2000, Wolkswagen/Comissão, T‑62/98, Colect., p. II‑2707, n.° 230). Há que acrescentar que o volume de negócios realizado com os produtos que constituíram o objecto de uma prática restritiva constitui um critério objectivo que dá uma justa medida do carácter nocivo desta prática para o funcionamento normal da concorrência (acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 11 de Março de 1999, British Steel/Comissão, T‑151/94, Colect., p. II‑629, n.° 643, e de 9 de Julho de 2003, Cheil Jedang/Comissão, T‑220/00, Colect., p. II‑2473, n.° 91).

123    No caso vertente, a recorrente apenas contesta a extensão precisa dos efeitos da infracção (v. n.° 94 supra). Com efeito, admitiu, tanto nos seus articulados como na audiência (v. n.° 107 supra), que a infracção produziu efeitos.

124    Além disso, é ponto assente que as empresas em causa controlavam 90% da produção de fosfato de zinco normal. Mesmo supondo que o mercado dos produtos em causa inclui igualmente outros produtos, uma grande parte deste mercado estava sob o controlo das empresas em questão. Tendo a Comissão apresentado provas concretas dos efeitos da infracção (v. n.os 107 a 118 supra), em especial declarações objectivas dos próprios produtores na época dos factos, o Tribunal de Primeira Instância considera que a mesma demonstrou suficientemente os efeitos da infracção. A este respeito, há que recordar que a Comissão atenuou a importância dos efeitos da infracção na decisão impugnada (v. n.° 105 supra).

125    Por outro lado, na decisão impugnada, em resposta a um argumento da SNCZ segundo o qual a potencial possibilidade de substituição do fosfato de zinco por outros produtos demonstra que a infracção não teve efeito real, a Comissão refere, por um lado, que a referida possibilidade de substituição não foi demonstrada e, por outro, que a SNCZ admite que o cálcio ainda ‘é utilizado em quantidades relativamente pequenas’ (considerando 297 da decisão impugnada). No presente recurso, a recorrente não fez prova de que os alegados de produtos de substituição exerceram «uma pressão considerável sobre o preço do fosfato de zinco normal». No entanto, a Union Pigments afirmou claramente que a recorrente pretendeu obter preços mais elevados para o fosfato de zinco normal de forma a tornar mais competitivo o preço do fosfato de zinco modificado (n.° 59 da declaração da Union Pigments e nota da Union Pigments de 25 de Março de 1995). Por conseguinte, o argumento da recorrente segundo o qual o risco de substituição limitou as repercussões do cartel não pode ser acolhido. Além disso, há que observar que resulta da declaração da Union Pigments que as importações provenientes de países terceiros ainda são reduzidas (n.os 33 e 34 da declaração da Union Pigments).

126    Em terceiro lugar, quanto à afirmação da recorrente de que o aumento dos seus preços em 1997 deveu‑se a um forte aumento do preço do zinco e não ao respeito dos preços de referência, há que referir que a Comissão afirma expressamente, na decisão impugnada, que vários factores podem afectar a evolução do preço do produto em causa (considerando 279 da decisão impugnada). Admite, designadamente, que o fosfato de zinco estava fortemente dependente do preço do zinco metal (considerando 339). A Comissão tinha o direito de concluir que este factor não era de sobrestimar. Com efeito, só se registou um único aumento importante do preço do zinco metal em 1997, ao passo que o cartel estava em actividade desde 1994 (considerando 340 da decisão impugnada). Além disso, embora tenha existido um forte aumento do preço do zinco em 1997, resulta do anexo 6 da petição que houve também uma forte diminuição deste preço no final de 1997 sem, no entanto, que o preço praticado pela recorrente para o fosfato de zinco tenha, por essa razão, diminuído (v. igualmente considerando 340 da decisão impugnada).

127    Em todo o caso, os efeitos a ter em conta para fixar o nível geral das coimas não são os resultantes do comportamento efectivo que uma empresa alega ter adoptado, mas os resultantes do conjunto da infracção em que participou (acórdão do Tribunal de Justiça de 8 de Julho de 1999, Comissão/Anic Partecipazioni, Colect., p. I‑4125, n.° 152, e acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, acima referido no n.° 66, n.os 160 e 167).

128    Em quarto lugar, a recorrente alega que o fosfato de zinco representa apenas uma pequena parte do custo do produto final, ou seja 0,08%, e que as pequenas alterações que os acordos introduziram não tiveram portanto praticamente repercussões negativas no preço das tintas, ou até para os consumidores. Embora a Comissão não tenha contestado que o fosfato de zinco representa apenas uma pequena parte do custo do produto final (considerandos 58 e 53 da decisão impugnada), não resulta da decisão impugnada que a Comissão tenha considerado este factor para determinar o montante das coimas. Segundo a jurisprudência, o valor do produto pode incluir‑se, segundo os casos, entre os elementos de apreciação da gravidade da infracção (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, acima referido no n.° 41, n.os 120 e 121). No caso vertente, o Tribunal de Primeira Instância não considera que a Comissão deveria ter tido em conta esse factor ao fixar a gravidade da infracção e, em especial, ao avaliar os efeitos da infracção. O facto de o fosfato de zinco representar apenas uma pequena parte do custo do produto final não tem consequências para a gravidade da infracção e, como refere a Comissão, em nada altera o facto de as condições do mercado serem falseadas para os clientes. Se o fosfato de zinco tivesse sido um factor de custo mais importante, a infracção teria efeitos ainda mais amplos. Além disso, a Comissão não é obrigada a demonstrar que um cartel prejudica os consumidores para poder qualificar a infracção de muito grave.

129    Relativamente ao acordo sobre os clientes, embora a Comissão não identifique um mecanismo especial de execução (v. n.° 76 supra), o Tribunal de Primeira Instância considera que este acordo foi executado, pelo menos em determinada medida. Em especial, o preço que seria cobrado à Teknos era objecto desse acordo, e tinha sido combinado que só o produtor a quem «cabia a vez» poderia cobrar um preço inferior ao que tinha sido acordado (v. n.° 87 supra). O facto de proibir as vendas a um cliente abaixo do preço acordado por esse cliente ter sido atribuído a outra empresa tem claramente efeitos sobre o funcionamento da concorrência que normalmente existiria.

130    No que respeita ao conjunto dos acordos, e como a Comissão salientou na decisão impugnada (considerando 298), as práticas imputadas foram aplicadas durante mais de quatro anos. É, portanto, pouco provável que os produtores tivessem, na época, considerado que as mesmas eram totalmente desprovidas de eficácia e de utilidade (v., neste sentido, acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, acima referido no n.° 112, n.° 748). A este respeito, há que acrescentar que é pacífico que o cartel teve a sua origem numa guerra de preços e tinha por objectivo, entre outros, o fim desta. Como foi acima referido no n.° 116, uma das vantagens da participação no cartel para as empresas em causa era o fim desta guerra de preços [n.° 49 da declaração da Union Pigments e n.° 3.1.1(c) da declaração da Trident; ver igualmente considerandos 84 e 103 da decisão impugnada]. O Tribunal de Primeira Instância considera que a participação no cartel durante mais de quatro anos demonstra igualmente que as empresas em causa conseguiram, no essencial, pôr termo a essa guerra de preços. Daí resulta que as empresas em causa ajustaram os seus preços para atingir um nível de preços de transacção superior ao que teria prevalecido na ausência do cartel.

131    Por último, a recorrente invocou na sua petição a não aplicação efectiva da infracção como circunstância atenuante.

132    Como resulta da jurisprudência, quando uma infracção foi cometida por várias empresas, há que apreciar a gravidade relativa da participação de cada uma delas (acórdãos do Tribunal de Justiça, de 16 de Dezembro de 1975, Suiker Unie e o./Comissão, 40/73 a 48/73, 50/73, 54/73 a 56/73, 111/73, 113/73 e 114/73, Colect., p. 563, n.os 164, e Comissão/Anic Partecipazioni, acima referido no n.° 127, n.° 150), para determinar se existem, a seu respeito, circunstâncias agravantes ou atenuantes.

133    No ponto 3 («circunstâncias atenuantes») das orientações figura uma lista não exaustiva de circunstâncias que podem conduzir a uma diminuição do montante de base da coima, incluindo a não aplicação efectiva dos acordos (ponto 3, segundo travessão). Há que verificar, a este respeito, se as circunstâncias alegadas pela recorrente são susceptíveis de demonstrar que, durante o período em que aderiu aos acordos ilícitos, se subtraiu efectivamente à sua aplicação, adoptando um comportamento concorrencial no mercado (v., neste sentido, acórdãos Cimenteries CBR e o./Comissão, acima referido no n.° 51, n.os 4872 a 4874, e Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, acima referido no n.° 66, n.° 268).

134    Ora, a recorrente não demonstrou de forma alguma que se subtraiu efectivamente à aplicação do acordo adoptando um comportamento concorrencial no mercado. Não contesta a sua participação nas reuniões do cartel nem o facto de ter trocado informações relativamente a estas vendas com as outras empresas em causa. Participou no acordo sobre as vendas e no acordo relativo à atribuição de clientes. O Tribunal de Primeira Instância já julgou improcedente a afirmação da recorrente segundo a qual não tinha aplicado o acordo sobre os preços. Daí resulta que este argumento não pode ser acolhido.

135    Resulta das considerações expostas que a Comissão considerou com razão que o acordo produziu efeitos concretos.

 Quanto à não tomada em consideração da crise do sector como circunstância atenuante

–        Argumentos das partes

136    A recorrente critica a Comissão por não ter tomado em consideração, como circunstância atenuante, a crise no sector europeu do fosfato de zinco. No passado, a Comissão considerou que a existência de crises estruturais constituía uma circunstância atenuante para a determinação do montante da coima [Decisão 2003/382/CE da Comissão, de 8 de Dezembro de 1999, relativa a um processo de aplicação do artigo 81.° do Tratado CE (Processo IV/E‑1/35.860B – Tubos de aço sem costura) (JO 2003, L 140, p. 1, a seguir «decisão tubos de aço sem costura»), e Decisão 98/247/CECA, da Comissão, de 21 de Janeiro de 1998, relativa a um processo de aplicação do artigo 65.° do Tratado CECA (processo IV/35.814 – Sobretaxa de liga metálica) (JO 1998, L 100, p. 55, a seguir «decisão sobretaxa de liga metálica»), n.° 83]. A situação económica da indústria do fosfato de zinco é directamente comparável à situação de crise descrita na decisão sobretaxa de liga metálica, na qual a tomada em consideração da difícil situação económica do sector tinha implicado uma redução da coima de 10 a 30%. Ora, a crise no mercado do fosfato de zinco foi mais importante e manteve‑se enquanto durou a infracção. O preço do zinco, universalmente conhecido devido à sua cotação na bolsa das matérias‑primas, está continuamente sujeito a flutuações. A recorrente alega que, devido ao poder económico dos compradores de fosfato de zinco, os frequentes aumentos do preço do zinco só muito dificilmente podiam ser repercutidos nestes compradores, ao passo que estes últimos exerciam uma pressão importante sobre os produtores de fosfato de zinco para assegurar que as diminuições do preço do zinco se repercutiam nestes compradores. A recorrente afirma que a crise era agravada por determinados elementos acima descritos, incluindo o risco de importações a baixo preço provenientes de países situados fora do EEE e o facto de o fosfato de cálcio substituir cada vez mais o fosfato de zinco normal. Em consequência, o volume de negócios da recorrente realizado através das vendas de fosfato de zinco normal diminuiu aproximadamente 20% nos anos 90.

137    A recorrente recorda que a maioria dos produtores de fosfato de zinco em actividade confirmaram que o sector atravessava uma crise económica (considerando 337 da decisão impugnada). Resulta da decisão impugnada que a própria Comissão admite que a situação do mercado era difícil (considerando 339 da decisão impugnada). No entanto, recusou reconhecer que esta crise constituía uma circunstância atenuante que justificava uma redução da coima. Ao assim proceder, a Comissão violou a jurisprudência comunitária (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, Solvay/Comissão, T‑12/89, Colect., p. II‑907, n.° 340), e a sua prática decisória anterior.

138    A Comissão contesta esta crítica salientando que não admitiu de forma alguma que o mercado do fosfato de zinco atravessava uma crise estrutural (considerandos 339 e 340 da decisão impugnada). Além disso, alega que a sua análise de uma eventual crise no mercado constitui uma apreciação económica complexa e que, portanto, a fiscalização exercida pelo órgão jurisdicional comunitário se deve limitar à verificação do respeito das regras processuais e de fundamentação, bem como da exactidão material dos factos, da inexistência de erro manifesto de apreciação e de desvio de poder (acórdão do Tribunal de Justiça de 28 de Maio de 1998, Deere/Comissão, C‑7/95 P, Colect., p. I‑3111, n.° 34). Ora, a recorrente não invocou tais fundamentos ou criticas.

–        Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

139    O Tribunal de Primeira Instância considera que a recorrente não pode extrair qualquer argumento da alegada crise em que se encontrava o sector do fosfato de zinco. A este respeito, basta recordar que, no seu acórdão Lögstör Rör/Comissão, acima referido no n.° 33 (n.os 319 e 320), proferido no processo tubos com revestimento térmico, o Tribunal entendeu que a Comissão não era obrigada a considerar que a falta de saúde financeira do sector em causa era uma circunstância atenuante. O Tribunal confirmou também que não é porque a Comissão teve em conta, em processos anteriores, a situação económica do sector como circunstância atenuante que deve necessariamente continuar a observar essa prática (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 10 de Março de 1992, ICI/Comissão, T‑13/89, Colect., p. II‑1021, n.° 372). Com efeito, como a Comissão correctamente indicou, regra geral, os cartéis nascem no momento em que um sector tem dificuldades (acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, acima referido no n.° 37, n.° 345).

140    Em todo o caso, contrariamente ao que alega a recorrente, a Comissão não admitiu a existência de uma crise no sector do fosfato de zinco. Apenas referiu que o contexto económico era difícil devido à maturidade do mercado, à sua forte dependência do preço do zinco metal e ao poder de compra dos clientes (considerando 339 da decisão impugnada). No entanto, não considerou que existissem problemas estruturais no mercado. Além disso, como foi indicado no considerando 340 da decisão, só se registou um aumento importante do preço do zinco metal em 1997, ao passo que o cartel esteve em actividade a partir de 1994. Há que acrescentar que não resulta dos autos que o mercado em causa conhecesse dificuldades muito significativas.

 Quanto à comparação com outros cartéis

–        Argumentos das partes

141    A recorrente refere que resulta de uma análise dos processos recentes em que as infracções foram qualificadas de muito graves pela Comissão que a infracção em causa no presente processo não se inclui nesta categoria. Estes processos recentes distinguem‑se do presente por um grau de organização bastante mais elevado, pelo recurso a meios sensivelmente mais eficazes e por repercussões mais importantes no mercado [decisão Cimento, acima referida no n.° 56, n.° 65, decisão tubos com revestimento térmico, acima referida no n.° 29, n.° 63, e Decisão 2003/2/CE da Comissão, de 21 de Novembro de 2001, relativa a um processo nos termos do artigo 81.° do Tratado CE e do artigo 53.° do Acordo EEE (Processo COMP/E‑1/37.512 – Vitaminas) (JO 2003, L 6, p. 1, a seguir «decisão vitaminas»)].

142    A Comissão não devia classificar o presente processo na mesma categoria que as decisões acima descritas. Em primeiro lugar, as empresas em causa no caso vertente nunca estabeleceram quotas para os diferentes países e não protegeram o seu mercado nacional. Em segundo lugar, a infracção em causa não dizia respeito a toda uma série de produtos, mas apenas ao fosfato de zinco normal. Em terceiro lugar, dado que o fosfato de zinco apenas representa uma ínfima parte dos custos das tintas, únicos produtos em que o fosfato de zinco pode ser utilizado, a sua importância no mercado das tintas é reduzida e nenhum consumidor sofreu prejuízo. Em quarto lugar, os preços apenas desempenharam um papel secundário e não estava prevista nenhuma medida de sanção. A recorrente alega que a Comissão reconhece que as infracções nos processos acima mencionados no n.° 141 eram mais graves ainda do que a que está em causa no presente processo. Por conseguinte, não compreende porque a Comissão lhe aplicou uma coima muito mais elevada que as aplicadas às empresas nos referidos processos. Refere, a título de exemplo, que a coima que lhe foi aplicada é, relativamente ao seu volume de negócios global, 21 vezes mais elevada que a aplicada ao «líder» do cartel no processo dos tubos com revestimento térmico.

143    A Comissão refuta esta crítica referindo que a infracção em causa já foi qualificada de muito grave devido ao seu objecto, à atribuição de quotas de mercado e à fixação de preços respeitantes a todo o EEE. Afirma que podia, dentro da categoria das infracções muito graves e em conformidade com as orientações, ter em consideração o facto de que os cartéis referidos pela recorrente apresentavam características suplementares que contribuíam para a gravidade das infracções cometidas no seu âmbito, sem que por isso devesse classificar a infracção cometida pela recorrente na categoria das infracções graves. A Comissão recorda que o montante de base fixado para a recorrente se situa abaixo da escala dos montantes previstos referidos nas orientações para as infracções graves. No que respeita à alegação da recorrente de que lhe foi aplicada uma coima mais severa que às empresas nos outros processos invocados, a Comissão responde que a fixação da coima não é o resultado de um simples cálculo aritmético baseado no volume de negócios e remete, a este respeito, para os argumentos acima expostos.

–        Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

144    Há que recordar que o cartel horizontal em que participou a recorrente implicava restrições que consistem na fixação de quotas de venda, na fixação de objectivos de preços e na atribuição de clientes. Como foi acima indicado nos n.os 67 a 70, uma infracção que inclui quotas e a fixação de preços, mesmo indicativos, é de natureza especialmente grave. Além disso, esta infracção teve efeitos no mercado (v. n.os 107 a 130 supra) e abrangeu todo o mercado comum e, após a sua criação, todo o EEE. Por conseguinte, o Tribunal de Primeira Instância considera que foi com razão que a Comissão qualificou a infracção de muito grave.

145    Não se pode deduzir da existência de outros processos que implicam violações ainda mais caracterizadas do direito da concorrência que a infracção cometida no caso vertente não é muito grave. Há que referir que as orientações prevêem que, no interior das categorias de infracções pouco graves, graves e muito graves, a escala das sanções a adoptar permitirá diferenciar o tratamento a aplicar às empresas em função da natureza das infracções cometidas (ponto 1 A, terceiro parágrafo). Além disso, as coimas aplicadas no caso vertente são claramente inferiores ao montante mínimo previsto para as infracções muito graves (v. n.° 40 supra). Embora a Comissão tenha decidido qualificar esta infracção de muito grave, de facto, distinguiu de facto este processo dos outros processos muito graves em que foram aplicadas coimas muito mais elevadas.

146    No que respeita ao argumento de que a coima aplicada à recorrente é mais severa do que as aplicadas aos participantes num cartel noutros processos anteriores, basta recordar que a Comissão, desde que respeite o limite máximo do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, não é obrigada a perpetuar uma determinada prática em matéria de fixação do nível das coimas. Como foi acima referido no n.° 41, o facto de a Comissão ter aplicado, no passado, coimas de certo nível a determinados tipos de infracções não a priva da possibilidade de elevar esse nível, nos limites indicados no Regulamento n.° 17, se isso for necessário para assegurar a execução da política comunitária da concorrência (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, acima referido no n.° 41, n.° 109, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Europa Carton/Comissão, T‑304/94, Colect., p. II‑869, n.° 89).

147    Por outro lado, ao proceder à determinação do montante das coimas em função da gravidade e da duração da infracção em questão, a Comissão não é obrigada a efectuar o cálculo da coima a partir de montantes baseados no volume de negócios das empresas envolvidas (acórdão LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.° 278).

148    Há que acrescentar que a gravidade das infracções deve ser apreciada em função de um grande número de elementos, tais como, designadamente, as circunstâncias especiais do processo, o seu contexto e o efeito dissuasor das coimas, que não se inscrevem numa lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (acórdão Ferriere Nord/Comissão, acima referido no n.° 43, n.° 33, e acórdão LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.° 236). A Comissão não é obrigada a aplicar uma fórmula matemática precisa, quer se trate do montante total da coima aplicada quer da sua decomposição em diferentes elementos (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Maio de 1998, Stora Kopparbergs Bergslags/Comissão, T‑354/94, Colect., p. II‑2111, n.° 119).

149    Resulta do exposto que a primeira parte do primeiro fundamento deve ser julgada improcedente.

b)     Quanto à segunda parte, relativa à não tomada em consideração do facto de apenas estar em causa uma pequena proporção do volume de negócios da recorrente

 Argumentos das partes

150    A recorrente alega que, segundo jurisprudência assente, no âmbito da determinação do montante da coima, a Comissão deve ter em consideração os casos em que volume de negócios realizado pela empresa em causa com os produtos abrangidos pela infracção representa apenas uma pequena proporção do seu volume de negócios global (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, acima referido no n.° 41, n.° 121, e conclusões do advogado‑geral Sir G. Slynn apresentadas no processo que deu lugar a este acórdão, Recueil, p. 1950; acórdãos do Tribunal de Primeira Instância de 14 de Julho de 1994, Parker Pen/Comissão, T‑77/92, Colect., p. II‑549, n.° 94, e Cimenteries CBR e o./Comissão, acima referido no n.° 51, n.° 5026). Refere que o volume de negócios que realizou com as vendas do fosfato de zinco normal à escala europeia em 2000 apenas representou 4,9% do seu volume de negócios global, ou seja 3,48 milhões de EUR. No entanto, a Comissão não teve em conta este elemento ao determinar o montante da coima e violou portanto, o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e as orientações.

151    Não basta que a Comissão tenha tido em consideração, na determinação do peso específico de cada empresa, do volume de negócios realizado com o produto em causa à escala do EEE uma vez que, segundo a jurisprudência, devia considerar, para cada empresa em causa, o volume de negócios no sector em relação ao volume de negócios global no âmbito da determinação do montante absoluto da coima. Por outro lado, o facto de a Comissão ter manifestado, na decisão impugnada, a sua intenção de ter em consideração a reduzida importância do mercado do fosfato de zinco não resolve o problema.

152    A recorrente contesta o argumento da Comissão segundo o qual esta teve em consideração a diversificação na decisão impugnada e salienta que este elemento nem sequer é aí mencionado. Quanto à interpretação que a Comissão dá às conclusões do advogado‑geral Sir G. Slynn apresentadas no processo que deu lugar ao acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, acima referidas no n.° 150, e, segundo a qual só é obrigada a tomar em consideração a diversificação quando fixa a coima com base numa percentagem do volume de negócios global, a recorrente alega que a Comissão admitiu implicitamente o contrário na sua contestação. Nesta, a Comissão afirma, por um lado, que também teve em consideração a diversificação no caso concreto e, por outro, que embora a diversificação tenha apenas «pouca importância» tem, mesmo assim, alguma importância.

153    A Comissão contesta a argumentação da recorrente. Alega designadamente que teve em conta o facto de uma pequena proporção do seu volume de negócios provir do fosfato de zinco normal, mesmo que não o mencione expressamente na decisão impugnada. Com efeito, a proporção do volume de negócios que corresponde às mercadorias em causa na infracção fornece uma indicação da extensão da infracção. No entanto, em conformidade com a jurisprudência, a Comissão não atribuiu uma importância desproporcionada ao volume de negócios proveniente dos produtos que constituem o objecto da infracção relativamente aos outros elementos de apreciação (acórdão Musique Diffusion française e o./Comissão, acima referido no n.° 41, n.° 121, e acórdão Parker Pen/Comissão, acima referido no n.° 150, n.os 89 e 94).

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

154    Antes de mais, há que recordar que jurisprudência assente se opõe a que seja atribuído a um ou outro dos diferentes volumes de negócios uma importância desproporcionada relativamente aos outros elementos de apreciação, pelo que a fixação de uma coima apropriada não pode ser resultado de um mero cálculo com base no volume de negócios global, em especial quando as mercadorias em causa representam apenas uma fracção reduzida deste volume (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, acima referido no n.° 41, n.os 120 e 121, e acórdão Parker Pen/Comissão, acima referido no n.° 150, n.° 94). Assim, o Tribunal acolheu, no acórdão Parker Pen/Comissão, já referido, o fundamento baseado na violação do princípio da proporcionalidade pelo facto de a Comissão não ter tomado em consideração que o volume de negócios realizado com os produtos a que a infracção dizia respeito era relativamente baixo quando comparado com o do conjunto das vendas realizadas pela empresa em causa.

155     No caso vertente, não tendo a Comissão baseado o seu cálculo do montante da coima a aplicar à recorrente no seu volume de negócios global, esta última não pode invocar o acórdão Parker Pen/Comissão, acima referido no n.° 150 (acórdão ABB Asea Brown Boveri/Comissão, acima referido no n.° 33, n.° 156).

156     Resulta da decisão impugnada que, em conformidade com a jurisprudência, a Comissão teve em consideração toda uma série de elementos para além do volume de negócios global para fixar a coima, entre os quais a natureza da infracção, os seus efeitos reais, a importância das empresas em causa no mercado, o efeito dissuasor das coimas e a dimensão limitada do mercado em causa (v. considerandos 262 a 309; v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Primeira Instância ABB Asea Brown Boveri/Comissão, acima referido no n.° 33, n.° 157; Tokai Carbon e o./Comissão, acima referido no n.° 37, n.° 202, e de 9 de Julho de 2003, Daesang e Sewon Europe/Comissão, T‑230/00, Colect., p. II‑2733, n.° 60).

157    Pelos fundamentos expostos, há que julgar improcedente a segunda parte do primeiro fundamento.

c)     Quanto à terceira parte, relativa ao erro de direito que resulta da não tomada em consideração da capacidade económica da recorrente

 Argumentos das partes

158    A recorrente defende que a Comissão, contrariamente às orientações, não tomou em consideração a sua capacidade económica limitada quando calculou a coima. Indica, que por carta de 15 de Novembro de 2001, pediu à Comissão que tivesse em consideração as suas dificuldades económicas no sector em causa, incluindo o facto de ter sofrido perdas importantes e uma diminuição de aproximadamente 20% do seu volume de negócios em 2000 e 2001. O balanço da recorrente em 31 de Dezembro de 2000 demonstra que esta inscreveu no mesmo um montante de 40 milhões de EUR, dos quais 21 milhões de EUR de dívidas resultantes de empréstimos bancários. A cobertura de fundos próprios representa apenas 5% do total do balanço, uma situação precária. Ora, a Comissão recusou ter em consideração essas dificuldades na decisão impugnada, violando assim as orientações, nas quais indicou que havia que ter em consideração, na determinação do montante da coima, as características próprias das empresas em causa incluindo a «sua capacidade contributiva real num contexto social determinado» [ponto 5, alínea b)], e cometendo um erro de direito. A recorrente acrescenta que, se tiver de pagar a coima, a sua sobrevivência estará em perigo.

159    A Comissão contesta ter cometido um erro de direito no que respeita à apreciação da situação financeira da recorrente. Esta última não forneceu informações suficientes a esse respeito durante o procedimento administrativo. Por outro lado, na sua carta de 15 de Novembro de 2001, a recorrente não mencionou que não podia pagar uma coima de determinado nível nem o «contexto social determinado» a que as orientações fazem referência. Nestas circunstâncias, a Comissão considera que não tinha nenhuma razão, no momento em que adoptou a decisão impugnada, para solicitar informações mais precisas sobre a situação financeira da recorrente como fez em relação à Trident (considerandos 367 e 368 da decisão impugnada).

160    Mesmo tendo em consideração as indicações fornecidas pela recorrente na sua petição, uma redução da coima, a que o Tribunal de Primeira Instância pode proceder no âmbito da sua competência de plena jurisdição, não é de considerar. A recorrente não demonstrou que a sobrevivência da sua empresa seria seriamente ameaçada pela coima em questão.

 Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

161    Antes de mais, há que recordar que, segundo jurisprudência assente, a Comissão não é obrigada, ao proceder à determinação do montante da coima, a ter em conta a situação financeira deficitária de uma empresa interessada, dado que o reconhecimento de tal obrigação equivaleria a conceder uma vantagem concorrencial injustificada às empresas menos adaptadas às condições do mercado (v. acórdãos do Tribunal de Primeira Instância LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.° 308; HFB e o./Comissão, acima referido no n.° 33, n.° 596, e de 19 de Março de 2003, CMA CGM e o./Comissão, T‑213/00, Colect., p. II‑913, a seguir «acórdão FETTCSA», n.° 351, e jurisprudência aí referida).

162     Esta jurisprudência não pode ser posta em causa pelo ponto 5, alínea b), das orientações, segundo o qual a capacidade contributiva real de uma empresa deve ser tida em consideração. Com efeito, esta capacidade apenas opera no seu «contexto social determinado», constituído pelas consequências que o pagamento da coima teria, designadamente, ao nível de um aumento do desemprego ou de uma deterioração de sectores económicos a montante e a jusante da empresa em causa (acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, acima referido no n.° 37, n.° 371). Há que referir que a recorrente não apresentou nenhum elemento que permitisse apreciar o referido «contexto social determinado».

163    Por outro lado, o facto de uma medida adoptada por uma autoridade comunitária provocar a falência ou a liquidação de uma dada empresa não é proibido, como tal, pelo direito comunitário (v., neste sentido, acórdãos do Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 1986, Comissão/Bélgica, 52/84, Colect., p. 89, n.° 14, e de 2 de Julho de 2002, Comissão/Espanha, C‑499/99, Colect., p. I‑6031, n.° 38). Com efeito, embora a liquidação de uma empresa sob a sua forma jurídica em causa possa prejudicar os interesses financeiros dos proprietários, accionistas ou detentores de participações, não significa por isso que os elementos pessoais, materiais e imateriais representados pela empresa percam também o seu valor (acórdão Tokai Carbon e o./Comissão, acima referido n.° 37, n.° 372).

164    Além disso, a recorrente apenas comunicou à Comissão escassas informações relativas à sua situação financeira antes da adopção da decisão impugnada. Não invocou nenhum elemento relativo à sua capacidade contributiva real ou a um qualquer «contexto social determinado». Mesmo nos seus articulados no presente recurso, a recorrente não invoca nenhum elemento de prova susceptível de demonstrar que não pode pagar a coima em questão, que representa apenas 5,3% do seu volume de negócios global.

165    Por conseguinte, há que concluir que a Comissão podia considerar, no âmbito do seu poder de apreciação, que não havia que ter em consideração as dificuldades financeiras da recorrente.

166    Daí resulta que o primeiro fundamento deve ser julgado improcedente.

2.     Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

a)     Argumentos das partes

167    A recorrente alega que, mesmo supondo que a decisão impugnada não viole o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e as orientações, a coima aplicada é desproporcionada relativamente à infracção cometida, à sua dimensão e à importância do mercado em causa.

168    Em primeiro lugar, afirma que a Comissão violou os objectivos do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e, portanto, os princípios da proporcionalidade e da adequação. Ao fixar os montantes das coimas, a Comissão deve prosseguir fins tanto repressivos como dissuasores (acórdão do Tribunal de Justiça de 15 de Julho de 1970, ACF Chemiepharma/Comissão, 41/69, Colect., 1969‑1970 p. 447). A dissuasão inclui o aspecto dissuasor geral e a prevenção específica que visa incentivar a empresa em causa a voltar a um comportamento conforme à lei. Esta prevenção específica não será atingida se a coima ultrapassar o que a empresa em causa tem capacidade económica de pagar. No caso vertente, a Comissão não teve em conta objectivos de prevenção específica nem a capacidade económica da recorrente, que é significativamente limitada devido à crise existente no mercado. Em resposta à alegação da Comissão de que teve em consideração a dimensão do mercado e a capacidade económica da recorrente, esta última alega que a Comissão apenas considerou a dimensão do mercado do fosfato de zinco de forma limitada e não analisou a situação específica da recorrente.

169    Em segundo lugar, a Comissão não teve em consideração, na decisão impugnada, o facto de a recorrente quase não ter realizado lucros com o fosfato de zinco normal e de ter, de facto, sofrido perdas em determinados anos. Esta omissão é contrária ao ponto 5 alínea b), das orientações, nas quais a Comissão afirma a sua intenção de ter em consideração na determinação do montante da coima a inexistência de lucro realizado pelos autores de uma infracção.

170    Por outro lado, a recorrente salienta que a Comissão afirma incessantemente que não é obrigada a tomar em consideração os elementos favoráveis à recorrente, mesmo que sejam relevantes. A falta sistemática de tomada em consideração destes elementos conduziu a uma coima de montante inadequado e desproporcionado.

171    Em terceiro lugar, a recorrente alega que resulta de uma análise das decisões anteriores da Comissão que existe uma desproporção entre, por um lado, a coima aplicada e, por outro, a infracção em causa e a sua capacidade económica. Na decisão sobretaxa de liga metálica, a Comissão fixou o montante de base em 4 milhões de EUR, embora as empresas em questão tenham realizado volumes de negócios muito mais importantes que o da recorrente (n.° 76 da decisão sobretaxa de liga metálica). Na decisão Volkswagen, a Comissão verificou que a Volkswagen participou numa infracção muito grave e violou um princípio do Tratado, a saber, a criação de um mercado comum (n.° 213). Por conseguinte, a Comissão aplicou uma coima de 102 milhões de EUR à Volkswagen, uma coima que representa apenas cerca de 0,146% do volume de negócios global do grupo Volkswagen.° A coima aplicada à recorrente é, proporcionalmente ao seu volume de negócios, 60 vezes mais elevada que a aplicada à Volkswagen.° O carácter manifestamente desproporcionado da coima aplicada à recorrente sobressai ainda mais claramente se se considerar o facto de que a coima aplicada à Volkswagen era a maior coima jamais aplicada a uma empresa isolada. Além disso, esta última coima foi finalmente reduzida para 90 milhões de EUR pelo Tribunal de Primeira Instância (acórdão Volkswagen/Comissão, acima referido no n.° 122). Por outro lado, à British Sugar, líder de um cartel relativo à fixação de preços e que possuía quotas de mercado especialmente importantes, foi aplicado um montante de base de 18 milhões de EUR, ou seja 0,015% do seu volume de negócios global. O montante de base considerado no que se refere à recorrente é, relativamente ao seu volume de negócios realizado em 2000, aproximadamente 280 vezes mais elevado que o montante aplicado à British Sugar. Nada justifica tal desproporção. A recorrente invoca outras decisões da Comissão para salientar que a coima que lhe foi aplicada viola o princípio da proporcionalidade (decisões tubos com revestimento térmico, acima referida no n.° 29, e tubos de aço sem costura, acima referida no n.° 136). Em resumo, a Comissão não teve suficientemente em consideração a dimensão global da recorrente no caso vertente e violou, portanto, o princípio da proporcionalidade. Mesmo tendo a Comissão uma certa margem de apreciação para elevar o nível das coimas, não pode agir sem respeitar os princípios da proporcionalidade e da adequação.

172    Quanto ao argumento da Comissão de que a comparação com a sua prática anterior é errada na medida em que se limita aos volumes de negócios, a recorrente retorque que, quanto ao mérito, os processos que invoca dizem respeito a circunstâncias ainda mais graves que as do caso vertente. Além disso, nestes processos, as circunstâncias não são de natureza moderada, como no caso vertente. No entanto, a coima é muito mais elevada no presente caso do que noutros processos. Por outro lado, a recorrente rejeita o argumento da Comissão segundo o qual estes processos não constituem um precedente, uma vez que datam de 1998, referindo que todas as decisões que invoca foram adoptadas após a introdução das orientações, as quais foram seguidas de um aumento significativo do nível das coimas.

173    Por último, a recorrente contesta a afirmação da Comissão segundo a qual aquela compara «alhos com bugalhos». Indica que a Comissão alega que a recorrente calculou a coima, por um lado, no âmbito do seu quinto fundamento adiante referido, relativo a falta de fundamentação, como uma percentagem do volume de negócios relevante realizado através do produto em causa no EEE (n.° 213 infra) e, por outro, no âmbito da presente parte, como uma percentagem do volume de negócios total a nível mundial. A recorrente considera que as duas comparações são válidas e confirmam que o montante da coima não é adequado. Não confundiu de forma alguma as duas comparações. A recorrente evidencia na réplica, no âmbito da comparação com a prática anterior da Comissão, a relação entre, por um lado, a coima aplicada à Volkswagen e o volume de negócios realizado com o produto em causa no EEE e, por outro, a coima aplicada à recorrente e o volume de negócios realizado com o produto em causa. Relativamente ao volume de negócios realizado pela Volkswagen com o produto em causa no EEE, a coima aplicada à recorrente é quase 450 vezes mais elevada que a aplicada à Volkswagen, o que constitui uma prova manifesta de que a Comissão cometeu um erro de direito ao não ter em consideração a diversificação da recorrente.

174    A Comissão contesta ter violado o princípio da proporcionalidade e cometido um erro de apreciação. Em primeiro lugar, relativamente aos objectivos da coima, afirma que a dissuasão não apenas da empresa em causa mas também de terceiros é um objectivo legítimo (acórdãos do Tribunal de Justiça ACF Chemiepharma/Comissão, acima referido no n.° 168, n.os 172 a 176; de 14 de Julho de 1972, BASF/Comissão, 49/69, Colect., p. 281, Recueil, p. 713, n.° 38, e Musique diffusion française e o./Comissão, acima referido no n.° 41, n.os 106 e 109). Segundo a Comissão, se se verificam ainda hoje, apesar da sua abundante prática decisória, infracções tão patentes e significativas às regras da concorrência como as do presente caso, é claro que o efeito dissuasor da coima é especialmente importante (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 12 de Julho de 2001, Tate & Lyle e o./Comissão, T‑202/98, T‑204/98 e T‑207/98, Colect., p. II‑2035, n.os 144 a 145). Por outro lado, alega que teve em conta a capacidade económica da recorrente ao fixar o montante de base em 3 milhões de EUR, ou seja num nível consideravelmente inferior aos montantes previstos nas orientações no caso de infracções muito graves.

175    Em segundo lugar, a Comissão defende que, embora possa considerar a realização e lucros como uma circunstância agravante, tal não significa, no entanto, que deva ter em consideração a inexistência de um benefício como elemento que implique uma redução da coima (acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, acima referido no n.° 51, n.os 4881 e 4882, e LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.° 307).

176    Em terceiro lugar, não resulta de uma comparação com a prática decisória anterior da Comissão que a coima no caso vertente viole os princípios da proporcionalidade e da adequação. A recorrente limita‑se a comparar a percentagem das coimas em relação aos volumes de negócios das empresas em causa pese embora o facto de, segundo a jurisprudência, a proporcionalidade da coima dever ser apreciada à luz de todas as circunstâncias da infracção (acórdão Limburgse Vinyl Maatschappij e o./Comissão, acima referido no n.° 112, n.° 1215). Por outro lado, todas as decisões da Comissão mencionadas pela recorrente dizem respeito a coimas aplicadas a grandes empresas. A Comissão considera que não pode aplicar coimas astronómicas às grandes empresas com o único objectivo de preservar a proporcionalidade relativamente ao volume de negócios invocado pela recorrente. Do mesmo modo, não pode aplicar coimas inferiores ao limite de minimis, que não têm qualquer efeito dissuasor, a empresas mais pequenas como a recorrente.

177    Remetendo para os seus argumentos em resposta aos outros fundamentos acima expostos, a Comissão salienta que as comparações que a recorrente estabelece com as decisões anteriores que aplicam coimas são, antes de mais, destituídas de pertinência. Alega que é precisamente porque teve devidamente em consideração no cálculo da coima as diferenças de dimensão entre as empresas em causa, contrariamente às afirmações da recorrente, que esta não pode seriamente pretender que a Comissão deveria dividir por 450 a coima de 3 700 000 EUR e chegar a uma coima de 8 400 EUR, de modo a preservar a proporcionalidade relativamente à coima aplicada à Volkswagen em função do volume de negócios em causa realizado no EEE.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

178    No âmbito da primeira parte da sua argumentação relativa à violação dos princípios da proporcionalidade e da adequação, a recorrente critica a Comissão por ter violado estes princípios, na medida em que não teve em conta objectivos de prevenção específicos nem a capacidade económica da recorrente.

179    Segundo a jurisprudência, o poder da Comissão de aplicar coimas às empresas que, deliberadamente ou por negligência, cometem uma infracção às disposições do artigo 81.°, n.° 1, CE ou do artigo 82.° CE constitui um dos meios que lhe foram atribuídos com vista a permitir‑lhe cumprir a missão de vigilância que o direito comunitário lhe confere. Esta missão inclui certamente o dever de instruir e de reprimir infracções individuais, mas inclui também o dever de prosseguir uma política geral destinada a aplicar em matéria de concorrência os princípios fixados pelo Tratado e a orientar o comportamento das empresas nesse sentido (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, acima referido no n.° 41, n.° 105).

180    Daí decorre que a Comissão tem o poder de decidir do nível do montante das coimas, com vista a reforçar o seu efeito dissuasor, quando infracções de determinado tipo sejam ainda relativamente frequentes, não obstante a sua ilegalidade já ter ficado demonstrada desde o início da política comunitária em matéria de concorrência, em função do benefício que algumas das empresas interessadas podem delas retirar (acórdão Musique diffusion française e o./Comissão, acima referido no n.° 41, n.° 108).

181    Como resulta da jurisprudência acima referida, o objectivo de dissuasão que a Comissão tem o direito de prosseguir na fixação do montante de uma coima visa garantir que, na condução das suas actividades na Comunidade ou no EEE, as empresas respeitem as regras de concorrência previstas no Tratado para o efeito. Daqui decorre que o carácter dissuasor de uma coima aplicada devido a uma violação das regras comunitárias da concorrência não pode ser determinado apenas em função da situação particular da empresa condenada (acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, acima referido no n.° 66, n.° 110

182    Além disso, o ponto 1 A, quarto parágrafo, das orientações prevê, designadamente, que é necessário, no âmbito da apreciação da gravidade de uma infracção «tomar em consideração a capacidade económica efectiva dos autores da infracção de causarem um prejuízo importante aos outros operadores, nomeadamente aos consumidores, e determinar um montante que assegure que a coima apresenta um carácter suficientemente dissuasivo».

183    Resulta da decisão impugnada que a Comissão teve em consideração a capacidade económica da recorrente para prejudicar a concorrência e a necessidade de fixar a coima a um nível que garanta um efeito dissuasor suficiente (considerandos 304 a 309). O Tribunal de Primeira Instância considera que a coima aplicada não é desproporcionada em relação à dimensão da empresa em causa. A recorrente realizou um volume de negócios a nível mundial de 71,018 milhões de EUR em 2000. A coima aplicada, ou seja, 3,78 milhões de EUR, representa apenas 5,3% do seu volume de negócios global. Além disso, não foi demonstrado que a recorrente não pode pagar tal coima (v. n.° 164 supra). Em todo o caso, o Tribunal de Primeira Instância considera, no âmbito da sua competência de plena jurisdição, que, tendo em conta a gravidade e a duração da infracção, o montante da coima é apropriado.

184    Em seguida, no que respeita à segunda parte deste fundamento, relativa à violação pela Comissão do princípio da proporcionalidade na medida em que não teve em conta que a recorrente praticamente não realizou nenhum lucro graças ao produto em causa, e que sofreu mesmo, em determinados anos, perdas nesse segmento do mercado, importa recordar que, embora o montante da coima aplicada deva ser proporcionado à duração da infracção e aos outros elementos que influem na apreciação da gravidade da infracção, tais como o proveito que a empresa em causa possa ter retirado das suas práticas (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 21 de Outubro de 1997, Deutsche Bahn/Comissão, T‑229/94, Colect., p. II‑1689, n.° 127), o facto de uma empresa não ter retirado qualquer benefício da infracção não pode, segundo a jurisprudência, impedir a aplicação de coimas, sob pena de as mesmas perderem a sua natureza dissuasora (acórdãos Ferriere Nord/Comissão, acima referido no n.° 43, e FETTCSA, n.° 340).

185    Daí resulta que a Comissão não é obrigada, para fixar o montante das coimas, a tomar em consideração a inexistência de benefícios decorrentes da infracção em causa (acórdãos Cimenteries CBR e o./Comissão, acima referido no n.° 51, n.° 4881, e FETTCSA, n.° 341).

186    Embora a Comissão possa, nos termos da suas orientações (ponto 2, primeiro parágrafo, quinto travessão) e a título das circunstâncias agravantes, majorar a sanção para ultrapassar o montante dos ganhos ilícitos obtidos graças à infracção, esta possibilidade não tem por efeito que a Comissão se tenha imposto para o futuro o ónus de demonstrar, em todas as circunstâncias, para efeitos de determinação do montante da coima, a vantagem financeira ligada à infracção verificada (acórdão FETTCSA, n.os 342 a 343). Por outras palavras, a inexistência de tal vantagem não pode ser considerada uma circunstância atenuante.

187    Nestas circunstâncias, a critica da recorrente relativa à não tomada em consideração do lucro retirado da infracção deve ser julgada improcedente.

188    Por último, no que respeita, em terceiro lugar, ao argumento relativo à comparação com as decisões anteriores da Comissão, este deve ser julgado improcedente pelas razões acima expostas nos n.os 41 a 43.

189    Resulta das considerações expostas que o segundo fundamento deve ser julgado improcedente.

3.     Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

a)     Argumentos das partes

190    Em primeiro lugar, a recorrente alega que a Comissão violou o princípio da igualdade de tratamento ao não tomar em consideração o volume de negócios que aquela realizou com o produto em causa relativamente ao seu volume de negócios global no âmbito de aplicação do limite de 10% mencionado no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Indica que o montante da coima aplicada à SNCZ foi reduzido de 4,2 para 1,7 milhões de EUR nos termos desse limite, uma vez que esta sociedade tinha um volume de negócios global de apenas 17,08 milhões de EUR em 2000. No entanto, a recorrente não beneficiou de tal redução devido ao seu volume de negócios global de 71,018 milhões de EUR. A recorrente alega que esta desigualdade de tratamento resulta das diferenças de estrutura entre as duas empresas. Com efeito, a recorrente está em desvantagem enquanto empresa familiar que agrupa o essencial das suas actividades sob a forma de uma sociedade anónima em comandita (GmbH & Co. KG), uma vez que tem um volume de negócios global comparativamente elevado. Ao determinar a coima a aplicar‑lhe, a Comissão baseou‑se exclusivamente neste volume de negócios elevado, quando a maior parte das suas actividades não tem nenhuma ligação com os produtos em causa na infracção. Em contrapartida, o grupo a que pertence a SNCZ teve um volume de negócios de 278,8 milhões de EUR, mas este grupo repartiu as suas outras actividades por sociedades e a SNCZ teve, portanto, um volume de negócios de apenas de 17,08 milhões de EUR. O volume de negócios realizado pela SNCZ com o produto em causa representa ainda assim aproximadamente 22,9% do seu volume de negócios global. Assim, a coima aplicada à recorrente, «relativa ao volume de negócios realizado com o produto em causa», é mais de duas vezes superior à aplicada à SNCZ. Segundo a recorrente, a jurisprudência exige que a relação entre o volume de negócios com o produto em causa e o volume de negócios global seja tomada em consideração pela Comissão para evitar tais desigualdades.

191    A recorrente contesta a relevância dos acórdãos invocados pela Comissão para demonstrar que não houve desigualdade de tratamento. Nos processos que deram lugar a estes acórdãos, as recorrentes contestaram o facto de os montantes de base das coimas de determinadas empresas envolvidas serem injustamente fixados abaixo do limite de 10% do volume de negócios referido no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17, quando tal não ocorreu em relação a outras (acórdãos Brugg Rohrsysteme/Comissão, acima referido no n.° 33, n.° 155, e ABB Asea Brown Boveri/Comissão, acima referido no n.° 33, n.° 185). No entanto, o presente processo diz respeito a uma desigualdade de tratamento que resulta da não tomada em consideração de diferentes níveis de diversificação das empresas em causa que respeitam ao cálculo da coima.

192    Em segundo lugar, embora quatro das seis empresas em causa possuíssem quotas de mercado equivalentes, a Comissão fixou montantes de base totalmente diferentes para cada uma dessas empresas. Com efeito, os montantes de base antes da aplicação da comunicação sobre a cooperação variaram entre 700 000 e 4 200 000 EUR. O elevado nível de diversificação da recorrente deveria ter sido tomado em consideração para evitar essa desigualdade de tratamento.

193    A Comissão contesta a procedência deste fundamento. Contesta, designadamente, a tentativa da recorrente, na sua réplica, de distinguir os processos que deram lugar aos acórdãos Brugg Rohrsysteme/Comissão e ABB Asea Brown Boveri/Comissão, acima referidos no n.° 33, do presente processo. Como no caso vertente, a decisão da Comissão no processo que deu lugar a estes acórdãos foi adoptada em relação a uma empresa maior e mais diversificada, à qual o limite de 10% não tinha sido aplicado, e a uma empresa mais pequena e menos diversificada, cuja coima foi reduzida a 10% do volume de negócios (acórdão Brugg Rohrsysteme/Comissão, acima referido no n.° 33, n.os 155 a 156).

194    A Comissão rejeita também o argumento da recorrente segundo o qual aplicou coimas diferentes a cinco das seis empresas em causa que detinham quotas de mercado equivalentes sem ter em conta as diversificações destas empresas. Se tal raciocínio fosse de admitir, isso teria, com efeito, por resultado que a duração variável da infracção e o limite de 10% do volume de negócios não poderiam ser tomados em consideração.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

195     Segundo jurisprudência assente, o princípio da igualdade de tratamento só é violado quando situações comparáveis são tratadas de forma diferente ou quando situações diferentes são tratadas de forma igual, a menos que tal tratamento seja objectivamente justificado (acórdão Archer Daniels Midland e Archer Daniels Midland Ingredients/Comissão, acima referido no n.° 66, n.° 69 e jurisprudência aí referida).

196    Resulta da jurisprudência que o limite máximo instituído pelo artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 visa evitar que as coimas sejam desproporcionadas relativamente à importância da empresa em causa. Como apenas o volume de negócios global pode efectivamente dar uma indicação aproximativa a este respeito, há que entender este limite como uma referência ao volume de negócios global (acórdãos Musique diffusion française e o./Comissão, acima referido no n.° 41, n.° 119, e HFB e o./Comissão, acima referido no n.° 33, n.° 541).

197    A argumentação da recorrente relativa à violação do princípio da igualdade de tratamento não pode ser acolhida. A Comissão aplicou o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 por referência ao volume de negócios global tanto no caso da recorrente como no da SNCZ. O facto de a SNCZ ter beneficiado de uma redução do montante de base é objectivamente justificado enquanto aplicação directa do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 (v., neste sentido acórdão ABB Asea Brown Boveri/Comissão, acima referido no n.° 33, n.° 185).

198    Há que acrescentar que a recorrente é mais de três vezes maior em termos de volume de negócios global que a SNCZ. Por conseguinte, o facto de a Comissão ter aplicado uma coima de 1,53 milhões de EUR a esta última e uma coima de 3,78 milhões de EUR à recorrente não pode ser considerado uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

199    Por outro lado, a recorrente também não pode alegar ter sido objecto de tratamento desigual na medida em que, na determinação do limite da coima, a Comissão não teve em consideração o volume de negócios que realizou com o produto em causa relativamente ao seu volume de negócios global. Quanto à comparação com a SNCZ, resulta da decisão impugnada que a Comissão imputou a infracção à SNCZ e não ao grupo a que esta pertence (considerando 240 da decisão impugnada). Na falta de provas de implicação do grupo a que pertence a SNCZ, não se pode alegar que a Comissão cometeu uma discriminação ao ter em conta, para a SNCZ, o limite de 10% do seu volume de negócios previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 (v., neste sentido, acórdão ABB Asea Brown Boveri/Comissão, acima referido no n.° 33, n.° 181).

200    Por último, a argumentação da recorrente baseada no facto de a Comissão ter aplicado montantes de base diferentes a cinco das seis empresas em causa, embora tivessem a mesma quota de mercado, não pode ser acolhida. Com efeito, a Comissão aplicou o mesmo montante de base à recorrente, à Britannia, à SNCZ e à Trident, ou seja, 3 milhões de EUR (considerando 309 da decisão impugnada). Ora, vista a diferente duração da sua participação na infracção e a aplicação do limite máximo de 10% dos volumes de negócios, os montantes de base antes da aplicação da comunicação sobre a cooperação variaram. Estas oscilações resultam directamente da aplicação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e não podem portanto ser consideradas uma violação do princípio da igualdade de tratamento.

4.     Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 7.° da CEDH

a)     Argumentos das partes

201    A recorrente critica a Comissão por ter violado o artigo 7.° da CEDH ao aplicar aumentos importantes de coimas que não existiam quando a infracção foi cometida. Nos termos do artigo 7.°, n.° 1, da CEDH, «não pode ser imposta uma pena mais grave do que a aplicável no momento em que a infracção foi cometida». O princípio do artigo 7.° integra‑se na protecção dos direitos fundamentais da Comunidade que a União Europeia respeita expressamente e que as instituições comunitárias também devem respeitar no processos de concorrência (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 20 de Fevereiro de 2001, Mannesmannröhren‑Werke/Comissão, T‑112/98, Colect., p. II‑729, n.os 60 e 77). No caso vertente, a Comissão procedeu a um aumento considerável do nível das coimas ao adoptar as orientações em 1998. Em seguida, no Outono de 2001, sem nenhuma base legal e sem qualquer alteração das orientações, a Comissão aumentou o nível das coimas de uma forma nunca antes vista. Na decisão impugnada, a Comissão aplicou estes dois aumentos do nível das coimas, quando a maior parte dos actos em causa foram praticados antes da adopção das orientações em 1998. Estes aumentos constituem alterações do âmbito da pena e a sua aplicação à infracção em causa é contrária ao artigo 7.° da CEDH.

202    A recorrente acrescenta que a Comissão não pode alegar que as coimas em questão não ultrapassam o limite de 10% do volume de negócios a nível mundial previsto no artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17. Com efeito, apenas a prática decisória da Comissão determina o «verdadeiro âmbito da pena». O limite das sanções previsto por esta disposição necessita de uma concretização através da prática decisória de modo a respeitar o princípio da previsibilidade de uma sanção penal. No que respeita ao argumento da Comissão de que esta dispõe de uma margem de apreciação para elevar o nível das coimas, a recorrente reitera que o montante do aumento deve ser limitado pelos princípios da proporcionalidade e da adequação.

203    A recorrente salienta também que a Comissão só adoptou a decisão impugnada em 11 de Dezembro de 2001, ou seja, mais de três anos e meio após o termo da infracção (13 de Maio de 1998). Se a Comissão tivesse proferido a sua decisão alguns meses antes, a coima aplicada seria menos elevada. Este prazo arbitrário não deveria prejudicar a recorrente através da aplicação retroactiva das novas políticas da Comissão relativas ao nível das coimas.

204    A Comissão defende que a aplicação das orientações no caso vertente não viola a proibição da retroactividade das disposições penais. Em primeiro lugar, resulta da jurisprudência que a introdução pela Comissão de um novo método de cálculo das coimas, que pode dar origem, em certos casos, a um aumento do respectivo montante, não podendo, porém, exceder o limite máximo fixado pelo referido regulamento, não pode ser considerada um agravamento, com efeito retroactivo, das coimas tais como são juridicamente previstas pelo artigo 15.° do Regulamento n.° 17, contrário aos princípios da legalidade e da segurança jurídica (acórdão LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.os 217 a 224 e 233 a 235). Em segundo lugar, a Comissão rejeita o argumento da recorrente de que o artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 só respeita o requisito da especificidade e a obrigação de previsibilidade se for concretizado pela prática administrativa.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

205    Há que recordar que o princípio da não retroactividade das disposições penais é um princípio comum a todas as ordens jurídicas dos Estados‑Membros, consagrado também pelo artigo 7.° CEDH, e faz parte integrante dos princípios gerais do direito cujo respeito é assegurado pelo juiz comunitário (acórdão do Tribunal de Justiça de 10 de Julho de 1984, Kirk, 63/83, Recueil, p. 2689, n.° 22, e acórdão LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.° 219).

206    Embora resulte do artigo 15.°, n.° 4, do Regulamento n.° 17 que as decisões da Comissão que aplicam coimas por violação do direito da concorrência não têm carácter penal (acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 6 de Outubro de 1994, Tetra Pak/Comissão, T‑83/91, Colect., p. II‑755, n.° 235), não é menos certo que a Comissão é obrigada a respeitar os princípios gerais do direito comunitário, nomeadamente o da não retroactividade, em qualquer procedimento administrativo susceptível de dar origem a sanções em aplicação das regras de concorrência do Tratado (v., por analogia, no que respeita aos direitos de defesa, acórdão do Tribunal de Justiça de 9 de Novembro de 1983, Michelin/Comissão, C‑322/81, Recueil, p. 3461, n.° 7, e acórdão LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.° 220).

207    O Tribunal de Primeira Instância considera que a Comissão não violou os princípios previstos no artigo 7.° da CEDH. As empresas implicadas num procedimento administrativo que pode dar lugar a uma coima devem ter em conta a possibilidade de, a todo o momento, a Comissão decidir elevar o nível do montante das coimas relativamente ao aplicado no passado (v. n.° 42 supra).

208    Tal é válido não apenas quando a Comissão procede a um aumento do nível do montante das coimas em decisões individuais, mas também se este aumento for efectuado através da aplicação de regras de conduta de alcance geral como as orientações.

209    Daqui há que concluir que o novo método de cálculo das coimas que as orientações incluem, admitindo que tenha tido como efeito agravar o nível das coimas aplicadas, era razoavelmente previsível para empresas como a recorrente na época em que a infracção em causa foi cometida.

210    É irrelevante que o cálculo do montante das coimas segundo o método exposto nas orientações possa levar a Comissão a aplicar coimas mais elevadas do que na sua prática anterior, porque esta dispõe de uma margem de apreciação na fixação do montante das coimas a fim de orientar o comportamento das empresas no sentido do respeito das regras de concorrência (acórdãos LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.° 237, e HFB e o./Comissão, acima referido no n.° 33,n.° 494).

211    Pelas razões expostas, o fundamento relativo à alegada violação do princípio da não retroactividade deve ser julgado improcedente.

5.     Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do artigo 253.° CE

a)     Argumentos das partes

212    A recorrente alega que a Comissão violou o dever de fundamentação enunciado no artigo 253.° CE na medida em que não explicou por que razão aplicou uma coima tão superior às que tinha aplicado na sua prática anterior.

213    Resulta da jurisprudência que a fundamentação deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as justificações da medida adoptada e ao tribunal competente exercer a sua fiscalização (acórdão Cimenteries CBR e o./Comissão, acima referido no n.° 51, n.° 4725). É desejável que as empresas possam conhecer em pormenor o modo de cálculo da coima que lhes foi aplicada (acórdãos Tréfilunion/Comissão, acima referido no n.° 68, n.° 142, e Cimenteries CBR e o./Comissão, acima referido no n.° 51, n.° 4734) e a fundamentação deve ser especialmente detalhada quando sai do âmbito da prática decisória anterior (acórdão do Tribunal de Justiça de 17 de Novembro de 1987, BAT e Reynolds/Comissão, 142/84 e 156/84, Colect., p. 4487, n.° 71). No caso vertente, a Comissão aplicou uma coima de 4,2 milhões de EUR antes da aplicação da comunicação sobre a cooperação, ou seja, 111% do volume de negócios à escala do EEE realizado com o produto em causa pela recorrente em 1998. A soma dos montantes de base adoptados relativamente à empresas em causa atinge 129% a 138% do valor global do mercado europeu do produto em causa, ou seja, 15 a 16 milhões de EUR. Estes montantes são de longe superiores às coimas aplicadas pela Comissão no passado em processos comparáveis. Dado que se afastou da sua prática anterior, apesar de numerosas circunstâncias favoráveis no caso vertente, a Comissão deveria fundamentar as coimas de uma forma mais detalhada.

214    Além disso, a recorrente indica que a decisão impugnada não precisa o método e a base de cálculo utilizados pela Comissão para calcular os montantes de base. Esta última invoca na decisão impugnada o volume de negócios realizado com o produto em causa à escala do EEE (considerando 307 da decisão impugnada), mas apenas para determinar o peso relativo das diferentes empresas no mercado. Relativamente à importância absoluta do montante de base, a Comissão não indica claramente se utilizou o volume de negócios realizado com o produto em causa a nível do EEE ou a nível mundial ou se tomou em consideração o volume de negócios global da recorrente.

215    Remetendo para os argumentos que invocou em resposta aos outros fundamentos acima referidos, a Comissão alega antes de mais que o argumento da recorrente de que o cálculo da coima se baseia num nível anormalmente elevado, leva a uma confusão considerável pelo facto de a recorrente proceder à comparação de valores de referência completamente diferentes, que servem ambos para apreciar o nível das coimas. No entanto, mesmo que se deva considerar que a decisão impugnada materializa um aumento sensível dos níveis das coimas, a Comissão não violou o seu dever de fundamentação.

216    No que respeita ao argumento da recorrente de que a decisão impugnada não precisa o volume de negócios utilizado para determinar o nível absoluto do montante de base, a Comissão alega que não determinou este montante com base num ou noutro volume de negócios, mas à luz da gravidade da infracção que apreciou baseando‑se na sua natureza, nos seus efeitos no mercado e na dimensão do mercado geográfico em causa, bem como na dimensão limitada do mercado do produto em questão.

b)     Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

217    É jurisprudência assente que a fundamentação exigida pelo artigo 253.° CE deve ser adaptada à natureza do acto em causa e deve deixar transparecer, de forma clara e inequívoca, o raciocínio da instituição, autora do acto, por forma a permitir aos interessados conhecer as justificações da medida adoptada e ao tribunal competente exercer a sua fiscalização. Não se exige que a fundamentação especifique todos os elementos de facto e de direito pertinentes, na medida em que a questão de saber se a fundamentação de um acto preenche as exigências do artigo 253.° CE deve ser apreciada à luz não só da sua letra mas também do seu contexto e do conjunto das normas jurídicas que regem a matéria em causa (v., acórdão do Tribunal de Justiça de 2 de Abril de 1998, Comissão/Sytraval e Brink's France, C‑367/95 P, Colect., p. I‑1719, n.° 63, e jurisprudência aí referida).

218    No que diz respeito a uma decisão que aplica coimas a várias empresas por uma infracção às regras comunitárias de concorrência, o alcance do dever de fundamentação deve, designadamente, ser determinado à luz do facto de que a gravidade das infracções deve ser apurada em função de um grande número de elementos tais como, nomeadamente, as circunstâncias específicas do caso, o seu contexto e o alcance dissuasor das multas, e isto sem que tivesse sido fixada uma lista vinculativa ou exaustiva de critérios que devam obrigatoriamente ser tomados em consideração (despacho do Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1996, SPO e o./Comissão, C‑137/95 P, Colect., p. I‑1611, n.° 54, e acórdão LR AF 1998/Comissão, acima referido no n.° 27, n.° 378).

219    No âmbito dos pedidos formulados no presente recurso, que se limitam à legalidade da coima, ao seu montante e ao seu método de cálculo, este fundamento é manifestamente improcedente. A decisão impugnada contém 370 considerandos, dos quais 118 (considerandos 252 a 370) consagrados às coimas. Nos considerandos 262 a 303, a Comissão expõe a sua avaliação da gravidade da infracção. Em seguida, indica como concluiu que era necessário aplicar um tratamento diferenciado a duas categorias de empresas (considerandos 304 a 309) e expõe a sua apreciação sobre a duração da infracção (considerandos 310 a 312) para chegar aos montantes de base (considerando 313). Analisa se há que atender a circunstâncias agravantes e atenuantes (considerandos 314 a 336) e pronuncia‑se sobre a aplicação da comunicação sobre a cooperação (considerandos 346 a 366). É de notar que a decisão impugnada contém uma indicação suficiente e pertinente dos elementos de apreciação tomados em consideração para determinar a gravidade e a duração da infracção. Além disso, há que referir que a argumentação desenvolvida pela recorrente no âmbito dos quatro primeiros fundamentos do presente recurso demonstra que esta compreendeu perfeitamente o raciocínio que está na base da decisão impugnada.

220    As críticas feitas pela recorrente no âmbito deste fundamento não identificam nenhuma dificuldade de compreensão do raciocínio da Comissão nem da exposição dos elementos tomados em consideração. A recorrente critica principalmente o montante da sua coima relativamente às coimas aplicadas no passado em processos comparáveis. Ora, esta comparação não implica uma falta de fundamentação. Na medida em que seja pertinente, esta tem a ver com a justeza da avaliação efectuada pela Comissão.

221    Mesmo admitindo que a decisão implica um aumento sensível do nível da coima relativamente às decisões anteriores, há que referir que a Comissão desenvolveu de forma perfeitamente explicita o raciocínio que a levou a fixar em tal nível o montante da coima da recorrente (v., neste sentido, acórdão do Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 1975, Fabricants de papiers peints/Comissão, 73/74, Colect., p. 503, n.° 31).

222    A recorrente refere, com razão, que a decisão impugnada não expõe o método nem o cálculo que conduziu a Comissão a adoptar, na fase da determinação da gravidade da infracção, o montante de base de 3 milhões de EUR para o grupo dos «principais produtores» (considerandos 308 e 309). No entanto, os requisitos da formalidade essencial que constitui o dever de fundamentação não impõem que a Comissão indique, na sua decisão, os dados quantificados relativos ao modo de cálculo das coimas, mas apenas os elementos de apreciação que lhe permitiram medir a gravidade e a duração da infracção (acórdão do Tribunal de Justiça de 16 de Novembro de 2000, Sarrió/Comissão, C‑291/98 P, Colect., p. I‑9991, n.os 73 e 76, e acórdão do Tribunal de Primeira Instância de 30 de Setembro de 2003, Atlantic Container Line e o./Comissão, T‑191/98, T‑212/98 a T‑214/98, Colect., p. II‑3275, n.° 1558).

223    Este quinto fundamento deve também ser julgado improcedente.

224    Resulta do exposto que deve ser negado provimento ao recurso na totalidade.

 Quanto às despesas

225    Por força do n.° 2 do artigo 87.° do Regulamento de Processo do Tribunal de Primeira Instância, a parte vencida é condenada nas despesas se a parte vencedora o tiver requerido. Tendo a recorrente sido vencida, há que condená‑la nas despesas em conformidade com o pedido da Comissão.

Pelos fundamentos expostos,

O TRIBUNAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA (Quinta Secção)

decide:

1)      É negado provimento ao recurso.

2)      A recorrente é condenada nas despesas.

Lindh

García‑Valdecasas

Cooke

Proferido em audiência pública no Luxemburgo, em 29 de Novembro de 2005.

O secretário

 

      O presidente

E. Coulon

 

      M. Vilaras

Índice

Matéria de facto

Tramitação processual e pedidos das partes

Questão de direito

A –  Quanto à excepção de ilegalidade

1.  Argumentos das partes

2.  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

B –  Quanto aos fundamentos de anulação

1.  Quanto ao primeiro fundamento, relativo à violação do artigo 15.°, n.° 2, do Regulamento n.° 17 e das orientações

a)  Quanto à primeira parte, relativa à errada apreciação da gravidade da infracção

Quanto à natureza da infracção

Quanto aos efeitos da infracção

Quanto à não tomada em consideração da crise do sector como circunstância atenuante

Quanto à comparação com outros cartéis

b)  Quanto à segunda parte, relativa à não tomada em consideração do facto de apenas estar em causa uma pequena proporção do volume de negócios da recorrente

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

c)  Quanto à terceira parte, relativa ao erro de direito que resulta da não tomada em consideração da capacidade económica da recorrente

Argumentos das partes

Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

2.  Quanto ao segundo fundamento, relativo à violação do princípio da proporcionalidade

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

3.  Quanto ao terceiro fundamento, relativo à violação do princípio da igualdade de tratamento

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

4.  Quanto ao quarto fundamento, relativo à violação do artigo 7.° da CEDH

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

5.  Quanto ao quinto fundamento, relativo à violação do artigo 253.° CE

a)  Argumentos das partes

b)  Apreciação do Tribunal de Primeira Instância

Quanto às despesas


* Língua do processo: alemão.