Language of document : ECLI:EU:C:2019:812

CONCLUSÕES DO ADVOGADO‑GERAL

GERARD HOGAN

apresentadas em 2 de outubro de 2019(1)

Processo C465/18

AV,

BU

contra

Comune di Bernareggio

sendo interveniente:

CT

[pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália)]

«Pedido de decisão prejudicial — Artigo 49.o TFUE — Liberdade de estabelecimento — Transferência de uma farmácia municipal na sequência de um concurso público — Regulamentação nacional que prevê um direito de preferência para os trabalhadores de uma farmácia municipal — Adjudicação definitiva a um trabalhador que não tinha participado no concurso público em resultado do exercício do direito de preferência»






I.      Introdução

1.        O presente pedido de decisão prejudicial, apresentado na Secretaria do Tribunal de Justiça em 16 de julho de 2018 pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália), diz respeito à interpretação dos artigos 45.o, 49.o a 56.o e 106.o TFUE e dos artigos 15.o e 16.o da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a seguir «Carta»).

2.        O pedido foi apresentado no âmbito de um processo entre AV e BU, por um lado, e a Comune di Bernareggio (Município de Bernareggio, Itália) e CT, por outro.

3.        No processo principal foi adjudicado provisoriamente o contrato para a aquisição de uma farmácia municipal a AV e a BU, proprietários de uma farmácia situada fora do Município de Bernareggio, após a conclusão de um concurso público.

4.        Não obstante o facto de AV e BU terem apresentado a proposta economicamente mais vantajosa e de lhes ter sido adjudicado a título provisório o contrato, foi dada preferência a CT, um farmacêutico empregado na Azienda Speciale Farmacie Vimercatesi — o órgão de gestão das farmácias municipais. Os eventos que levaram a esta situação serão expostos mais em pormenor no decorrer das presentes conclusões.

5.        Na sequência da adjudicação provisória do contrato, CT (que é um trabalhador da farmácia municipal em causa, mas que não participou no concurso público) exerceu por carta um direito de preferência atribuído por lei aos trabalhadores das farmácias municipais em caso de transferência de tais farmácias. Por conseguinte, CT obteve a adjudicação definitiva do contrato em causa.

6.        AV e BU impugnaram esta adjudicação definitiva nos tribunais administrativos italianos.

7.        O pedido de decisão prejudicial oferece ao Tribunal de Justiça a possibilidade de se pronunciar, pela primeira vez, sobre a legalidade de uma norma nacional que concede um direito de preferência aos trabalhadores em caso de transferência da propriedade de uma farmácia municipal na sequência de um concurso público.

II.    Quadro jurídico

A.      Direito italiano.

8.        O artigo 9.o da legge n. 4752 — Norme concernenti il servizio farmaceutico (Lei n.o 475, Relativa às Normas Aplicáveis ao Serviço Farmacêutico), de 2 de abril de 1968, prevê:

«Até 50% da propriedade das farmácias que se tornem vagas e das farmácias criadas na sequência da revisão do quadro orgânico pode ser assumida elo Município […]»

9.        O artigo 12.o da mesma lei prevê:

«[…]

A transferência [de uma farmácia] apenas pode ocorrer a favor de farmacêutico que tenha adquirido a propriedade ou que tenha sido considerado apto para o efeito em concurso anterior.»

10.      O artigo 4.o da legge n. 362 — Norme di riordino del settore farmaceutico (Lei n.o 362, Relativa às Normas de Reorganização do Setor Farmacêutico; a seguir «Lei n.o 362/1991»), de 8 de novembro de 1991, estabelece:

«1.      A atribuição das farmácias vagas ou de novas farmácias que fiquem disponíveis para o exercício por parte de privados ocorre mediante concurso […]

2.      São admitidos ao concurso a que se refere o n.o 1, os nacionais de um Estado‑Membro da Comunidade Económica Europeia […] inscritos na Ordem dos Farmacêuticos […]»

11.      O artigo 12.o, n.o 2, desta mesma lei dispõe:

«No caso de transferência da propriedade da farmácia municipal, os trabalhadores gozam de direito de preferência […]»

12.      O artigo 2112.o do codice civile (Código Civil italiano) dispõe:

«Em caso de transferência de empresa, a relação de trabalho prossegue com o cessionário e o trabalhador mantém todos os direitos dela decorrentes. […]

[A] transferência de empresa não constitui em si mesma fundamento de despedimento. O trabalhador, cujas condições de trabalho sofrerem uma modificação substancial nos três meses posteriores à transferência da empresa, pode apresentar a sua demissão […]»

III. Litígio no processo principal e questão prejudicial

13.      Por anúncio de 31 de janeiro de 2014, a Comune di Bernareggio (Município de Bernareggio) deu início a um concurso público para a transferência de uma farmácia municipal (2). De acordo com o anúncio do concurso, o contrato seria adjudicado ao proponente que oferecesse o preço mais elevado. O valor mínimo ou inicial do contrato para a farmácia em questão era de 580 000 euros. Importa, no entanto, observar que o anúncio de concurso subordinava a transferência da farmácia ao adjudicatário à observância da condição de não ser exercido o direito de preferência previsto no artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991, por, inter alia, qualquer dos farmacêuticos trabalhadores com contrato por tempo indeterminado com a Azienda Speciale Vimercatese — o órgão de gestão das farmácias municipais.

14.      Em 11 de março de 2014, o Município de Bernareggio decidiu a adjudicação provisória a favor de AV e BU, proprietários de uma farmácia localizada num município adjacente, que apresentaram a proposta economicamente mais vantajosa de 600 000 euros. No entanto, como já referi, no termo do procedimento de concurso, foi dada preferência a CT, farmacêutico, trabalhador do Azienda Speciale Vimercatese. CT, que não participou no concurso, exerceu, por carta de 27 de março de 2014, o seu direito de preferência legal nos termos do artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991 e, consequentemente, obteve a adjudicação definitiva através da Decisão do Município de Bernareggio n.o 31, de 12 de maio de 2014.

15.      A adjudicação definitiva do contrato a favor de CT foi impugnada no Tribunale amministrativo regionale, Lombardia‑Milano (Tribunal Administrativo Regional, Lombardia‑Milão, Itália) por AV e BU. Na sua ação, AV e BU alegaram, inter alia, que o direito legal de preferência dos trabalhadores das farmácias municipais é contrário aos princípios da livre concorrência e da igualdade de tratamento consagrados no direito da União. Referiram que o direito de preferência implica uma vantagem considerável para esses trabalhadores. Os trabalhadores em questão podem substituir os proponentes num procedimento de concurso, sem sequer participarem no mesmo, até exercerem o seu direito incondicional de celebrar o contrato, conferido por lei. AV e BU alegaram que o direito legal de preferência em causa não é legalmente justificável.

16.      Na medida em que o Tribunale amministrativo regionale, Lombardia‑Milano (Tribunal Administrativo Regional, Lombardia‑Milão) julgou a ação improcedente, AV e BU interpuseram recurso para o órgão jurisdicional de reenvio, com base nos mesmos fundamentos de impugnação já formulados em primeira instância.

17.      O Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) observa que o direito de preferência concedido pelo artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991 opera em benefício dos trabalhadores das farmácias municipais em caso de transferência destas a operadores privados (3). O órgão jurisdicional de reenvio, citando o seu próprio Acórdão n.o 5329, de 5 de outubro de 2005 (4), declarou que o artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991, responde à necessidade de uma melhor gestão dos serviços farmacêuticos e baseia‑se na convicção de que um farmacêutico, que já trabalhou na farmácia municipal que está a ser transferida, poderá assegurar continuidade e capitalizar a experiência adquirida na gestão dessa farmácia. O Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) tem dúvidas, contudo, à questão de saber se esse direito de preferência se encontra de facto justificado pela existência de um interesse público prevalente realmente determinável.

18.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que o direito de preferência é excessivo, uma vez que o artigo 2112.o do Código Civil italiano, que transpõe, inter alia, a Diretiva 2001/23/CE do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados‑Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou partes de empresas ou de estabelecimentos (5), em particular, garante a continuidade da relação de trabalho e salvaguarda todos os direitos dos trabalhadores da empresa transferida.

19.      Além disso, se o objetivo do direito de preferência é garantir a conservação da experiência adquirida pelos trabalhadores na prestação de serviços farmacêuticos, tal pode ser conseguido, segundo o órgão jurisdicional nacional, por outros meios — por exemplo, prevendo no anúncio de concurso uma pontuação especial relacionada com a experiência — sem sacrificar de forma tão gravosa a concorrência e a igualdade de tratamento.

20.      Em todo o caso, o órgão jurisdicional de reenvio tem dúvidas sobre a razoabilidade e a proporcionalidade da medida à luz da finalidade pública prosseguida pelo direito de preferência, uma vez que i) num contexto profissional altamente qualificado, em que a transferência da farmácia apenas poderá ocorrer a favor de um farmacêutico inscrito na Ordem dos Farmacêuticos que já tenha sido considerado apto para ser proprietário de uma farmácia ou que tenha pelo menos dois anos de experiência profissional, não se vislumbram justificações válidas para reconhecer um valor superior à experiência numa determinada farmácia; ii) esse direito confere uma preferência incondicional ao trabalhador, sem ter em conta a boa gestão, ou não, da farmácia em concreto, e iii) para beneficiar do direito de preferência é suficiente uma experiência de «trabalhador» da farmácia, que não coincide necessariamente com o facto de ser «proprietário» da mesma, responsável pela sua gestão.

21.      É, por conseguinte, questionável, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, que esse direito de preferência alcance um equilíbrio razoável entre as exigências do mercado livre, da livre circulação de serviços e da proteção do direito à saúde. O órgão jurisdicional de reenvio chamou à atenção para o facto de que uma disposição como a que está em apreciação poderia ser considerada como uma política protecionista que beneficia de modo injustificado uma determinada categoria de cidadãos em relação a outros cidadãos do Estado italiano, mas também em relação aos nacionais de outros Estados‑Membros.

22.      O órgão jurisdicional de reenvio considera que a preferência atribuída por lei ao trabalhador da farmácia municipal constitui uma restrição à liberdade de estabelecimento. Assim, o direito de preferência discrimina os outros aspirantes à adjudicação, pertencentes ao mesmo Estado‑Membro ou a outros Estados‑Membros. Parece duvidosa, além disso, a razoabilidade e a proporcionalidade da limitação dos princípios da proteção da concorrência e da igualdade de tratamento entre operadores económicos, bem como da restrição da liberdade de empresa e profissional.

23.      O órgão jurisdicional de reenvio entende a este respeito que convém igualmente considerar que a legislação em apreciação impede o acesso de potenciais operadores a um mercado já sujeito a contingentes, no qual, por um lado, o número de farmácias é limitado mediante uma repartição no território de acordo com um plano e, por outro, a exploração de novas farmácias está condicionada à adjudicação por concurso público e à subsequente emissão de uma autorização aos adjudicatários.

24.      Além disso, de acordo com o órgão jurisdicional de reenvio, não parece que o objetivo do direito de preferência seja a proteção da saúde, na medida em que não parece ser necessário para atingir o objetivo de garantir um fornecimento de medicamentos seguros e de qualidade à população.

25.      Nestas circunstâncias, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:

«Os princípios da liberdade de estabelecimento, da não discriminação, da igualdade de tratamento, da proteção da concorrência e da livre circulação dos trabalhadores, previstos nos artigos 45.o, 49.o a 56.o e 106.o TFUE, bem como nos artigos 15.o e 16.o da [Carta], e o critério de proporcionalidade e razoabilidade neles contido, opõem‑se a uma regulamentação nacional, como a que resulta do artigo 12.o, n.o 2 da Lei n.o 362/1991, que, no caso de transferência da propriedade da farmácia municipal, atribui o direito de preferência aos trabalhadores da própria farmácia?»

IV.    Tramitação do processo no Tribunal de Justiça

26.      AV e BU, o Município de Bernareggio e a Comissão Europeia apresentaram observações escritas.

27.      Na sequência de um pedido de CT, que não apresentou observações escritas, o Tribunal de Justiça, por decisão de 14 de maio de 2019, decidiu, em conformidade com o artigo 76.o, n.o 3, do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, que deveria ser realizada uma audiência em 3 de julho de 2019.

28.      AV e BU, o Município de Bernareggio, CT e a Comissão apresentaram observações orais na audiência de 3 de julho de 2019.

V.      Disposições aplicáveis do direito da União Europeia

29.      No presente processo, o órgão jurisdicional de reenvio solicita uma interpretação dos artigos 45.o, 49.o a 56.o e 106.o TFUE e dos artigos 15.o e 16.o da Carta.

30.      O processo principal diz respeito a um litígio entre, por um lado, AV e BU (ambos farmacêuticos) e, por outro, o Município de Bernareggio e CT, um farmacêutico empregado por este município na farmácia objeto do concurso em causa.

31.      Dado que, uma vez concluída a compra, a farmácia em questão deverá ser gerida por AV e BU ou por CT, de forma estável e por um período indeterminado, considero que o artigo 49.o TFUE, relativo à liberdade de estabelecimento, é aplicável.

32.      À luz das informações constantes dos autos do processo no Tribunal de Justiça, não me parece que sejam aplicáveis nem o artigo 45.o TFUE, relativo à livre circulação dos trabalhadores, nem o artigo 56.o TFUE, relativo à livre prestação de serviços (6). Dado que os próprios proponentes são cidadãos italianos, não exerceram direitos de livre circulação suscetíveis de fazer intervir estas disposições numa situação que, nesse caso, é interna ao Estado italiano.

33.      Além disso, uma vez que o direito de preferência em causa no processo principal foi exercido por um trabalhador de uma farmácia municipal, a saber CT, e que a oferta deste trabalhador prevaleceu, assim, sobre a dos farmacêuticos AV e BU, não há suficiente informação nos autos do processo perante o Tribunal de Justiça que pareça indiciar que o litígio no processo principal incide ou está de algum modo relacionado com a gestão de empresas públicas (ou mesmo privadas), às quais um Estado‑Membro concedeu direitos especiais ou exclusivos ou ainda de empresas encarregadas da gestão de serviços de interesse económico geral ou que tenham a natureza de monopólio fiscal nos termos do artigo 106.o TFUE.

34.      No que se refere ao artigo 15.o, n.o 2, da Carta, esta disposição prevê, inter alia, que todos os cidadãos têm a liberdade de se estabelecer em qualquer Estado‑Membro. No presente processo, a referência à liberdade de estabelecimento deve ser entendida no sentido de que o artigo 15.o, n.o 2, da Carta remete, inter alia, para o artigo 49.o TFUE (7). Na minha opinião, quando a regulamentação nacional está em conformidade com o artigo 49.o TFUE, também está em conformidade com o artigo 15.o, n.o 2, da Carta (8).

35.      Além disso, o artigo 16.o da Carta dispõe que «[é] reconhecida a liberdade de empresa, de acordo com o direito da União e as legislações e práticas nacionais». Por conseguinte, ao identificar o âmbito da liberdade de empresa, o artigo 16.o da Carta refere‑se especificamente ao direito da União. Essa referência ao direito da União deve ser entendida, no processo em apreço, no sentido de que o artigo 16.o da Carta remete, por sua vez, para o artigo 49.o TFUE.

36.      À luz de todas as circunstâncias acima referidas e uma vez que a questão submetida visa, na realidade, apenas a liberdade de estabelecimento, considero que importa apreciar a regulamentação nacional em causa no processo principal à luz unicamente do artigo 49.o TFUE (9) (10).

VI.    Quanto à admissibilidade do pedido de decisão prejudicial

37.      Resulta claro dos documentos submetidos ao Tribunal de Justiça que todos os elementos do litígio no processo principal estão confinados a um único Estado‑Membro, a saber, a República Italiana.

38.      A este respeito, importa observar que é jurisprudência constante que as disposições do Tratado FUE em matéria de liberdade de estabelecimento não são aplicáveis a situações em que todos os elementos estejam confinados a um único Estado‑Membro (11). Além disso, para que o artigo 49.o TFUE possa ser aplicado em matéria de contratos públicos às atividades cuja totalidade dos elementos pertinentes se circunscreve ao interior de um único Estado‑Membro, é necessário que o contrato em causa no processo principal tenha um interesse transfronteiriço certo (12).

39.      Na minha opinião, o órgão jurisdicional de reenvio não estabeleceu conclusões de facto específicas que assistam o Tribunal de Justiça a verificar se, no processo principal, existe um interesse transfronteiriço certo na compra de farmácias municipais em Itália (13). O órgão jurisdicional de reenvio salientou, no entanto, que o concurso público em causa estava aberto, nos termos da legislação nacional, a todos os adultos da União inscritos como farmacêuticos e, com base nos Acórdãos de 13 de fevereiro de 2014, Sokoll‑Seebacher (C‑367/12, EU:C:2014:68), e de 1 de junho de 2010, Blanco Pérez e Chao Gómez (C‑570/07 e C‑571/07, EU:C:2010:300, n.o 40), declarou que a legislação nacional em causa é suscetível de ter efeitos transfronteiriços. Além disso, o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) também remeteu, inter alia, para as normas da União relativas ao reconhecimento das qualificações dos farmacêuticos (14).

40.      Apesar de o pedido de decisão prejudicial não conter conclusões de facto específicas a este respeito, importa referir que o Tribunal de Justiça considerou, todavia, admissíveis pedidos de decisão prejudicial sobre a interpretação das disposições dos Tratados relativas às liberdades fundamentais apesar de todos os elementos dos litígios nos processos principais estarem confinados a um único Estado‑Membro. O Tribunal de Justiça tomou esta posição neste tipo de processos com base no facto de não se poder excluir que cidadãos estabelecidos noutros Estados‑Membros tenham estado ou estejam interessados em fazer uso dessas liberdades para exercerem atividades no território do Estado‑Membro que aprovou a regulamentação nacional em causa e, por conseguinte, que essa regulamentação, indistintamente aplicável aos cidadãos nacionais e aos nacionais de outros Estados‑Membros, seja suscetível de produzir efeitos que não estão confinados ao Estado‑Membro em causa(15).

41.      Na minha opinião, tendo em conta que uma regulamentação nacional como o artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991 se aplica, de acordo com a sua redação, tanto aos nacionais italianos como aos nacionais de outros Estados‑Membros, é bastante possível que farmacêuticos de outros Estados‑Membros que não a República Italiana tenham estado ou estejam interessados em adquirir e explorar uma farmácia municipal na República Italiana. Daqui decorre que o artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991 possa assim afetar o comércio intra‑União (16).

42.      Além disso, importa recordar que, ainda que oponha nacionais de um mesmo Estado‑Membro, um litígio deve ser considerado como apresentando um elemento de conexão com o artigo 49.o TFUE suscetível de tornar a interpretação desta disposição necessária à resolução deste litígio quando o direito nacional impõe ao órgão jurisdicional de reenvio que reconheça aos referidos nacionais os mesmos direitos que os decorrentes do direito da União para os cidadãos de outros Estados‑Membros na mesma situação (17).

43.      A este respeito, a Comissão referiu nas suas observações escritas e na audiência, sem ter sido contestada pelas outras partes, que a legislação italiana proíbe a discriminação invertida dos nacionais italianos.

44.      Por conseguinte, afigura‑se que o direito italiano obriga o órgão jurisdicional de reenvio a conceder a um cidadão italiano direitos iguais àqueles que o direito da União confere a um nacional de outro Estado‑Membro na mesma situação (18).

45.      Daqui resulta que a questão submetida é admissível na medida em que remete para o artigo 49.o TFUE relativo à liberdade de estabelecimento.

VII. Análise do mérito da questão prejudicial

46.      Segundo jurisprudência assente, o artigo 49.o TFUE opõe‑se a qualquer medida nacional que, embora aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade, seja suscetível de perturbar ou de tornar menos atrativo o exercício, pelos nacionais da União, da liberdade de estabelecimento garantida pelo Tratado (19).

47.      Considero que, uma vez que a participação num concurso público exige o dispêndio de tempo, esforço e dinheiro, um direito de preferência como o que está em causa no processo principal desencorajaria, sem dúvida, os farmacêuticos de outros Estados‑Membros de participarem nesse concurso. A este respeito, mesmo que um farmacêutico de outro Estado‑Membro tenha submetido a proposta economicamente mais vantajosa, não tem qualquer garantia de obter a adjudicação devido ao facto de um trabalhador da farmácia municipal, ao exercer o seu direito de preferência e igualando a oferta, poder, com efeito, «bater» a mesma (20). Por conseguinte, é evidente que o direito de preferência nacional em causa confere uma vantagem clara a qualquer trabalhador da farmácia municipal que possa desejar exercer esse direito, mesmo à custa do proponente economicamente mais vantajoso.

48.      Na minha opinião, o direito de preferência previsto no artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991 tem por efeito impedir e tornar menos atrativo o exercício, por farmacêuticos de outros Estados‑Membros, do seu direito de participar num concurso para a aquisição de uma farmácia municipal na República Italiana. Assim, esse direito de preferência impede e torna menos atrativo o exercício, por farmacêuticos de outros Estados‑Membros, das suas atividades de livre circulação no território italiano, por intermédio de um estabelecimento estável.

49.      Consequentemente, uma disposição de regulamentação nacional como o artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991, em causa no processo perante o órgão jurisdicional de reenvio, constitui, a meu ver, uma restrição à liberdade de estabelecimento na aceção do artigo 49.o TFUE. Por conseguinte, há que analisar em que medida a disposição nacional em causa no processo principal pode ser justificada por uma das razões enunciadas no artigo 52.o, n.o 1, TFUE ou, em conformidade com a jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, por razões imperiosas de interesse geral. São essas as questões sobre as quais me debruçarei em seguida.

A.      Quanto à justificação da restrição à liberdade de estabelecimento

50.      Resulta do artigo 52.o, n.o 1, TFUE que a proteção da ordem pública, da segurança pública ou da saúde pública pode justificar restrições à liberdade de estabelecimento.

51.      Além disso, é jurisprudência constante que as restrições à liberdade de estabelecimento, aplicáveis sem discriminação em razão da nacionalidade, podem ser justificadas por razões imperiosas de interesse geral, desde que sejam adequadas a garantir a realização do objetivo por elas prosseguido e não ultrapassem o necessário para alcançar esse objetivo(21).

52.      Depreende‑se do processo perante o Tribunal de Justiça que o artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991 é aplicável sem discriminação em razão da nacionalidade.

53.      Uma vez que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio, no âmbito de um processo submetido ao Tribunal de Justiça nos termos do artigo 267.o TFUE, identificar os objetivos da legislação nacional em causa suscetíveis de justificar restrições à liberdade de estabelecimento (22), o órgão jurisdicional de reenvio (23) indicou sucintamente que o artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991 responde à necessidade de uma melhor gestão dos serviços farmacêuticos e baseia‑se na convicção de que um farmacêutico, que já trabalhou na farmácia municipal que vai ser transferida, poderá assegurar a continuidade e capitalizar a experiência adquirida na gestão dessa farmácia (24).

54.      À luz dessa explicação, uma legislação como a que está em causa no processo principal parece prosseguir o objetivo de proteção da saúde pública que pode, em princípio, nos termos do artigo 52.o, n.o 1, TFUE, justificar restrições à liberdade de estabelecimento (25). Mais precisamente, no n.o 28 do Acórdão de 19 de maio de 2009, Apothekerkammer des Saarlandes e o. (C‑171/07 e C‑172/07, EU:C:2009:316), o Tribunal de Justiça declarou que restrições à liberdade de estabelecimento podem ser justificadas pelo objetivo de assegurar um fornecimento seguro e de qualidade de medicamentos à população.

55.      É, no entanto, necessário determinar se uma legislação como a do artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991 é adequada a alcançar esse objetivo e, em caso afirmativo, se a restrição à liberdade de estabelecimento excede o necessário para atingir o objetivo prosseguido, ou seja, se existem medidas menos restritivas através das quais esse objetivo possa ser alcançado (26).

56.      Quanto à necessidade de assegurar a continuidade identificada pelo órgão jurisdicional de reenvio, não é inteiramente claro se o que está em causa é a necessidade de assegurar a continuidade do emprego dos farmacêuticos das farmácias municipais para salvaguardar os seus direitos em caso de transferência dessa farmácia (27), por um lado, ou (como julgo) a continuidade do emprego dos farmacêuticos das farmácias municipais para assegurar a continuidade do serviço ou o nível do serviço prestado por essa farmácia ao público, por outro lado.

57.      A meu ver, o objetivo de assegurar a continuidade do emprego dos farmacêuticos das farmácias municipais, a fim de salvaguardar os seus direitos em caso de transferência dessa farmácia, baseia‑se em considerações de emprego e sociais e não em considerações de saúde pública. Por conseguinte, esse objetivo não é adequado, tendo em conta as circunstâncias em causa no processo principal, a justificar, por razões de saúde pública nos termos do artigo 52.o, n.o 1, TFUE, as restrições à liberdade de estabelecimento introduzidas pela legislação nacional em causa no processo principal.

58.      Além disso, mesmo que esse objetivo pudesse ser justificado por razões imperiosas de interesse geral, nomeadamente, a salvaguarda dos direitos dos trabalhadores contra o despedimento em caso de transferência de uma farmácia municipal, o órgão jurisdicional de reenvio indicou que esse objetivo já está garantido pelo artigo 2112.o do Código Civil italiano, que transpõe, inter alia, a Diretiva 2001/23 do Conselho que contém tais proteções. Em tais circunstâncias, se fosse esse de facto o objetivo, então uma legislação nacional como o artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991, ultrapassaria em muito o necessário para atingir esse objetivo e não poderia ser justificada à luz do mesmo.

59.      No que respeita ao objetivo de assegurar a continuidade do emprego dos farmacêuticos empregados nas farmácias municipais, a fim de assegurar a continuidade do serviço ou o nível de serviço prestado por essa farmácia ao público e, por conseguinte, em última análise, uma melhor gestão dos serviços farmacêuticos, importa sublinhar que, de acordo com os autos no Tribunal de Justiça, AV, BU e CT são todos farmacêuticos qualificados(28).

60.      Além disso, segundo o direito italiano, AV e BU estavam habilitados, em todos os aspetos, para adquirir e explorar a farmácia em causa no processo principal, como demonstra o facto de lhes ter sido provisoriamente adjudicado o contrato para essa aquisição.

61.      Por conseguinte, afigura‑se que a única característica distintiva em termos de qualificações profissionais ou experiência entre os farmacêuticos em causa à qual foi dada alguma relevância na efetiva adjudicação definitiva da proposta foi o facto de CT ser, no momento relevante, um trabalhador da farmácia municipal em causa e ter exercido o direito de preferência.

62.      Além disso, não há qualquer indicação nos autos perante o Tribunal de Justiça sobre a razão por que outro farmacêutico igualmente qualificado e experiente como CT não seria capaz de assegurar a continuidade ou, na verdade, por que razão um farmacêutico anteriormente empregado pelo município não poderia continuar nessa qualidade sob a nova gestão (29).

63.      Tanto o Município de Bernareggio como CT salientaram o facto de este não ser, de facto, apenas um mero trabalhador da farmácia municipal em questão, mas que, de facto, essa pessoa tinha gerido a referida farmácia municipal e o seu stock durante muitos anos.

64.      Embora possa ser esse o caso, parece, sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, que o artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991, além de exigir que um farmacêutico esteja inscrito na ordem profissional ou possua as qualificações exigidas num concurso anterior, não tem em conta o número efetivo de anos que o farmacêutico trabalhou na farmácia municipal, a qualidade do serviço prestado por esse farmacêutico ou, ainda, se o farmacêutico atuou como mero trabalhador ou em funções de gestão. Com efeito, desde que o disposto no artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991 seja respeitado, o direito de preferência opera automaticamente.

65.      Assim, em conformidade com os autos perante o Tribunal de Justiça e sob reserva de verificação pelo órgão jurisdicional de reenvio, a legislação nacional em causa não exige qualquer comparação entre as qualificações e a experiência dos farmacêuticos em causa, nem qualquer tipo de comparação e ponderação durante o processo de concurso. Com efeito, CT nem sequer participou no concurso, a não ser para exercer o direito de preferência previsto no artigo 12.o, n.o 2 da Lei n.o 362/1991.

66.      Se, além disso, o objetivo da legislação era promover a continuidade dos serviços farmacêuticos, não é fácil perceber por que razão se aplica apenas à transferência de farmácias municipais e não a outros tipos de farmácias que estão em mãos privadas (30).

67.      Por conseguinte, considero que não existem elementos nos autos perante o Tribunal de Justiça que demonstrem que o objetivo prosseguido pela legislação em causa invocado pelo órgão jurisdicional de reenvio para justificar, nos termos do artigo 52.o, n.o 1, TFUE, restrições à liberdade de estabelecimento, por razões de saúde pública, seja adequado a esse fim e que, de qualquer modo, mesmo que existissem, tal excederia o necessário para atingir o objetivo em causa. Por todas as razões aduzidas ao longo das presentes conclusões, considero que a legislação não cumpre objetivos claros de saúde pública e, em todo o caso, os meios adotados são manifestamente desproporcionados para esse fim.

68.      Resulta do que precede que a resposta à questão prejudicial é que o artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que, no caso de transferência da propriedade de uma farmácia municipal, atribui o direito de preferência aos trabalhadores da própria farmácia.

VIII. Conclusão

69.      Atendendo ao conjunto de considerações precedentes, considero que o Tribunal de Justiça deve responder do seguinte modo à questão prejudicial submetida pelo Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional, Itália):

O artigo 49.o TFUE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma regulamentação nacional como a que está em causa no processo principal, que, no caso de transferência da propriedade de uma farmácia municipal, atribui o direito de preferência aos trabalhadores da própria farmácia.


1      Língua original: inglês.


2      Além da transferência da própria farmácia, havia também condições relativas, inter alia, ao mobiliário, aos equipamentos e acessórios e ao stock da farmácia.


3      Assim, dá preferência aos direitos coletivos em detrimento dos direitos privados.


4      Acórdão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), Quinta Secção, n.o 5329, de 5 de outubro de 2005.


5      JO 2001, L 82, p. 16.


6      Além disso, considero que, à luz do artigo 2.o, alínea f), da Diretiva 2006/123/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de dezembro de 2006, relativa aos serviços no mercado interno (JO 2006, L 376, p. 36), que exclui todos os serviços de saúde do seu âmbito de aplicação, esta diretiva não é relevante no presente processo.


7      Com efeito, o artigo 52.o, n.o 2, da Carta dispõe que os direitos reconhecidos pela Carta que se regem por disposições constantes dos Tratados são exercidos de acordo com as condições e limites por eles definidos. V. Acórdão de 7 de abril de 2016, ONEm e M. (C‑284/15, EU:C:2016:220, n.o 33).


8      V., por analogia, Acórdão de 7 de abril de 2016, ONEm e M. (C‑284/15, EU:C:2016:220, n.os 33 e 34).


9      E as exceções previstas no artigo 52.o TFUE e na jurisprudência do Tribunal de Justiça relativas às justificações por razões imperiosas de interesse geral.


10      Acórdão de 13 de fevereiro de 2014, Sokoll‑Seebacher (C‑367/12, EU:C:2014:68, n.os 22 e 23).


11      V. Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 47 e a jurisprudência referida). Nos n.os 50 a 53 desse acórdão, o Tribunal de Justiça remeteu para as quatro situações nas quais poderia, não obstante, ser necessário para a resolução dos litígios no processo principal interpretar as disposições dos Tratados relativas às liberdades fundamentais, apesar de os litígios no processo principal estarem confinados, sob todos os aspetos, a um único Estado‑Membro, levando o Tribunal de Justiça a considerar esses pedidos de decisão prejudicial admissíveis.


12      V. Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Azienda sanitaria locale n.o 5 «Spezzino» e o. (C‑113/13, EU:C:2014:2440, n.o 46).


13      Como resulta do artigo 94.o do Regulamento de Processo do Tribunal de Justiça, na versão que entrou em vigor em 1 de novembro de 2012, o Tribunal de Justiça deve encontrar num pedido de decisão prejudicial uma exposição dos dados factuais em que as questões assentam e o nexo existente, inter alia, entre esses dados e essas questões. Assim, o apuramento dos elementos necessários para permitir a verificação da existência de um interesse transfronteiriço certo, e, do mesmo modo que, em geral, todas as constatações que incumbem aos órgãos jurisdicionais nacionais realizar e das quais depende a aplicabilidade de um ato de direito derivado ou do direito primário da União, deve ser efetuado antes de se recorrer ao Tribunal de Justiça. Acórdão de 11 de dezembro de 2014, Azienda sanitaria locale n.o 5 «Spezzino» e o. (C‑113/13, EU:C:2014:2440, n.o 46).


14      V., por exemplo, Diretiva 2013/55/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de novembro de 2013, que altera a Diretiva 2005/36/CE relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais e o Regulamento (UE) n.o 1024/2012 relativo à cooperação administrativa através do Sistema de Informação do Mercado Interno («Regulamento IMI») (JO 2013, L 354, p. 132).


15      V. Acórdão de 15 de novembro de 2016, Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 50 e jurisprudência referida). Sublinho que o órgão jurisdicional de reenvio se baseou especificamente nesta linha de jurisprudência para justificar a relevância transfronteiriça da sua questão.


16      No seu Acórdão de 1 de junho de 2010, Blanco Pérez e Chao Gómez (C‑570/07 e C‑571/07, EU:C:2010:300, n.o 40), o Tribunal de Justiça considerou que não se pode excluir de modo algum que nacionais estabelecidos em Estados‑Membros diferentes do Reino de Espanha tenham estado ou estejam interessados em explorar farmácias na Comunidade Autónoma das Astúrias. V., também, por analogia, Acórdão de 11 de março de 2010, Attanasio Group (C‑384/08, EU:C:2010:133, n.os 22 a 24), relativo à venda de carburantes.


17      V. Acórdão de 14 de novembro de 2018, Memoria e Dall'Antonia (C‑342/17, EU:C:2018:906, n.o 23).


18      V. Acórdãos de 15 de novembro de 2016,  Ullens de Schooten (C‑268/15, EU:C:2016:874, n.o 52), e de 10 de maio de 2012, Duomo Gpa e o. (C‑357/10 a C‑359/10, EU:C:2012:283, n.o 28).


19      Acórdão de 11 de março de 2010, Attanasio Group (C‑384/08, EU:C:2010:133, n.o 43 e jurisprudência referida). V., igualmente, Acórdão de 19 de maio de 2009, Apothekerkammer des Saarlandes e o. (C‑171/07 e C‑172/07, EU:C:2009:316, n.o 22).


20      Importa recordar que, no caso no processo principal, a forma de exercício do direito de preferência foi estipulada no anúncio de concurso.


21      V. Acórdão de 19 de maio de 2009, Apothekerkammer des Saarlandes e o. (C‑171/07 e C‑172/07, EU:C:2009:316, n.o 25 e jurisprudência referida).


22      V., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2013, Venturini e o. (C‑159/12 a C‑161/12, EU:C:2013:791, n.o 39 e jurisprudência referida).


23      Conforme referido no n.o 17 das presentes conclusões.


24      Nas suas alegações escritas, o Município de Bernareggio remeteu para o Acórdão do Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional), Quinta Secção, n.o 5329, de 5 de outubro de 2005, no qual esse órgão jurisdicional declarou que o concurso público previsto no artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991 se destina, inter alia, a maximizar o lucro que pode ser obtido com a privatização em causa. O artigo 12.o, n.o 2, da Lei n.o 362/1991 estabelece as condições em que o direito de preferência deve ser exercido. Esse direito, que concede preferência ao trabalhador da farmácia municipal, visa proteger os farmacêuticos assalariados e a gestão ótima da farmácia.


25      A importância do objetivo de proteção da saúde pública é confirmada pelo artigo 168.o, n.o 1, TFUE, e pelo artigo 35.o da Carta, por força dos quais, nomeadamente, um elevado nível de proteção da saúde humana é assegurado na definição e execução de todas as políticas e ações da União. V., neste sentido, Acórdão de 5 de dezembro de 2013, Venturini e o. (C‑159/12 a C‑161/12, EU:C:2013:791, n.os 40 e 41 e jurisprudência referida). É jurisprudência constante que o objetivo de manter a qualidade dos serviços médicos, como os serviços farmacêuticos, se pode inserir numa das derrogações previstas no artigo 52.o, n.o 1, TFUE, na medida em que contribua para a realização de um nível elevado de proteção da saúde. Acórdão de 16 de dezembro de 2010, Comissão/França (C‑89/09, EU:C:2010:772, n.o 53 e jurisprudência referida).


26      Segundo jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, na apreciação do cumprimento do princípio da proporcionalidade no domínio da saúde pública, há que tomar em consideração o facto de o Estado‑Membro poder decidir qual o nível de proteção da saúde pública que pretende assegurar e o modo como esse nível deve ser alcançado. Dado que este nível de pode variar de um Estado‑Membro para outro, há que reconhecer aos Estados‑Membros uma margem de apreciação. Acórdão de 5 de dezembro de 2013, Venturini e o. (C‑159/12 a C‑161/12, EU:C:2013:791, n.o 59 e jurisprudência referida).


27      É possível argumentar que não é esse o objetivo da legislação nacional em causa, uma vez que o Consiglio di Stato (Conselho de Estado, em formação jurisdicional) se referiu, neste contexto, à «melhor gestão dos serviços farmacêuticos». No entanto, em benefício da completude, debruçar‑me‑ei sobre essa questão.


28      O Tribunal de Justiça sublinhou o caráter muito especial dos medicamentos, uma vez que os respetivos efeitos terapêuticos os distinguem substancialmente das outras mercadorias. Acórdão de 19 de maio de 2009, Apothekerkammer des Saarlandes e o. (C‑171/07 e C‑172/07, EU:C:2009:316, n.o 31). O Tribunal de Justiça aceitou, em especial, que os Estados‑Membros podem sujeitar as pessoas encarregadas da distribuição a retalho dos medicamentos a exigências estritas, designadamente no tocante às suas modalidades de comercialização e à angariação de lucros. Em particular, podem, em princípio, reservar a venda a retalho dos medicamentos unicamente aos farmacêuticos, em razão das garantias que estes últimos devem prestar e das informações que devem estar em condições de poder dar ao consumidor. V., para esse efeito, inter alia, Acórdão de 19 de maio de 2009, Comissão/Itália (C‑531/06, EU:C:2009:315, n.o 58).


29      V., a este respeito, o artigo 2112.o do Código Civil italiano que, segundo o órgão jurisdicional de reenvio, transpõe, inter alia, a Diretiva 2001/23 do Conselho.


30      Ao dizer isto, não pretendo sugerir que uma legislação deste tipo, aplicada indistintamente à transferência de todas as farmácias, estaria em conformidade com os requisitos do artigo 52.o TFUE.