ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção)
17 de dezembro de 2020 (*)
«Reenvio prejudicial — Agricultura — Proteção das indicações geográficas e das denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios — Regulamento (CE) n.o 510/2006 — Regulamento (UE) n.o 1151/2012 — Artigo 13.o, n.o 1, alínea d) — Prática suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto — Reprodução da forma ou aparência que caracteriza um produto cuja denominação é protegida — Denominação de Origem Protegida (DOP) “Morbier”»
No processo C‑490/19,
que tem por objeto um pedido de decisão prejudicial apresentado, nos termos do artigo 267.o TFUE, pela Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França), por Decisão de 19 de junho de 2019, que deu entrada no Tribunal de Justiça em 26 de junho de 2019, no processo
Syndicat interprofessionnel de défense du fromage Morbier
contra
Société Fromagère du Livradois SAS,
O TRIBUNAL DE JUSTIÇA (Quinta Secção),
composto por: E. Regan, presidente de secção, K. Lenaerts, presidente do Tribunal de Justiça, exercendo funções de juiz da Quinta Secção, M. Ilešič, C. Lycourgos e I. Jarukaitis (relator), juízes,
advogado‑geral: G. Pitruzzella,
secretário: M. Krausenböck, administradora,
vistos os autos e após a audiência de 18 de junho de 2020,
vistas as observações apresentadas:
– em representação do Syndicat interprofessionnel de défense du fromage Morbier, por J.‑J. Gatineau, avocat,
– em representação da Société Fromagère du Livradois SAS, por E. Piwnica, avocat,
– em representação do Governo francês, por C. Mosser e A.‑L. Desjonquères, na qualidade de agentes,
– em representação do Governo helénico, por G. Kanellopoulos, E. Leftheriotou e I.‑E. Krompa, na qualidade de agentes,
– em representação da Comissão Europeia, por D. Bianchi e I. Naglis, na qualidade de agentes,
ouvidas as conclusões do advogado‑geral na audiência de 17 de setembro de 2020,
profere o presente
Acórdão
1 O pedido de decisão prejudicial tem por objeto a interpretação dos respetivos artigos 13.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 510/2006 do Conselho, de 20 de março de 2006, relativo à proteção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO 2006, L 93, p. 12), e do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO 2012, L 343, p. 1).
2 Este pedido foi apresentado no âmbito de um litígio que opõe o Syndicat interprofessionnel de défense du fromage Morbier (a seguir «Syndicat») à Société Fromagère du Livradois SAS a respeito de uma violação da denominação de origem protegida (DOP) «Morbier» e de atos de concorrência desleal e parasitária que são imputados a esta última.
Quadro jurídico
Direito da União
3 Os considerandos 4 e 6 do Regulamento n.o 510/2006, que foi revogado pelo Regulamento n.o 1151/2012, enunciavam:
«(4) Perante a diversidade dos produtos colocados no mercado e a abundância de informações sobre eles fornecidas, o consumidor deverá, a fim de poder efetuar melhor a sua escolha, dispor de informações claras e sucintas sobre a origem do produto.
[…]
(6) É necessário prever uma abordagem comunitária das denominações de origem e indicações geográficas. Com efeito, um quadro de regras comunitárias que inclua um regime de proteção permite o desenvolvimento das indicações geográficas e das denominações de origem na medida em que garante, através de uma abordagem mais uniforme, uma concorrência leal entre os produtores de produtos que beneficiem dessas menções e reforça a credibilidade desses produtos aos olhos dos consumidores.»
4 O artigo 13.o, n.o 1, deste regulamento tinha a seguinte redação:
«As denominações registadas são protegidas contra:
a) Qualquer utilização comercial direta ou indireta de uma denominação registada para produtos não abrangidos pelo registo, na medida em que esses produtos sejam comparáveis a produtos registados sob essa denominação, ou na medida em que a utilização dessa denominação explore a reputação da denominação protegida;
b) Qualquer usurpação, imitação ou evocação, ainda que a verdadeira origem do produto seja indicada ou que a denominação protegida seja traduzida ou acompanhada por termos como “género”, “tipo”, “método”, “estilo” ou “imitação”, ou por termos similares;
c) Qualquer outra indicação falsa ou falaciosa quanto à proveniência, origem, natureza ou qualidades essenciais do produto, que conste do acondicionamento ou embalagem, da publicidade ou dos documentos relativos ao produto em causa, bem como o acondicionamento em recipientes suscetíveis de criarem uma opinião errada sobre a origem do produto;
d) Qualquer outra prática suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto.
[…]»
5 Os considerandos 18 e 29 do Regulamento n.o 1151/2012 indicam:
«(18) Os objetivos específicos da proteção das denominações de origem e das indicações geográficas consistem em garantir uma remuneração justa para os agricultores e os produtores que tenha em conta as qualidades e as características de um dado produto ou do seu modo de produção e em fornecer informações claras sobre os produtos com características específicas relacionadas com a sua origem geográfica, de forma a permitir que os consumidores façam opções de compra com informações fiáveis.
[…]
(29) É necessário proteger as denominações incluídas no registo, a fim de assegurar a sua utilização adequada e de impedir práticas suscetíveis de induzir em erro os consumidores […]»
6 Nos termos do artigo 4.o deste regulamento, sob a epígrafe «Objetivo»:
«É estabelecido um regime de denominações de origem protegidas e indicações geográficas protegidas, a fim de ajudar os produtores de produtos ligados a uma área geográfica, mediante:
a) A garantia de uma remuneração justa que corresponda às qualidades dos seus produtos;
b) A garantia de uma proteção uniforme das denominações como direito de propriedade intelectual no território da União;
c) A comunicação aos consumidores de informações claras sobre os atributos do produto que lhe conferem uma mais‑valia.»
7 O artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) e b), do referido regulamento, que reproduz, em substância, a redação do artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 510/2006, dispõe:
«Para efeitos do presente regulamento, entende‑se por “denominação de origem” uma denominação que identifique um produto:
a) Originário de um local ou região determinados, ou, em casos excecionais, de um país;
b) Cuja qualidade ou características se devam essencial ou exclusivamente a um meio geográfico específico, incluindo os seus fatores naturais e humanos […]»
8 A redação do artigo 13.o, n.o 1, do mesmo regulamento reproduz, em substância, a do artigo 13.o, n.o 1, do Regulamento n.o 510/2006. Apenas foi acrescentada, no final das alíneas a) e b), a expressão «inclusive se os produtos forem utilizados como ingredientes».
9 Em aplicação do Regulamento (CE) n.o 2400/96 da Comissão, de 17 de dezembro de 1996, relativo à inscrição de determinadas denominações no registo das denominações de origem protegidas e das indicações geográficas protegidas previsto no Regulamento (CEE) n.o 2081/92 do Conselho relativo à proteção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios (JO 1996, L 327, p. 11), conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.o 1241/2002 da Comissão, de 10 de julho de 2002 (JO 2002, L 181, p. 4), a denominação «Morbier» foi inscrita no registo das denominações de origem protegidas e das indicações geográficas protegidas, que figuram em anexo neste regulamento, como DOP.
10 A descrição do produto contida no caderno de especificações pelo Regulamento de Execução (UE) n.o 1128/2013 da Comissão, de 7 de novembro de 2013, que aprova uma alteração menor ao Caderno de Especificações relativo a uma denominação inscrita no Registo das denominações de origem protegidas e das indicações geográficas protegidas [Morbier (DOP)] (JO 2013, L 302, p. 7), é a seguinte:
«O “Morbier” designa queijo fabricado com leite de vaca cru, de pasta prensada não cozida, com a forma de cilindro achatado, de 30 a 40 centímetros de diâmetro, 5 a 8 centímetros de altura e 5 a 8 kg de peso, de faces planas e ligeiro abaulamento lateral.
O queijo apresenta uma risca preta central horizontal, integrada e contínua sobre toda a fatia.
A crosta é natural, esfregada, de aspeto regular, florida, revelando a trama da forma. Apresenta cor entre creme e alaranjado com cambiantes castanho‑alaranjados, vermelho‑alaranjados e rosa‑alaranjados. A pasta é homogénea, cor de marfim a amarelo‑palha, evidenciando frequentemente olhos dispersos do tamanho de groselhas ou de pequenas bolas achatadas. É maleável ao toque, untuosa e cremosa, pouco aderente à boca e de textura uniforme e fina. Possui sabor franco de cambiantes lácticas, a caramelo, baunilha e fruta. Com o envelhecimento, a gama aromática enriquece‑se de cambiantes a torrado, especiarias e vegetais. Os sabores são equilibrados. Possui, no mínimo, 45 gramas de matéria gorda por 100 gramas após dessecação total. O teor de humidade do queijo magro (HFD) deve estar compreendido entre 58 % e 67 %. A cura do queijo deve ter uma duração mínima de 45 dias a contar do dia de fabrico, sem interrupção do ciclo.»
Direito francês
11 O artigo L. 722‑1 do code de la propriété intellectuelle (Código da Propriedade Intelectual), na versão aplicável ao litígio no processo principal, dispõe:
«Qualquer violação de uma indicação geográfica implica a responsabilidade civil do seu autor.
Para efeitos da aplicação do presente capítulo, considera‑se “indicação geográfica”:
[…]
b) as denominações de origem protegidas e as indicações geográficas protegidas previstas pela regulamentação comunitária relativa à proteção das indicações geográficas e das denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios;
[…]»
12 O queijo Morbier beneficia de uma denominação de origem controlada (DOC) desde a adoção da Portaria de 22 de dezembro de 2000 relativa à denominação de origem controlada «Morbier» (JORF n.o 302, de 30 de dezembro de 2000, p. 20944), entretanto revogada, que definiu uma zona geográfica de referência, bem como as condições necessárias para requerer essa denominação de origem, e previu, no seu artigo 8.o, um período transitório para que as empresas situadas fora dessa zona geográfica que produziam e comercializavam queijos com o nome «Morbier» de forma contínua pudessem continuar a utilizar este nome sem a menção «DOC», até ao termo de um prazo de cinco anos a contar da publicação do registo da denominação de origem «Morbier» a título de DOP.
Litígio no processo principal e questão prejudicial
13 Nos termos da Portaria de 22 de dezembro de 2000, a Société Fromagère du Livradois, que produzia o queijo Morbier desde 1979, foi autorizada a utilizar a denominação «Morbier», sem a menção DOC, até 11 de julho de 2007, data a partir da qual foi substituída pela denominação «Montboissié du Haut Livradois». Além disso, a Société Fromagère du Livradois registou, em 5 de outubro de 2001, nos Estados Unidos, a marca americana «Morbier du Haut Livradois», que renovou em 2008 por dez anos e, em 5 de novembro de 2004, a marca francesa «Montboissier».
14 Acusando a Société Fromagère du Livradois de violar a denominação protegida e de ter praticado atos de concorrência desleal e parasitária ao produzir e comercializar um queijo com a aparência visual do produto protegido pela DOP «Morbier», a fim de criar confusão com este e beneficiar da notoriedade da imagem que lhe está associada, sem ter de respeitar o caderno de especificações da denominação de origem protegida, o Syndicat intentou uma ação contra essa sociedade, em 22 de agosto de 2013, no tribunal de grande instance de Paris (Tribunal de Primeira Instância de Paris, França), para que a mesma fosse condenada a cessar qualquer utilização comercial direta ou indireta da denominação da DOP «Morbier» de produtos que não estavam abrangidos, qualquer usurpação, imitação ou evocação da DOP «Morbier», qualquer outra indicação falsa ou falaciosa quanto à proveniência, origem, natureza ou qualidades essenciais do produto por qualquer meio que possa criar uma impressão errada sobre a origem do produto, qualquer outra prática suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto e, especialmente, qualquer utilização de uma risca preta que separe duas partes do queijo, bem como a indemnizar o dano.
15 Estes pedidos foram julgados improcedentes por Sentença de 14 de abril de 2016, que foi confirmada pela cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris, França) por Acórdão de 16 de junho de 2017. Esta última considerou que não era ilícita a comercialização de um queijo que apresenta uma ou várias características que figuram no caderno de especificações do queijo Morbier e que, por isso, se parece com este.
16 Nesse acórdão, após ter estabelecido que a regulamentação sobre a DOP não visa proteger a aparência de um produto ou as características do mesmo tal como descritas no seu caderno de especificações, mas a sua denominação, pelo que não proíbe o fabrico de um produto segundo técnicas idênticas às definidas nas normas aplicáveis à indicação geográfica, e após ter considerado que, não existindo um direito privativo, a assunção da aparência de um produto está abrangida pelo âmbito da liberdade do comércio e da indústria, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) declarou que as características invocadas pelo Syndicat, designadamente a linha azul horizontal, fazem parte de uma tradição histórica e de uma técnica ancestral presente noutros queijos além do Morbier, que foram desenvolvidas pela Société Fromagère du Livradois antes mesmo da obtenção da DOP «Morbier» e que não decorrem dos investimentos realizados pelo Syndicat ou pelos seus membros. Considerou que, embora o direito de utilizar o carvão vegetal apenas seja conferido ao queijo protegido por esta DOP «Morbier», a Société Fromagère du Livradois, a fim de cumprir a legislação americana, teve de substituí‑lo pelo polifenol de uva, pelo que os dois queijos não podiam ser equiparados com base nesta característica. Assinalando que a Société Fromagère du Livradois tinha invocado outras diferenças entre o queijo Montboissié e o queijo Morbier, relativas, nomeadamente, à utilização de leite pasteurizado no caso do primeiro e de leite cru no caso do segundo, concluiu que os dois queijos eram diferentes e que o Syndicat estava a tentar alargar a proteção da DOP «Morbier» tendo em vista um interesse comercial ilegítimo e contrário ao princípio da livre concorrência.
17 O Syndicat interpôs recurso de cassação desse acórdão da cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) no órgão jurisdicional de reenvio, a Cour de cassation (Tribunal de Cassação, França). Em apoio do seu recurso, sustenta, antes de mais, que uma denominação de origem está protegida contra qualquer prática suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto e que, no entanto, ao declarar que só é proibida a utilização da denominação da DOP, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) violou os respetivos artigos 13.o dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012. Em seguida, o Syndicat alega que, ao limitar‑se a salientar, por um lado, que as características que invoca faziam parte de uma tradição histórica e não decorriam de investimentos realizados por este nem pelos seus membros e, por outro, que o queijo Montboissié comercializado desde 2007 pela Société Fromagère du Livradois apresentava diferenças em relação ao queijo Morbier, sem analisar, como lhe era pedido, se as práticas da Société Fromagère du Livradois, em especial a cópia da «risca acinzentada» característica do queijo Morbier, eram suscetíveis de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto, a cour d’appel de Paris (Tribunal de Recurso de Paris) privou a sua decisão de base jurídica relativamente a esses mesmos diplomas.
18 Por sua vez, a Société Fromagère du Livradois alega que a DOP protege os produtos provenientes de um território delimitado, que são os únicos a poder beneficiar da denominação protegida, mas não proíbe outros produtores de produzir e comercializar produtos semelhantes, desde que não levem a crer que beneficiam da denominação em causa. Deduz‑se do direito nacional que é proibida qualquer utilização do sinal que constitui a DOP para designar produtos semelhantes que não têm direito a tal utilização, quer não provenham da zona delimitada, quer daí provenham sem apresentar as qualidades exigidas, mas que não é proibido comercializar produtos semelhantes, desde que essa comercialização não seja acompanhada por nenhuma prática suscetível de gerar confusão, nomeadamente pela usurpação ou evocação dessa DOP. Alega ainda que a «prática suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto», na aceção dos respetivos artigos 13.o, n.o 1, alínea d), dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012, deve necessariamente incidir sobre «a origem» do produto e, por conseguinte, deve tratar‑se de uma prática que leve o consumidor a julgar que está perante um produto que beneficia da DOP em causa. Considera que esta «prática» não pode resultar da mera aparência do produto enquanto tal, além de qualquer menção na sua embalagem que faça referência à proveniência protegida.
19 O órgão jurisdicional de reenvio expõe que o recurso que lhe foi submetido suscita a questão inédita de saber se os respetivos artigos 13.o, n.o 1, dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012 devem ser interpretados no sentido de que proíbem apenas a utilização por terceiros da denominação registada ou se devem ser interpretados no sentido de que proíbem igualmente qualquer apresentação do produto suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à sua verdadeira origem, mesmo que a denominação registada não tenha sido utilizada por terceiros. Salientando, nomeadamente, que o Tribunal de Justiça nunca se pronunciou sobre esta questão, considera que existe uma dúvida sobre a interpretação da expressão «outra prática» que figura nesses artigos, que constitui uma forma específica de violação de uma denominação protegida se for suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto.
20 Assim, coloca‑se a questão de saber se a assunção das características físicas de um produto protegido por uma DOP pode constituir uma prática suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto, proibida pelos respetivos artigos 13.o, n.o 1, dos regulamentos. Esta questão consiste em determinar se a apresentação de um produto protegido por uma denominação de origem, em particular a reprodução da forma ou da aparência que o caracterizam, é suscetível de constituir uma violação dessa denominação, não obstante não haver uma assunção da denominação.
21 Foi nestas circunstâncias que a Cour de cassation (Tribunal de Cassação) decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial:
«Devem os respetivos artigos 13.o, n.o 1, [dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012] ser interpretados no sentido de que apenas proíbem a utilização por terceiros da denominação registada ou no sentido de que proíbem a apresentação de um produto protegido por uma denominação de origem, em especial a reprodução da forma ou da aparência que o caracterizam, suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto, mesmo que a denominação registada não seja utilizada?»
Quanto à questão prejudicial
Quanto à primeira parte da questão
22 Com a primeira parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta se os respetivos artigos 13.o, n.o 1, dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012 devem ser interpretados no sentido de que apenas proíbem a utilização por terceiros da denominação registada.
23 Resulta da redação destas disposições que as denominações registadas estão protegidas contra diversas atuações, a saber, primeiro, a utilização comercial direta ou indireta de uma denominação registada, segundo, a utilização abusiva, a imitação ou a evocação, terceiro, a indicação falsa ou falaciosa quanto à proveniência, origem, natureza ou qualidades essenciais do produto que conste do acondicionamento ou da embalagem, da publicidade ou dos documentos relativos ao produto em causa, bem como contra o acondicionamento do produto em recipiente suscetível de dar uma impressão errada sobre a origem do produto e, quarto, qualquer outra prática suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto.
24 As referidas disposições contêm, assim, uma enumeração gradativa das condutas proibidas (v., neste sentido, Acórdão de 2 de maio de 2019, Fundación Consejo Regulador de la Denominación de Origen Protegida Queso Manchego, C‑614/17, EU:C:2019:344, n.o 27). Ao passo que os respetivos artigos 13.o, n.o 1, alínea a), dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012 proíbem a utilização direta ou indireta de uma denominação registada para produtos não abrangidos pelo registo, sob uma forma idêntica a essa denominação ou muito semelhante de um ponto de vista fonético e/ou visual (v., por analogia, Acórdão de 7 de junho de 2018, Scotch Whisky Association, C‑44/17, EU:C:2018:415, n.os 29, 31 e 39), os respetivos artigos 13.o, n.o 1, alíneas b) a d), destes regulamentos proíbem outros tipos de condutas contra as quais as denominações registadas estão protegidas e que não utilizam direta nem indiretamente as próprias denominações.
25 Assim, o âmbito de aplicação dos respetivos artigos 13.o, n.o 1, alínea a), dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012 deve necessariamente distinguir‑se do relativo às outras regras de proteção das denominações registadas que figuram nos respetivos artigos 13.o, n.o 1, alíneas b) a d), destes regulamentos. Em especial, os respetivos artigos 13.o, n.o 1, alínea b), dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012 proíbem atuações que, ao contrário das referidas nos respetivos artigos 13.o, n.o 1, alínea a), não utilizam direta nem indiretamente a própria denominação protegida, mas sugerem‑na de forma tal que o consumidor é levado a estabelecer um nexo suficiente de proximidade com essa denominação [v., por analogia, no que se refere ao artigo 16.o do Regulamento (CE) n.o 110/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de janeiro de 2008, relativo à definição, designação, apresentação, rotulagem e proteção das indicações geográficas das bebidas espirituosas e que revoga o Regulamento (CEE) n.o 1576/89 do Conselho (JO 2008, L 39, p. 16), Acórdão de 7 de junho de 2018, Scotch Whisky Association, C‑44/17, EU:C:2018:415, n.o 33].
26 No que diz respeito, mais precisamente, ao conceito de «evocação», o critério determinante é o de saber se o consumidor, perante a denominação controvertida, é levado a ter diretamente em mente, como imagem de referência, a mercadoria abrangida pela DOP, o que cabe ao juiz nacional apreciar, tendo em conta, se for caso disso, a incorporação parcial de uma DOP na denominação contestada, uma semelhança fonética e/ou visual dessa denominação com essa DOP ou ainda uma proximidade conceptual entre a referida denominação e a referida DOP (v., por analogia, Acórdão de 7 de junho de 2018, Scotch Whisky Association, C‑44/17, EU:C:2018:415, n.o 51).
27 Além disso, no seu Acórdão de 2 de maio de 2019, Fundación Consejo Regulador de la Denominación de Origen Protegida Queso Manchego (C‑614/17, EU:C:2019:344), o Tribunal de Justiça declarou que o artigo 13.o, n.o 1, alínea b), do Regulamento n.o 510/2006 deve ser interpretado no sentido de que a evocação de uma denominação registada é suscetível de ser produzida pela utilização de sinais gráficos. Para se pronunciar assim, o Tribunal de Justiça considerou, designadamente, no n.o 18 desse acórdão, que a formulação desta disposição pode ser entendida no sentido de que se refere não só aos termos com que uma denominação registada pode ser evocada mas também a qualquer sinal figurativo suscetível de trazer à mente do consumidor os produtos que beneficiam dessa denominação. No n.o 22 do referido acórdão, salientou que não se pode, em princípio, excluir a possibilidade de os sinais figurativos serem aptos a trazer diretamente para a mente do consumidor, como imagem de referência, os produtos que beneficiam de uma denominação registada devido à sua proximidade conceptual com essa denominação.
28 No que se refere às atuações previstas nos respetivos artigos 13.o, n.o 1, alínea c), dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012, há que salientar que estas disposições alargam, em relação às alíneas a) e b), destes artigos, o perímetro protegido, incluindo, nomeadamente, «qualquer outra indicação», ou seja, as informações fornecidas aos consumidores, que figuram no acondicionamento ou na embalagem do produto em causa, na publicidade ou nos documentos relativos a esse produto, as quais, embora não evoquem a indicação geográfica protegida, são qualificadas de falsas ou falaciosas atendendo às relações do produto com esta última. A expressão «qualquer outra indicação» inclui informações que podem figurar, sob qualquer forma, no acondicionamento ou na embalagem do produto em causa, na publicidade ou nos documentos relativos a esse produto, nomeadamente sob a forma de um texto, de uma imagem ou de um conteúdo suscetíveis de informar quanto à proveniência, origem, natureza ou qualidades essenciais desse produto (v., por analogia, Acórdão de 7 de junho de 2018, Scotch Whisky Association, C‑44/17, EU:C:2018:415, n.os 65 e 66).
29 Quanto às condutas previstas nos respetivos artigos 13.o, n.o 1, alínea d), dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012, como salienta o advogado‑geral no n.o 49 das suas conclusões, resulta da expressão «qualquer outra prática» utilizada nestas disposições que estas visam cobrir qualquer conduta que não esteja já abrangida pelas outras disposições dos mesmos artigos e, assim, encerrar o sistema de proteção das denominações registadas.
30 Desta forma, decorre das considerações precedentes que os respetivos artigos 13.o, n.o 1, dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012 não se limitam a proibir a utilização da própria denominação registada, mas que o seu âmbito de aplicação é mais vasto.
31 Consequentemente, há que responder à primeira parte da questão submetida, que os artigos 13.o, n.o 1, dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012 devem ser interpretados no sentido de que não proíbem apenas a utilização por terceiros da denominação registada.
Quanto à segunda parte da questão
32 Com a segunda parte da sua questão, o órgão jurisdicional de reenvio pergunta, em substância, se os respetivos artigos 13.o, n.o 1, alínea d), dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012 devem ser interpretados no sentido de que proíbem a reprodução da forma ou da aparência que caracteriza um produto abrangido por uma denominação registada quando essa reprodução seja suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto.
33 Ao prever que as denominações registadas estão protegidas contra «qualquer outra prática suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto», os respetivos artigos 13.o, n.o 1, alínea d), dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012 não especificam as condutas proibidas por estas disposições, mas visam de forma geral todas as condutas diferentes das proibidas pelos respetivos artigos 13.o, n.o 1, alíneas a) a c), destes regulamentos, que podem ter como resultado induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto em causa.
34 Os respetivos artigos 13.o, n.o 1, alínea d), dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012 correspondem aos objetivos enunciados nos considerandos 4 e 6 do Regulamento n.o 510/2006, bem como nos considerandos 18 e 29 e no artigo 4.o do Regulamento n.o 1151/2012, dos quais resulta que o sistema de proteção das DOP e das indicações geográficas protegidas (IGP) visa, nomeadamente, fornecer aos consumidores informações claras sobre a origem e as qualidades do produto, de forma a permitir que tomem a sua decisão de compra com informações fiáveis e a prevenir práticas que possam induzir os consumidores em erro.
35 Mais genericamente, resulta da jurisprudência do Tribunal de Justiça que o sistema de proteção das DOP e das IGP visa essencialmente assegurar aos consumidores que os produtos agrícolas que beneficiam de uma denominação registada apresentam, em razão da sua proveniência de uma determinada zona geográfica, determinadas características específicas e, por conseguinte, oferecem uma garantia de qualidade devido à sua proveniência geográfica, com o objetivo de permitir aos operadores agrícolas que tenham feito esforços qualitativos reais para obter em contrapartida melhores rendimentos e impedir que terceiros tirem abusivamente proveito da reputação decorrente da qualidade desses produtos (v., por analogia, Acórdãos de 14 de setembro de 2017, EUIPO/Instituto dos Vinhos do Douro e do Porto, C‑56/16 P, EU:C:2017:693, n.o 82; de 20 de dezembro de 2017, Comité Interprofessionnel du Vin de Champagne, C‑393/16, EU:C:2017:991, n.o 38; e de 7 de junho de 2018, Scotch Whisky Association, C‑44/17, EU:C:2018:415, n.os 38 e 69).
36 Quanto à questão de saber se a reprodução da forma ou da aparência de um produto abrangido por uma denominação registada pode constituir uma prática proibida pelos respetivos artigos 13.o, n.o 1, alínea d), dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012, há que observar que, como alegaram a Société Fromagère du Livradois e a Comissão, é certo que a proteção prevista por estas disposições tem por objeto, nos seus próprios termos, a denominação registada e não o produto abrangido por esta. Daqui decorre que esta proteção não tem por objeto proibir, nomeadamente, a utilização das técnicas de fabrico ou a reprodução de uma ou mais características indicadas no caderno de especificações de um produto abrangido por uma denominação registada, pelo facto de as mesmas constarem desse caderno de especificações, para fazer outro produto não abrangido pelo registo.
37 No entanto, como salientou o advogado‑geral no n.o 27 das suas conclusões, uma DOP é, nos termos do artigo 5.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 1151/2012, que reproduz, em substância, a redação do artigo 2.o, n.o 1, alíneas a) e b), do Regulamento n.o 510/2006, uma denominação que identifica um produto como sendo originário de um local ou região determinados, ou, em casos excecionais, de um país, cujas qualidades ou características se devam essencial ou exclusivamente a um meio geográfico específico, incluindo os seus fatores naturais e humanos. As DOP são, por conseguinte, protegidas na medida em que designam um produto que apresenta determinadas qualidades ou características. Assim, a DOP e o produto abrangido por esta estão intimamente ligados.
38 Por conseguinte, tendo em conta o caráter não limitativo da expressão «qualquer outra prática» que figura nos respetivos artigos 13.o, n.o 1, alínea d), dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012, não se pode excluir que a reprodução da forma ou da aparência de um produto abrangido por uma denominação registada, sem que essa denominação figure no produto em causa nem na sua embalagem, possa estar abrangida pelo âmbito de aplicação destas disposições. Tal será o caso se essa reprodução for suscetível de induzir o consumidor em erro quanto à verdadeira origem do produto em causa.
39 Para apreciar se é esse o caso, como em substância indicou o advogado‑geral nos n.os 55 e 57 a 59 das suas conclusões, há que, por um lado, remeter para a perceção do consumidor médio europeu, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado (v., por analogia, Acórdãos de 21 de janeiro de 2016, Viiniverla, C‑75/15, EU:C:2016:35, n.os 25 e 28, e de 7 de junho de 2018, Scotch Whisky Association, C‑44/17, EU:C:2018:415, n.o 47) e, por outro, ter em conta todos os fatores pertinentes no caso em apreço, incluindo as modalidades de apresentação ao público e de comercialização dos produtos em questão assim como o contexto factual (v., neste sentido, Acórdão de 4 de dezembro de 2019, Consorzio Tutela Aceto Balsamico di Modena, C‑432/18, EU:C:2019:1045, n.o 25).
40 Em especial, no que diz respeito, como no processo principal, a um elemento da aparência do produto abrangido pela denominação registada, importa, nomeadamente, apreciar se este elemento constitui uma característica de referência e particularmente distintiva desse produto para que a sua reprodução possa, conjugada com todos os fatores pertinentes no caso em apreço, levar o consumidor a crer que o produto que contém essa reprodução é um produto abrangido por essa denominação registada.
41 Atendendo às considerações precedentes, há que responder à segunda parte da questão submetida que os respetivos artigos 13.o, n.o 1, alínea d), dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012 devem ser interpretados no sentido de que proíbem a reprodução da forma ou da aparência que caracteriza um produto abrangido por uma denominação registada quando essa reprodução seja suscetível de levar o consumidor a crer que o produto em causa está abrangido por essa denominação registada. Há que‑ apreciar se a referida reprodução pode induzir em erro o consumidor europeu, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, tendo em conta todos os fatores pertinentes no caso em apreço.
Quanto às despesas
42 Revestindo o processo, quanto às partes na causa principal, a natureza de incidente suscitado perante o órgão jurisdicional de reenvio, compete a este decidir quanto às despesas. As despesas efetuadas pelas outras partes para a apresentação de observações ao Tribunal de Justiça não são reembolsáveis.
Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Quinta Secção) declara:
Os respetivos artigos 13.o, n.o 1, do Regulamento (CE) n.o 510/2006 do Conselho, de 20 de março de 2006, relativo à proteção das indicações geográficas e denominações de origem dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios, e do Regulamento (UE) n.o 1151/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de novembro de 2012, relativo aos regimes de qualidade dos produtos agrícolas e dos géneros alimentícios, devem ser interpretados no sentido de que não proíbem apenas a utilização por terceiros da denominação registada.
Os respetivos artigos 13.o, n.o 1, alínea d), dos Regulamentos n.o 510/2006 e n.o 1151/2012 devem ser interpretados no sentido de que proíbem a reprodução da forma ou da aparência que caracteriza um produto abrangido por uma denominação registada quando essa reprodução seja suscetível de levar o consumidor a crer que o produto em causa está abrangido por essa denominação registada. Há que apreciar se a referida reprodução pode induzir em erro o consumidor europeu, normalmente informado e razoavelmente atento e avisado, tendo em conta todos os fatores pertinentes no caso em apreço.
Assinaturas